Aurora Serrano
O sentimento de surpresa nunca foi mais desagradável que agora, pra mim.
Desvio o meu olhar da cena que se desenvolve diante dos meus olhos, no exato momento em que ela vai beijá-lo. Não tenho certeza se o beijo é no rosto ou nos lábios, só não quero testemunhar tal coisa.
“ Que sensação desagradável é essa? ”
Cada palavra que trocam é como um golpe doloroso. Me esforço para manter um semblante passivo, mas receio não ter talento para isso. Sinto-me arrastada por uma espiral de sentimentos incontroláveis e repentinos, que eu não compreendo.
Eu queria que o chão se abrisse e me engolisse, que eu pudesse desaparecer desse lugar, escapar do peso esmagador da vergonha.
Das minhas bochechas emana um estranho calor, as minhas mãos suam, e o meu estômago contrai-se em náusea.
__ Heitor meu amor, como é bom ver você, eu estou realmente surpresa. Eu não sabia que você fazia visitas ao meu querido pai. __ Seu tom de voz é tão sedutor e teatral. É impossível não notar a desconfiança por trás de cada palavra.
Natalie, com sua presença arrogante, apenas amplifica o meu desconforto.
__ Não seja indiscreta Natalie. __ É o meu pai quem a responde, com certa rispidez.
__ Estou aqui para uma reunião com o seu pai, Natalie. Isso é tudo. __ A voz do Heitor é suave, porém denota tédio.
__ Uma reunião? Isso é muito interessante.
Observo as imagens ornamentais e entrelaçadas do tapete sob os meus pés, temendo encarar os olhos de qualquer um nesse momento, de todos eles.
A possibilidade de que alguém perceba como eu me sinto, deixa-me mortificada.
Heitor Greco é um canalha sujo e imoral. Eu nunca mais vou permitir que esse homem se aproxime de mim, novamente.
A maneira como ele me olhou e me tocou, havia tanta malícia, que me deixou desnorteada. Me sinto tão errada. Ele é comprometido, e com a Natalie.
“ Eu devia ter sido prudente.”
A minha mãe já havia me alertado sobre homens que se comportam assim.
__ Aurora querida, está tudo bem?
Não!
Meu pai volta sua atenção para mim, e me sinto apavorada. Ele vai perceber. Será que ele percebeu?
__ Sim. __ Sussurro.
__ Ah vejam só. Eu não tinha visto você aí bastarda. __ O tom de desprezo dela é quase corpóreo.
__ Natalie, cala a boca! Eu já disse que você não usa esses termos pra se referir a sua irmã. __ Meu pai dá um passo em direção a ela, seu tom de voz é tão agressivo, e sua postura tão ameaçadora que até mesmo eu me assusto.
É tão atípico vê-lo assim. Ele parece tão próximo a uma espécie de limite.
__ Ela não é minha irmã, alguem de nível tão inferior, jamais será.
Eu sou uma estúpida em estado catatônico, incapaz de se defender. Meus membros parecem paralisados diante deles.
__ Nada faz você ser minimamente agradável não é? O que há de tão errado com você. __ Meu pai parece prestes a explodir de alguma forma. Sua voz parece se elevar a cada palavra pronunciada.
Um latejar incômodo parece atingir os meus tímpanos, fazendo-me levar a mão esquerda à altura do meu ouvido.
__ Me desculpe Sr. Serrano, eu só vim servir as bebidas, com licença. __ Agitada a Cléo justifica sua presença amplamente ignorada, e sai andando rapidamente em retirada.
Eu não volto a olhar para o Heitor, eu não quero, não desejo encarar seu olhar glacial, frio, mas posso ver a Natalie segurando o braço dele com possessividade, suas unhas perfeitas, pintadas em um tom de vermelho deslumbrante, se destacando contra o tecido escuro do traje elegante que ele usa.
__ Eu não tenho absolutamente nada de errado pai, acho que você com o seu favoritismo é quem deveria se questionar quanto ao que há de errado. Eu sou sua filha legítima, e a única aceita por todos na organização...
__ Vamos conversar em particular, agora!
Meu pai avança em direção a ela, e me surpreende a maneira agressiva com a qual ele a segura.
O Heitor dá um passo para o lado, livrando o seu braço do toque dela, como quem se livra de uma coisa grudenta.
Ele não parece se importar, com nada do que se desenvolve à sua frente.
__ O que é isso? Me solta! __ Ela tenta se desvencilhar, sem sucesso.
__ Vamos conversar sua mimada ingrata. Você pode ser uma adulta, mas é a porra da minha filha e não vai agir como bem deseja, quando depende de mim para tudo.
Mesmo que eles não estejam exatamente próximos, a cena me provoca tanta surpresa, que recuo.
Ele sai praticamente arrastando ela em direção ao escritório, imparável, e me vejo sozinha com o Heitor, mais uma vez.
Eu não quero olhá-lo.
Uma tensão quase palpável paira no ar enquanto eu, ainda confusa, não consigo evitar olhar para ele mais uma vez. Nossos olhos se encontram, e uma eletricidade invisível parece estalar entre nós. Ele me observa de forma absurdamente intensa, como se estivesse tentando ler minha alma, desvendar os meus segredos mais profundos. Seus olhos azuis absurdamente lindos, normalmente tão enigmáticos, agora parecem... ardentes com desejo e um toque de preocupação.
Algo no olhar dele me fez hesitar por um momento. Me sinto atraída, mas também não quero esquecer a repulsa.
Ele é perigosamente dissimulado.
__ Aurora. __ Ele dá um longo passo na minha direção.
__ Não ouse me tocar. __ Balbucio em um sussurro. Tenho plena certeza de que era o que ele pretendia. Ele ia me tocar.
Seus olhos mostram indignação a minha recusa.
__ Você é comprometido, com a Natalie!
__ Aurora... __ E derrepente seus dedos firmes e quentes estão pressionados contra minha pele, transmitindo uma sensação de posse que me deixa alarmada.
__ Você é nojento! É típico dos homens serem porcos sem limites, não importa o compromisso que tenham. Não ouse me tocar. __ Tomada por uma coragem e ousadia que jamais imaginei possuir, me afasto.
Heitor Greco
Ela se liberta do meu toque e sai em disparada. Uma retirada rápida e assustada.
O que foi que eu acabei de fazer?
A reação dela...
Era um lampejo de desejo inocente. Eu vi. Ela sente algo por mim, algo que transcende as limitações dela.
Essa descoberta, ao invés de acalmar o meu corpo, aplacar os meus tormentos, inflama tudo ainda mais. É como se a escuridão que habita em mim encontrasse mais uma motivação proibida, deliciosa, pra continuar a alimentar o meu desejo.
Eu vi a reação em cada movimento da sua face delicada, a decepção no seu doce olhar no momento exato em que ela descobriu o teor da minha relação com a Natalie.
Me surpreende que mesmo convivendo todo esse tempo com a filha, o Francesco não tenha se dado ao trabalho de citar o fato de que a sua filha mais velha é minha noiva. Ela não sabia que a irmã é a porra da minha noiva. Eu se quer havia parado pra pensar nisso, sobre ela ter esse conhecimento ou não. Não. Porque eu me perco no extenso desejo que ela desperta em mim, toda a minha atenção nos momentos de solidão tem pertencido a ela, e também em alguns extremamente impróprios.
E se quer penso na Natelie, ou nesse noivado inútil. O modo como ela tratou a Aurora, não me surpreende, o comportamento típico de uma mulher burra.
Ah Aurora eu estou obcecado por desvendar os mistérios por trás dos seus lindos olhos azuis pálidos, tão inocentes, de mergulhar nas profundezas daqueles desejos tão juvenis.
Enquanto segurava Aurora pelos braços, seus olhos encontraram os meus com uma expressão de completa decepção e repulsa.
Aquilo me incomodou, de uma maneira que eu não esperava.
Ver a desilusão no olhar inocente dela, a maneira como ela recuou como se eu a tivesse ferido profundamente, mexeu comigo, não posso negar.
Mas a outra parte, o lampejo de desejo inocente. Ela também é cúmplice nesse jogo obscuro de atração proibida.
Sim!
Eu me sinto extasiado. Isso é esplêndido.
Sinto vontade de rir, comemorar como se fosse um tolo, descobrindo finalmente uma mina de ouro.
Ela realmente não é indiferente a mim.
Capítulo concluído ✅
Desejo a vocês um ótimo dia. 🥰
Beijos e até o próximo ❤️
Obs: tudo começará a ficar mais intenso 🔥