O Bruxo e a Foice Sombria

By carlosmrocha

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Kurdis Le'Daman é um bruxo cuja magia desperta de forma sombria, desencadeando uma tragédia que o obriga a in... More

Sobre a história e publicação (atualizado)
1. O despertar das chamas
2. A escola de magia
3. As boas-vindas
4. Fogo Verde
5. De volta ao lar
6. O Grão-Mestre
7. A antiga foice
8. Estirga
9. Que estrago!
10. A grande família
11. Patrulha
12. Chegada em et'Colmont
13. Carc'limar
14. A fuga
15. Chegada em Dera
17. Novo lar
18. Pesadelo
19. Véu Cinzento
20. Castelinho
21. O suficiente
22. Ventos da mudança
23. O Ribas
24. Subindo
25. Transfiguração
26. O mergulho
27. A profecia
28. Nova casa, novo trabalho
29. Arcanos
30. Como um pássaro na gaiola
31. Preparativos
32. Chirram
33. Massacre
34. Proteção
35. Fogo amigo
36. Contato inesperado
37. A foice sombria
38. Noite movimentada
39. Desabafo
40. As coisas sempre podem piorar
41. Reunidos
42. Adaptação
43. Com o pé na estrada
44. O sacrifício
45. Os Wux'shien
46. A Jornada de Min'Tai
47. As Chamas de Fre'garzam
48. Mestre Huolonk
49. Preso
50. Nos ermos
51. Arjune'zur
52. Mãe Kullat
53. Caçadores caçados
54. Emboscada
55. Os vetustos
56. Retorno a Tédris
57. Humildade
58. O Cranten
59. Preparativos
60. Batalha
61. Os degoladores
62. Os Cinco que São Um
Epílogo

16. Recomeço

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By carlosmrocha

O senhor Kravel sumiu por alguns dias, mas Kurdis seguiu realizando seu trabalho sob a supervisão de Turzo. O supervisor vomitou algumas instruções para Kurdis e foi para os fundos do armazém. Kurdis aproveitou e saiu pela frente para respirar.

Esse Turzo é um babaca. Mas ao menos esse emprego está me dando duas refeições por dia, um teto e uma rede para dormir.

— Oi, Gustapo! — Kurdis chamou o marujo ao vê-lo passando no cais.

— Kurdis! Como vai indo o trabalho?

— Vai bem... — mentiu sem muita convicção. — Tem informações do senhor Kravel?

— Ele está fora da cidade. Antes que pergunte, não sei quando ele volta e nem sobre a sua relíquia. Como lhe disse antes, ele a levou consigo no dia em que chegamos.

— Estou precisando de uma faca afiada...

— Você não está recebendo um pagamento?

— Sim, mas eu estava enjoado ainda, no primeiro dia e caí, danificando algumas mercadorias. Então, o único pagamento que estou recebendo são dois pratos de comida por dia.

— Entendo.

— Poderia ser um formão de talhar madeira, no lugar da faca.

— Quando estiver no seu intervalo, o levarei na carpintaria. A casa Tannis é dona de muitos negócios...

— Quem são seus senhores? São muito ricos e poderosos?

— São ricos, sim, quanto ao poder, fica todo concentrado nas mãos do rei. Casas comerciais como a nossa precisam se esforçar para obter favores da nobreza. E quando falo em favores, pense em algo como pagar menos impostos, ou então, conseguir ser favorecido em um contrato de vulto. Enfim, estou falando demais, a política aqui em Dera é bem mais complicada que isso.

Ao longe, puderam escutar os berros de Turzo.

— Strobo! Strobo! — ele completou em deravo — Onde está aquele imprestável-lambedor-de-frieiras?

— Como está o seu deravo?

— Um pouco melhor, mas já entendi o suficiente. — fez um gesto indicando o interior do armazém — Obrigado! Nos falamos mais tarde!

Kurdis entrou no local e deu de cara com Turzo.

— Aí está você! Onde estava, strobo?

— Eu estava mijando.

— Vou reduzir sua ração de água! Não estamos pagando para ficar por aí mijando!

— É claro, senhor.

— Os barris. Para o fundo, todos eles.

— Mas senhor, ontem me pediu para trazê-los para a frente...

— E o que um strobo-mijão-filha-duma-lula entende de administrar um armazém? Apenas faça o que mandei se quiser continuar por aqui!

— Sim senhor...

Esse maldito está fazendo isso tudo de propósito. Se diverte às minhas custas. Imbecil! Vamos ver quem ri por último quando eu estiver com uma vara de condução.

Kurdis vinha rolando um barril inclinado pelo corredor. Deixou-o de pé e abaixou para pegar a madeira da caixa que tinha guardado entre as estantes. Concentrou-se para um feitiço para tentar diminuir o peso do barril.

Mas que droga! A condução é quase nula. O esforço foi em vão!

Guardou a madeira no lugar rapidamente assim que Turzo gritou com ele à distância. Voltou a rolar o barril pesado, inclinando-o um pouco.

Depois que trabalhar a madeira estou certo que terá uma condutividade razoável.

Aquele trabalho lembrava os primeiros meses de instrução na escola sob a tutela do Mestre Lorran. Kurdis tinha que cumprir um sem número de tarefas aparentemente sem sentido. No entanto, havia um propósito oculto em cada uma delas. O trabalho braçal dava muito tempo para pensamentos e divagações.

O fato é que sempre detestei ficar cumprindo ordens dos outros. Deve ser bom ser rei, ou então um Grão-Mestre apenas para dar ordens a outras pessoas. O que será que se passa em Kedpir? Será que a guerra caminha para seu fim? Ou será que os kunes ainda tem surpresas a...

— Ô, strobo-defecador-de-enguias! O que pensa que está fazendo? Preste atenção, pelos bigodes do Rei Drenkinou!

— Desculpe, senhor Turzo!

O grandalhão rolou os olhos e resmungou algo em deravo, depressa. Kurdis entendeu uma parte e não gostou.

Eu nunca conheci minha mãe, de qualquer maneira...

Após aturar o trabalho por mais uma hora, a sineta do almoço finalmente soou.

Sentou-se sozinho num toco, com o fundo prato de cerâmica, sob a sombra de uma enorme carvalheira no quintal do armazém. Comeu o cozido de cabeças de peixe com purê de caldo de enguias. Tentava entender a conversa dos demais trabalhadores, que estavam às mesas longas, sentados lado a lado em longos bancos. Eles falavam muito rápido. Na escola, as lições de deravo envolviam repetir lentamente sentenças simples.

Kurdis terminou rápido e foi em direção à porta dos fundos.

— Onde pensa que vai, Strobo?

— Vou falar com Gustapo.

— Não se atrase, ou vou descontar de seu maldito pagamento.

— Claro, senhor.

Kurdis saiu do armazém. O céu estava limpo e o cais, muito movimentado, como sempre. Saiu perguntando por Gustapo às pessoas da companhia que conhecia de vista, num deravo arranhado. Ele estava no convés do Rainha Lucca.

— Olá Gustapo, bona tarde! — arriscou um cumprimento na língua local.

— É boa tarde, jovem Kurdis.

— Sobre a carpintaria? — voltou ao ked.

— Oh sim! Já me esquecia! — virou-se para os marujos e disparou algumas instruções em deravo. Desceu a rampa.

— Vamos depressa... É por aqui.

Kurdis o seguiu — Estão preparando o navio para partir?

— Sim, sim. Deve começar a ser carregado logo mais.

— Você vai? Qual o destino?

— Sim, claro! Vamos para Topemari, na Zanzidia.

— É muito longe?

— Oito a dez dias de navegação para o sul. É perto da fronteira com a Kunéria.

Então Kurdis sentiu um arrepio. O dia estava quente, céu limpo, sol a pino. E então entendeu. Passou ao seu lado, um homem vestido de branco. O manto estava amarrado na cintura por uma faixa vermelha. Nos pés, um tamanco de madeira em plataforma que conferia e ele um andar peculiar. Era careca, mas jovem, o couro cabeludo era ligeiramente cinzento, característico de alguém que raspava os cabelos. O homem passou por Kurdis, mas virou a cabeça para trás e olhou no fundo de seus olhos. Os olhos do estranho faiscavam com força mágica invisível para pessoas comuns...

Por Lorran! É um feiticeiro poderoso!

O homem desviou o olhar e seguiu por seu caminho.

— Quem era aquela pessoa? — indagou a Gustapo.

— Um shirogue. É bem raro ver um deles por aqui. Eles vivem em Trentos.

Sim, já ouvi falar na Ordem dos Shirogues de Dera, mas Trentos?

— Trentos é uma cidade?

— Não, uma ilha. É possível vê-la lá de cima. — Gustapo indicou uma torre alta e distante, visível ao final do extenso canal.

O shirogue desceu a escadaria para chegar no nível da água e embarcou num pequeno barco. O condutor empurrou o barco com sua longa vara. Então, o shirogue voltou a encarar Kurdis por mais algum tempo

Será que minha ordem sabe que estou aqui? Será que fizeram contato com os shirogues? Agora fui visto por um deles... Talvez eu precise fugir.

— Será que eu poderia ir com vocês para a Zanzídia?

— Dificilmente. Você não tem dinheiro para uma passagem e nenhum treinamento para atuar como marujo.

— Poderia carregar coisas.

— Até nisso você tem pouca experiência. Turzo já me falou sobre demiti-lo. Precisei cobrar um favor que me devia para mantê-lo no serviço.

— Entendo. Desculpe ser um problema...

— Não faz mal. Eu já passei por uma situação parecida com a sua, mas tive pessoas que me ajudaram e hoje tenho um bom trabalho e uma nova vida.

— O que aconteceu?

— Aqui estamos! — Gustapo desconversou e apontou para uma rua estreita, quase em beco. — É lá no fundo.

A carpintaria não era grande. Havia um senhor de cabelos grisalhos e seu filho. Gustapo cumprimentou o velho e conversaram num deravo muito veloz. Kurdis não entendeu quase nada do que diziam, mas escutou seu nome carregado pelo sotaque deles: Kurdish. Enquanto conversavam, Kurdis ficou observando o local.

Havia cadeiras, bancos, mesas de vários tamanhos. Havia também ferramentas, muita serragem e uma pilha de descarte, com pequenos pedaços de madeira de vários formatos e tamanhos. Kurdis se agachou e pegou alguns desses pedaços de madeira, tocando-os no chão. Até que achou uma vara quase reta do tamanho de seu antebraço.

— Eu poder ficar com esto? Quanto custar?

O velho carpinteiro ficou olhando para o rapaz, sem entender. E falou algo com Gustapo. Kurdis entendeu algo das explicações de Gustapo como: "não importa é um estrangeiro".

— Pode ficar... — o velho disse em deravo e Kurdis entendeu, agradecido.

Três semanas depois, Kurdis retornou ao local trazendo a madeira e algum dinheiro em seu bolso.

— Boa tarde, senhor. Quanto custar para cortar e lixar esso madeira, deixar o melhor reta?

— Você é o peixinho stravano de Gustapo, noé?

— Kurdish.

— Gustapo já voltou?

— Não.

O velho chamou o filho, pegou a madeira da mão de Kurdis e falou muito depressa, deixando o rapaz sem entender boa parte do que disse.

— Volte amanhã. Traga uma prata furada.

— Obrigado!

A madeira, não acabada, era densa e tinha uma condutibilidade razoável. Com ela, Kurdis vinha conseguindo fazer feitiços para reduzir o peso de suas cargas. Passou a trabalhar bem melhor e finalmente conseguiu tirar Turzo de seu pé. Não quebrou nada, fez o trabalho de modo eficiente e, finalmente, recebeu algumas moedas como pagamento.

Foi neste dia, quando retornava para o armazém, que viu o senhor Kravel pela primeira vez.

— Senhor Kravel! Que bono ver tu!

— O kedpirense de Gustapo? Ora, pode falar comigo em ked. Seu deravo machuca meus ouvidos.

— Muito obrigado por ter me dado um emprego.

— Não foi nada... me desculpe, mas estou ocupado.

— E quanto a minha relíquia?

— Relíquia? Ah, sim, refere-se aquela foice de guerra...

— Sim, o senhor abriu meu embrulho?

— Tive que fazê-lo... Não me entenda mal. Meu auxiliar cortou a mão quando estava guardando o objeto no meu escritório. Devia ter me avisado...

— Desculpe, não pensei que...

— Já passou. O Fredo está bem, não foi nada de mais.

— O senhor pode me devolver?

— Sim e não...

— Como é?

— Ocorre que meu chefe, Jargen Tannis, esteve no meu escritório e viu a foice apoiada no canto. A relíquia, como você a chama, chamou muito a atenção do senhor Jargen. Ele e a levou ao Duque de Corbal, que é um colecionador de coisas antigas. E o duque estava interessado em comprar a peça.

— O senhor vendeu a minha foice?

— Não, eu não faria isso, pois não me pertencia. Você tem sorte de não ter vindo para Dera numa embarcação dos Prampu, ou pior dos Varuingos. Eles teriam jogado seu corpo chumbado na baía para servir de alimento aos lagostões.

— Alguma sorte ainda deve me restar...

— Muito mais que imagina! O valor que estou pensando em pedir é alto. Podemos dividir o lucro. Daria um bom pé de meia para você, que está aqui exilado... Então...

— Eu não quero vender. É de família.

— Ora, como é mesmo seu nome?

— Kurdish — respondeu assumindo a pronúncia local.

— Andamos pesquisando enquanto o negócio está por fechar... Descobri que essa relíquia é muito antiga, do tempo do Império da Lacreméria, ou mesmo de antes. Estou falando de não menos um valor de mil serpes só a sua parte! Você poderia comprar um barco e eu o colocaria a serviço da Casa Tannis, você poderia deixar de ser apenas empregado e ter renda como empregador. Eu mesmo fiz isso...

— Mas não quero vender.

— Você precisa pensar melhor... Pedir ao senhor Jargen para desfazer o negócio me custaria muito caro...

— Eu já pensei. Peça a ele... E me devolva o que me pertence.

O sangue sumiu do rosto de Kravel. Sua boca ficou seca. Contraiu os músculos e apertou os punhos.

— Podemos chegar a duas mil. Duas mil serpes. Não entende?

— Eu entendo. Pode valer muito mais que isso em Kedpir.

— Kedpir está em guerra.

— Mas não estará em guerra para sempre. Eu sei que desfazer um negócio é inconveniente, mas façamos o seguinte. Desfaça o negócio e lhe prometo uma parte do valor para vendermos ao Grão-Mestre Coltur. Ele é um grande colecionador e muito rico, posso lhe garantir.

Kravel torceu os lábios e concordou.

— Eu não imaginava... Mas tudo bem. Sabe negociar... Qual era sua casa em Kedpir?

— Não importa mais. Minha casa caiu.

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