𝚀𝚞𝚊𝚗𝚝𝚒𝚍𝚊𝚍𝚎 𝚍𝚎 𝚙𝚊𝚕𝚊𝚟𝚛𝚊𝚜: 𝟷.𝟸𝟽𝟹
𝙲𝚊𝚙𝚒𝚝𝚞𝚕𝚘 𝟶𝟷
Blue sabe que, mais cedo ou mais tarde, algo desse tipo vai acontecer. Ela só não sabe que vai ser tão cedo. Sua mãe morreu recentemente e, após isso, seu pai ficou transtornado. Ele bebe demais e é viciado em jogos de azar, e por esse motivo fez uma imensa dívida. Para a infelicidade da jovem, a forma encontrada para quitá-la foi o casamento. Blue tem apenas dezoito anos e sonha alto. Ela sonha em terminar os estudos, fazer uma faculdade, encontrar um príncipe encantado e casar por amor. Mas, a cada instante em que vê seu reflexo no espelho, usando um vestido branco, ela sente como se alguém estivesse pisando em seus sonhos e os quebrando um por um.
Duas batidas na porta fazem Blue se assustar. Uma mulher alta e morena entra no quarto, trazendo uma expressão rígida e séria. Ela usa um terno preto e tem o cabelo curto, um pouco abaixo das orelhas. Blue sente o olhar frio da mulher sobre si e tem vontade de chorar, mas as lágrimas não caem; talvez já estejam se esgotando.
— Estão todos te esperando — diz ela, abrindo mais a porta.
Blue sente seu coração acelerar no peito, sentindo até um pouco de falta de ar, mas acompanha a mulher, temendo que, se não fosse, seria arrastada contra sua vontade até o local. A garota já imaginou seu noivo de todas as formas possíveis. Ela sabe que ele é dono de diversas casas de apostas pelo estado, talvez o homem mais rico da região. Porém, pouco se sabe sobre ele, já que nunca aparece em público nem visita nenhum de seus estabelecimentos.
A mulher morena guia Blue até um pequeno salão onde há dois homens altos e fortes, ambos vestindo ternos pretos e óculos escuros. Blue percebe que estão armados e se questiona o porquê, mas mantém a curiosidade para si.
— Senhor? — chama a morena, entrando atrás da garota.
Um terceiro homem de terno aparece na minúscula sala, e Blue sente que poderia desmaiar, morrer ou simplesmente evaporar. O homem à sua frente é definitivamente mais velho que o pai dela, tem cabelo branco e um nariz grande, é bem mais alto que ela e tem uma barriga saliente.
— Ela é bem mais nova do que foi dito — diz o homem com voz rouca e baixa, os olhos vagando pelo rosto e corpo da garota. Blue sente vontade de vomitar. — Qual é o seu nome?
— Blue.
— Ele já chegou? — pergunta o homem à mulher morena.
— Sim, senhor — confirma ela.
— Vamos, querida, hora de conhecer seu noivo — fala o velho, estendendo a mão. Blue caminha até ele, que segura seu braço trêmulo, e os dois homens fortes abrem uma segunda porta que dá para uma capela.
A capela é simples, com cerca de seis bancos de madeira, todos desocupados e sem nenhuma decoração. O teto e as paredes são de madeira, e um pequeno altar está à frente, elevado alguns poucos centímetros do chão. Cerca de quatro homens altos e fortes estão no local, e dois casais, que Blue conclui serem as testemunhas, estão de pé ao lado do pequeno altar. Um outro homem, usando um terno impecavelmente preto com o que parece ser uma corrente por cima da camisa branca, espera. Seu cabelo está penteado para trás, e ele tem uma expressão séria, olhando para um ponto qualquer acima da cabeça da garota. O homem com certeza é bem mais velho, porém bonito.
O senhor entrega Blue ao homem, que não diz nenhuma palavra e continua olhando para um ponto qualquer acima de sua cabeça. Ela sente que ele cheira a álcool e cigarro e começa a ficar apavorada. Sentindo-se traída pelo pai, por si própria e pela vida, é com um peso no coração que Blue pronuncia "aceito" quando o padre lhe pergunta se aceita casar. Ela percebe que foi propositalmente retirado o "por livre e espontânea vontade" e, ao sair da capela e entrar no carro preto acompanhada de seu marido, Blue finalmente sente uma lágrima descer por sua bochecha.
Enquanto o carro faz o percurso até a mansão onde vai morar a partir daquele dia, Blue chora em silêncio. Ela vira o rosto para a janela, observando enquanto deixam o centro da cidade e seguem por uma estrada cercada por plantas altas. A garota sente cada vez mais o peso no coração aumentar; dói pensar que tudo o que sonhou, tudo o que planejou, todos os seus desejos e ambições estão acabando. Seu futuro é incerto. Ela não sabe quais serão suas obrigações a partir daquele momento e torce para que não seja obrigada a ter filhos. Ela sabe que não será capaz disso e só quer continuar levando uma vida normal. É tudo o que ela mais quer.
O carro para, depois do que parece ser horas. Blue seca suas lágrimas no mesmo instante. Alguém abre a porta, e ela desce do carro, olhando para a imensa casa à sua frente. Ela vê o momento em que o moreno, agora seu marido, passa por ela acendendo um cigarro e entra na casa, sumindo pela porta da frente.
— Senhora, prazer! Sou Anne, vou lhe mostrar seu quarto! — diz uma mulher, assustando a garota.
Blue a observa. A mulher parece ter uns trinta anos. É loira, com olhos castanhos, bem mais alta, e usa uma roupa mais casual. Traz consigo uma pequena prancheta, e Blue repara em um plug em seu ouvido, provavelmente um fone de ouvido.
Sem questionar, Blue a segue, entrando na casa sem perder tempo observando a decoração. Ela acompanha a mulher até o primeiro andar e entra na última porta do corredor que a mulher indica.
— Suas roupas já foram organizadas no closet. As demais coisas ainda estão nas caixas, e peço desculpas por isso, houve um imprevisto e não conseguimos arrumar a tempo — fala Anne. — Aqui está a chave do quarto, um cartão com os números dos principais funcionários. Amanhã pela manhã, um carro vai te buscar para te levar até a escola e trazer de volta. O senhor Smith já lhe incluiu na conta da família, e aqui está seu cartão de crédito, sem limite, então pode usá-lo sem medo. Alguma dúvida?
— Um carro vai me levar para a escola?
— Sim, senhora. O senhor Smith garantiu isso. Um segurança, obviamente, irá lhe acompanhar, mas será discreto. Algo mais que posso ajudar?
— Esse quarto é só meu? — pergunta Blue, temendo a resposta, mas ficando aliviada quando Anne confirma que o quarto é somente seu. — Obrigada, Anne!
A loira sai do quarto, deixando Blue sozinha. A garota caminha apressada até a única porta do quarto. Ela entra no closet e se depara com um imenso espelho à sua frente. Ela para e se olha, vendo sua imagem refletida ali: o vestido branco e simples, levemente amassado, seu cabelo amarrado em um coque sem graça e os olhos vermelhos. Blue suspira, retira o vestido, o joga em um canto do closet, desejando nunca mais ver aquela peça de roupa, e entra no banheiro. Debaixo do chuveiro, ela deixa a água quente levar mais lágrimas para fora de seu pequeno corpo.
Naquela noite, Blue não dorme. Ela fica na cama, deitada, encarando o teto acima de sua cabeça e tentando encontrar algum sentido em tudo aquilo. Ela espera que seu pai se comporte depois disso, depois de tê-la dado em casamento a um completo estranho. Ela não espera que milagrosamente se apaixone por quem quer que seja seu marido, ou que ele retribua o sentimento. Blue sabe perfeitamente bem que contos de fadas ou almas gêmeas não existem, e caso existam, ela está fadada a nunca ter o seu.
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𝙾𝚒 𝚊 𝚝𝚘𝚍𝚘𝚜/𝚝𝚘𝚍𝚊𝚜!
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