O Grande Jogo

By Machado-Ribeiro

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Jacqueline Andrade estava em suas merecidas férias após uma missão na América Central. Porém, quando Fabian A... More

Avisos
PRÓLOGO: Triste Fim
UM: Surpresas Passionais
DOIS: Cidade dos Espiões
TRÊS: Festa Mágica
QUATRO: Caçada Inicial
CINCO: Desorientação
SEIS: Controle
SETE: Conflito Obscuro
OITO: O Salvador
NOVE: A Companhia
DEZ: A Verdadeira Escuridão
ONZE: Rumores
DOZE: Políticas
TREZE: Adinkras
QUATORZE: Terror
DEZESSEIS: Desespero
DEZESSETE: Alternativas
DEZOITO: O Grande Jogo
DEZENOVE: Cerco
VINTE: Justiça
VINTE E UM: Salvação
EPÍLOGO: Operação Noel

QUINZE: Demônios

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By Machado-Ribeiro

Base Francesa, N'Djamena, Chade. África Ocidental. 17 de outubro de 2018

O hospital da base militar francesa em N'Djamena fornecia atendimento de emergência aos oficiais da Embaixada e suas famílias. Outrora pouco movimentado, os corredores bem cuidados estavam cheios, repletos de pessoas de inúmeras nacionalidades.

Jacque se surpreendeu pelo pronto atendimento. Não muito pela marcha ininterrupta de um séquito de soldados uniformizados, quase todos condecorados vindo em sua direção. Possivelmente obra de Aziz.

Dê uma vantagem para que eles ajam, foi o que ele disse antes de sumir pelo hospital e deixá-la sozinha com um jovem anestesiado e algemado a cama. No soro, o rosto inocente e tranquilo, jovial e infantil, nada se parecia com a carranca e o escárnio de um terrorista mágico.

O líder do séquito parou diante da porta, ordenou que apenas dois entrassem no quarto e a cumprimentou após a porta fechar.

— Sou General Dupont, Comandante Geral das forças francesas nesta região. — O aperto de mão era firme. — Soube pelo secretário Aziz que o detento é um dos causadores dos atentados.

A entonação de Dupont era clara e concisa. Ele não via o jovem apenas como um acusado, preso, à espera de uma investigação mais detalhada. Era um detento sem direitos a Convenção de Genebra, livre para ser maltratado e torturado. A naturalidade de como ele dizia aquelas palavras fez Jacque pensar no que faziam com os prisioneiros no Chade.

Sentiu o estômago embrulhar.

— A palavra que você procura é suspeito, General. — Confrontos contra os líderes locais não era o que ela queria, então seria política. — Eu o capturei durante uma tentativa de fuga e não encontrei indícios de culpa além de um grande ódio pela cultura ocidental.

— É o que basta para esses animais. — O preconceito era evidente a cada vez que Dupont abria a boca. — O entregarei para o governo chadiano após descobrir seus cumplices.

Meneou a cabeça para os dois ajudantes, que sem dizer nada, se movimentaram para os dois lados da cama.

— A chave das algemas, por favor. — Entendeu a palma aberta para Jacque.

Ela tinha inúmeras opções. Dar a chave das algemas e permitir que um garoto magro, quase raquítico, de treze anos sumisse na burocracia estava fora de cogitação. Confrontar os soldados muito menos, tinha certeza de que poderia amassar a cara do general e seus ajudantes, mas uma base inteira era demais para suas habilidades.

Sem contar a dor no abdômen. A eficácia dos remédios era diretamente proporcional as horas que ela ficava sem tomá-los. Tinha que ser inteligente.

— O governo capturou mais algum terrorista? — Não deu a chave. Na verdade, deu alguns passos para trás e apoiou-se na grade de metal da cama.

— Todos morreram em confrontos com o exército ou a polícia. — Dupont cerrou o punho, descendo de leve a sua mão. — Ele é o único que temos.

— Então meu suspeito é a galinha dos ovos de ouro para o governo, não é mesmo? — Ela sorriu de forma debochada, encarando os dois assistentes pessoais de Dupont, estáticos à beira da cama. Um estava bem perto dela, centímetros de distância. Do outro lado da cama, o segundo soldado mal lhe dava bola. — Garanto que vocês chamarão Jack Bauer para interrogá-lo e, como ele ainda é uma criança, contará tudo o que querem saber.

— Exato. — Dupont devolveu o riso debochado. — Estamos nos entendendo, agente Andrade.

— Acho que estamos longe de estarmos no mesmo barco, General. Sequer estamos no mesmo oceano. — O instinto de luta ou fuga de Jacque aumentava a cada segundo. — Não deixarei meu suspeito se tornar um peão político para fermentar sua agenda com o governo.

O olhar arregalado de Dupont rapidamente mudou para a um olhar raivoso.

— Entretanto, eu posso permitir que você participe do interrogatório. — Jacque estava tão tensa que todos os seus músculos reclamavam. — Minhas descobertas serão suas descobertas.

Dupont olhou para seus assistentes. O mais próximo deu de ombros, indiferente. O mais sério e compenetrado anuiu com a cabeça.

— Sei que vocês são da mesma coalizão do Egito e querem a mesma coisa. — Ela continuou. — Por mais que eu seja uma agente da Interpol, estou aqui como subordinada de Aziz, o representante egípcio. Sou sua assistente executiva.

— Guarda-costas.

— Como queira chamar. — Jacque deu de ombros. — Você acha que eu irei contra as ações de Aziz, mesmo que as respostas que eu consiga não sejam obtidas da forma que você gostaria?

Dupont ponderou por alguns segundos, tempo o suficiente para um oficial, cuja farda o identificava como Garnier, cruzar a sala e cochichar algo no ouvido do general. Jacque escutava sem parar o tique-taque do relógio da enfermaria.

— Eu observarei seu interrogatório, agente Andrade. — Ele sorriu. — Que começará assim que os médicos autorizarem.

Certamente daqui alguns minutos. Não sou inocente, Dupont. Ela sabia muito bem ler as entrelinhas. Pelo menos conseguiu seu objetivo e fez a comitiva desaparecer pelos corredores movimentados.

Por quanto tempo conseguiria manter aquela criança segura? O que aconteceria após o interrogatório? Precisava das respostas, precisava saber onde tudo aquilo acabaria, pois o mundo mágico estava a um triz de desmoronar.

Os soldados não tiveram pena de Youssouf. Ele mal tinha saído do soro e já o colocaram em uma sala de interrogatório improvisada, com paredes mofadas e cujo cheiro de urina seca permeava o local. Até a mesa de metal já teve seus melhores dias.

Apesar de algemado à cadeira, ele tentava se manter sereno. As fungadas e os gestos com os dedos para enxugar os olhos denunciavam o fracasso de manter suas emoções escondidas.

Do outro lado da janela de vidro, Jacque via tudo com um aperto cada vez maior no coração. Uma verdadeira vítima da lavagem cerebral e que, após o interrogatório, seria levado a uma corte fantoche onde o destino era um só: a morte.

Puxou Aziz, que confabulava com Dupont e Garnier, para um canto e tentou sua última cartada. A última chance de evitar um sacrifício sem sentido.

— É possível levá-lo para Haia? — Não poupou palavras.

— Tecnicamente é. — O egípcio lhe deu esperanças. — Sim, é possível. Mas é muito difícil.

— Como assim? — A alegria da resposta anterior desapareceu.

— O Chade quer fazer dele um exemplo. — Aziz sentia o gosto amargo de suas palavras. — A França quer oferecê-lo como recompensa ao governo, a CIA lavou as mãos e meu país quer que eu siga as ordens dos franceses. Eu teria que convencer dois governos, e isso está longe de ser simples, para ele conseguir transferência para Haia.

— Eu sei que você tem alguns truques na manga. — Jacque estava desesperada, queria exaurir todas as alternativas. — Você é Fabian fucking Aziz. O maior gestor de crise do planeta, capaz de dobrar presidentes a seu bel prazer. Por favor, Fab...

Aziz gargalhou. Jacque não viu graça alguma.

— Eu posso convencer os governos a mantê-lo vivo e preso em Haia. — Aziz coçou o queixo. — A depender do que ele disser.

Ela franziu o cenho e cerrou os olhos de forma inquisitiva.

— Se ele disser que é uma das crianças envolvidas na Operação Noel e ser uma prova viva de que o mundo quer Habret na presidência do Chade, desculpe, mas ele vai morrer. — Aziz ponderou. — Queima de arquivo.

— Eu sinto um mas vindo aí... — Impaciente, Jacque não via a hora dele continuar.

— Se ele apenas puxar a autoria do atentado para sua organização obscura, criticando o governo, sem dizer muito sobre seus chefes, isso me daria argumentos para intercalar aos Deuses. — Aziz sempre chamava de Deuses os principais países do planeta e suas coalizões secretas. —Youssouf seria uma prova de que o atual presidente nada faz pela população e que permite que um garoto de treze anos seja o instrumento de terroristas.

— Você consegue tecer essa narrativa? — Ela arregalou os olhos.

— Caso você conduza o interrogatório dessa maneira. — Aziz completou, piscando o olho. — É inumano, é cruel manipular uma criança de treze anos, já com a mente fragilizada a dizer essas coisas, mas seria a única forma de convencer todos a levá-lo para Haia.

Jacque respirou fundo e não titubeou. Já estava nas profundezas do inferno.

— Eu tentarei. — Resoluta, encarou Aziz. — Com todas as minhas forças.

— Vai lá e arrasa, Jac. — Com um sorriso, Aziz a puxou e deu um leve beijo em seu rosto. — Estarei aqui, assistindo de camarote ao show.

Respirou fundo, engoliu em seco e avisou que iria entrar para os guardas à porta. Dupont e Garnier pararam de conversar entre si e passaram a prestar atenção nas nuances da agente. Qualquer erro...

Dissipou os pensamentos ao dar os primeiros passos para dentro da sala. É hora do show.

Desabotoou os dois primeiros botões de sua camiseta e empinou um pouco os seios de forma despretensiosa. Também soltou um pouco os cabelos. Pôs as mãos nas alças do jeans e revirou o caso na mente enquanto pensava nas perguntas que faria.

Dando tempo o suficiente para Youssouf analisá-la.

Na mente de um garoto que entrava na puberdade o que ele via? Um demônio em forma de mulher, lhe seduzindo e impedindo a ascensão ao Eden ou uma salvadora, a última linha de defesa contra as forças que queriam sumir com ele?

Jacque gostava de pensar que era a segunda. Pela forma que Youssouf se remexeu na cadeira, umedeceu a boca e olhou para seu busto. O bom era a necessidade de tirá-lo de seu elemento, distraí-lo e deixá-lo susceptível.

Ele ficou cabisbaixo ao perceber que ela o encarava. O guarda perguntou se ela precisaria de alguma coisa, mas ela poderia muito bem lidar com um garoto algemado e inofensivo.

Escutou a porta bater antes de começar. Também aproveitou para ligar a câmera que estava em cima da mesa.

— Posso gravar?

— À vontade, demônio. — Ele, abatido, meneou positivamente.

— Jacqueline Andrade, agente da divisão de Crimes Extraordinários da Interpol, — ela disse mais para a câmera do que para o preso. — Entrevistando Youssouf Amine, natural de Bol, Chade. — Engoliu em seco. — Treze anos.

Ele grunhiu, ela continuou.

— Só quero entender, Youssouf. Sabemos que você faz parte de uma célula de um grupo terrorista.

— Resistência. — Raivoso, ele dirigiu os olhos ao seu decote e os arregalou ao notar a sensualidade da agente. Esfregou as coxas, mesmo algemado, e balançou a cabeça para os lados.

Jacque sorriu maliciosamente.

— Eu chamaria de no máximo insurgência. Ninguém...

— Olha, vadia gostosa, você toda branquinha e princesinha, não tem direito de dizer o que a gente é ou deixa de ser. Nas mãos...

— Seus próprios conterrâneos pensam assim, Youssouf. — O cortou com firmeza. — Afinal, você matou inocentes, pessoas que só querem viver sua vida, longe de jogos políticos ou governo. — Depois se inclinou para frente e entrelaçou os dedos em cima da mesa. — O que inocentes fizeram para você?

— Só olhar pra aonde a gente vive! — Cuspiu no chão e evitou olhá-la nos olhos. — Só olhar para que o governo faz! E o povo não faz nada, esses filhos da puta. Eles mal dão atenção! Eles merecem morrer!

— Deixe-me dar um choque de realidade para você, Youssouf. — Jacque se recostou na cadeira. — Nunca, jamais, compare um governo com sua população.

— Cada um tem o governo que merece.

— A vida, as nuances da realidade, são muito mais complicadas para você afirmar isso com toda certeza. — Balançou a cabeça. — O que aconteceria se alguém destruísse a sua vida ou seus amigos?

— Eu matava — murmurou, fitando o chão.

— Então, se eu mandar entrar a mãe que perdeu um filho por sua causa ou um menino que ficou órfão, o que faria? Eles poderiam te matar?

Ele engoliu em seco, pela primeira vez, vendo contradições em sua própria lógica.

— Você quer morrer e atingir o nirvana, o Eden. Por uma causa. As vítimas lhe querem morto, sua alma ardendo no inferno. — Pendeu a cabeça para o lado. — Sua causa é melhor que as delas?

— Sim! Eu estou lutando pela liberdade em nome de Alá.

— Vou chamar aqui o imam e dizer se o que você fez foi em nome de Alá.

Um meneio de cabeça e a porta se abriu, mostrando um homem bronzeado, de face enrugada, com uma barba cheia e grande. Youssouf arregalou os olhos e se remexeu desconfortavelmente.

A porta se fechou e Jacque voltou a se inclinar para frente. O garoto encarou o decote, o rosto fino e quase etéreo, e desviou o olhar, enrubescido. O pomo de adão subiu e desceu várias vezes.

— Você é uma vagabunda! — Youssouf gritou, ignorando as algemas que feriam seu pulso. — Uma jinn querendo me seduzir e me levá para o buraco do inferno.

— Está funcionando?

Youssouf pigarreou e esfregou as coxas mais uma vez. Ah, a puberdade.

— Vou assumir que sim. Quem foi que te ordenou a atacar?

— Nem que eu quisesse eu poderia lhe dar esse nome. — Ele tentou gesticular, mas as correntes das algemas o prendiam. — Não sou dedo duro. Eles morrem cedo.

— Você vai morrer cedo, sim, se não disser — Jacque debochou. — E como você sabe, não é o céu que lhe espera.

— Quem disse? Uma americana que não conhece nossa realidade? Quem é você pra dizer se vo pro céu ou não?

Jacqueline por um momento fraquejou, mas antes que Youssouf pudesse abrir um sorriso vitorioso, a porta da sala de interrogatório se abriu e Aziz entrou. O silêncio, formado com uma pergunta sincera de um garoto, foi rompido pelo murmúrio do espião egípcio.

Em nome de Alá, o Clemente, o Misericordioso. Louvado seja Alá, o senhor do universo. Soberano do dia do juízo final, só a Ti adoramos, só a Ti imploramos ajuda. — Aziz rodou por trás do garoto e pôs mãos em seus ombros magros. — Alá é clemente, misericordioso. Você acha que matar alguém que nada lhe fez, incluindo o companheiro de reza, é algo que vai lhe fazer entrar no reino dos céus?

Aziz se inclinou para frente e sussurrou algo em árabe no ouvido do garoto. Jacqueline viu como os olhos de Youssouf se arregalaram e como as pupilas dilataram.

Youssouf fungou e olhou para o teto sujo.

— Podem sair daqui? — Comentou. — Eu quero me confessar com o imam e você me desconcerta demais. Meus pensamentos estão em conflito e não preciso de distração.

Ela abotoou a gola da camiseta e meneou positivamente para a janela. A porta se abriu novamente e, desta vez, o imam entrou. Tanto Aziz quanto Jacque saíram, mas antes da porta bater ela viu uma gota de lágrima caindo do canto dos olhos do garoto.

Ela trouxe o olhar inquisitivo para Aziz, assim que ouviu o som da fechadura.

— O que foi que você disse para ele se render?

— Uma mentira. — Vendo que ela não ia deixar por isso mesmo, ele suspirou. — Eu disse que um imam tinha morrido. O que aconteceria com ele se matasse um dos pregadores da palavra do profeta? Iria mesmo para o céu?

Ela não disse nada. Anuiu ao abrir a porta da sala adjacente e, junto aos soldados franceses, ver as revelações de Youssouf para o imam.

— O que acharam? — Jacque perguntou quando a história de Youssouf chegou ao fim.

— Funcionou melhor do que eu esperava. — Garnier olhou para Dupont.

— Só por que ela é uma modelo da Playboy e o detento, uma criança. Isso facilitou demais o trabalho do Imam.

— Mais respeito pela minha assistente por favor, Dupont. Não quer que eu ligue para seus superiores, não é? Eu tenho o presidente e o chefe das forças armadas francesas na minha agenda. Algumas palavras em seus ouvidos e sua carreira terá um fim.

Dupont grunhiu, engolindo a irritação.

— Os nossos amigos concordaram com minha sugestão de levá-lo para Haia — Aziz se voltou para ela —, mas teremos que capturar todos assim que recebermos o nome e a localização.

— E quando começamos? — Jacque estava preparada para chutar alguns traseiros.

— Agora.


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