Talvez desta Vez

By Orionyargi

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Após dois anos morando em outra cidade, Ceylin se vê obrigada a retornar a Istambul. Uma ameaça à sua vida ac... More

Talvez desta Vez - Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7

Capítulo 8

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By Orionyargi




Aêêê! Finalmente chegamos ao fim dessa aventura! E que montanha de russa de emoções essa fic tem sido.

Só tenho agradecer a vocês pelo carinho e por todo apoio que sempre me dão!

Esse capítulo está recheado de referências a capítulos anteriores. Quem leu tudo recentemente e/ou tem boa memória vai saber exatamente do que estou falando.

Sem mais delongas, vamos para o que trouxe vocês até aqui 😉


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"Não sei como são chamados, os espaços entre os segundos, mas penso em você sempre durante esses intervalos." - Salvador Plascencia


Talvez desta Vez - Capítulo Oito

Ilgaz mexeu-se na cadeira estofada da sala de espera do hospital em busca de uma posição melhor. Seus músculos doloridos protestaram a acomodação desconfortável, mas o promotor tratou de ignorá-los.

Um relógio antigo na parede quebrava o silêncio do ambiente ao arrastar seus ponteiros de forma ritmada, mas Ilgaz mantinha-se completamente alheio à passagem do tempo. Não sabia se faziam duas, doze ou vinte horas desde a última vez que olhara no relógio e, francamente, não se importava.

Tanta coisa havia acontecido no último dia que parecia ser impossível manter-se a par. Os eventos estavam tão iminentes em sua mente que, mesmo acreditando que tudo ficaria bem, não conseguia relaxar.

Ceylin encontrava-se em um leito na unidade de terapia intensiva a apenas alguns metros de onde Ilgaz estava, mas ele ainda não conseguira vê-la. A advogada havia sido submetida à uma toracotomia de emergência para reparar os estragos sofridos pela ferida à bala.

Ilgaz não gostava nem de lembrar-se do pânico que o assaltara quando toda a cena se desenrolara.

O som inconfundível de um disparo deixando o revólver seguido pelo barulho abafado da bala perfurando o corpo da mulher que amava ainda o assombraria por muitas noites. Por uma fração de segundo, Ceylin olhara em seus olhos. Mas então o sorriso desaparecera subitamente do rosto dela, fazendo Ilgaz crer que a havia perdido para sempre.

Ele ajoelhara-se em desespero ao lado da advogada enquanto a força policial que o acompanhara até o local tratava de prender o Professor Sinan e seu comparsa.

Quando a ambulância chegou ao local, poucos minutos depois, o alívio de descobrir que Ceylin ainda estava viva fora prontamente substituído por uma nova onda de terror. A vida dela seguia por um fio.

Ao chegar ao hospital, o promotor experimentara a impotência de não poder fazer nada. Ilgaz passou as horas seguintes em pé no exato saguão onde se encontrava agora. Aos poucos, pessoas haviam se juntado a ele. Algumas haviam permanecido, outras, ido embora. Mas todas chegavam até lá com o mesmo propósito: obter notícias de Ceylin.

Diferentes emoções eram expressadas conforme as horas se passavam. Alguns haviam gritado, outros derrubado coisas, muitos choraram até não conseguirem mais manter-se de pé.

Mas Ilgaz permanecia estoicamente alheio a qualquer demonstração de emoção. Sua expressão impassível enganaria qualquer um que não o conhecesse bem a pensar que o promotor estava encarando aquela situação sem qualquer envolvimento.

Mas, por dentro, Ilgaz sentia-se como se estivesse no fundo de um poço frio e distante onde todas as vozes que chegavam até ele eram abafadas por um véu de medo e agonia.

Não podia perdê-la. Havia acabado de reconquistá-la. Ilgaz não suportaria.

O promotor barganhou com Deus durante as horas seguintes, incapaz de verbalizar qualquer coisa sob o risco de perder-se em sua própria escuridão.

Quando o cirurgião que a atendera finalmente se encaminhara para dar à família a excelente notícia de que Ceylin sobrevivera ao procedimento, Ilgaz experimentara uma das mais doces sensações que já vivera.

O promotor assimilara as palavras do médico, compreendendo que o estado de Ceylin era grave e inspirava cuidados intensivos. Por muito pouco a bala não atingira o coração da advogada. Ela havia se safado daquela vez com uma séria contusão pulmonar que havia sido parcialmente reparada pela equipe cirúrgica, além da completa fratura de uma das costelas que absorvera a maior parte do impacto do trauma. Mas a advogada ainda teria uma longa e dolorosa trajetória de recuperação pela frente.

As visitas ao setor de terapia intensiva eram estritamente limitadas. Como Ilgaz não era mais formalmente casado com Ceylin, não conseguia provar nenhum grau de parentesco e, por isso, teve sua entrada impedida em favor de Gül e Aylin.

Apesar de desesperadamente desejar vê-la, Ilgaz era conformado pelo fato de saber que Ceylin estava bem e sob excelentes cuidados. A advogada ainda encontrava-se sedada e respirando por aparelhos, mas Ilgaz esperaria pelo que momento que ela acordasse e pudesse verbalizar seus desejos.

No momento em que Ceylin pedisse para vê-lo, Ilgaz estaria ali para atendê-la.

— Você não vai para casa? — a voz de Eren trouxe Ilgaz de volta do transe no qual se encontrava.

O promotor limitou-se a negar-se com a cabeça.

— Vá tomar um banho e comer alguma coisa — Eren sugeriu — você está aqui há mais de vinte e quatro horas — o comissário afirmou, alarmado — prometo que ficarei aqui e, se qualquer novidade aparecer, ligo imediatamente.

— Não — Ilgaz recebeu das mãos do comissário uma garrafa de água quando Eren insistiu que a pegasse, mas não se deu ao trabalho de abri-la — irei embora quando souber que Ceylin está bem.

— Ela está bem, irmão — Eren confirmou, aliviado — os médicos disseram que ela teve uma resposta boa à cirurgia e deverá fazer uma recuperação completa. Aylin saiu do CTI agora mesmo e confirmou que apesar de ainda grave, ela encontra-se estável.

— Preciso ver com meus próprios olhos para ficar em paz — Ilgaz insistiu teimosamente — vou esperar.

Eren suspirou, aceitando a derrota. Sabia que não conseguiria convencer Ilgaz a deixar o hospital por melhores que fossem seus argumentos.

O comissário também sabia que trabalho era a última coisa na cabeça do promotor naquele momento, mas precisava mantê-lo a par dos últimos acontecimentos.

— A propósito, a perícia terminou de analisar o seu celular e confirmou o que suspeitávamos — Eren tentou conter um sorriso de orgulho que ameaçava tomar forma em seu rosto — Ceylin realmente o usou para gravar toda a conversa que teve com aquele demônio — o rosto do comissário se transformou em uma careta de revolta e desprezo — ela provavelmente o envolveu naquela conversa e fez todas as perguntas de forma a ter provas para incriminá-lo.

Ilgaz não precisava que o amigo lhe explicasse os detalhes para entender o plano genial de Ceylin. A engenhosidade e esperteza dela nunca falhavam em surpreendê-lo. Mesmo em face do perigo, Ceylin ainda assim dera um jeito de ajudá-los e a si também. Ela não apenas havia produzido provas importantes que ajudariam a condenar seu antigo professor, como também havia acionado no aparelho de Ilgaz diversos aplicativos que trabalham com sistemas de localização, permitindo que ele e Eren eventualmente a rastreassem. Até então, haviam utilizado as câmeras de segurança urbanas para seguir o veículo no qual Ceylin havia sido sequestrada. Mas uma vez que este adentrara uma área mais remota, a falta de imagens havia atrapalhado a perseguição de Eren e Ilgaz. Os dois haviam vasculhado uma região ampla em busca de um local suspeito, mas graças à ajuda de Ceylin, puderem chegar a ela ainda em tempo de prevenir um desastre maior do que o que enfrentavam.

— Bom, irmão, já que é assim vou retornar à delegacia — Eren informou Ilgaz — há bastante trabalho por lá.

Ilgaz assentiu, incapaz de relaxar.

A hora seguinte pareceu se arrastar.

O promotor apertou a ponte do nariz entre os dedos em uma tentativa de dissipar a tensão. Com o canto do olho, flagrou o que suspeitava ser uma criação de sua mente fatigada.

Mas quando a mulher loira aproximou-se dele e iniciou a conversa de forma hesitante, Ilgaz teve a certeza de que não era apenas sua imaginação.

— Olá, Ilgaz.

O promotor levantou os olhos cansados e precisou de um segundo a mais que o usual para processar a presença inesperada.

— Melis — ele franziu a testa — o que está fazendo aqui?

A professora vacilou antes de por fim sentar-se no sofá da sala de espera ao lado de Ilgaz mantendo alguma distância.

— Fiquei sabendo do que houve com Ceylin — ela respondeu, aflita — naturalmente me preocupei e quis ver como ela está — a professora arriscou um olhar na direção de Ilgaz, mas ao deparar-se com o silêncio e o rosto inexpressivo dele, completou — sei que não é o melhor momento para conversarmos, mas eu não podia deixar de vir.

Ilgaz franziu a testa. Em algum lugar no fundo de sua mente confusa, algo não fazia sentido.

Até conseguia entender a preocupação de Melis com Ceylin, afinal, a professora sempre tivera grande estima pela advogada. Mas sua cabeça não conseguia encontrar lógica no fato de que Melis o havia ignorado por diversos dias e agora aparecia ao seu lado, aparentemente tentando puxar assunto com ele como se Ilgaz não a tivesse magoado profundamente.

— Você não precisa dizer nada, Ilgaz — a professora suspirou pesadamente — sei que as coisas estão confusas demais para você. Sinto muito que eu o tenha evitado nesses últimos dias, e agradeço por ter sido tão paciente.

As sobrancelhas de Ilgaz se contorceram quando ele virou o rosto na direção de Melis, completamente surpreso com aquela conversa. Sabia que devia um pedido de desculpas à professora, mas simplesmente não tinha condição de focar naquele assunto agora.

— Você é um homem maravilhoso — Melis mais uma vez titubeou — e quero muito que seja feliz — a professora mordeu o lábio inferior, hesitando novamente — sei que teve boas intenções comigo. Mas a verdade é que, às vezes, apenas boas intenções não bastam, não é? — ela dirigiu um sorriso triste e melancólico ao promotor — algumas vezes, o coração quer o que ele quer, e temos que nos conformar com isso — Melis pausou para respirar fundo antes de continuar — essas coisas são assim mesmo... sinto muito por ter evitado você por tanto tempo, Ilgaz. Eu não estava pronta para aceitar a verdade. Mas agora estou.

Ilgaz mal podia acreditar no que ouvia.

Seria possível que Melis já soubesse sobre ele e Ceylin? Ela realmente estava tentando consolá-lo quando ele deveria ser quem pedia desculpas?

O coração de Ilgaz apertou-se ainda mais dentro do peito. O promotor foi novamente tomado por uma onda de remorso por ter faltado com fidelidade à mulher que agora sentava ao seu lado. O fato dela aparentemente estar lidando tão bem com a situação o fez sentir-se ainda pior.

— Melis, sinto muito que—

— Estou apaixonada por Umut.

— O que?

A informação atingiu Ilgaz de forma inesperada. Melis pareceu ver o quão estupefato ele ficara, pois não tardou a explicar.

— A verdade é que ele e eu já nos conhecemos há muito tempo. Fomos namorados na adolescência, e quando terminamos a escola, sofremos pressão de nossas famílias para ficarmos noivos — a professora admitiu, corando até a raiz das orelhas — Umut não estava pronto para comprometer-se ainda tão novo e por isso terminou tudo comigo um tempo depois. Mas eu nunca deixei de gostar dele — Melis fungou baixinho, dividida entre o remorso e a alegria por ter reatado com o homem que realmente amava — nos reencontramos em uma das vezes que fui encontrar com você no Tribunal — a professora confessou, parecendo extremamente constrangida — e então tudo aconteceu...eu... Juro que jamais imaginei fazer algo assim antes, Ilgaz. Não consigo imaginar o que pensa de mim, deve achar que sou uma leviana sem escrúpulos mas a verdade é que apesar de adorar você, eu... — a voz da professora falhou.

— Você nunca foi apaixonada por mim — Ilgaz completou, facilitando as coisas para Melis. Ele deu um pequeno sorriso encorajador na direção da professora antes de acrescentar sua própria confissão — está tudo bem, Melis — o promotor a assegurou, vendo o rosto dela lentamente relaxar — eu a adoro e desejo tudo de melhor para você, também... sou grato por tudo que tivemos, mas a verdade é que também sou apaixonado por outra pessoa.

O silêncio pairou no ambiente pelos minutos seguintes. Ilgaz podia praticamente ver as engrenagens se movendo na cabeça de Melis conforme ela lentamente desviava os olhos de seu rosto na direção do setor do hospital onde apenas funcionários poderiam entrar.

— Ceylin? — A professora arregalou os olhos, incrédula. Ela ainda sacudiu a cabeça tentando se convencer antes de acrescentar — então você também não conseguiu superar sua ex?

Os cantos da boca de Ilgaz se curvaram em um sorriso de culpa conforme ele assentiu lentamente.

— Mal posso te dizer como estou aliviada — Melis levou uma das mãos ao coração — nunca imaginei que ficaria feliz ao saber que meu namorado é apaixonado por outra mulher — ela riu nervosamente — então você não está bravo?

Ilgaz fez que não com a cabeça.

— Você não imagina como está tirando um peso dos meus ombros também — Ilgaz tomou uma das mãos dela na sua e deu-lhe um leve apertão, procurando assegurá-la de que não havia qualquer ressentimento de sua parte — desejo tudo de melhor para você e Umut, Melis. Ele é um sujeito legal.

— Digo o mesmo de Ceylin — Melis sorriu — ela fará uma recuperação completa — a professora afirmou, convicta do que dizia — em breve tudo isso será apenas um pesadelo a ser lembrado. E então seremos os dois felizes com as pessoas que amamos.

Ilgaz comoveu-se com a positividade de Melis e assentiu, convicto.

— Tenho certeza de que sim.

.

Ilgaz já há muito perdera noção do tempo que permanecera na sala de espera do hospital quando sua obstinação finalmente lhe rendeu frutos. Um dos médicos da equipe compadeceu-se ao ver o promotor permanecer tantas horas aguardando e permitiu que ele entrasse na unidade de terapia intensiva por cinco minutos.

Após ver o rosto de Ceylin novamente tomado de cor e sentir o calor da pele dela, Ilgaz finalmente conseguiu relaxar um pouco.

O promotor dormiu por mais de dez horas seguidas ao retornar para casa naquela noite. Nos dias seguintes, Ilgaz compareceu ao hospital em todas as manhãs antes de seguir para o trabalho, apesar de ainda não poder visitar Ceylin.

Cinco dias após a cirurgia dela, Ilgaz finalmente recebeu o telefone que estivera esperando. A irmã de Ceylin ligava para informá-lo de que a advogada havia por fim despertado após a suspensão da sedação e do suporte ventilatória. Segundo Aylin, a primeira coisa que Ceylin verbalizara ao acordar havia sido pedir a presença de Ilgaz.

Quando Ilgaz chegou ao hospital, ficou maravilhado ao saber que Ceylin havia sido transferida da unidade de terapia intensiva para um quarto privativo de enfermaria, onde poderia ter um acompanhante.

— Ei, Ilgaz! — Eren cumprimentou o promotor ao vê-lo de pé no corredor do hospital, examinando um quadro na parede — não estou surpreso por encontrá-lo aqui — o comissário comentou, bem humorado. Após ouvir as boas notícias sobre a recuperação de Ceylin, havia passado no hospital na expectativa de vê-la — o que você está fazendo parado aí? — Eren perguntou ao reparar que o amigo parecia muito compenetrado.

Ao aproximar-se mais, Eren entendeu porque. Ao olhar para o quadro na parede do hospital, imediatamente reconheceu a imagem que também ilustrava a parede do escritório de Ilgaz.

— A Grande Onda de Kanagawa — Ilgaz tirou uma das mãos do bolso da calça para apontar para o quadro — eu sempre gostei muito desse quadro... Mas até agora nunca tinha entendido porque.

— Do que está falando? — Eren franziu a testa, confuso.

Ilgaz reparou que o amigo olhou do quadro na parede para a porta do quarto onde Ceylin se encontrava e esclareceu:

— Ela está dormindo — Ilgaz o tranquilizou — apesar de reduzirem os sedativos, ainda está tomando medicações para dor que a deixam sonolenta.

Eren assentiu com a cabeça, mais aliviado.

— O que você estava mesmo dizendo sobre o quadro?

Ilgaz pareceu reflexivo ainda com o olhar fixo na imagem até que finalmente se dispôs a explicar.

— Eu não sou um apostador, Eren. Não costumo correr grandes riscos — o promotor respirou fundo — os riscos que assumo geralmente são calculados — Ilgaz olhou de relance para o amigo, vendo que Eren concordou com um rápido aceno de cabeça — é por isso que pessoas como eu normalmente preferem piscinas a mares abertos — ele devaneou. Fez uma longa pausa para mais uma vez estudar o quadro à sua frente antes de elucidar — piscinas tem bordas, limites precisos. É possível segurar-se nelas... Você sempre sabe até onde pode ir — o promotor acrescentou, confundindo Eren por um instante.

O comissário quebrou a cabeça para tentar entender ao que amigo estava se referindo quando finalmente se deu conta.

— Você está falando de mulheres ou de piscinas? — Eren coçou a cabeça. Tinha impressão de que Ilgaz estivera descrevendo seu relacionamento mais recente com Melis ao descrever como era nadar em uma piscina.

Ilgaz deu de ombros. Ainda mantinha as mãos no bolso fitando o quadro à sua frente quando revelou.

— Mas o mar aberto é algo totalmente diferente. É indomável e imprevisível... — o promotor fez uma pausa para refletir — É profundo e cheio de potencial. Não há onde se segurar — Ilgaz arriscou um olhar de relance na direção do amigo e respirou fundo, soltando o ar lentamente — é um risco enorme tentar encarar uma tempestade entre as ondas, mas poucas coisas são tão bonitas e poderosas quanto um mar revolto.

— Está falando de Ceylin? — Eren perguntou de forma direta.

— Ceylin é o mar em tormenta e eu estou apenas tentando sobreviver no meu barquinho — Ilgaz sorriu ao apontar para um dos barcos na imagem. Ao reparar na expressão facial de Eren, o promotor finalmente se deu conta de que parecia um tolo apaixonado falando em metáforas e corou até a raiz das orelhas.

— Não quero desanimá-lo em suas remadas, mas parece que você já se afogou, irmão — Eren o provocou de forma bem humorada, regozijando-se ao caçoar do amigo.

Ilgaz engoliu em seco, dando-se conta de que o amigo tinha razão.

O promotor optou por não dignificar a provocação com uma resposta.

.

O sol já sumira no horizonte quando Ceylin finalmente abriu os olhos.

A primeira coisa que lhe ocorreu foi que a luz do quarto parecia muito forte. Mas foi o sorriso no rosto de Ilgaz ao se fitarem que pareceu iluminar tudo ao seu redor.

— Ei — O promotor se aproximou lentamente da cama e apoiou as duas mãos na grade metálica lateral, estudando-a atentamente antes de perguntar — como está se sentindo?

Ceylin não lembrava de sentir-se tão fisicamente exaurida em toda sua vida. Até mesmo pensar parecia lhe exigir um esforço enorme. Mesmo assim, não conseguiu conter um sorriso.

— Muito melhor agora que você está aqui — a advogada declarou, mexendo levemente a mão por sobre a coberta.

Ilgaz imediatamente entendeu o que ela pretendia e cuidou de envolver a mão dela com a sua, entrelaçando seus dedos.

Os dois mantiveram contato visual em silêncio pelos segundos seguintes.

Ilgaz foi então subitamente tomado pela avalanche de emoções que experimentara nos últimos dias. Todo seu estoicismo cuidadosamente construído e mantido se desfez ante um olhar de Ceylin, e o promotor esforçou-se para conter as lágrimas que acumulavam em seus olhos com uma mistura de medo, saudades e, por fim, alívio e gratidão.

Ao ver as emoções estampadas nos olhos do homem que amava e reparar na lágrima solitária que lhe escapou, Ceylin não conseguiu se conter.

— Bem que você disse que eu o fazia chorar, não é?

Demorou alguns segundos, mas Ilgaz finalmente entendeu ao que ela se referia. A memória veio inteira em sua mente.

Ela também consegue fazê-lo rir?

Ela não me faz chorar.

O promotor abafou uma risada, deleitado ao vê-la bem a ponto de já estar fazendo gracejos. Aquele era um excelente sinal.

Ilgaz inclinou-se sobre a grade lateral da cama e encostou a testa na de Ceylin, tomado por uma profunda alegria ao vê-la acordada e bem disposta.

— Está sentindo dor? — O promotor perguntou, preocupado.

— Estou — Ceylin respondeu, porém o sorriso que mantinha no rosto dizia exatamente o contrário — tomei um golpe no coração e ainda estou me recuperando. Claro que está doendo.

— Ceylin, a bala não acertou seu coração.

— Não estou falando do tiro — Ceylin conseguiu reunir forças para erguer um dos braços e levou a mão até a lateral do rosto de Ilgaz — me referia a tudo que aconteceu nas últimas semanas... nos últimos dois anos, na verdade.

— Muito engraçado — Ilgaz rebateu de forma irônica — e agora chega de gracinhas, você precisa se poupar.

— Vai ficar comigo hoje? — a advogada perguntou, esperançosa.

— Claro — Ilgaz respondeu sem titubear — só sairei do seu lado de novo se você me pedir — ele completou, piscando para ela.

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Infelizmente para Ilgaz, conseguir tempo livre para permanecer ao lado de Ceylin provou ser um desafio maior que imaginava.

Uma vez que não eram mais casados, Ilgaz não conseguia justificar formalmente na promotoria porque precisava de uma licença prolongada. Assim sendo, conseguiu permanecer ao lado dela por alguns dias, mas logo precisou retomar suas atividades no trabalho.

Quando Ceylin recebeu alta hospitalar, cerca de duas semanas depois, Ilgaz reuniu-se com a advogada, a mãe e a irmã dela e concordaram que seria melhor que Ceylin permanecesse na casa de Gül no momento. Ela ainda precisava de cuidados constantes e fisioterapia quase diária, sendo portanto pouco aconselhável que passasse a maior parte do dia sozinha.

Ao final de cada expediente, Ilgaz saía do trabalho e dirigia seu carro diretamente para a casa dos Erguvan, onde jantava com Ceylin e passava um tempo com ela antes de retornar para seu apartamento.

Tanto Gül quanto Aylin estavam sendo surpreendentemente receptivas em relação ao promotor. Ele tinha ciência que muito disso vinha do quanto as ajudava, não apenas com os cuidados com Ceylin mas também com tarefas simples como levá-las ao mercado ou cuidar de uma ou outra coisa corriqueira. Como sinal de confiança e gratidão, Gül havia até mesmo lhe dado uma cópia da chave de casa.

A advogada estava fazendo uma excelente recuperação, especialmente na parte respiratória, mas a fratura em sua costela era algo que ainda a incomodava bastante. Passar o tempo com Ceylin na casa da mãe dela estava longe do ideal almejado por Ilgaz, mas não era como se pudessem desfrutar de intimidades caso estivessem sozinhos - afinal, Ceylin ainda estava bastante debilitada fisicamente.

O máximo de ação que havia ocorrido entre eles fora um beijo um pouco mais ousado que Ceylin roubara ao puxar Ilgaz de volta pela manga da camisa quando haviam se despedido na noite anterior.

Por todos aqueles motivos, Ilgaz estava bastante animado por ter conseguido sair mais cedo da promotoria naquela tarde de sexta-feira. Seus planos incluíam fazer uma surpresa para Ceylin e passar o máximo de tempo possível com ela.

O promotor ainda pensava nisso quando tocou a campainha da porta da frente e foi prontamente recebido por Parla. A adolescente perguntou a Ilgaz se ele poderia passar a tarde com Ceylin e, após ouvir um sim, murmurou alguma coisa sobre encontrar alguém cujo nome Ilgaz não reconheceu.

Após subir as escadas rumo ao segundo andar, ele deu três batidinhas de leve na porta do quarto de Ceylin.

— Ugh, vá embora e me deixe em paz — a voz contrafeita da advogada soou de dentro do cômodo.

O promotor abriu de leve a porta do quarto, contentando-se em espiar sem realmente entrar. A expressão em seu rosto denunciava toda sua confusão.

— Tenho que admitir que não eram as boas vindas que eu esperava — a voz de Ilgaz surpreendeu Ceylin, aquecendo o coração da advogada — mas se quiser, vou embora — ele a provocou com um enorme sorriso.

— Não! — a advogada imediatamente se arrependeu de sua impulsividade, a careta de desaprovação desaparecendo conforme seu rosto era iluminado com pura alegria — eu não imaginava que fosse você! — Ela estendeu um dos braços na direção dele — achei que Aylin tinha voltado mais cedo com a minha mãe. Ela está sendo mais chata que o usual hoje. Eu nem sabia que isso era possível.

Ilgaz entrou no quarto e imediatamente segurou a mão de Ceylin antes de sentar-se na ponta da cama, ao lado dela.

— Onde elas foram? — ele quis saber depois de dar um beijo na lateral da cabeça da advogada.

— Ajudar em um projeto de alimentação de jovens de rua — Ceylin explicou, acomodando-se de encontro ao corpo de Ilgaz o máximo que sua condição lhe permitia — elas não devem voltar antes de anoitecer — a advogada parecia feliz com tal prospecto — me deixaram aqui com Parla.

— Na verdade, agora você está aqui comigo — Ilgaz beijou a ponta do nariz dela de forma amorosa — Parla parecia bem animada para sair. Ela perguntou se eu poderia ficar com você durante a tarde e se mandou antes mesmo que eu pudesse responder — ele relatou com bom humor.

Ceylin revirou os olhos.

— Ugh. Há um novo garoto.

Ilgaz riu baixinho.

— Imaginei que fosse algo assim.

— E como você conseguiu chegar aqui tão cedo? — Ela levantou os olhos para ele, incapaz de descrever como se sentia animada. Seu dia acabara de melhorar exponencialmente.

— Minha audiência da tarde foi cancelada pelo juiz de plantão — Ilgaz explicou ao mesmo tempo que colocou uma mecha do cabelo dela atrás da orelha da advogada — como está se sentindo hoje?

Ceylin deu de ombros, procurando não dar importância ao seu estado físico. Ainda sentia dor na costela fraturada, mas já conseguia se levantar e fazer coisas como tomar banho sozinha e mover-se pela casa, o que lhe conferia certo grau de independência.

— Sabe no que eu estava pensando? — A advogada sorriu animadamente.

— Está tentando me distrair para não responder minha pergunta? — Ilgaz cerrou os olhos de forma excessivamente suspeita, fazendo-a rir.

— Estou — Ceylin confirmou de forma desavergonhada — mas não quer saber no que eu estava pensando?

— Claro que quero.

— Hoje é sexta-feira — Ceylin lentamente deslizou a mão que segurava a de Ilgaz pelo braço do promotor até chegar ao ombro dele — e você não trabalha neste final de semana...

— Certo — Ilgaz confirmou com um aceno de cabeça, bastante interessado no rumo daquela conversa — continue.

Ceylin não conseguiu disfarçar a satisfação ao ouvir o entusiasmo dele. Sua mão agora vagava pelo tórax de Ilgaz até que seus dedos encontraram o primeiro botão da blusa dele, o qual ela abriu sem pressa antes de inclinar a cabeça para beijar o promotor no pescoço.

— Já me sinto bem o suficiente para conseguir andar — ela sussurrou contra a pele dele, satisfeita ao vê-lo prendendo a respiração em resposta. Ceylin deslizou os lábios pelo pescoço de Ilgaz e por fim o beijou novamente na boca — eu estava pensando... talvez eu pudesse ir passar o final de semana com você... longe dessa casa — a advogada sugeriu com a voz inocente — o que você acha?

Ilgaz abriu os olhos e encontrou os dela brilhando com uma mistura de excitação e malícia. O promotor tinha certeza de que ela o levaria à loucura, e não demoraria muito.

— Acho que essa é a melhor ideia que você já teve — Ilgaz respondeu, fazendo-a rir baixinho — se estiver se sentindo bem o suficiente para isso, podemos ir quando quiser.

A resposta de Ceylin foi levar a mão à nuca de Ilgaz e puxá-lo para um novo beijo.

Quando a ponta da língua dela encontrou a sua, Ilgaz sentiu uma explosão de prazer que o fez tomar o rosto da advogada entre as mãos para beijá-la demoradamente. Ele gentilmente deitou-a na cama, tomando cuidado para não machucá-la devido às lesões, e em seguida inclinou-se sobre ela sem no entanto apoiar seu peso sobre a advogada.

— Não posso dizer como estou feliz que sua mãe não está aqui — Ilgaz confessou, ganhando uma risada deliciosa em resposta. Durante as últimas semanas, Gül os havia tratado como dois adolescentes, exigindo que a porta do quarto de Ceylin permanecesse aberta durante todo o tempo que Ilgaz estava lá.

O promotor havia encorajado Ceylin a respeitar as regras da mãe não somente porque estavam sob o teto dela, mas também porque sabia o quão conservadora a matriarca era. Não eram legalmente marido e mulher, então entendia que, na cabeça de Gül, não fazia sentido terem qualquer direito à privacidade. Além disso, não era como se Ceylin estivesse em condições de fazer coisas inapropriadas com ele.

— Está achando que pode tomar liberdades comigo só porque minha mãe não está em casa? — Ceylin ergueu uma das sobrancelhas para ele, fingindo censura. Esperava que Ilgaz veementemente negasse sua acusação.

— Não vou negar que a ideia passou pela minha cabeça — Ilgaz a surpreendeu, fazendo Ceylin rir quando enterrou o rosto no pescoço dela e a encheu de beijos.

Permaneceram deitados abraçados na cama de Ceylin, rindo e falando sobre coisas cotidianas. A televisão ligada propiciava um ruído no fundo, mas nenhum dos dois realmente prestava atenção no noticiário.

— Oh! Sabe o que eu vi hoje? — Ceylin subitamente se lembrou. A excitação ficou visível nos olhos dela quando a advogada estendeu o braço oposto ao lado da fratura para alcançar seu celular — olhe só isso! — Ela abriu o aplicativo de uma rede social e mostrou uma imagem para Ilgaz.

O promotor viu a imagem de Umut e Melis lado a lado e entendeu que a fotografia do casal havia sido adicionada na conta do policial. Quando Ceylin ainda estava no hospital, Ilgaz havia contado para ela sobre o romance.

A advogada havia se deleitado com a notícia, e na época conseguira se dar conta de que todas as vezes que vira Umut agindo de forma suspeita, Melis estivera presente. Após receber uma visita do policial, seu amigo de longa data, Ceylin compartilhara com Ilgaz a descoberta de que Melis havia ido embora do hospital quando o promotor levara uma facada não porque estava chateada por Ceylin ter sido chamada antes para ver Ilgaz, mas sim porque ela e Umut não haviam suportado os sentimentos de culpa e vergonha ao se encararem e fingirem que nada havia acontecido entre eles no dia anterior.

— Fico feliz por eles — Ilgaz não se comoveu com a foto. Estava muito mais interessado em beijar Ceylin do que olhar para a tela do celular dela.

— Mas, Ilgaz, veja! Eles são oficialmente um casal agora — Ceylin arregalou os olhos em aprovação, visivelmente feliz.

Ilgaz deu de ombros e retomou a trilha de beijos desde o rosto dela até a curva do ombro da advogada.

— Preciso perguntar uma coisa — Ceylin mordeu o lábio inferior.

Como seu rosto estava enterrado no pescoço dela, Ilgaz não viu a expressão no rosto da advogada, mas distinguiu a hesitação no tom de voz dela e levantou a cabeça para fitá-la nos olhos.

— O que? — Ele perguntou com um sorriso no rosto, já antecipando o que Ceylin queria discutir. A única surpresa para ele era a advogada ter demorado tanto tempo para tocar no assunto.

— Quando você estava com Melis... — Ceylin começou de forma vacilante, mas irritou-se ao ver um sorriso sabichão se formar no rosto de Ilgaz — o que foi? — Ela perguntou, torcendo o nariz.

— Você quer saber se Melis e eu compartilhamos uma cama — Ilgaz supôs corretamente.

— Não era isso que eu ia perguntar — Ceylin mentiu descaradamente, exasperada com a capacidade dele de ler sua mente.

— Tudo bem — Ilgaz esforçou-se para manter o rosto sério — então acho que não preciso responder essa pergunta — ele fingiu inocência, sabendo que Ceylin não se conformaria em ficar sem uma resposta.

— Precisa, sim — a advogada exigiu, fitando-o com indignação.

A forma com que ela colocou a mão no tórax dele para impedir Ilgaz de inclinar-se e beijá-la novamente divertiu o promotor. Ceylin era um livro aberto, e ele adorava o quão transparente ela podia ser.

— Que diferença faz se eu dormi ou não com ela? — Ilgaz adiou a resposta de propósito, pois adorava ver Ceylin com ciúmes.

— Então você está confirmando que sim? — Ceylin o cobrou irracionalmente. No fundo, sabia que não tinha direito algum de se zangar por aquilo, pois ela e Ilgaz haviam se divorciado. Mas saber e sentir eram coisas bem diferentes.

Ilgaz abafou uma risada, irritando-a ainda mais.

Quando o rosto dela foi tomado por uma coloração avermelhada, o promotor finalmente cedeu.

— Nunca dormi com Melis, Ceylin — ele falou de forma franca, fitando-a diretamente nos olhos para que a advogada visse que não estava mentindo — e ela nunca passou a noite na minha casa.

— Está falando sério? — Ceylin indagou. Sabia que Melis era uma moça bastante conservadora, então fazia sentido que ela não concordasse em ter relações antes do casamento. Ao mesmo tempo, ela havia traído Ilgaz com Umut, então não poderia fazer qualquer julgamento a respeito da conduta da moça.

— Estou — Ilgaz confirmou, vendo a impaciência se dissipar do rosto dela.

Ceylin prontamente removeu a mão que o afastava pelo tórax, enroscando o braço ao redor do pescoço de Ilgaz para puxá-lo para junto de si.

Em pouco tempo, beijos carinhosos se transformaram em carícias mais íntimas, um desejo explosivo alimentado por dois anos de privação.

Quando Ilgaz relutantemente afastou o rosto do seu, Ceylin viu na expressão dele que o promotor estava prestes a fazer uma pergunta maliciosa.

— Como você lidou com dois anos de abstinência? — Ele deslizou a mão pela coxa dela com uma lentidão que enlouqueceu Ceylin com antecipação — certamente não suprimiu toda energia que você tem, não é? — O promotor perguntou com as pupilas dilatadas.

Ceylin e ele haviam tido muitas brigas durante o casamento, mas se havia um lugar onde sempre tinham se entendido bem, era no quarto. Ilgaz nunca superara a ausência dela em sua cama, não apenas porque a amava e a queria ao seu lado, mas também porque nunca desejara tanto uma mulher em toda sua vida. Dois anos de distancia não haviam sido suficientes para mudar como se sentia.

— Ilgaz...! — Ceylin revirou os olhos de brincadeira, censurando-o pela pergunta — isso não é algo que se pergunte — ela tentou impor um tom de seriedade, mas falhou completamente.

— Por que não? — O sorriso provocante do promotor alargou-se ainda mais — é uma tortura para mim estar ao seu lado e não poder devorá-la como eu gostaria — ele sussurrou contra os lábios de Ceylin — você poderia ao menos conversar um pouco comigo...

— Conversar? — Ceylin riu alto, arrependendo-se logo em seguida. Qualquer movimento que exigisse respirar um pouco mais fundo fazia a dor em suas costelas piorar — tenho certeza de que conversar é o que você tem em mente — ela disfarçou a dor para que Ilgaz não visse, pois sabia que ele iria parar a brincadeira por ali, e aquilo era o que menos queria.

— É exatamente o que tenho em mente — o promotor refutou, bem humorado.

— Já que quer tanto assim trocar experiências, por que você não me conta como lidou com a privação durante dois anos?

— Ora, a resposta é bem simples — Ilgaz deu um beijo rápido nos lábios dela antes de responder — eu usava meus pensamentos o tempo todo.

Daquela vez, Ceylin não conseguiu disfarçar como estava se divertindo.

— Seu descarado. O que exatamente você quer saber?

Ilgaz ergueu as sobrancelhas sugestivamente e percorreu o corpo todo dela com os olhos.

— Como você fazia? — ele perguntou, animado — você usava alguma coisa?

— O que você acha? — Ceylin o provocou.

— Se eu tivesse que adivinhar, diria que você não usava nada além disso aqui — ele pegou na mão dela e a levou até seu rosto para beijar os dedos de Ceylin — sempre imaginei que você iria preferir o próprio trabalho manual ao invés de artifícios externos.

— Artifícios externos? — Ceylin mais uma vez riu com os eufemismos dele — bom, é óbvio que você passou bastante tempo pensando a respeito do assunto — ela olhou para ele através dos cílios de forma sedutora.

Ilgaz grunhiu baixinho.

— Dediquei algum tempo, sim — ele nem ao menos tentou negar.

— Mesmo? — Ceylin perguntou, igualmente comovida e excitada.

— Sim — Ilgaz confirmou.

Ceylin notou que apesar de ainda manter a postura confiante, Ilgaz parecia um pouco mais humilde agora.

— Você realmente pensava em mim quando...? — Ela não conseguiu disfarçar a curiosidade.

Ilgaz a fitou fundo nos olhos, a sombra de um sorriso dançando nos lábios dele. Os olhos do promotor ainda brilhavam com malícia quando ele respondeu, sem hesitar.

— Sim.

Ceylin sentiu uma onda de calor percorrendo todo seu corpo. Não sabia se era o tempo de privação ou o teor daquela conversa, mas sentia-se cada vez mais seduzida.

— E como você me via nas suas fantasias? — Ela levou uma das mãos até a gola da camisa de Ilgaz e propositalmente deixou seus dedos alisarem de leve o tórax dele — eu era uma dominatrix com um chicote de couro e uma voz de comando? — a advogada perguntou com bom humor, rindo na sequência.

— Não — Ilgaz respondeu com a voz séria, mantendo intenso contato visual com ela — você se vestia como você, falava como você e se comportava como você — o promotor quase sussurrou — porque era você quem eu queria.

Até então, Ceylin imaginava que não poderia desejar Ilgaz ainda mais. Acabava de descobrir que estivera errada.

Comovida com a declaração dele, cerrou a mão em volta da gola da camisa do promotor e o trouxe para um beijo demorado, carregado de promessas.

— Eu pensei em você várias vezes, também, se quer saber — ela admitiu quando finalmente se separaram — senti saudades.

Ilgaz pareceu deleitado com sua confissão. Ele virou de lado na cama e usou o cotovelo para apoiar o peso da cabeça na cama.

— Você está me fazendo questionar o quão próximas as minhas fantasias eram da realidade — Ilgaz deslizou a mão que até então estivera na coxa dela para o quadril da advogada até encontrar a barra da blusa dela. Ele brincou com o tecido entre os dedos antes de finalmente espalmar a mão no abdome plano de Ceylin, sentindo a maravilhosa textura da pele macia dela quando a acariciou lentamente — me mostra?

Ceylin arregalou os olhos ante a proposta desavergonhada dele.

— Você quer que eu...? — A advogada se viu em um dos raros momentos onde se encontrava sem palavras — eu não vou fazer um show particular pra você! — Ela achou graça da expressão de frustração no rosto dele e o atormentou — não sei se você se lembra, mas estou em cima de uma cama — Ceylin apelou — estou convalescendo.

Ilgaz viu o brilho de provocação nos olhos dela e decidiu pagar na mesma moeda.

— Já que é assim, é melhor eu descer para preparar algo para você comer e deixar que descanse — ele fez menção de levantar-se da cama — afinal, você encontra-se em um estado convalescente e...

— Não ouse — Ceylin riu e o puxou de volta para a cama. O movimento repentino a fez sentir o tórax novamente, e daquela vez não conseguiu disfarçar a careta de dor.

Pela primeira vez desde que haviam começado aquela brincadeira, o rosto de Ilgaz foi tomado por uma expressão de seriedade e preocupação.

— Ah, meu amor — ele inclinou-se e beijou o topo da cabeça de Ceylin — estou sendo um idiota — o promotor reprovou a própria conduta — me perdoe, eu...

— Não! — Ceylin o interrompeu, refutando os argumentos de Ilgaz. Tinha plena certeza de que ele jamais faria algo que comprometesse sua integridade física, ou pediria que ela se excedesse apenas porque ainda não podiam ter relações — eu estava me divertindo, Ilgaz. De verdade — ela segurou o rosto dele com uma das mãos — é bem verdade que ainda não consigo dar uns amassos com você como a gente queria — ela riu diante da expressão adoravelmente comedida no rosto dele — mas também não é como se eu estivesse morrendo — ela riu — eu consigo fazer o que você me imaginou diversas vezes fazendo.

Ilgaz relutou em olhar nos olhos dela, mas quando finalmente fizeram contato visual, os dois sorriram de forma camarada um para o outro.

— Eu te amo — o promotor confessou, encostando a testa na de Ceylin.

— Eu também — ela afagou o rosto dele afetuosamente.

Ilgaz respirou fundo antes de se afastar, vencendo a tentação que era estar ao lado dela.

— Vamos ser práticos — o promotor sugeriu sugeriu, por fim deixando a cama — vou preparar uma bolsa de viagem para você passar o final de semana comigo.

A decisão dele implicava em muitas coisas, inclusive na promessa não falada de que, no final de semana, poderiam retomar de onde haviam parado. Ceylin gostaria que pudessem continuar desde já mas, ao mesmo tempo, sabia que seria bem difícil convencer Ilgaz a fazer qualquer coisa sob o teto de sua mãe, mesmo que estivessem sozinhos lá.

Consolando-se ante a possibilidade de passar quase três dias na companhia dele, Ceylin assentiu com a cabeça.

— Há uma mala dessas de treino esportivo bem ali — ela apontou.

Ilgaz pegou o objeto e em seguida abriu a primeira porta do armário de Ceylin.

Ao deparar-se com um cabideiro estocado e diversas prateleiras cheias de roupa, Ilgaz perguntou-se como se julgara capaz de preparar uma mala de viagens para Ceylin, considerando o quão pouco sabia sobre roupas femininas.

Com um sacudir de ombros, optou por pegar as três blusas que estavam na pilha mais próxima. Pareciam confortáveis o suficiente.

— Isso aqui é um tamanho de adulto? — O promotor exibiu uma regata branca de um modelo mais justo para Ceylin, parecendo chocado.

A advogada riu da estupefação dele.

— Claro que é — ela sorriu quando ele inclinou a cabeça, parecendo tentar se convencer.

Ceylin sabia que poderia instrui-lo a respeito de quais roupas selecionar, mas estava se divertindo demais vendo Ilgaz quebrar a cabeça diante da variedade de peças em seu armário.

— Pijamas — Ilgaz piscou para ela, exibindo uma calça folgada de flanela. Ele parecia bastante satisfeito consigo mesmo, o que Ceylin achou adorável. Ela assentiu e o promotor adicionou a peça de roupa à bolsa — você prefere azul ou amarelo? — O promotor exibiu duas blusas de mangas longas que achara penduradas no armário.

Ceylin teve vontade de rir com a seriedade com a qual ele desempenhava a função.

— Qual você mais gosta? — Ela inclinou a cabeça, fitando-o com carinho.

— Gosto mais de você sem blusa — llgaz respondeu, sendo recompensado com uma risada. Colocou a peça azul na mala, pois lhe parecia a mais confortável — ok, já temos calças, blusas, casacos... — ele vasculhou a bolsa — agora vamos para a parte mais interessante.

Ceylin viu o sorriso bobo no rosto dele quando Ilgaz abriu a primeira gaveta da cômoda. Ela admirava a maturidade e a sensatez usuais do promotor, mas por vezes esquecia-se de que, como qualquer outro membro do sexo masculino, ele às vezes podia se comportar como um adolescente hormonal.

— O que foi? — Ela perguntou, vendo a expressão enigmática no rosto dele.

— Como é que eu nunca vi isso antes? — Ilgaz usou o indicador para levantar um par de calcinhas de renda vermelha.

Mais uma vez, Ceylin precisou conter-se para não rir excessivamente e acabar causando dor em suas costelas.

— Talvez você não tenha prestado atenção o suficiente — ela revidou com ar de provocação.

— Duvido seriamente que eu não repararia nisto — Ilgaz rebateu. Poderia vividamente imaginar Ceylin vestindo apenas aquela peça sensual de lingerie, a pele alva dela contrastando escandalosamente com o vermelho vivo da roupa... Sim, ele duvidava seriamente que teria se esquecido de algo assim — quando você estiver melhor, farei questão que coloque isto aqui — ele apontou para a calcinha com os olhos.

— Pensarei a respeito — Ceylin respondeu com um tom excessivamente dignificado — o que está fazendo? — Ela perguntou ao ver que Ilgaz acrescentara a peça à mala de final de semana.

— Vamos levar isso conosco — ele piscou sedutoramente — só por via das dúvidas.

Ceylin chacoalhou a cabeça, mas a expressão em seu rosto traía sua suposta desaprovação. Ela lentamente se levantou da cama e, para provar que estava bem o suficiente, exigiu ir ao banheiro sozinha.

Ilgaz concordou, desde que ela não trancasse a porta. Quando a advogada deixou o quarto, ele separou mais alguns itens de roupa. Estava prestes a fechar a gaveta quando algo brilhando em um dos cantos chamou sua atenção.

Incapaz de conter a curiosidade, o promotor levou os dedos até o objeto e viu que se tratava da aliança de casamento de Ceylin. Podia distinguir seu nome e a data de casamento deles na face interna do objeto.

Ilgaz foi subitamente tomado por uma onda de emoções que o deixou desconcertado. Ceylin não deixara a aliança escondida em algum lugar onde jamais pudesse olhar para ela. Pelo contrário. Ela a guardara dentre suas roupas mais íntimas, em local onde poderia avistá-la quase que diariamente.

Comovido, o promotor tratou de fechar a bolsa, mas não sem antes guardar a aliança consigo. Disfarçou o que pode, pois não queria que Ceylin o flagrasse emocionado.

— Você já terminou de brincar com a gaveta de calcinhas ou fez uma nova parada nos sutiãs? — A voz brincalhona de Ceylin o surpreendeu quando ela retornou ao quarto.

— Droga, havia me esquecido deles — Ilgaz suspirou pesadamente — mulheres tem roupas demais.

— Está sugerindo que eu use menos roupas? — Ceylin o provocou, ainda contagiada pela brincadeira de antes.

— Exatamente — Ilgaz confirmou com um sorriso — mas só quando estivermos você e eu, é claro.

— É claro — Ceylin fingiu revirar os olhos — mais um show privado, então?

— Sim — Ilgaz aprovou veementemente — dessa vez, os protagonistas serão você e aquela coisinha vermelha — ele direcionou o olhar para a bolsa.

— Quanta classe — Ceylin estendeu a mão para ele.

Ilgaz prontamente a tomou e acompanhou a advogada até o andar inferior. Antes de irem, Ceylin ligou para a mãe e a informou dos seus planos para o final de semana.

Gül passou os minutos seguintes tentando dissuadir a filha, mas Ceylin não se convenceu.

Tinha certeza de que, naquele final de semana, o que mais queria era deixar a casa da mãe para estar com Ilgaz.

A única coisa da qual não tinha certeza era se conseguiria voltar.

.

Seis semanas após todo o incidente, Ceylin foi submetida a novos exames de imagem. Durante a consulta com seu cirurgião, recebeu a maravilhosa notícia de que a fratura em seu arco costal já estava consolidada. Ainda não se sentia cem por cento, mas sabia estar fazendo progresso, tanto fisicamente quanto mentalmente.

As sessões de fisioterapia ajudavam muito, assim como o terapeuta que passara a ver uma vez por semana, assim que apresentou condições de se ausentar de casa. Seu corpo havia passado por um enorme trauma, não apenas físico, mas também mental. As sessões semanais a ajudavam a garantir que o estresse a que fora submetida não evoluísse para algo ainda pior.

Exatamente conforme Ceylin imaginara, após o primeiro final de semana na casa de Ilgaz, não saíra mais de lá. Apesar de sentir falta de seu trabalho, Ceylin tinha que admitir para si mesmo que estava gostando daquele período mais doméstico em sua vida. Todas as manhãs, acordava antes de Ilgaz e preparava o desjejum para eles. Nos dias em que tinha alguma sessão agendada com o fisioterapeuta ou o psicólogo, Ilgaz a levava antes de seguir para o trabalho.

Ceylin passava suas tardes de forma relaxada e tranquila fazendo tarefas mundanas como ir ao mercado ou ler um livro. Quando as dores ao mover os braços finalmente cessaram, pôde dedicar algum tempo a criar um jardim na varanda externa da sala.

A advogada incluía Defne em suas atividades sempre que podia, e a alegria da menina ao passar um tempo com uma figura feminina era bem clara. A relação de Ceylin com Metin e Çinar ainda era um pouco estremecida, mas a advogada ficou contente ao ver que aos poucos, tudo ia se acertando. Nada era tão eficaz para curar feridas como o passar do tempo.

Ceylin estava tão feliz com as notícias que recebera no consultório do seu médico que decidiu cozinhar algo especial para o jantar naquela noite.

Quando Ilgaz abriu a porta de casa no início da noite, a primeira coisa que seus sentidos captaram foi um terrível cheiro de queimado. Preocupado, o promotor largou suas coisas de qualquer jeito na poltrona da ante-sala e surpreendeu-se ao encontrar Ceylin na cozinha abanando o conteúdo do forno com um pano conforme um fumaça cinza tomava conta do ambiente.

Ele abriu a boca para perguntar o que estava acontecendo, mas assim que Ceylin avistou sua presença, a advogada caiu na gargalhada.

— Como pode ver, estou fazendo um ótimo trabalho — ela gracejou, recebendo um sorriso em resposta.

— O que está havendo aqui? — Ilgaz aproximou-se dela ao mesmo tempo que tirava o casaco — algum tipo de acidente nuclear?

Ceylin fez uma careta para ele, mas entrou na brincadeira.

— Lembra-se de quando eu liguei mais cedo dizendo que tinha uma surpresa? — a advogada piscou com um dos olhos — era disto que eu estava falando — ela mentiu — hoje você vai jantar frango radioativo, meu amor.

Foi a vez de Ilgaz de rir.

— Isso era para ser um frango? — O promotor apertou os olhos para melhor inspecionar a massa escura dentro do forno.

— Eu me esqueci completamente que estava cozinhando — Ceylin se justificou, bem humorada — sua irmã me chamou lá embaixo para ajudá-la com o dever de casa. Eu acabei me distraindo e só me dei conta do que estava acontecendo quando senti o cheiro daqui lá do segundo andar.

Ilgaz sorriu para ela antes de beijá-la nos lábios. Aquela era uma das qualidades de Ceylin que mais admirava.

Mesmo com toda a intensidade e personalidade explosiva da advogada, Ceylin ainda assim trazia leveza e alegria para os seus dias. Ilgaz sabia que a maioria das pessoas se frustrariam e acabariam por ficar mal-humoradas diante um desfecho como aquele após se esforçarem no preparo de uma refeição. Mas Ceylin conseguia rir da situação sem qualquer traço de ressentimento.

— Acho que talvez vamos precisar de uma nova travessa — a advogada falou com um longo suspiro, batendo no frango endurecido sem que esse ao menos se movesse da superfície de metal.

— Qual era a surpresa que você tinha para me contar? — Ilgaz não conseguiu conter a curiosidade. Ele deu um passo a frente e ajudou Ceylin a começar a limpar a bagunça no balcão e dentro do forno.

— Recebi os resultados da minha ressonância hoje! — Os olhos da advogada brilharam com excitação — o laudo dizia que minha fratura está completamente solidificada.

— Ceylin, isso é maravilhoso — Ilgaz enroscou um dos braços ao redor da cintura dela.

— Agora você já pode oficialmente me abraçar um pouquinho mais forte — Ceylin sorriu para ele, cruzando os braços atrás do pescoço do promotor.

Ao longo das últimas semanas, Ilgaz havia se habituado a manter uma distância segura de seu corpo porque coisas cotidianas como dar um abraço eram dolorosas para ela. Mas Ceylin agora estava confiante de que aos poucos, tudo voltaria ao normal.

Quando Ilgaz saiu do banho mais tarde, ocupou-se em encomendar algo para eles jantarem, cedendo o banheiro para ela. Enquanto Ceylin se limpava após embrenhar-se na fumaça do frango queimado, foi a vez de Ilgaz preparar uma surpresa.

— Já que é uma noite tão especial — o promotor falou com ar de suspense, bloqueando a entrada dela na sala de propósito — não poderíamos deixar de fazer algo para celebrar.

A expectativa ficou visível no rosto de Ceylin.

— O que você aprontou? — Ela perguntou, animada.

Ilgaz sorriu de forma misteriosa antes de dar um passo para o lado e deixar que ela reparasse na imagem da televisão.

— Up! — Ceylin comemorou, comovida que ele se lembrara qual era seu filme preferido. Ela reparou nos dois sanduíches na mesa de centro, acompanhadas por xícaras de chá fumegantes — Ilgaz Kaya, não há ninguém igual a você!

Ceylin acomodou-se ao lado dele no sofá e não tardou a puxar um cobertor para envolvê-los. Uma cena adorável da trajetória de um casal se desenrolou diante dos olhos deles. Ilgaz reparou na testa franzida de Ceylin e por isso não estranhou quando ela fez a pergunta.

— Nós temos alguma dessas coisas de casal?

— Que coisas?

Ceylin sempre ficava maravilha com a cena na qual os personagens do filme - um homem e uma mulher - viviam experiências novas e recorrentes ao longo dos anos.

— Eu quero dizer... essas coisas que a outra pessoa faz mas você só repara quando já estão juntos há algum tempo. Sabe do que estou falando?

— Eu realmente não sei — Ilgaz teve vontade de rir com a frustração dela.

— É algo como... sei lá — ela riu, aninhando-se contra ele com a cabeça apoiada no tórax de Ilgaz — como quando estamos andando juntos em uma calçada e você sempre anda na parte mais próxima da rua — ela listou, pensando em como Ilgaz sempre a fazia se sentir cuidada e protegida.

— Eu nem sabia que eu fazia isso — o promotor admitiu com um sorriso tímido.

— Ou quando você está determinado a fazer alguma coisa e coloca as mãos nos quadris... ou o jeito que pisca duas vezes quando está indeciso a respeito de algo — ela citou, levantando a cabeça para fitar Ilgaz nos olhos — é realmente encantador.

Ilgaz não esperava ouvir tais comentários, nem tampouco pensara a respeito daquele assunto. Não sabia o que o agradava mais, o jeito que Ceylin se acomodava junto a ele ou os detalhes nos quais ela havia reparado. Saber que ela o aguardava em casa todas as noites certamente fazia de sua rotina algo muito mais prazeroso.

— Eu também adoro a forma com que você raramente reclama quando eu coloco meus pés gelados sob a sua perna quando estamos na cama ou no sofá — Ceylin falou com bom humor, recebendo um beijo na cabeça em resposta — você está sempre quentinho e disposto a ceder um pouco do seu calor.

Ilgaz reparou no olhar amoroso que ela lhe dirigia. A forma com que Ceylin sorria para ele fazia seu coração derreter.

— O prazer é todo meu — ele reforçou o abraço em torno dela.

Após os exemplos que Ceylin havia dado, Ilgaz agora conseguia entender do que ela estava falando. Ele até poderia fazer uma longa lista se necessário.

Ceylin era o ser humano mais adorável que Ilgaz já havia conhecido. E a melhor parte era que ela nem tentava ser encantadora, aquilo ocorria naturalmente.

Ilgaz não conseguiria descrever quão agradável era quando estavam juntos na cama e Ceylin fazia algo como confessar alguma coisa a respeito de seus sentimentos por ele para logo em seguida esconder-se sob as cobertas, acanhada. Ou como ela reclamava durante o sono se ele tirasse o braço debaixo de sua cabeça. Aquilo podia ser particularmente doloroso uma vez que Ilgaz normalmente acordava com o braço dormente no dia seguinte, mas o promotor tinha certeza de que ainda assim valia a pena.

Também poderia apontar o quanto amava a natureza sem filtro de Ceylin. Ou a forma com que ela tirava sarro de si mesma e da coisas nas quais não era boa.

Ilgaz adorava quando a flagrava fazendo algo de que não gostava, como organizar um móvel, e ela franzia a testa de forma cativante como se estivesse se esforçando para pensar em como realizar a tarefa no mínimo de tempo possível.

O promotor também gostava de quando ela deixava a cama deles pela manhã, vestia apenas uma de suas blusas e andava pelo apartamento exibindo aquelas maravilhosas pernas femininas.

Ceylin era possivelmente o único ser humano que conseguia ser adorável mesmo quando estava tendo um acesso de soluços. Ilgaz sorriu consigo mesmo ao lembrar-se de como ela tentava disfarçar sempre que isso acontecia. Também podia listar os momentos em que estavam indo dormir e Ceylin se aproximava por trás dele, abraçando-o como se, com seu metro e oitenta de altura, Ilgaz pudesse ser a pessoa dentro da conchinha.

Às vezes, quando estavam na cama ou no sofá assistindo algo juntos, Ceylin bocejava e colocava a cabeça no seu peito, aproximando-se dele como uma criança que buscava conforto e colo. Nesses momentos, Ilgaz geralmente esquecia-se do que estavam assistindo e focava toda sua atenção nela. A pele de Ceylin era sempre macia, o cabelo dela sempre cheirava como se a advogada tivesse acabado de sair do banho, e o sorriso dela fascinava Ilgaz sempre que ele chegava em casa e a encontrava lá, esperando por ele.

Ceylin sorria por nada além de sua presença.

Nesses momentos, Ilgaz se sentia o homem mais sortudo do mundo.

E ela o fazia ter certeza de que era.

Naquele momento, Ilgaz tomou a decisão que subconscientemente já estivera considerando desde o momento que se acertara com Ceylin.

Ela provavelmente captou algo em seus pensamentos, pois comentou.

— Quem sabe um dia eu e você possamos construir uma casa dos sonhos para nós também — Ceylin sorriu, entusiasmada após assistir uma cena no filme.

— Eu adoraria isso — Ilgaz aprovou de imediato.

Ele sentiu Ceylin retesando-se junto a si, e o silêncio se estendeu por alguns segundos, fazendo o promotor questionar o que havia mudado para tornar o ar tão tenso. Mas não precisou debater por muito tempo.

— Quem sabe um dia a gente também possa popular essa nova casa — Ceylin hesitou, mordendo o lábio inferior.

Ela parecia insegura acerca do que Ilgaz acharia de sua sugestão. Mas quando o rosto do promotor alargou-se num sorriso que chegou até seus olhos, Ceylin suspirou, aliviada.

— Não consigo pensar em nada melhor — Ilgaz confirmou verbalmente o que seu rosto já havia respondido.

Ambos foram remetidos à memórias de dois anos no passado, onde haviam permanecido no vidro externo de um berçário conversando sobre iniciar uma família. Era ótimo ver que nenhum deles mudara de ideia a respeito do assunto.

— Se você quiser... — Ceylin sugeriu, olhando para Ilgaz de forma tentadora — podemos começar a trabalhar nisso.

Ilgaz foi pego de surpresa.

— Agora? — Ele precisou conter seu entusiasmo.

Desde que Ceylin se mudara para seu apartamento, compartilhavam uma cama todas as noites. Ela já havia feito para ele a demonstração que Ilgaz pleiteara — mais de uma vez, inclusive —, e apesar de já terem se divertido com mãos e beijos de todas as formas possíveis, ainda não haviam chegado aos finalmentes devido à recuperação de Ceylin.

— Já estou bem o suficiente, Ilgaz — a advogada leu no rosto dele a preocupação com seu bem-estar físico — não se preocupe com isso. Já não sinto mais dor — ela sorriu com um misto de alívio e expectativa — além disso... sinto sua falta — a advogada o tentou, lentamente percorrendo a extensão da coxa dele com uma das mãos.

Ilgaz não precisou de muito convencimento.

Largaram o filme na sala e foram para a cama mais cedo naquela noite. Ilgaz passara diversas noites naquele mesmo quarto sentindo o calor do corpo de Ceylin ao lado do seu, perguntando-se se ela também desejava que as roupas deles desaparecessem e imaginava como seria tê-lo dentro de si novamente.

Assim que se deitaram, Ceylin o puxou pelos ombros. Ilgaz manteve os braços apoiados de cada lado dela sustentando o peso de seu corpo.

Murmúrios ininteligíveis deixavam os lábios dela na cadência mais doce que ele já ouvira. E assim, o último muro que ainda havia entre eles aos poucos se dissolveu.

Quando Ilgaz a tomou em seus braços naquela noite, lembrou-se de relance do quadro na parede de seu escritório e sorriu consigo mesmo.

Estava prestes a se embrenhar no mar em tormenta novamente, e desta vez, o faria sem medo de se afogar.

.

Ceylin retomou suas atividades de trabalho em uma segunda-feira. A advogada sabia que deveria retornar aos poucos e por isso aceitou apenas dois clientes dos muitos velhos conhecidos que vieram buscar seus serviços assim que reabriu o escritório.

Quando o momento pareceu certo, Ilgaz tratou de providenciar tudo para formalmente pedi-la em casamento.

Quando haviam se casado da primeira vez, tudo havia sido feito de forma corrida e prática demais. O promotor estava convencido de que, desta vez, Ceylin merecia um pedido de verdade.

Ele reuniu a aliança que encontrara na casa de Ceylin com a que vinha guardando desde o divórcio e as colocou em uma caixa. Naquele dia, Ilgaz revisitou em seu escritório na promotoria a antiga pasta onde guardara toda a documentação do divórcio, já planejando em como dar entrada num pedido de licença para se casarem novamente. Ainda precisava do sim formal de Ceylin, mas o promotor estava confiante de que aquilo não seria um problema.

Ao chegar do trabalho em uma noite fria de outono, Ceylin encontrou o apartamento envolto em meia luz. Ela franziu a testa, confusa com a presença de uma garrafa de vinho sobre a mesa de jantar posta.

Com a curiosidade aguçada, a advogada perambulou pela casa a procura de Ilgaz. Encontrou-o na varanda da sala parecendo tenso conforme mantinha o olhar fixo na rua lá fora.

— Aí está você — Ceylin o abraçou, sentindo-se bem disposta — por que está se escondendo aqui? Tenho que contar sobre o—

— Ceylin, você tem a sua cópia dos papéis do nosso divórcio?

A pergunta séria realizada de forma inesperada deixou a advogada com a impressão de que alguma coisa estava errada.

— Papéis do divórcio? — Ela estranhou, perguntando-se para que diabos Ilgaz precisaria de tais documentos — eu acho que estão em algum lugar no meu escritório... ou no meu quarto na casa da minha mãe?

O promotor respirou fundo e exalou o ar lentamente antes de tomar a mão dela na sua.

— Eu achei no meu escritório a pasta com a minha cópia hoje — ele começou. Ceylin distinguiu a gravidade do assunto pela forma com que Ilgaz a olhava — e reparei em algo que não tinha visto antes.

— O que? — a advogada perguntou ansiosamente. Não fazia ideia do motivo que levara Ilgaz a tocar naquele assunto ou parecer tão tenso, mas já se sentia igualmente nervosa.

— Quando demos entrada no nosso processo de divórcio, eu estava sob a impressão de que residíamos no meu apartamento, pois foi lá que moramos a maior parte do tempo.

Ceylin arqueou as sobrancelhas, tentando lembrar-se dos detalhes. Sua expressão intrigada fez Ilgaz continuar.

— O que eu não vi foi que você listou a casa que havíamos alugado como local oficial de nossa residência.

— Sim...? — Ceylin vasculhou a cabeça de volta para suas aulas de direito de família na faculdade. Havia trabalhado mais com direito corporativo e cível durante sua carreira, portanto aquela estava longe de ser sua área de expertise.

— A questão é que eu dei entrada no processo com a juíza responsável pelo distrito deste apartamento — Ilgaz recapitulou. Na época, para acelerar o processo, ele havia recorrido à ajuda de funcionários do tribunal. Conhecendo a reputação imaculada do promotor, os assistentes jurídicos mal haviam se dado ao trabalho de ler o conteúdo de sua petição ao processar o pedido do divórcio, confiando que Ilgaz tomara conta de todos os detalhes.

— Mas na petição, nosso endereço de residência está listado como a casa que alugamos? — Ceylin antecipou o que ele iria dizer.

— O que significa — Ilgaz inconscientemente prendeu a respiração — que a juíza que nos cedeu o divórcio não tinha a jurisprudência para fazê-lo.

Ceylin assentiu com a cabeça, aturdida. Tentava processar as ramificações daquele deslize e sentiu-se tão tensa e nervosa quanto Ilgaz parecia estar.

— O que por sua vez significa que nosso divórcio é inválido — a advogada concluiu.

Ilgaz permaneceu em silêncio pelos minutos seguintes, dando a Ceylin a chance de considerar todos os detalhes acerca da informação que acabara de descobrir.

— A questão principal aqui é: o que fazer em seguida? — Ilgaz optou por uma abordagem prática. Sentia-se nervoso e nem ao menos entendia porque, visto que até pouco planejava pedir a mão de Ceylin em casamento — podemos levar o assunto até a vara de família e solicitar retificação do nosso processo...

— Ou podemos pedir para que ele seja anulado — Ceylin completou antes que Ilgaz tivesse a chance de fazê-lo.

O rosto dela subitamente se transformou quando a advogada foi tomada por uma vontade incontrolável de rir.

— O que foi? — Ilgaz não conseguiu conter um sorriso, contagiado pela alegria dela — no que está pensando?

Ceylin sacudiu a cabeça tentando se controlar, mas lágrimas de divertimento escapavam de seus olhos. Apenas quando conseguiu recuperar a respiração, a advogada pegou nas duas mãos de Ilgaz e olhou dentro dos olhos dele.

— Meu amor, nós sofremos como dois cabeças-duras durante dois anos por conta do nosso divórcio e agora você está me dizendo que ele nem ao menos é válido — ela sacudiu a cabeça — eu não sei se devo ficar brava... esse tempo todo que eu sofri por estar longe de você na verdade não passou de uma tecnicalidade.

— Mas a dor da separação foi bem real — Ilgaz comentou, encantando com o entusiasmo dela. Ele esperou até que ela estivesse em pleno controle de si mesma novamente para perguntar o que ambos queriam saber — e então? O que vamos fazer?

As opções eram apenas duas. Ou Ilgaz e Ceylin voltavam atrás no divórcio e seguiam como um casal, ou davam entrada para ajustar o erro técnico e faziam valer o status civil que achavam ter pelos últimos dois anos.

— Só consigo pensar em uma resposta para essa pergunta — Ceylin sorriu apaixonadamente para ele, mantendo um ar de mistério antes de finalmente perguntar — Ilgaz... você quer se desdivorciar* de mim?

O promotor segurou o rosto dela entre as mãos e selou a resposta afirmativa com um beijo que deixou ambos sem fôlego.

— Eu meio que planejava pedir você em casamento essa noite — ele confessou, e Ceylin finalmente entendeu porque ele andara mexendo nos documentos do divórcio — mas um desdivórcio me parece uma ideia ainda melhor — ele sorriu, aprovando a atitude dela.

— Pode parecer bobo, mas... — Ceylin enroscou os braços ao redor da cintura dele, puxando Ilgaz para mais perto antes de confessar — eu fiquei realmente feliz em descobrir isso. A seriedade de um divórcio me fazia sentir que, por um tempo, nossas vidas haviam tomado rumos diferentes. Mesmo que isso não modifique o passado, eu fico feliz ao saber que sabendo ou não, sempre estive atada a você.

— E sempre estará — Ilgaz manteve o rosto dela entre as mãos, inclinando-se para beijá-la novamente — não podemos mudar o passado, mas temos o presente e o futuro. E agora ficaremos juntos para sempre. Chega desse absurdo de divórcio e separação.

— Sim — Ceylin confirmou, confirmando a hipótese de Ilgaz de que era o homem mais sortudo do mundo — novo casamento ou desdivórcio... não importa qual seja a rota, meu amor — ela deslizou as mãos pelo tórax dele até cruzar os braços atrás do pescoço de Ilgaz, puxando-o para um novo beijo — minha resposta para você sempre será sim.

.

E aqui está o segredo mais profundo que ninguém sabe (aqui está a raiz da raiz e o broto do broto e o céu do céu de uma árvore chamada vida; que cresce mais do que a alma pode esperar ou a mente pode esconder). E esta é a maravilha que mantém as estrelas separadas.

Carrego seu coração comigo (Eu o carrego no meu coração)."

- E.E. Cummings


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*for anyone who's auto translating this to English: this is a made-up word, so I don't know how google will translate it. But it's something along the lines of "undivorce"



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aê! Começamos com quote, terminamos com quote. Essa é a quote original do capítulo quatro, só que a versão mais longa.

Então, a quem possa interessar: a ideia original dessa história era trazer essa plot do divórcio no meio do rolê todo mas as coisas foram acontecendo e acabou que não coube no meio do caos. Quem me conhece sabe que eu sou uma péssima planejadora, mas fiquei feliz de ao menos trazer a plot do "desdivórcio"

Obrigada por ter chegado até aqui, e até a próxima história 🤍

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