Sk8er Girl

By HumanAgain

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Após o fim de seu noivado, Antonella sente que não foi feita para o amor. Todas as juras de amor feitas por L... More

Dedicatória

Capítulo único

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By HumanAgain

 Antonella não estava na melhor de suas semanas.

Quando recebera as mensagens de Leandro em seu celular, seu coração parou por um momento breve. Chegou a pensar que eram piadas de mau gosto, daquelas que seu noivo adorava fazer; era possível também que um de seus amigos zombeteiros tivesse apanhado o seu celular no intuito de tirá-la do sério.

Contudo, ao telefonar para o rapaz, a realidade caiu sobre sua cabeça como um baque, e ela sequer tivera tempo de colocar as ideias em ordem.

— O que você quer, Antonella? — O desprezo na voz do antigo amado coroava sua desgraça. — Eu já não te disse o suficiente pelo whatsapp?

Com o sangue rugindo em seus ouvidos, a jovem sabia que não estava no melhor de seus juízos. Como, afinal, um homem como Leandro poderia terminar um noivado — E um relacionamento de 4 anos! — por causa de um motivo tão banal?

— É verdade o que você falou? — As lágrimas traçavam trilhas tênues por suas maçãs do rosto. — Você está terminando comigo?

— Ai, que chatice — bufou. — Acho que fui bem claro. Eu não quero uma vida de casado, Antonella. Vou ser um rockstar, um homem famoso viajando pelo mundo, e não quero me prender a uma mulher só. Entendeu agora ou precisa que eu repita?

— Mas... Por quê? — O relacionamento dos dois parecia tão sólido. Outrora, ele lhe prometera o céu, dissera que os dois iriam viver aventuras incríveis juntos. De alguma forma, isso parecia ter mudado. — Você disse que me amava...

— É, eu disse. — Leandro parecia entediado. — Você leva a sério demais as coisas que eu digo.

Naquele exato instante, Antonella teve certeza que nenhuma partícula de oxigênio circulava por seus pulmões.

— Você mentiu? — O vômito abria espaço por sua garganta. Jamais estivera tão enojada em toda a sua vida.

— Ai, sei lá, por que você se importa? — desdenhou. — Eu não tô mais afim, Antonella. Para de encher o saco, já deu. Não existe mais nada entre nós, acabou. E, para ser sincero... Eu te traí com a sua amiga. Muitas vezes.

— Você o quê? — gritou, indignada.

— Até mais, Antonella. — Seria a última frase que Leandro destinaria a sua ex noiva. — Se quiser me ver de novo, liga a TV. Minha banda vai fazer um sucesso astronômico lá fora. Valeu!

E, sem sequer dar a ela chance para xingá-lo, Leandro desligou o celular, bloqueando-a com uma velocidade similar a de um raio. A moça quis esmagar o celular contra a parede, mas ainda não tinha terminado de pagar todas as prestações. Aos 20 anos, tivera que abandonar o seu sonho de ser uma guitarrista talentosa para pagar as contas, e agora amargurava uma vida infeliz como atendente de telemarketing.

Lágrimas rolaram por suas bochechas. Encarou o skate aposentado que guardava na parede, seu amadeirado preto contrastando com a tinta branca. Ele era dos tempos áureos, de quando ela e Leandro se conheceram; já naquela época, o roqueiro não se importava muito com suas obrigações, mas Antonella sempre acreditou ser um pouco mais valiosa do que isso.

Num acesso de fúria, atirou-se contra o objeto, quebrando-o em mil pedacinhos. Reservou uma atenção extra ao ponto onde Leandro havia escrito uma dedicatória, inflamando a madeira com juras de amor que, agora ela sabia, eram completamente vazias. Por que não havia percebido o canalha com quem se deitava todas as noites?

Nos dias seguintes, recebera inúmeras mensagens de amigos relatando estarem cientes do acontecimento. Muitos ofereciam um ombro para ter onde chorar, alegavam terem sempre suspeitado de que Leandro não era um bom parceiro e, quando nada mais funcionava, sugeriam uma saída ao bar para que Antonella pudesse dissolver suas preocupações com álcool. Ela, no entanto, não dera muita atenção aos recados. Não podia prever qual de suas amigas era a cobra infiltrada, a pessoa que havia durante tanto tempo se deitado com Leandro sem sequer avisá-la do homem que estava ao seu lado. Antonella não queria conversar com ninguém além de sua própria família.

Numa manhã de domingo, um dia em que a jovem pôde finalmente reservar suas energias para uma longa sessão de prantos dolorosos, o céu estava mais radiante do que nunca. Era meio de setembro, próximo à data que marcava os quatro anos de início de namoro entre ela e o canalha, e Antonella estava certa de que não abandonaria sua cama por nada; a menos, é claro, que algum problema urgente emergisse, como uma guerra nuclear, um furacão ou até mesmo sua mãe lhe pedindo para comprar ingredientes no mercado.

— Filha? — Dolores, uma senhora baixa de pele branca e cabelos escuros como o mogno, era a mulher que Antonella tinha a honra de tratar como mãe. Divorciada há dez anos, a cozinheira se livrara de um casamento abusivo que nada lhe acrescentou além de traumas. Pelo visto, o mau gosto para homens era genético. — Posso te pedir uma coisa?

A moça rolou pela cama, afastando uma mecha de cabelo negro de seus olhos profundamente azuis. Deixou que viesse ao seu campo de visão uma tatuagem de caveira, uma das muitas marcas que havia gravado na pele; esta, no entanto, ela fizera junto a Leandro. Seu único desejo era escalpelar a pele do braço até que estivesse em carne viva, somente para que não mais se lembrasse da influência que o músico tinha em sua vida.

— Pode. — Limpou uma lágrima com o indicador.

— Eu sei que você está amuadinha, mas é que eu... — Dolores esfregou o próprio braço, incerta de que tirar sua filha da cama naquelas condições seria uma boa ideia. — Eu estou fazendo aquela torta que você gosta, mas não tem farinha em casa. Você sabe que eu não tenho problema em dar um pulo no mercado a pé, mas já é quase meio dia e ele vai fechar...

A moça espiou o relógio com o canto do olho; faltavam quinze minutos para o meio dia. Embora Dolores fosse muito prestativa, ela não sabia dirigir; cabia a Antonella realizar este favor para sua mãe.

— Já estou indo. — A moça ajeitou as dobras da camiseta e tirou uma chave de carro da escrivaninha. — Volto em vinte minutos.

— Querida, não precisa ir se não quiser... — Dolores tentou ainda tirar aquele peso de sua mente, mas a verdade é que fazer um favor para uma pessoa que tanto a havia ajudado não era martírio algum.

— Está tudo bem. — No final das contas, talvez Antonella realmente estivesse precisando rever a luz do sol. — Logo eu volto com a sua farinha, mãe.

***

A imensa fila do caixa não era nada animadora para a ex-guitarrista.

Enquanto idosos confusos realizavam as volumosas compras do mês, Antonella batia vertiginosamente com os pés no chão de porcelana do mercado. Não escondia sua impaciência, torcendo para que alguns daqueles compradores fossem caridosos com ela e deixassem que a moça passasse à sua frente, mas nenhum deles pareceu se importar. Já era quase meio dia e dez e a jovem não suportava mais o calor estafante do local, mas, no final das contas, não podia exigir muito mais daquelas pessoas; afinal, eram clientes tão irritadiços quanto ela, que em nada eram responsáveis pelo fato de uma enorme rede de supermercados ter escolhido pôr um único caixa para operar ao fim do expediente em um domingo.

Enquanto estava absorta na sua ira, pensava menos em Leandro. Queria acreditar que, com o tempo, seria capaz de voltar a sair com outros rapazes e moças, mas quem ela queria enganar? Estivera com o músico por tanto tempo que desaprendera a flertar. E, no final das contas, será que havia alguém que verdadeiramente se interessaria por Antonella? Moças como ela não eram dignas do amor. Talvez o que restasse à garota fosse a eterna solteirice, e isso não era realmente ruim. Seu gato Bolota não lhe mandaria mensagens de madrugada para avisá-la que não havia espaço para si em sua vida.

— Moça? — Antes que Antonella pudesse concluir o seu pensamento, uma criança agarrou sua saia. Era uma menina negra, gordinha, tinha olhos profundamente escuros e cabelos crespos presos num coque. Não era mais velha do que sete anos. — O que está escrito no seu braço?

Logo se deu conta de que se tratava de sua tatuagem em kanji, um dos alfabetos japoneses.

— É "força" em japonês. — Sorriu. A inocência de uma infante era capaz de dissipar até mesmo os mais profundos sofrimentos.

— Por que você fez uma tatuagem em japonês? — A menina franziu o cenho. — Você é japonesa?

— Não. Minha mãe é neta de portugueses, e meu pai era italiano — explicou. — Eu era muito novinha quando fiz a tatuagem, achei que seria uma boa ideia. Hoje, não gosto tanto assim dela, mas é uma tatuagem que não sai, então eu só deixo ela aí.

— Ah. — Apesar da pouca idade, a garota compreendeu. — Eu não tenho pai, sabia? Minha mãe disse que...

— VALENTINA! — Uma mulher proxima de seus trinta anos, cuja pele e cabelos eram tão escuros e belos quanto os da criança, repreendeu a pequena. — Por que não vai ali pegar um doce para você? Pode escolher o que você quiser, mas não faça bagunça, viu?

Com os olhinhos escuros brilhando de felicidade, Valentina anuiu, movendo seus pézinhos em direção a uma prateleira repleta de doces. Embora a distância fosse considerável, sua mãe ainda conseguia monitorá-la dali, sem tirar os olhos da criança por um segundo sequer.

— Desculpe. Tive a Valentina num dos piores momentos da minha vida, e o pai não quis assumir. — Balançou a cabeça de um lado para o outro, sentindo que devia alguma informação para Antonella. — Prazer, Fernanda.

— Antonella. — A moça ofereceu sua mão para a mulher, que carregava alguns enlatados em seu carrinho. — Eu acho que te conheço de algum lugar...

— Conhece? — Fernanda franziu o cenho. — Pior que você me parece familiar. Por acaso estudou no colégio Raio de Sol? Eu era bolsista lá, quando ainda fazia balé.

Antonella estremeceu. Jamais havia posto seus pés naquela escola antes, mas conhecia uma pessoa que havia frequentado aquele lugar em sua adolescência...

— Leandro... — deixou escapar. Ainda que houvesse se repreendido no mesmo segundo, a audição de Fernanda se mostrou extremamente eficiente quando a mulher retrucou:

— O que? Leandro Schmidt? — Arregalou os olhos. — Você é algo dele?

— Eu era noiva, mas ele terminou comigo para... Enfim, não importa. — Balançou a mão no vento, como se estivesse dissipando o assunto. — Ele é um babaca.

— Com certeza é.

Uma risadinha tênue escapou dos lábios de Antonella, e aos poucos sua mente foi clareando quanto a Fernanda. Seu sobrenome era Pontes da Silva, e apesar dela e Antonella nunca terem se encontrado pessoalmente, a atendente de telemarketing já a havia visto por fotos. Leandro demorava-se noites e noites detalhando sobre uma jovem que a havia rejeitado no colégio apenas porque ele andava de skate e vestia roupas despojadas, já que ela, patricinha como havia de ser, acreditava que ele não era bom o suficiente. Embora não a conhecesse, Antonella a odiava por ter humilhado seu ex noivo, e havia ajudado Leandro a escrever uma música sobre suas frustrações juvenis.

No entanto, agora lhe ocorrera a ideia de que jamais havia ouvido a versão de Fernanda sobre o acontecimento, e que talvez ela merecesse uma chance.

— Se você me conhece, é porque ele ainda não me superou. — Fernanda Riu. — Sempre me perguntam se eu sou a patricinha cruel que ele narra naquela música, e, sim, eu sou. Nem mesmo a fama e o dinheiro conseguiram acabar com a postura de moleque daquele idiota.

— Ah... — Antonella pôs as mãos nos bolsos. Não contaria para a mulher que havia ajudado a compor aquelas estrofes nem mesmo sobre tortura. — Ele dizia que você maltratava muito ele...

— ...Porque ele era todo roqueirinho e eu era uma metida. Uhum. — Fernanda revirou os olhos. — Ele te contou que eu sou lésbica? Aposto que não te contou.

A jovem arregalou os olhos. Essa parte da história não havia chegado até si.

— Você é? — devolveu, quase que instantaneamente. — Não que eu tenha algo contra, eu sou bi, mas a sua filha...

— Foi um momento merda da minha vida. Eu tentei sair com caras para tentar apagar que gostava de garotas, mas não deu muito certo. — Comprimiu os lábios. — Bom, de qualquer forma, Leandro foi a primeira pessoa para quem eu contei que só me interessava por mulheres, mas ele não deu muita bola. Ficou insistindo, era chato. E aí eu tive que dizer que jamais me interessaria por uma pessoa como ele, mas eu falei isso porque ele era um imbecil, não porque se vestia de forma diferente. Acho que esse conceito é muito complexo para alguém como o seu ex.

— Uau. — Antonella se sentia traída. Como havia embarcado na versão de Leandro por tantos anos sem sequer dar a Fernanda o benefício da dúvida? — Ele não disse isso...

— É claro que não. — Apesar do tópico delicado, a mulher sorria. — Mas aposto que ele contou quando, numa festa, eu rejeitei ele pela milésima vez e, irônicamente, disse...

— "Te vejo mais tarde" — repetiu Antonella, como se fosse um mantra.

— É, foi isso. — Fernanda deu de ombros. — Bom, de qualquer forma, eu sinto muito que você tenha embarcado por tanto tempo na lorota de Leandro Schmidt. Eu não desejaria isso para ninguém.

— Ele falou que, no fundo, você gostava dele — Antonella insistiu. — Mas que só o rejeitava por causa dos amigos.

— Mesmo que fosse o caso, era meu direito, mas definitivamente não foi isso — respondeu. — Alguns homens são incapazes de conceber que não são tão irresistíveis assim. Acho que era o caso dele.

Envergonhada, Antonella assentiu. Sentiu suas bochechas esquentarem com a nova informação; o relacionamento com Leandro fora uma grande perda de tempo. Sequer conseguia se sentir mal pelo fim do noivado, porque agora o sentimento que a inundava era alívio. Jamais poderia tomar alguém tão desprezível assim como marido.

— Mãe! — Valentina retornou com um pacote de dentaduras Fini em mãos. — Eu achei o doce perfeito!

— Que legal, meu bem! — Fernanda acariciou o cabelo da filha. — Eu sei que isso é um pouco ousado de se dizer, mas... Antonella, querida, você está solteira?

Um sorriso brincalhão apareceu nas feições da moça. Embora não tivesse cogitado uma relação entre ela e Fernanda, não podia negar que a mulher era bastante atraente; atraente demais para cair nas graças de alguém como Leandro.

— Eu estou — respondeu, rápida como um trem em movimento. — Você quer o meu whatsapp?

— Era exatamente isso que eu ia pedir. — Lançou uma piscadela, deixando suas intenções evidentes.

Com uma gargalhada, as moças selaram sua conexão. Conversaram ainda algumas amenidades até que a fila do mercado finalmente desafogasse e Antonella pudesse levar o pacote de farinha para sua mãe, chegando com uma aparência bem melhor do que saira. Dolores, como não podia deixar de ser, notou a súbita mudança de ares em sua filha.

— Ora ora! Eu sabia que sair de casa iria fazer bem para você, mas eu não imaginava que seria tanto! — Riu, fazendo um sinal para que a jovem adentrasse sua casa. — O que aconteceu naquele mercado, hein? Achou ouro?

— Melhor do que isso, mãe — respondeu Antonella, encarando a mensagem simpática que Fernanda a havia enviado em suas notificações. — Melhor do que isso.

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