O Grande Jogo

By Machado-Ribeiro

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Jacqueline Andrade estava em suas merecidas férias após uma missão na América Central. Porém, quando Fabian A... More

Avisos
PRÓLOGO: Triste Fim
UM: Surpresas Passionais
DOIS: Cidade dos Espiões
TRÊS: Festa Mágica
QUATRO: Caçada Inicial
CINCO: Desorientação
SEIS: Controle
SETE: Conflito Obscuro
OITO: O Salvador
NOVE: A Companhia
ONZE: Rumores
DOZE: Políticas
TREZE: Adinkras
QUATORZE: Terror
QUINZE: Demônios
DEZESSEIS: Desespero
DEZESSETE: Alternativas
DEZOITO: O Grande Jogo
DEZENOVE: Cerco
VINTE: Justiça
VINTE E UM: Salvação
EPÍLOGO: Operação Noel

DEZ: A Verdadeira Escuridão

88 20 341
By Machado-Ribeiro

Lago Chade, Fronteira Camarões-Chade, África Ocidental. 12 de outubro de 2018.


Há muito tempo Aziz lera sobre a famigerada pedra filosofal. Era uma das lendas mais adoradas no oriente médio, tão quanto as Mil e Uma Noites e as histórias do Rei Salomão — estas um pouco mal vistas por questões religiosas, afinal era a história de um rei judeu. Mas, ao entrar para o mundo da inteligência, descobriu que histórias assim eram verdadeiras lendas urbanas.

O que via naquele momento, bem, não colocaria em relatório nenhum.

A beleza das labaredas enormes produzidas pela queima dos materiais da vila padecia em comparação a transmutação que ocorria na base do fogaréu. Materiais orgânicos e inorgânicos se misturavam em uma dança macabra.

Hipnotizado pela demonstração de Habret, Aziz não notou a tentativa de Jacqueline de evitar a transgressão de uma das leis mais antigas do seu mundo. A Lei do Segredo existia desde a Inquisição, quando perseguiram e mataram quem podia usar a magia.

A lei existia por um motivo. Esconder o mundo mágico do mundo mundano, afinal a humanidade sempre procurou destruir aquilo que não conseguia compreender. Era perigoso aquela informação na mão de Aziz, um político que venderia até a própria sombra se isso lhe desse vantagem. Se ele soubesse que a magia existia...

Jacqueline empalideceu ao imaginar o que ele poderia fazer em posse de tal informação.

Tentou criar um redemoinho ao balançar os dedos, mexer com o fluxo do ar, trazer as partículas espalhadas no ambiente. Tentou impedir aquela demonstração insensata sob os olhos atentos dos soldados e de Aziz.

Todavia, Jacqueline não sabia que Habret não era mago ou um feiticeiro. Não. Habret era muito pior. Era um alquimista, e sua magia não funcionava naquela apresentação bizarra.

De modo que não adiantou seu pequeno redemoinho virar um vórtex gigante capaz de arremessar boinas de soldados para longe e fazer pessoas — com razão — confundir sua magia com uma tempestade de areia. Rezou para eles correrem, mas os homens não saíram de onde estavam.

Habret não precisava mais do calor do fogo para criar uma esfera, fundindo os materiais da vila. A esfera era pequena, maciça e cabia na palma da mão. Porém, foi o suficiente para satisfazer o general e seus homens.

Da pira em chamas, restou apenas cinzas.

— Você está brincando comigo! — Aziz arregalou os olhos e fitou a esfera como se estivesse sonhando.

— Minha alquimia ainda está na fase inicial. — Habret lançou a esfera de uma mão para outra. — Mas já consigo fazer uma pequena bomba.

— Mesmo vendo... — O egípcio parou antes de concluir o que dizia, o cérebro ainda tentando processar o que vira. Estava sem palavras.

Jacque, por outro lado, tentou mudar de estratégia.

— Ótima ilusão de ótica. — Acenou para o redemoinho, que havia sido reduzido a uma brisa fraca. — Labaredas gigantes, tempestades de areia, esferas de metal surgindo do nada... Não sabia que generais também eram ilusionistas a lá David Copperfield.

Seu sarcasmo custaria um tíquete para o inferno, principalmente ao ver toda a divisão de Habret erguendo as metralhadoras e rifles em direção a sua cabeça. Nem o susto de Aziz, que o tirou do transe, amenizou a situação.

Contudo, se os olhos fervorosos e a testa vincada fossem algum indicativo, o ódio de Habret não se apagou. Pelo contrário, ele o nutria de forma silenciosa, vingativa.

— Perdoe minha assistente, Idrissa, ela é muito cética mesmo após ver algo extraordinário diante de seus olhos. — Ele apertou o bíceps dela. Forte. — O que eu presenciei... indescritível.

Habret desviou o olhar para o egípcio, depois para ela antes de abaixar sua arma. Seguido imediatamente por seus soldados, o general respirou fundo e lançou a esfera para Aziz.

— Presente. — Habret a olhou pelo canto de olho, o furor ainda contido. — Falaremos mais sobre seu financiamento após chegarmos a minha base.

Jacque reparou no sargento, rindo e zombando dela. Tentou fazer leitura labial, contudo ele foi chamado por seu colega e ela não conseguiu entender o que ele queria dizer.

— O que foi isso? — Aziz rangeu os dentes, claramente indignado.

— Nada. — Não podia dizer por que arriscou a própria vida para manter o segredo da magia. Ele não entenderia, não agora pelo menos. — Eu só acho que Habret está escondendo um jogo e me parece um pouco infantil para quem é um imenso general.

— Suas vitórias não tem nada de infantil. — Aziz rebateu ao fitar as costas largas do alquimista. — Ele é excêntrico, como a maioria dos comandantes que eu conheço.

— Não sei...

— Vamos à base dele, depois você tira suas próprias conclusões. — Aziz olhou para o horizonte. — E digo mais, outra ação desse tipo e você mata nós dois. Habret só perdoa uma vez. Não há terceiras chances com ele. Por favor, se controle Jacque.

— Anotado. — Ela piscou. Ela não pretendia fazer de novo, mas precisava enviar um relatório para a central urgentemente. Mais do que nunca aquele general precisava ser observado. — E onde fica essa tal base?

— Em um local abandonado por Deus.

Jacque subestimou o escopo e alcance de Habret em toda a África Ocidental. O pequeno séquito, com algumas dezenas de homens, não chegava nem perto em comparação aos oficiais localizados em sua base, as beiras do Lago Chade. Centenas de homens e algumas mulheres andavam de um lado a outro, passando pelas tendas e edificações improvisadas.

Jipes passavam, seja levando mantimentos, seja patrulhando. A artilharia, espaçada para evitar sua destruição completa em um ataque, era como um dragão prestes a abrir sua boca para um jato de destruição em massa. Morteiros erguidos, metralhadoras de calibres pesados e até bazucas estavam nas torres de segurança.

Todos tinham no mínimo uma AK-47 nas mãos e uma pistola presa a perna. A agente se sentiu muito desarmada, uma pequena formiguinha no meio de elefantes africanos. Os olhares, meio nefastos, meio lascivos, eram nítidos.

Ouviu de relance, após descer do carro e caminhar pelo acampamento, alguém a chamando de "Princesa". Ao girar o corpo e olhar para o dono da voz, viu o homem agarrando as próprias genitais ao conversar com o companheiro de divisão.

O sangue ferveu, as mãos cerraram e ela socaria o nariz daquele salafrário se não fosse pelo sutil, mas firme aperto de Aziz. Ela virou a cabeça com violência, transmitindo todo o seu ódio, mas bastou um meneio de cabeça para ela entender o que estava em jogo.

Habret observava suas ações como um caçador, uma ave de rapina. O general, o salvador do Chade a julgava, esperando-a cometer o mínimo deslize. Uma coisa era autodefesa, outra era atacar imbecis e idiotas por gestos. Até pensou em fazer o maldito soldado cair em uma de suas armadilhas, mas isso era perder tempo.

Precisava achar as crianças mágicas. E precisava colocar na cabeça de seu parceiro que Habret era um perigo como futuro presidente.

Foram conduzidos até uma zona com menos soldados e mais civis, possivelmente burocratas e outros profissionais liberais para manter o funcionamento da base, onde foram recepcionados por uma delegação.

— Vocês serão conduzidos para seus alojamentos temporários. — Habret não sorria mais, estava sempre sério, sereno e compenetrado. — Só tenho uma tenda para vocês, até porque, vejamos, estamos em guerra. Espero que não ligue.

— Para quem já dormiu sobre as areias quentes do Saara, uma tenda com um colchão é um tesouro. — Aziz, por outro lado, esbanjava felicidade no rosto. Entretanto, o sorriso não ia até os olhos. Se Habret percebeu, não disse. — Obrigado, Idrissa.

— Discutiremos estratégias depois do almoço, certo?

— Com certeza.

— Fatimah! — Uma mulher com um lenço amarrado na cabeça e um imenso avental deu dois passos para frente. — Mostre-os os novos aposentos.

Sem dizer uma palavra, Fatimah anuiu e, com um gesto de mão, indicou para Aziz e Jacque a seguirem. Por cima dos ombros, a agente da Interpol checou Habret sumindo no horizonte oculto por raios solares.

A tenda não era grande, havia duas camas dobráveis muito desconfortáveis e um espaço para as coisas. Porém, segundo as indicações de Fatimah o banheiro no acampamento era de uso comum. Quando ela perguntou sobre privacidade, a mulher de rugas expressivas e olhar triste deu de ombros e partiu para seus afazeres, deixando Jacque sem resposta. Ou melhor, o silêncio e a indiferença diziam mais que palavras vazias.

— Não quer igualdade? — Aziz brincou. — Você a terá.

— Engraçadinho. — Jacque colocou as mãos na cintura. — O que você negociou com ele?

— Já com perguntas, Jacque? — Aziz deitou, entrelaçando os dedos atrás da cabeça. — A curiosidade matou o gato.

— Desembucha. Senão eu chuto seu traseiro. — Trocou o peso das pernas e grunhiu. A dor ameaçava voltar com força. — Daqui até o Saara.

— Não foi nada demais. Meu país quer apoiar Habret. Não somente isso, há uma coalizão de países incentivando-o a tomar o poder. — Aziz olhou para o vazio. — O atual governo meio que rompeu acordos demais com as potências para passar impune.

— Então vão substituir um ditador por outro ainda pior?

— Eu não acho Idrissa pior que o atual regime. — Aziz sentou e encarou a fúria de Jacqueline. — Na verdade, ele é o melhor que o Chade tem em muito tempo.

— Não consigo chamar de salvador alguém que usa crianças como moedas de barganha! Em um mundo coerente, isso não existe! Ele deveria ser preso e julgado por seus crimes! Haia tem uma cela quentinha esperando por ele. — Jacque exasperou.

— Se vivêssemos em um mundo coerente, talvez. — Aziz abriu um sorriso fraco. — Não queira jogar suas ideologias em um lugar que nunca as conheceu. Seus pais migraram do Brasil para os Estados Unidos na primeira oportunidade, enfrentaram preconceitos para lhe dar uma vida melhor, além de valores únicos e ideológicos de duas culturas. — Pendeu a cabeça para o lado ao vê-la se abalar com as palavras dele. — Eu vim dos becos e vielas de Cairo, de uma sociedade que... bem, não preciso dizer. O Chade não conhece o que você conhece.

— E você vai deixar as crianças na mão desse maldito? É isso mesmo que estou ouvindo?

— Eu quero fazer algo que transcende isso. Salvá-las, sim, ao tornar aliança mais importante do que elas em uma guerra eterna. Não somente contra o atual regime, mas também contra os terroristas e as facções do deserto. — Aziz se levantou e acariciou os braços de Jacque. — Se tiver raiva, tenha de Noel, que explora as sombras da humanidade, espalha ao léu sua escuridão e usa crianças para incrementar sua agenda.

— Eu não ficarei quieta frente a uma injustiça. — Estava irredutível.

— Nem quero que fique, não foi por isso que lhe trouxe para cá. — Aziz respirou fundo. — Mas não faça nada que ameace o status quo. Pode ser pior para nós e para as crianças que queremos salvar. — Ele esboçou um sorriso envergonhado. — Agora que tal nos familiarizarmos com a base antes da reunião com seu bicho-papão?

Jacqueline grunhiu para si mesma ao se ver concordando com Aziz. A situação estava tão ruim a ponto de as autoridades considerarem Habret para liderar um golpe de estado? O governo atual era tão ruim assim? Não acreditou nisso, a humanidade ainda tinha um resquício de bondade.

Ou era inocência demais acreditar no contrário? E sua cruzada, como ficava? Após organizar suas coisas, checar os aparatos e tomar nota de toda a tenda, ela pisou fora da tenda com mais dúvidas do que respostas sobre seu papel, sua determinação.

Mas dissipou quaisquer dúvidas ao fechar a tenda. Resgataria as crianças e mandaria as políticas e manipulações baratas de Aziz para o inferno.

E, talvez,só talvez, impediria o próprio parceiro de cometer um erro que mancharia para sempre a sua vida.

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