Conte-me Seus Sonhos

By groliveira

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SINOPSE Valentina é uma professora que adora viajar para participar de congressos. Ela sofreu uma grande perd... More

CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38 (FINAL)
Epílogo
NOTA DO AUTOR
LIVRO NOVO
Livro com capítulos a mais...

CAPÍTULO 3

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By groliveira

TERÇA-FEIRA


VALENTINA

Saindo do meu quarto, encontrei novamente Michael na recepção. Não estava feliz com a situação que havia passado no dia anterior. Ele parecia um tanto quanto retraído, não sei bem o porquê; ele estava com roupas leves dessa vez. Não sabia nada sobre ele, mas tentei puxar conversa para que não notasse o constrangimento que passei na noite passada, a respeito da minha pseudopergunta.


– Olá, bom-dia, bom clima hoje, né? – Realmente eu era péssima em puxar assunto pessoalmente com homens.

– Bom-dia, o clima é assim mesmo. Na cidade tudo é muito igual, não há muita diversidade aqui. – Ele disse, olhando à sua volta.

– Entendo. Ontem, ao percorrer a cidade, vi muitos locais. Você me indicaria algum em especial? – Disse sorrindo.

– Hum. Olha, não sei sobre seus gostos, mas acho que você gostará da biblioteca. Certamente, como veio pra cá para participar do Congresso, acho que será uma boa visita. Lá você terá mais privacidade, pois, geralmente, não há muitas pessoas no local. Agora, se for a respeito de comida, posso lhe indicar vários lugares, até porque essa é uma das razões pela qual ainda não saí da cidade. – Ele riu pela primeira vez de uma forma espontânea e real.


Sorri, agradeci por suas informações e me despedi dele.

Saindo do hotel fui fazer um tour pela cidade. Primeiramente, vi em frente ao hotel uma cafeteria chamada Stella's Café. Sinceramente, adoro comer. Não poderia ficar aqui por muito tempo, se não, iria virar uma bola.


Durante meu pequeno almoço, repensei o meu primeiro dia aqui na cidade. Pensei também na frase que disse para Michael. Não sei se o magoou, mas acho que ele se sentiu um pouco desconfortável com o que lhe disse.


Me retirei da cafeteria e fui em direção a alguns dos pontos que queria conhecer da cidade. O primeiro deles era a biblioteca. Caminhei até lá, não ficava a dois minutos do local. Entrando na biblioteca, vi que o espaço vazio era tão grande quanto aquele ocupado por estantes com livros. Num primeiro momento, minha intenção era somente visualizar o espaço.


Quando estava indo embora, percebi um cartaz pregado na parede mostrando algumas curiosidades da cidade. Foi nesse instante que fiquei um tanto quanto curiosa e fui ao encontro da bibliotecária que estava bem ao centro da biblioteca. Quando cheguei a ela, fui recebida com um abraço – sério, um abraço. Ela não me conhecia, mas fez questão de me abraçar. Comecei a gostar dela naquele momento. Ela disse:


– Olá, meu nome é Daisy, seja bem-vinda à Biblioteca Municipal Alfred Júlio. E não se preocupe, adoro abraçar as pessoas, principalmente quando são forasteiros. – Disse ela, sorrindo e ajeitando seu cabelo.

– Olá, me chamo Valentina. – Disse meio desconcertada. – Sem problema. Não estou acostumada com esse tipo de recepção, me senti bastante especial. – Rimos as duas.

– Em que posso ajudá-la?

– Na verdade, havia dado uma passadinha aqui na biblioteca pelo simples fato de conhecer seu interior, mas, agora indo embora, vi aquele cartaz pregado na parede sobre algumas curiosidades da cidade. Como irei ficar aqui para o Congresso – continuei –, eu queria saber se há algum manuscrito, algum livro, algo falando da cidade. Queria conhecer mais daqui.

Ela riu novamente pra mim e disse: – Sim, claro que temos. Temos um informativo aqui da cidade que mostra alguns lugares para visitas, degustação, praças, lojinhas e hotéis. – E pegou o informativo. – Você está hospedada em algum hotel já?

– Ah, sim, no hotel de nome engraçado, o Jamiscam. – Disse. Nesse momento vi uma feição de certa preocupação e constrangimento no ar.

– Hum, o hotel da antiga família Willians. – Ficou em silêncio por um tempo, mas depois voltou a falar. – Aqui está o informativo, se você quiser ficar mais à vontade, pode se sentar naquela mesa. – Ela claramente ficou um pouco desajeitada quando falei do hotel.

– Obrigada, eu já volto. – Me despedi e sentei a uma mesa.

– Sem problemas.

Vi várias fotografias da cidade, várias lojas, muitas curiosidades. Era uma cidade turística, o que à primeira vista não imaginei. O que mais me chamou a atenção foi uma fotografia específica. Nessa figura em particular havia a foto do hotel onde eu estava hospedada e, ao lado, uma casa tão grande ou até maior que o hotel. Na figura, o hotel estava com outro nome, mas o que me chamou mais atenção foi que, quando me hospedei, não vi essa casa ao lado, e sim um terreno vago. Quando disse pra Daisy que estava hospedada lá no hotel, ela me olhou de um jeito estranho. Vendo esse episódio, fiquei curiosa e resolvi lhe perguntar se ela sabia o que havia acontecido com aquela casa.

Me aproveitei do pouco movimento na biblioteca e fui em direção ao balcão para pedir algumas informações a ela sobre a cidade e a casa que ficava do lado do hotel.

– Estava olhando aqui o folheto e vi que há vários locais para conhecer e passear, apesar do tamanho da cidade. – Disse animada.

– Sim, nosso ponto principal de turismo são as lojas artesanais. No verão, principalmente, temos cerca de 100 barraquinhas de artesãos. A cidade fica lotada.

– Hum, Interessante. Sou uma pessoa bastante curiosa e observadora, e não deixei de visualizar algo. Esta foto em particular – mostrei a ela – tem um enorme casarão, e ficava do lado do hotel onde estou hospedada no momento. Só que percebi, quando vi a fotografia, que agora é um terreno vazio, e o nome do hotel não é o mesmo. O que aconteceu?

Nesse momento, suas feições ficaram tristes e ela começou a falar.

– Isso mesmo, esse hotel era da família Willians. Eles compraram bem no começo, quando a cidade estava sendo construída. No início era uma pequena pousada, mas depois, com a quantidade de pessoas que vinham nos visitar, eles acabaram a transformando em um hotel. E a casa ao lado também era deles, onde moravam o Sr. James e Sra. Amélia com seus dois filhos. –  Concluiu.

– Interessante, mas vendo pela fotografia o tamanho da casa e sua localização, por que eles a desmancharam?

– Ela não foi desmanchada. Ela foi destruída pelo fogo há aproximadamente um ano. – Ela disse claramente triste e sem graça.

Me assustei com a forma como a bibliotecária disse: Como assim ela fora destruída pelo fogo? O que será que havia acontecido com o local? As dúvidas brotavam em minha cabeça. Senti um arrepio pelo corpo; não estava preparada para ouvir este tipo de explicação. – Prossegui – Mas então, o que aconteceu com os donos e os filhos deles que moravam na casa?

– Infelizmente o pai e a mãe morreram no incêndio, morreram dormindo, no quarto. Não sei como, mas estavam deitados, diziam os peritos. Parecia até que já estavam mortos, não sei ao certo. Scarlett, a filha deles, nunca fora encontrada, não se sabe se ela estava no local quando houve o incêndio, e nunca foi achado nenhum vestígio dela pela casa. – Disse triste.

– Que terrível, mas o que aconteceu com o outro filho do casal?

– Bem. – Disse ela relutante. – O filho do casal é o Michael, o dono do hotel onde você está hospedada. No momento do incêndio ele não estava aos arredores. Em depoimento ele disse que estava na casa de campo da família, quando aconteceu a tragédia.

– Nossa, ele deve ter ficado bastante abalado com a situação. Nem sei o que pensar. – Estava assustada com o que ela havia me dito.

– É verdade, ele era um rapaz alegre, simpático e carinhoso. Poderia te garantir que todas as pessoas da cidade gostavam dele. Sempre estava disposto a ajudá-las, foi uma das pessoas que mais contribuíram para ter uma biblioteca desse porte aqui. – Parou. – Só que depois do incidente, ele mudou muito. Ele era muito apegado à sua irmã, eles eram irmãos gêmeos. O acidente foi há um ano, ambos tinham 27 anos, por muito tempo ele a procurou, pois, como não acharam nenhum vestígio dela no local, ele acreditara que ela ainda poderia estar viva. Conforme o tempo passou, ele acabou se conformando com o desaparecimento da irmã. Mas ainda acho que ele se culpa muito pelo que aconteceu. E também tem o fato de que a maioria das pessoas da cidade acha que Scarlett, sua irmã, matou os pais e fugiu.


Parei por um momento para refletir sobre a situação. Isso explica seu rosto tanto triste, é uma pessoa que ainda não consegue esquecer o que ocorrera e ainda se culpa pelo ocorrido. Me despedi de Daisy prometendo que iria voltar neste tempo que teria para ficar na cidade e retornei para o hotel.

Passeando pela cidade, não pude deixar de pensar sobre o que eu acabara de descobrir do hotel. As informações ainda estão fervilhando em minha cabeça; fora um desastre que marcou a cidade, principalmente para Michael. Em seu lugar não imaginaria o que aconteceria comigo e não saberia como levar a vida com esse sentimento me acompanhando.

Chegando ao hotel, vi Michael de novo. Me senti triste pela experiência que ele havia passado e pelos fragmentos que ainda estão em seus pensamentos sobre isso. Mas, infelizmente, não há nada que poderia fazer nesse sentido para ajudá-lo. Ele estava na recepção e acenou pra mim enquanto ia passando. O cumprimentei de volta e ele me perguntou:


– Conseguiu conhecer alguns locais da cidade? – Disse sorridente.

– Sim, fui à biblioteca e conheci a Daisy. Muito simpática e calorosa, foi logo me dando um abraço. – Rimos.

– Ela sempre foi assim, desde que a conheci ela sempre fora uma pessoa com uma recepção calorosa e muito divertida, além disso. E você, gostou da biblioteca? Achou interessante algum livro em especial? – Indagou sorridente e curioso.


 Neste momento ainda não sabia o que responder, tirando o fato que o que mais me marcou fora o episódio que aconteceu sobre sua família. Não havia pegado nenhum livro, a não ser o informativo em que li algumas curiosidades e características da cidade.


– Não, só dei uma olhada por dentro e vi como era a estrutura, se havia muitos livros... ainda não procurei nenhum exemplar para ler ou algo do gênero. – Disse um tanto quanto sem graça.

 – Entendo. Aproveite seu tempo aqui. Há algumas pessoas interessantes.

Não entendi bem o que ele quis dizer com isso, mas vi que ele ficou um tanto quanto embaraçado com o que foi dito. Ele tentou arrumar o que havia falado.

– Er. Digo, como você vai ficar pouco tempo aqui, você pode querer ficar algum tempo na biblioteca. – Disse, tentando disfarçar sua vergonha.

– Ri discretamente. – Sem problema, vi que é um local agradável. Além do mais, já fiz algumas amizades aqui na cidade também. – Eu estava um tanto quanto embaraçada também.

– Sem problemas, qualquer ajuda estarei aqui. Bom descanso, até mais tarde.

– Ok, até mais tarde. – Me despedi dele e fui em direção ao meu quarto. Estava com muita coisa na cabeça, muitas informações em somente um dia; precisava de alguém para desabafar. Cheguei ao meu quarto e logo liguei para Lilian, pois precisava conversar com alguém.

– E aí, como você está, Lilian?

– Bem, e você?

– Estou bem também, aproveitando meu tempo na cidade.

– Que bom, tem muitos gatinhos aí? – Disse com seu jeito despachado de sempre.

– Você não muda nunca, né? – Ri. – Mas, respondendo à sua pergunta, não há muitos, o dono do hotel é bonito, mas enigmático. As outras pessoas que avistei são mais idosas; é uma cidade que não tem muitas pessoas jovens.

– Deixa eu anotar aqui na minha agenda que esse é um lugar para nunca ir, então. Ele pelo menos é bonitão? – Rimos ao telefone.

– É, sim, mas a questão é o que aconteceu com ele. Ele parece ser uma pessoa fechada, e é quase certeza pelo que aconteceu com sua família. – Disse, repensando sua história.

– Que seria?

– A casa da família fora tomada por um incêndio. Seus pais morreram e sua irmã nunca foi encontrada – a maioria das pessoas daqui acha que foi a própria irmã dele que causou o incêndio. Ele parece ser uma pessoa com um bom coração, digo isso por causa do modo que tratou sua funcionária. A respeito da biblioteca, parece que ele foi o maior incentivador, e do modo como ele fala da cidade, parece ter muito orgulho de tudo. Mas sinto que ele guarda algo... será que estou ficando louca? – Disse preocupada. por mais que Lilian esteja longe, seus conselhos são importantes para mim.

– Você é meio maluquinha mesmo. Acho que você está muito impressionada com ele pelo que ocorreu com sua família, mas você não pode demonstrar pena dele. Acho que isso só pioraria as coisas; não gostaria que ninguém sentisse pena de mim.

Isso é verdade, não gostaria que ninguém sentisse pena de mim. –  Também pensei.

– Concordo, devo estar exagerando mesmo. Deve ser a história que me marcou. – Lembrei-me do que Daisy havia me falado.

– Verdade, esqueça esse assunto e aproveite seu tempo na cidade. Se continuar com dó dele, pegue ele, se for preciso. – Ela riu de uma forma bem vexatória.

– Muito engraçada você, mas irei aproveitar, sim, pode deixar! Depois levo alguma lembrança pra você.

– Certo, não irei me esquecer disso, hein?! Até mais, gatinha.

– Até logo, Lilian. – Desligamos o telefone.


***


MICHAEL

Sou um idiota completo. Não consigo mais me portar bem na frente de mulheres bonitas, culpa da Elizabeth. Até tento seguir em frente, mas é complicado. Já tive várias chances de ter algum relacionamento, só que não consigo escolher as palavras certas para nenhum tipo de aproximação.

Na cidade não há moças jovens e bonitas iguais a ela, acho que estou impressionado pelo fato de não ter muito contato com pessoas desse jeito. Não tem jeito, não paro de pensar nessa hóspede. Ela parece ser o tipo de pessoa direta, que fala o que pensa e que tem opinião própria. Já eu escondo boa parte do que penso, e é até melhor que seja assim. Ninguém pode saber o que já passei e o que ainda passo.


"Há algumas pessoas interessantes aqui". Como sou burro, como pude falar uma coisa dessas pra ela?! Dei muito na cara que queria puxar conversa com ela. Isso até seria bom, se não fosse essa frase ridícula que falei. Minha vontade é bater com a cabeça na parede pra ver se consigo formular frases melhores, porque essa entrou pra história. E, além de tudo, irei vê-la aqui pelo menos até sexta-feira. Vou tentar achar um jeito de consertar isso, pelo menos tentarei.

Vou tentar ser o mais direto possível agora, parar de ser vergonhoso. Senão, estou perdido.


***


VALENTINA

Estava me arrumando para o primeiro dia de Congresso. Estava vestindo um macacão jeans com cinto e sapatilhas. Não me acho tão bonita e atraente, mas hoje confesso que me senti bem comigo mesma.


Saí por volta das 7 da noite e, quando Michael me viu, fez uma cara de espanto, estava assustado. Pronto, se eu no momento estava me achando bonita, tudo foi por água abaixo; ele deve ter visto algum defeito bem aparente em mim para me olhar dessa forma. Antes que ele pudesse falar alguma coisa, eu disse:


– Sabia, deve ter alguma coisa errada com minha roupa. Nunca fico bem com esse tipo de roupa, eu...

– Você está linda! – Ele interrompeu, olhando diretamente em meus olhos.

Não esperava que ele dissesse isso, não mesmo.

– Bem.– Pensei por um momento.– Obrigada, pensei que você tinha visto algum defeito na roupa, pelo jeito que olhou pra mim agora. – Olhei pra minha roupa para me certificar que estava tudo ok.

– Sinceramente, não vejo mulheres bonitas na cidade, pelo menos não tão bonitas quanto você. Que sorte o seu namorado tem! – Ele disse, esboçando um sorriso enigmático.

– Não tenho namorado. – Comecei a rir controladamente.

– Então os homens de sua cidade são bem menos inteligentes do que eu pensava. E riu pra mim, passando a mão em seu cabelo, não sabendo se foi ou não uma boa ideia dizer aquilo. parecia estar em conflito interno, até porque eu era hóspede do hotel, mas não liguei pra isso. – Se foi o que ele pensou mesmo.

– Digamos que sou um pouco problemática, sabe?! Ultimamente não tive nenhum relacionamento sério, aconteceram algumas coisas em minha vida que afetaram meus julgamentos em relação aos homens.

– Sério? Que pena que você não tem nenhum namorado! – Disse com um sorriso irônico.

– Sério mesmo? – Perguntei a ele desconfiada.

– Não. Que bom, na verdade. – Rimos.

– E por que seria bom? – Dessa vez ele pensou bem no que iria dizer e na forma. digo isso porque levou algum tempo para falar.

– Então, é que, sabe... pensei aqui que causei uma péssima impressão falando aquela frase (de que havia bastante pessoas interessantes aqui). – Ele disse, olhando um pouco pra baixo.

– Verdade, me pareceu que você quis falar que você especificamente era interessante. – Tentei olhar sério em sua direção, mas ria de canto.

– Pois é, é verdade. – Ele disse um tanto quanto embaraçado.

– Que foi uma péssima impressão ou que você é interessante? – Disse, forçando uma cara séria pra ver até onde ele ia.

– Olha, na verdade você está me confundindo, sabe?! Os dois, eu acho. – Limitou-se a dizer envergonhado.

Comecei a rir, não me contive. Ele estava muito embaraçado com a situação, e – em vez de melhorar  –  eu estava piorando, mas resolvi parar de fazer graça.

– Desculpa, não quis que você ficasse embaraçado com essa situação. – Eu tentava me recompor.

– Eu já fiquei, não se preocupe. – E deu um sorrisinho sem graça pra mim.

– Há algo que eu possa fazer para que isso melhore?

– Então, até teria, sabe?!– Ele disse olhando e sorrindo a mim.

– E seria...

– Hoje pela noite, na praça central da cidade, irá ter uma pequena apresentação dos alunos da escola aqui da cidade. Como você me disse que é pedagoga, você deve gostar de crianças. Lá irá ter tipo um teatro mesmo, você gostaria de ir?

Em um primeiro momento, não sei se aceitaria sair com ele, não por ele. Não estava preparada para isso e não vim na cidade com o intuito de ter um encontro com qualquer pessoa que fosse.

Mas, como ele disse que teria uma apresentação – e um dos meus pontos fracos é criança –, acabei por aceitar seu pedido.

– Claro, que horas será? – Estava animada.

– Por volta de 10 da noite. A apresentação não demorará, te prometo.

– Combinado, então. Às 10 horas estarei na entrada da praça principal.

– Certo, prometo não formular nenhuma frase idiota igual à de ontem. – E fez um juramento com as mãos.

– Quero só ver. – Eu duvidei um pouco.

– A propósito, Michael, qual sua idade? Fiquei curiosa desde o dia que me hospedei aqui. – E estava curiosa mesmo (chutaria uns 30).

– Tenho 28, com cara de 23. – Ele disse gargalhando.

– Não mesmo. – E rimos. – Até logo, Michael.

– Até logo, Valentina.


Michael mexia comigo de alguma forma que não sei explicar: sua maneira de se expressar, de ficar embaraçado com pequenas coisas, e seus olhos, principalmente, não sei bem o porquê dessa fascinação por eles, mas quando eu o olho sinto algo diferente. No momento não sei explicar o que é ou o que se passa comigo quando converso e olho diretamente para ele, mas quem sabe até sexta eu descubro.


Saí do hotel e fui em direção ao Congresso. Chegando ao local onde será realizado o evento, me deparei com poucas pessoas, devia haver no máximo umas 100. Como de costume, sempre chego aos congressos com pelo menos 30 minutos de antecedência. Escolho um bom lugar para me sentar, observo as pessoas do local e checo meu caderno de anotações. Sempre levo esse caderno nos Congressos, pois minhas anotações principais estão nele.

Na entrada eu havia visto no mural a ordem de ministração dos professores, bem como os dias e horários da apresentação. Aproveitei e peguei também o folheto convidativo para o Congresso e o guardei junto a mim.

Basicamente foi falado nesse dia sobre a leitura. Os palestrantes falaram basicamente sobre o sistema educacional e mostraram que eles estão sofrendo com o desgaste da aprendizagem, pois alguns países não incentivam a leitura do modo que aumentaria sua diversidade. Por causa da internet atualmente, é um desafio incentivar a leitura dos mais variados livros em alguns países.

Depois de sair do Congresso, fui ao local que ficara marcado de me encontrar com Michael. Cheguei 20 minutos antes do combinado, e, para minha surpresa, ele já estava no local.


– Boa-noite. – Disse um tanto quanto surpresa com sua chegada cedo no local.

– Boa-noite. Como foi o primeiro dia do Congresso?

– Foi satisfatório, esperava mais pessoas no local, mas gostei muito.

– Bom saber. – Ele se limitou a dizer.

– Estranho, só uma coisa que percebi agora. – Disse, sem meias palavras.

– E o que seria? – Ele perguntou assustado.

– Você está muito adiantado. – Disse confusa.

– Na verdade estou aqui já tem uns 30 minutos. Já estava pensando que iria ter que ficar mais uma meia hora aqui. Estava calculando seu atraso, sabe? – Falou com uma cara um tanto quanto lerda.

– Dificilmente me atraso para compromissos, se é o que você quer saber. Sou muito pontual com compromissos.

– Sei. – Fez uma cara de desdém.

– Difícil de acreditar, não é? Mas é a verdade. – Disse, olhando para longe.

– Tomara, então. Como as apresentações serão daqui a pouco, podemos dar uma volta na praça. O que acha?

– Boa ideia, vamos.

Quando caminhávamos pela praça, percebi que as pessoas daqui olhavam pra gente de um jeito estranho. Ficamos um tempo sem falar nada, e, quando me preparava para dizer algo, ele irrompeu o silêncio e me disse:

– Não precisa ter pena de mim. Foi algo que aconteceu, poderia ter acontecido com qualquer pessoa. Infelizmente essa fatalidade foi comigo.

 – Mas... eu... – Ele me interrompeu.

– Eu sei, pelo jeito que você me olhou, desde aquele dia sabia que você havia descoberto alguma coisa sobre o que havia ocorrido com minha família. Não gosto do modo que algumas pessoas me olham. Algumas têm pena, e outras também acham que de certo modo sou culpado por não estar em casa quando havia ocorrido o incêndio; acham que eu poderia ter evitado a situação.

– Entendo, me desculpe, não olharei dessa forma pra você, esquecerei o assunto. – Disse com a cabeça baixa, pensando que estava com pena dele mesmo.

– Não precisa esquecer o assunto. Na verdade, nunca fui de me abrir com as pessoas depois do que aconteceu. A única pessoa com quem consegui falar do assunto fora Elizabeth, minha ex-namorada. Sinto falta de conversar com alguém, pra mim é complicado o que aconteceu.– Ele parecia sincero dizendo isso.


Neste momento, vi que ele era uma pessoa sozinha, mas que não tinha muitas pessoas para se abrir e conversar. É incrível como uma pessoa pode mudar radicalmente da noite para o dia – pelo modo que Daisy falou, ele mudou da água para o vinho depois do incidente. Nesse momento, pelo menos, ele parecia feliz de alguma forma, aliviado em conversar um pouco com alguém de fora. Acho que conversar sobre o ocorrido fará bem para ele. Não o conhecia bem, mas estava disposta a ajudá-lo neste momento.


– Certo, depois da apresentação dos alunos, presumindo que eu andei pela cidade toda, que lugar poderíamos ir que você gosta ou que eu gostaria de conhecer? – Não sabia aonde iríamos. na verdade iríamos somente assistir à apresentação. queria ser surpreendida; então, me ofereci para fazer algo depois dela. ele notou, mas não disse nada.

– Tem alguns bons lugares para visitar. Na cidade temos somente um cinema, mas muito movimentado. De manhã e pela tarde há muita movimentação de pessoas já de idade, na cidade em si não há muitos jovens; então, o local preferido deles é o cinema e, principalmente, a boate. Há três boates na cidade e vários bares nas redondezas.

– Vamos para o local da apresentação e depois pensarei em algum lugar. – Disse mais animada do que pensei que estaria.

– Certo. – Ele assentiu.


A apresentação das crianças foi linda. Eram mais ou menos 40 crianças, não deviam ter idade superior a 10 anos. Foi uma apresentação que falou das fases da lua.

As crianças estavam postadas em duas filas, e cada uma delas, quando era a vez de falar, ia ao centro do palco de apresentação e falava uma frase a respeito do tema. Havia crianças muito pequeninas, na hora tive uma sensação de que, se tivesse um filho, ia adorar ser mãe.

Olhei para Michael. Ele estava muito alegre, rindo à toa. Tinha um brilho em seu olhar; dava para notar que ele estava adorando aquilo.

Depois de terminada a apresentação, voltamos a andar pela praça. Ultimamente com os afazeres da escola, não tinha muito tempo para sair de segunda a sexta, saía no máximo final de semana para ir com algumas amigas e Lilian no shopping, ou, senão, para assistir filmes na casa de alguma delas, e raramente ia a um barzinho também. No final das contas, achei melhor ele decidir o melhor local para ir, até porque não conheço muito da cidade, e pra variar será bom ter algumas surpresas.


– Desculpa, Michael, mais ainda não sei para onde podemos ir. – Eu disse sem ideia.

– Sem problemas, vamos ficar aqui olhando pro nada mesmo. – Ele disse sério.

– Sério? – Olhei pra ele meio incrédula.

– Brincadeira. – Rimos. – Topa ir ao cinema? Está passando um filme ótimo, A Dama Fatal, um suspense ótimo, mas sempre tem aqueles filmes românticos, né? Vai que você não gosta de filme de suspense...– No fundo ele parecia que queria ver um filme de romance comigo, pelo menos foi o que notei, mas acabei preferindo o de suspense.

Após o filme, fomos a um barzinho. Ele me pediu para contar como levava a vida em minha cidade, quais os desejos profissionais que tinha, tudo em geral.

– Então – disse –, sou formada em Pedagogia, dou aulas atualmente para o ensino fundamental. Minha família mora em outra cidade. Lá não havia faculdade; então, pegava um ônibus todos os dias para ir para faculdade, como a maioria dos alunos que estudavam lá e que eram de minha cidade.

– Interessante. Você gostou do curso? – Ele parecia bastante interessado no que eu falava.

– Sim, era uma boa faculdade. Sempre tive um enorme gosto por leitura, lia de tudo, até bula de remédio. – Ri e continuei:– Sempre escrevi cartas também, para amigos, amigas, namorado... – A lembrança de Isaac veio em minha mente por um momento.

– Que bom. Me desculpe a pergunta, qual o motivo do término com seu namorado? – Ele parecia interessado.

–Há três anos ele faleceu em razão de um assalto. – Disse, tentando esconder um pouco da minha tristeza.

– Nossa, sinto muito, me desculpe. – Ele me pareceu um pouco perdido, não sei ao certo se por causa de sua pergunta ou pelo modo como meu rosto transpareceu.

– Sem problemas. Perdemos pessoas que gostamos, mas é o círculo da vida. Algum dia também iremos fazer parte de algo que será lembrado por familiares e amigos. – Era o que eu queria acreditar.

– Tomara que demore. – Ele disse.– Rimos entusiasmadamente.

– Penso o mesmo, ainda quero fazer muitas coisas nessa vida, como conhecer vários lugares e ter uma vida estável. Em resumo, quero aproveitar a vida ao máximo e usufruir o máximo da natureza.

– Eu também. – Ele assentiu com a cabeça.

Conversamos por mais ou menos umas duas horas, falando sobre religião, esporte... Ele gostava de jogar futebol, ver filmes, olhar para o céu e contar estrelas. Michael contou sobre sua vida, o que acontecera após o acidente com sua família. Contei sobre meus alunos, meus projetos, um pouco de minha família. Conheci um pouco sobre ele, ainda via que havia muitas coisas para serem ditas por sua parte, mas respeitei pelo fato de tudo o que acontecera com ele. Ele ainda não estava pronto pra falar sobre tudo.

– Devíamos fazer isso mais vezes, digo, no período que você ficar aqui na cidade. Geralmente não me abro com ninguém, mas gostei de nossa conversa. Se algum outro dia você quiser sair de novo, sei lá, estarei à disposição. – Ele disse meio sem graça.

– Claro, que tal amanhã, mesmo horário? – Disse rapidamente. até eu mesma estranhei essa prontidão em respondê-lo; eu não era assim.

–Olha, por mim, tudo bem. Marcado? – Ele disse sorrindo.

– Sim, marcado. – Confirmei.


O dia fora agradável. Fiquei sabendo mais do misterioso dono do hotel. Apesar de ele não se abrir muito, foi eu quem falei mais, tudo fora divertido. Ele se mostrou uma pessoa bastante inteligente e bem humorada. Ele se soltou conforme o tempo se passava; era uma pessoa com quem eu passaria tranquilamente conversando o dia inteiro.

Amanhã tentarei passar novamente à tarde na biblioteca. Irei aproveitar e conversar mais com a Daisy sobre o que havia acontecido na casa ao lado do hotel. Sinto que tem outras coisas que ainda não foram faladas sobre esse acidente.


E ainda tenho provas, provas e mais provas que trouxe para correção. Complicado, pois levarei no mínimo um dia para corrigir todas. Mas não tem problema, não; até quinta eu conseguirei resolver essas pendências.



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