Prévia de Absolutos: Sinfonia...

By RodolfoSalles

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#10 no ranking de Ficção Científica no dia 28/06/2017 "Os Dançarinos do Destino. Os Sentenciadores da Escurid... More

Nota do autor sobre a Saga dos Absolutos
História para dormir
2. Sete chaves
3. Decifradora

1. Tatuagens

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By RodolfoSalles

Érico olhou para dentro do abismo e sentiu um calafrio se espalhar pela espinha. Ouvir em seu display a versão instrumental de Everybody Wants to Rule the World — canção de seu planeta natal que sobreviveu aos séculos — deixou o momento mais dramático do que parecia. Um infinito de escuridão se estendia à frente, dentro do qual qualquer pessoa se perderia.

Do outro lado do abismo, Naves Transitórias pousavam e decolavam da Estação de Abastecimento Estelar, o lugar mais parecido com uma civilização avançada que se podia encontrar na lua de Miesac. Ele nunca tinha visto o local daquele ângulo elevado. Com o olho digital ativado pelo comando do ID, fez um rápido escaneamento da plataforma de embarque, deu um zoom enorme e conseguiu enxergar pais chamando a atenção dos filhos que brincavam longe das mães preocupadas.

Famílias.

Balançou a cabeça, tentando afastar aqueles pensamentos. Hora errada para remoer isso.

— Será que eu vim pro lugar certo? — perguntou-se, acionando as coordenadas pelo teclado digital do braço. Estava correto, sem dúvidas.

Ainda que fosse mais seguro marcar um encontro com um hacker em local isolado para não correr risco de ter sua casa hackeada, Érico não parava de pensar nos riscos: e se o contato fosse um criminoso e tentasse invadir seu ID?

Ele ergueu os olhos para o céu e suspirou fundo a fim de acalmar a paranoia. Contemplou as duas luas que pairavam no céu de Miesac. Não demoraria muito para o primeiro ciclo eclíptico diário acabar. Será que seria deixado no vácuo?

Um retângulo virtual se formou a alguns metros dele, transformando-se em uma porta azulada. Com um pequeno sorriso aliviado, ele se aproximou dela. Qualquer pessoa desacostumada ao mundo dos hackers acharia estranho uma porta em pé no meio do nada, mas ele já esperava por uma dessas. Fazia parte do procedimento normal um contato quente exigindo um teste mínimo antes da entrega do pacote.

Ativou seu escâner com os olhos digitais, observando códigos tomarem toda a porta.

— Uma ômicron? Isso vai ser fácil. — Sorriu, ativando o programa de corrupção de senha. Diversos símbolos apareceram na maçaneta e se transformaram em números. Quebrou-se a primeira barreira.

Em seguida, Érico rodou três apps de decriptação para violar os firewalls extras. Finalmente a verdadeira maçaneta se revelou. Com o software de chave mestra, ele conseguiu abrir suas travas. Toda a ação não durou mais de trinta segundos. Além do que ele gostaria, considerando que estava no meio de um teste.

Ao passar para dentro da porta, Érico enxergou a Realidade Aumentada — espaço virtual tátil dentro do qual se podia acessar gravações de memórias, holofilmes interativos e transmissões com pessoas de outros lugares. Aquele se tratava do terceiro caso: o hacker estava em uma espécie de caverna, sabe-se lá quantas centenas de anos-luz da lua de Miesac. Ou, vai ver, era um habitante das luas acima de sua cabeça. Ele nunca saberia.

— Achei que não ia conseguir abrir a porta, brow. Ainda coloquei uma ômicron pela facilidade — falou o hacker, com um filtro de proteção camuflando seu rosto. Érico se lembrou que não estava com o próprio filtro e o ativou. — Meio tarde pra isso, já vi sua cara agora.

— Certo... — disse Érico, sentindo o rosto esquentar. — Então, trouxe?

— Quanta pressa. Trouxe sim, brow — respondeu o hacker, desencostando da parede da caverna e caminhando até ele. A Realidade Aumentada apresentava tamanha precisão, que Érico sentiu as correntes de ar úmidas passarem pelo corpo. — Direto ao ponto. Gosto disso.

O hacker estendeu o braço e tocou no de Érico. Ainda que fosse o braço de uma pessoa virtual, ele o sentiu. Os pelos do próprio braço deram uma leve arrepiada com o contato e seu ID brilhou. Ele tinha recebido o pacote.

— Aê, são essas as tatoos? Maneiras — disse o hacker, observando-o com curiosidade.

Érico confirmou com a cabeça e olhou para as tatuagens que enfeitavam o lado direito de seu corpo da cabeça aos pés: formas semicirculares interligadas umas às outras espalhavam-se como ramos negros. Dentro dos círculos maiores, nasciam menores, como uma linguagem misteriosa esperando para ser decifrada.

— E você nasceu mesmo com elas? Na real?

— Não sei. Mas eu não me lembro de ter feito nenhuma delas. Então, se não nasci com elas, alguém me tatuou quando eu era bem pequeno.

— Sinistro! — O homem sem face afastou um passo. — É isso ae, brow. Olhei seus hackeamentos de Protocolo Azul. Foram bem precisos e limpos. A Irmandade ficou impressionada e deu aval pra te contatar. Espero que encontre o que tá procurando com essa info. É quente, ela.

— Também espero, cara — disse Érico sem disfarçar o entusiasmo, fitando o brilho do ID acoplado ao braço esquerdo. Mal podia esperar para acessar. — Valeu mesmo, Neo Tyson.

— Às ordens, brow. Mas fica esperto, deleta essa parada depois que usar. A Decifradora não gosta de visitantes randômicos nos territórios dela. Ela só atende os hackers da Irmandade.

— Fica tranquilo. Comigo, essa belezinha tá segura a sete chaves — prometeu Érico.

— Junto com a info, vai ter um link. Só abre a parada quando encontrar a porta da Decifradora — instruiu o rapaz, parecendo ponderar as próximas palavras. — Eu não quero te empolgar muito com informação vaga, mas, pelo meu conhecimento, a Irmandade só passa esse tipo de info pra pessoas que ela está visando muito recrutar. Possivelmente, eles te querem como membro. Então, não vacila.

Érico tentou conter a empolgação: conseguir chamar a atenção da Irmandade a ponto de eles considerarem recrutá-lo era um feito e tanto!

Sem se despedir, o hacker desconhecido desapareceu junto com sua Realidade Aumentada. O cheiro de umidade da caverna também esvaneceu, tal como as correntes de ar que sopravam em seu interior. Érico voltou a ter apenas o abismo como companhia. A movimentação de embarques e desembarques continuava sem cessar do outro lado.

Desativou o olho digital e piscou para descansá-lo. A noite eclipsada de Miesac se aproximava com suas garras gélidas, o que o obrigou a puxar a touca da camisa sob a jaqueta vermelha e cobrir os cabelos finos como agulhas.

Sua próxima parada ficava em um lugar ainda mais frio.

...

O bosque parecia ter saltado de um holofilme de terror, repleto de árvores retorcidas e secas. Criaturas noturnas se esgueiravam de um lado para o outro e uma névoa insistente forrava alguns palmos à frente de seu campo de visão.

Érico não precisou de mapas para chegar ao destino. Não demorou para avistar o lago dourado no qual a Câmara jazia, metade submersa.

Seu formato cilíndrico lembrava uma pílula, mas com uma porta pesada de acesso cercada pelo musgo avermelhado que insistia em invadir. Sempre que visitava o lugar, ele se certificava de arrancá-lo para impedir sua expansão.

Érico se deitou no banco da câmara, estendeu o braço esquerdo à frente do corpo e o desenho de uma tela brilhou nas costas de seu braço. O ID, tecnologia ligada ao cérebro humano e espalhada por todo o corpo, dava a ele capacidades virtuais mesmo no mundo real, como se não houvesse diferenciação. Acessou a info entregue pelo hacker, que revelou uma montanha com uma fortaleza esculpida projetada diante dele em formato de maquete virtual. Com o movimento das mãos, Érico girou o modelo e explorou suas nuances. Informações sobre o local pipocaram para todos os lados, mas ele as ignorou por enquanto. Estava mais interessado em saber sua localização.

— Não tá nem perto, nem longe — concluiu, com uma rápida análise do mapa, mostrando a rota de onde ele estava até a fortaleza.

A informação era realmente boa. Se desse certo, ele logo encontraria a Decifradora, e, quem sabe, não conseguiria resolver o mistério que permeava sua vida desde a infância: o que significavam aquelas tatuagens, quem as tinha colocado nele e por quê? Com tais respostas, ele poderia enfim seguir em frente.

Érico guardou a info e acessou seu espaço virtual. Teclados semicirculares se formaram ao redor, transformando seu campo de visão em um desktop. Dentro do espaço, tudo se movia mais rápido, como se o cérebro fosse um processador potente. O tempo à sua volta parecia mais devagar, cada movimento de seus olhos cuidava de um comando.

A Caixa Mensageira estava cheia de novas propagandas de viagens e datas de passagens das Naves Transitórias por Miesac. Arrastou-as para a pasta "metas futuras" com um aperto no peito. As passagens para fora de Miesac não custavam menos de duzentos mil orbit coins, moeda virtual armazenada nos IDs. Ao longo de sua vida, o máximo que ele conseguira juntar foram duas mil orbits.

— Nota mental #010 — disse ele, gravando o áudio de sua própria voz com um comando do ID. — Um dia, terei orbit coins o suficiente para sair de Miesac!

Desligou a gravação e complementou.

— Mas, pelo visto, vai demorar muito ainda — suspirou.

Sem saber ao certo o porquê, sua irmã invadiu seus pensamentos. Ela o enviou para longe de Prama quando ele tinha somente três anos. Por isso, ele não se lembrava de nada sobre ela, nem mesmo seu nome ou rosto. Ter laços sanguíneos com alguém de quem nem se recordava lhe causava uma sensação perturbadora. Será que ela estava viva? Suas buscas por ela na rede foram todas frustradas. Nem mesmo hackers parceiros conseguiram ajudar. Segundo Miro, uma pessoa sem ID praticamente não existia mais no mundo real.

Estaria ele sozinho no Universo?

Érico desligou o espaço virtual e retirou do bolso de sua jaqueta o Manual de Caçadores de Relíquias. Sempre sentia estranhamento ao segurar o livro impresso. Aquele material já tinha caído em desuso há muitos séculos, mas perdurava entre os costumes dos aventureiros. O manual continha tudo que ele precisava para se tornar um dos maiores caçadores do vasto Universo. Desde pequeno, nutria o sonho de ser um deles, inspirado pelos livros de caça ao tesouro da cadela Laika. Compartilhava esse sonho com quase todos os jovens de sua idade.

Poucos conseguiam cumprir a tarefa árdua.

O barulho de uma pedra batendo no vidro da câmara interrompeu seus pensamentos, quase arrancando sua alma com o susto. Num impulso, ele se levantou, revirando os olhos ao ver os irmãos adotivos do lado de fora. Os gêmeos eram os únicos a conhecê-lo tão bem para saberem sobre suas escapadas para aquele local.

— Érico, você perdeu o jantar de novo! Desce aí, eu te trouxe uma vitamina deliciosa — disse Vexel, correndo sem sair do lugar, a fim de se exercitar; os cabelos pretos, encaracolados e volumosos, moviam-se no mesmo ritmo das pernas.

— Mais uma das suas gororobas? — Érico respondeu enquanto abria a escotilha da câmara, relembrando as vezes que Vexel o usou como cobaia para experimentar suas receitas fitness malucas.

— Gente, o virtual daqui tá bem zoado — disse Miro, ajeitando os óculos finos no rosto. Empacotado com quase todas as blusas do guarda-roupas, Miro nem parecia gêmeo de Vexel, tamanho o contraste de seus portes físicos: de um lado, uma maratonista profissional de físico atlético, enquanto o outro não passava de um magrelo. A única semelhança entre eles era a pele negra. — Anda logo, gigante.

Érico bufou. O apelido sempre o fazia se lembrar de sua baixa estatura — um metro e sessenta — e de como Miro, com seus quase um e oitenta de altura, adorava caçoar dele com suas ironias.

— Você ainda tá com esse negócio ligado, Miro? Desliga isso um pouco! — repreendeu Vexel.

— Tá doida, é? Preciso gravar um holovídeo ainda hoje — avisou Miro, sempre conectado a seu espaço virtual e contando com seus quase um milhão de seguidores. O jovem ganhava a vida com suas holotransmissões que retratavam seu cotidiano morando em uma lua pequena.

Sem opção, Érico desceu da câmara. Os irmãos nunca o deixavam em paz, sempre o tirando de sua privacidade, mesmo ele sendo um marmanjo de dezenove anos.

Embora as árvores fluorescentes — acesas com a chegada do segundo ciclo noturno — iluminassem o caminho de volta, era difícil se orientar pelo bosque à noite, o que os obrigou a caminhar com cautela.

Miro arregalou os olhos, como se tivesse sido despido repentinamente.

— Perdi a conexão... maldito bosque.

Por mais que fosse um aprendiz de hacker e passasse muito tempo conectado, Érico não chegava aos pés do vício do irmão, que parecia funcionar em uma frequência diferente do tempo físico, já que vivia imerso em seu espaço virtual. Devia ser uma tortura perder essa conexão e voltar ao fluxo real.

Deixaram o bosque alguns minutos depois, dando para a estrada das rochas, enquanto Érico ensaiava as próximas palavras com cuidado. Já sabia a batalha que estava prestes a encarar.

— Vexel, vou aproveitar o fim dessa quinzena pra fazer uma pequena viagem. Não precisa se preocupar, vai ser super rápida.

— Viagem? Viajar pra onde, tá maluco? — perguntou a irmã.

— Opa, por um acaso deu certo aquele esquema? — revidou Miro, quase sem pensar. Imediatamente, fechou a boca, tarde demais para perceber a burrada.

— Esquema? Pera, o que vocês dois estão me escondendo? Pode desembuchar. Se não, não vai ter viagem nenhuma nem esquema nenhum!

Sem opção, Érico contou a ela sobre suas constantes investigações com relação às tatuagens e da ajuda que recebeu da Irmandade Hacker até chegar numa Decifradora.

— Que negócio é esse de Decifradora? — perguntou Vexel, com seu costumeiro olhar desconfiado.

— Elas são uma espécie de ordem secreta que se divide em várias castas. Eu pesquisei que a primeira delas se dedica à leitura do futuro, essas são muito procuradas pra leitura de sorte e do Destino. Ganham fortunas daqueles que têm grana. Afinal, quem não quer ser guiado por um caminho mais "afortunado", né? — explicou Érico o mais rápido que conseguiu para que Vexel não o interrompesse. — Mas é a segunda que mais me interessa, pois são muito, muito raras e foi bem difícil encontrar uma dessas. Pra você ter uma ideia, só uma a cada cem Decifradoras é dessa casta chamada de Historiadoras. Elas se escondem nos pontos mais isolados do Universo e dedicam seu tempo a armazenar todo o conhecimento possível. Também são responsáveis por registrar a História do Universo todinha.

— Érico, eu entendo toda a sua empolgação, eu também morro de curiosidade pra saber o que são essas suas tatuagens, mas você não vai pra um lugar sozinho encontrar uma criatura desconhecida dessas. É muito perigoso isso.

— Eu posso ir com ele, oras. — voluntariou-se Miro.

— Ele corre mais riscos com você e a sua desorientação do mundo real do que sozinho — cuspiu a irmã alguns minutos mais velha do que ele. — A única forma de você viajar pra esse lugar vai ser comigo junto. Eu sou uma campista experiente.

— Ah, Vexel... — tentou Érico, mas recebeu apenas um gesto da irmã, seu dedo indicador sobre seus lábios e os olhos arregalados, usado sempre que ela queria terminar uma discussão.

— Bom... — suspirou Miro. — Então acho que vamos viajar em família amanhã.


...


Olá, leitores. Este livro é uma prévia. Para lê-lo na íntegra, adquira no site da Amazon através do link: https://amzn.to/2LZYz4O ou buscar por Absolutos: Sinfonia da Destruição. Obrigado a todos.

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