O Grande Jogo

By Machado-Ribeiro

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Jacqueline Andrade estava em suas merecidas férias após uma missão na América Central. Porém, quando Fabian A... More

Avisos
PRÓLOGO: Triste Fim
UM: Surpresas Passionais
DOIS: Cidade dos Espiões
QUATRO: Caçada Inicial
CINCO: Desorientação
SEIS: Controle
SETE: Conflito Obscuro
OITO: O Salvador
NOVE: A Companhia
DEZ: A Verdadeira Escuridão
ONZE: Rumores
DOZE: Políticas
TREZE: Adinkras
QUATORZE: Terror
QUINZE: Demônios
DEZESSEIS: Desespero
DEZESSETE: Alternativas
DEZOITO: O Grande Jogo
DEZENOVE: Cerco
VINTE: Justiça
VINTE E UM: Salvação
EPÍLOGO: Operação Noel

TRÊS: Festa Mágica

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By Machado-Ribeiro

Embaixada do Chade, Washington, D.C., Estados Unidos. 04 de outubro de 2018.


A brisa noturna acariciava o rosto de Jacque à medida que Aziz conduzia a Land Rover em direção a Fileira das Embaixadas, uma zona de informação que abrangia uma seção da Avenida Massachusetts, entre o Scott Circle e o lado norte do Observatório Naval dos Estados Unidos.

— Tem certeza de que posso entrar armada em uma festa onde terá inúmeros mandachuvas do planeta? — Ela ajeitou a bainha do vestido justo e preto, que realçava as coxas torneadas.

— Todos podem levar até um segurança. — Aziz meneou a cabeça para o lado. — E você é a minha. Me surpreende você fazer essas perguntas. Não é especialista em infiltração e trabalho disfarçado na sua divisão?

— Eu trabalho com a escória do planeta, Fabian. — Ela colocou a bolsa de mão no colo. — Não me visto ou me produzo para navegar pelos corredores do poder, onde palavras são mais fortes que uma arma. Estou lidando com pessoas que coordenam o destino de mundos, não com ralés.

— Não há muita diferença e não se esqueça que eu também lido com escórias.

— Sim, eu sei que você emprega inúmeros ladrões, assassinos e mercenários para fazer suas missões.

A fama de Aziz não era muito boa no mundo da inteligência. A Interpol também fazia questão de se manter afastada dos assuntos dele para não ser arrastada em uma espiral de traições e mentiras.

Como esquecer da vez em que Aziz contatou a Interpol para recuperar um artefato ao mesmo tempo em que contratou um ladrão para roubar o mesmo artefato? Sem querer, ele foi o responsável pela maior aventura de sua vida.

E pela maior decepção também. Pois foi assim que ela conheceu seu ex. O único homem que ela amou, mas que não era para a sua vida. Não existia um Romeu e Julieta em seus caminhos cruzados. Ela não abdicaria de sua profissão para viver uma vida de aventuras ilegais.

Não precisava de mais bagagem. Nada melhor que deixá-lo ir e mudar sua vida. Mas Aziz ainda era um resquício do que teve com Ignácio e ela querendo ou não, eles eram melhores amigos.

Ao menos poderia se confortar com o fato de que ele era do mesmo mundo que ela.

— Você é estranho, Fabian.

— É a segunda vez que você diz isso.

— Sério. Seu estilo. — Apontou para o terno branco da Louis Vitton e os sapatos Dolce Gabbana. — É bem diferente do que eu imaginei para um espião, cuja característica mais marcante é um bigode mustache.

— Pensou que eu seria o quê?

— Mais sombrio e menos ousado — confessou. — Espionar é estressante, então imaginei você em um bar afundando as mágoas no fundo de um copo, por causa das coisas moralmente duvidosas que você é obrigado a fazer. Não te imaginei com carros luxuosos e martínis.

— Para toda história de sucesso, há um começo sombrio. — O sorriso dele fraquejou. — Cheguei a uma posição em que posso terceirizar o serviço, evitando a parte mais profana do nosso ramo. Minha aparência esquecível, alguém que você não dá valor ao entrar em uma loja ou que as pessoas consideram comum. Não sou atlético e forte, nem magro raquítico.

— Hoje, todos te reconhecem.

— Pelo bigode e pelo meu nome, pelos acordos dúbios que faço. — Ele rebateu. — Minha posição nada mais é que um disfarce não-oficial. Se eu for pego fazendo o que não devia, jamais me resgatariam e eu sumiria da face da terra. E esse é um dos motivos pelo qual quero você ao meu lado, Jacqueline.

— Sou mais uma mercenária para você? Me usando através da chantagem e...

— Não. — Aziz a cortou para a sua surpresa. — Você é minha heroína.

Foi a única coisa que escapou dele ao chegar à rua da festa. O ar residencial a surpreendeu. A zona mais policiada depois do capitólio lembrava um bairro aconchegante. Se fosse em qualquer outro dia, ela diria que estava sendo levada para uma confraternização de família.

O verde do local também a impressionou. Arbustos grandes, bem chamativos, refrescavam não somente o ambiente como a visão. Jardins bem cuidados para além de uma cerca pequena eram mais evidentes do que a entrada da festa, que estava oculta nas sombras das plantas.

Ela observou o edifício branco e ficou decepcionada. Era pequeno demais para uma embaixada. Por um momento, perguntou-se se o tamanho diminuto era porque representava um país quase desconhecido. Mas os devaneios logo desapareceram quando Aziz abriu a porta para que ela descesse do carro.

Diria para a mãe no futuro que ela parecia a parceira de um espião e imaginou se introduzir como Jane Bond.

Na verdade, mãe, eu sou uma Bond Girl agora, se considerar que Fabian Aziz seja um 007 da vida real.

Sorrindo e dissipando os pensamentos, foi recepcionada por um simpático e gentil africano, em francês, e retribuiu na mesma moeda, impressionando seu acompanhante por alguns instantes. Ao checar o nome deles na lista, ele desejou uma boa festa e deu passagem para que adentrassem em outra nação.

Festa? Olhou para Aziz, mas não pode obter a resposta para a inquisição silenciosa, pois um caleidoscópio de cores inundou sua visão. Tapeçarias tribais decoravam o chão, réplicas de animais típicos do Saara, como camelos, eram expostas em diversos cantos.

Duas escadas nos cantos do saguão de entrada levavam aos andares superiores, ambos fora dos limites para as pessoas comuns, com dois gigantes em cada uma delas inibindo qualquer engraçadinho de se aventurar ali. Diversos dignitários misturavam-se entre si e ela pode escutar membros do consulado recebendo os agradecimentos por alguma coisa bem sucedida.

— General Idrissa Habret derrotou os insurgentes do Estado Islâmico na África Ocidental. — Aziz comentou sussurrando no ouvido. Ele havia mudado de colônia, mas ela não deixava de arrepiar com seu murmúrio e o ar quente das narinas em seu pescoço.

Ele podia ser sedutor, caso quisesse. Ou será que sabia dos efeitos que ele causava nela?

— O presidente quer usar a fama de Habret para conseguir apoio internacional a sua tentativa de golpe. A festa é para comemorar isso.

— E como você conseguiu convite para estar aqui? — Manteve um sorriso forçado em seu rosto, facilmente perceptível para quem prestasse atenção, porém muitos ali haviam aperfeiçoado aquela arte ao nível mais alto.

— Você verá. — Foi sua enigmática resposta. — Siga-me.

Sendo conduzida entre um cumprimento e outro, desviando-se de garçons e garçonetes e navegando pelo mar de pessoas, chegaram na parte de trás da recepção, onde diversas rodas haviam sido formadas. No centro havia uma orquestra tocando para quase ninguém escutar.

Ao contornar o grande palco central da orquestra, ela avistou dois conhecidos. Winston e Yael manobravam por seus próprios círculos, sem dar atenção alguma para Aziz ou ela. Até ameaçou caminhar até a israelense, mas seu parceiro a puxou pelo braço.

— Por mais que sejamos uma equipe, cada um tem sua missão. — Ele entrelaçou o braço dele no dela e puxou uma taça de champanhe. — Cada um de nós deve satisfações as nossas organizações.

— E a caçada a Noel e Ruslan?

— Quanto mais os russos pensarem que estamos trabalhando um contra o outro, mais eles ficarão relaxados. — Aziz tomou um gole de sua bebida. — Há certas nuances em afirmar que o Inimigo do meu inimigo é meu amigo em nosso ramo.

— Isso me parece um caso de doença crônica de traições entre espiões.

— Não está longe disso, mon coeur.

Cruzando mais corredores e pessoas que ela nunca teria a chance de trocar palavras em dias normais, Jacque se viu guiada para um grande salão decorado com quadros e bustos. No centro dele, homens dos mais variados portes físicos e mulheres, cujos vestidos eram mais elegantes que o outro, cochichavam e murmuravam entre si.

A agente da Interpol vestiu a sua máscara profissional e manteve a língua presa, em xeque, principalmente ao ver o principal alvo da missão conversando alegremente com um homem de uniforme militar. A patente em suas ombreiras era clara.

General Habret tratava Ruslan Gusev como amigo de longa data e aos poucos Jacque desconfiou da história contada por Aziz sobre os motivos para a festa. Afinal, tinha visto de perto, inúmeras vezes, o que o poder do outro lado do véu fazia no mundo mundano.

Demorou até demais.

— General Habret! — Aziz abriu os braços e foi recepcionado com um sorriso que espelhou o seu. Aberto, desarmante, esbranquiçado e carinhoso. — Como um companheiro africano, eu fico muito feliz de ouvir sobre seus sucessos.

— Nada que o financiamento de nossos queridos egípcios não resolva. — Habret apontou para Ruslan. — Financiamento que me permitiu muitas coisas. Conheça Ruslan Gusev, o homem que me fez vencer os malditos terroristas.

— Humildade sua, general. — A voz grave, imponente e grossa de Ruslan o deixava ainda mais atraente. Uma pena que era um dos vilões que ela sentiria o prazer de derrubar. — Eu estou aqui para servir. Agora, se me dão licença, eu tenho alguns assuntos para tratar.

Sem perder tempo em conversa fiada, Ruslan agradeceu pela compreensão e sorrateiramente sumiu das vistas de Habret. Não das dela, contudo. Jacque, seja por visão periférica, reflexão do chão polido ou pelo canto dos olhos, não permitiu que Gusev saísse de sua visão.

Obviamente seria desfeita ao general sair sem recepcioná-lo ou fazer uma certa sala, mas sutilezas foram jogadas ao vento, pois não deixaria que Ruslan escapasse pelas entranhas do submundo. Não quando existia muita coisa em jogo.

Agradecendo a gentileza de Habret ao beijar a sua mão e ignorando os olhares lascivos do general, pediu para ir ao banheiro. Recebeu autorização sutil antes de flutuar com destino a porta por onde o agente da FSB havia desaparecido.

Por um momento, o mar de gente inibiu sua perseguição. Por outro lado, a beleza e as feições distintas de Ruslan o destoavam na multidão. Um homem loiro, alto e forte caminhando decisivamente e sem acompanhante era como um farol claro em uma noite muito escura.

O leve risinho de Jacqueline ao vê-lo contornar uma coluna para as entranhas da embaixada ficou imperceptível em meio a multitude de sons. Esgueirando-se até a escadaria, onde os dois seguranças barravam a entrada, ela respirou fundo e incorporou um dos manuais mais claros da distração.

Ficou ereta e caminhou como se fosse a dona do pedaço. De maneira óbvia, os brutamontes carrancudos impediram seu caminho.

— Você quer dizer para Ruslan que eu não estou a seu lado? — Incorporou o melhor sotaque russo que pode imaginar. — Fiquem à vontade, depois não venham implorar por suas cabeças quando...

Ameaçou se virar, fitando de soslaio os seguranças. Os dois homens se entreolharam, um fitou as escadarias, tenso. O outro levou duas vezes a mão ao ponto eletrônico antes de se resignar e deixá-la passar.

Pareciam raciocinar rápido. Ela foi convidada; em aparência, não ficava devendo em nada as russas elegantes e sabiam do teor da conversa que ela descobriria logo mais. Não tinha porque eles desconfiarem dela. Causar desconforto na festa do principal general da nação tampouco estava nos planos dos guardas.

Retirou os sapatos altos assim que saiu do campo de visão deles e os escondeu debaixo da escada. Caminhando na ponta dos pés, agraciando o silêncio cada vez maior dos corredores subterrâneos da embaixada, ela controlou a respiração e segurou o ímpeto da ansiedade.

Respirou fundo duas vezes e seguiu os passos pesados e a voz firme que ecoava por ali. O rangido de uma porta se tornou audível antes de desaparecer completamente, inundando o espaço no mais completo e profundo breu.

Era impossível isso acontecer em situações normais, mesmo se a sala onde Ruslan entrara tivesse isolamento acústico. Sons corriqueiros como o da água nos canos ou o zunido dos motores, geradores e máquinas para o funcionamento da embaixada foram extinguidos na exata hora em que a porta bateu.

Até a voz de Jacque sumiu quando ela fez um leve teste. O que estava ocorrendo?

Não esperando o azar chegar, como o seu ex fazia, ela retirou sua pistola da bolsa de mão e a empunhou. Não seria pega de surpresa...

Entretanto ao virar duas esquinas, ela descobriu que falou cedo demais.

Decorando as paredes dos túneis subterrâneos haviam símbolos. Não qualquer um, verdadeiras runas datadas de períodos tão longevos quanto o surgimento da escrita. Aquelas míseras palavras soaram verdadeiros alertas dentro de seu corpo e ela passou a ter calafrios instantâneos.

Seu trabalho na Interpol era descobrir e investigar Crimes Extraordinários que extrapolavam fronteiras. E ela tinha visto essas mesmas runas em um outro local, bem mais macabro e sombrio que uma mera embaixada de um país desconhecido para muitos.

Uma que envolvia uma célere palavra de cinco letras.

Uma que mudou a história da humanidade.

Afinal, Ruslan e a FSB estavam usando magia. E se Jacque estivesse certa, isso era só o começo.

De um verdadeiro caos.



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