Marcos ficou um pouco triste por não querer dormir com ele, mas eu precisava da minha cama para pensar. Não adiantou muito. Passei horas noite adentro tentando absorver tudo o que havia acontecido em tão pouco tempo. Eram coisas demais. Eu tenho um namorado. Eu tenho um namorado? Oh Santo Deus, eu tenho uma namorado! De que século ele é para pedir minha mão para os meus pais? Deus, eu tenho que conversar com a Polly. Ela vai morrer de rir da minha cara, certeza! E o Jú? Dei o maior balão nele no sábado. Aliás, dei a semana toda, quando ele queria alugar as fantasias. Será que vou perder meu amigo. Af, Valentina, desde quando ele é seu amigo? É companheiro de foda!
Cheguei agitada ao trabalho na segunda-feira. Parecia que todos estavam apontando "Olhá lá! A sem-coração está namorando!". Sim, eu sei, eu sou uma idiota. Está tudo na minha cabeça, mas não consigo controlar. Mergulhar no trabalho foi bom. O dia passou bem rápido. Vi que um número estranho ligou no meu celular, mas como estava realmente ocupada não atendi.
Corri para a faculdade e para piorar tudo, quando fui entrar na sala, dei de encontro com um peito masculino e cheiroso. Aliás, pelo cheiro eu já sabia quem estava parado feito uma porta na minha frente.
– Er... Oi Jú. – Eu tinha certeza de que estava vermelha. Podia sentir.
– Você me deve um enorme pedido de desculpas Valentina. – Hum, chamou pelo nome completo. Isso não é bom.
– Eu... Eu devo, mas precisamos entrar na aula. Depois conversamos, tá. – Dei a volta nele de cabeça baixa e espremi-me no cantinho da sala. De vez em quando ele virava para me olhar. Quando eu contar pra ele que estou com alguém, não será nada bom. Ele sempre quis algo a mais e nunca dei chance.
Saí da sala alguns minutos antes do intervalo e sem que Juliano me visse. Corri tomar um café e tentar acalmar os nervos. É claro que em menos de 05 minutos ele apareceu. Ele sabe que sou louca por café.
– Você está estranha e agora foge de mim? – Ele perguntou sentando na minha mesa e apoiando os braços nela.
– Juliano, bom, eu, nós precisamos conversar.
– Também acho. Comece.
Oh merda. Podia ser mais constrangedor?
– Bem. Eu realmente me esqueci de sábado, perdão. Saí com meus pais. Acabei me deixando envolver pelo ambiente familiar. – Melhor começar pela parte fácil.
– E eu fiquei feito idiota te esperando Valentina! Poderia ao menos ter me ligado. Ou vai dizer que não se lembrou em momento algum? – Cara, ele tá muito bravo. Qual era a parte mais fácil mesmo?
– Eu já pedi desculpas Juliano.
– Eu até posso aceitá-las, mas em outro lugar. – Ele olhou-me e percebi rapidinho suas intenções.
– Não. Temos que conversar sobre isso também. Não posso mais ficar com você.
– E quem disse que eu apenas quero ficar com você Tina? – Eu estava quase sendo levada pelo desejo naqueles olhos azuis, mas o apelido idiota me fez voltar à realidade.
– Eu estou namorando.
Bingo! Cara de espanto: boca aberta, olhos arregalados. Lá vamos nós.
– Você tá de brincadeira né?
– Não.
– Não? Como assim não?
– Não, de "não estou de brincadeira".
– Tina, você sempre disse que não queria se relacionar, que queria pensar só na facul e no trampo.
– E eu realmente queria isso. Mas veio alguém que bagunçou tudo e virou tudo de ponta cabeça. Olhe, não me pergunte como, mas só sei que estou namorando. Ponto final.
– Desde quando?
– Depende... – Não pude deixar de sorrir. – Em minha opinião, desde sábado quando ele meio que me avisou. Na opinião dele, desde domingo quando pediu para os meus pais.
– Você tá namorando um velhote de 40 anos?
– Não. Ele deve ter uns 26, 28, não sei bem.
– Não sabe bem? Está saindo com ele desde quando?
– Hum... Sábado. – Cara, colocando assim fica bem imbecil mesmo. Eu só saí com ele sábado!
– Você tá louca. – Ele disse baixo. – Eu vou esperar você voltar a si e vir falar comigo. – Ele levantou, deu um beijo em minha testa e saiu.
Pensando bem, foi tudo realmente muito rápido. Se a Polly me contasse algo desse tipo eu riria muito e também diria que ela está louca. Preciso dela. Pego o celular e ligo.
– Hum... – Pra variar, aquela magrela está comento.
– Amiga... Preciso de você. Onde está?
– Em casa terminando um trabalho da facul. Quer dormir aqui?
– Tô chegando.
Alguns minutos depois...
– Ei bonita!
– Oi.
– Ixi. O que tá acontecendo? – Sentei na cama dela, com cara de cachorro que caiu do caminhão de mudança.
– Polly, quer uma bomba? – Ela fez que sim com a cabeça. – Eu estou N A M O R A N D O.
Por um segundo ela fez cara de espanto, mas depois começou a rolar de rir no chão, nas almofadas que havia sentado.
– Você está me ouvindo rir com você? – Perguntei com as sobrancelhas erguidas. Ela parou e me encarou.
– Você tá falando sério Vali?
– Uhum.
– Agora eu vou levantar, pegar muitos salgadinhos de merda, umas cervejas e você vai me contar tudo.
Ela foi e pegou tudo isso na cozinha. Sentou de frente pra mim e fez uma cara de "e aí?".
– Bom, nós não nos falamos depois que mudei para a fazenda.
– Hum, vejo que não está mais com ódio do lugar.
– Longe disto amiga. Você precisa passar o próximo fim de semana lá comigo.
– Que bom Vali! Mas continue.
– Então. – Dei um gole na cerveja para tomar coragem. – Meu pai contratou um de seus veterinários de confiança do hospital para cuidar de tudo por lá. Um dia da semana passada eu o conheci.
– Detalhes querida. Conheceu como?
– Eu meio que quase o atropelei.
– Ãhn?
– É, eu quase o atropelei. Foi assim que o vi pela primeira vez. No mesmo dia a noite, quando cheguei, ele havia deixado flores do campo recém colhidas e um bilhete de desculpas pra mim no meu quarto.
– Eita. Como ele entrou no seu quarto?
– Tem abertura para a varanda da casa.
– Ual! Prossiga.
– Viramos policiais agora? Prossiga? Tudo bem. Na sexta-feira lembra que não quis sair? Então, eu arrumei minhas coisas e fui descansar numa rede na varanda da casa. Adormeci. Acordei no colo dele e ele me levando para a cama. – Polly se remexeu no colchão fazendo sinal para eu continuar. – Ele só me colocou lá e me cobriu. No sábado fui aprender a cavalgar com ele e meu pai, mas já estava mexida por ele. Ele é tão lindo e másculo. Não sei dizer. Mais tarde, fui com meus pais numa festa numa fazenda vizinha. Não resisti e...
– Você agarrou ele! Sabia! – Polly pulava e me apontava, com a boca cheia.
– Pois é. Você sabe como sou impulsiva para este tipo de coisa. Mas minutos depois eu vi que tinha feito merda. Tipo, ele não é como os nossos caras daqui. Ele é diferente. Eu fugi dele.
– Nossa, amiga, você está perdidamente apaixonada.
– Por que diz isso?
– Você não foge da raia Vali. Se fosse qualquer outro, você teria ido até o fim e ainda não atenderia suas ligações no dia seguinte. Você já estava apaixonada antes de agarrar ele.
– Faz sentido... – Nesse momento, o número estranho volta a tocar no meu celular e atendo.
– Alô?
– Posso saber por que é tão difícil falar com minha namorada? – A voz rouca e brava do outro lado da linha arrepiou todos os meu pelos.
– Oi peão. Eu não reconheci o número e acabei não atendendo.
– Isso é porque nem trocamos telefone. Tive que pedir para seu pai que riu da minha cara dizendo "oh, cara, você vai ter trabalho".
Eu não pude evitar rir com a imitação dele do meu pai.
– Eu vou gravar o número agora peão.
– Quando você vem para casa?
– Não vou. Estou com uma amiga e vou dormir aqui.
– E por que não me avisou?
– Como assim avisar?
– Avisar tipo "Ei, namorado. Vou dormir fora hoje. Tudo bem pra você?".
– Ah vá. Você acha que eu tinha que te avisar? Pior, você acha que eu tinha que te pedir? – A última frase saiu meio esganiçada com a raiva contida. Olhei para a Polly e ela ria sarcasticamente.
– Tem certeza que quer namorar Valentina? – Ele perguntou friamente.
– Já não sei mais Marcos. Conversamos amanhã. – Desliguei o telefone.
Pollyanna balançava a cabeça de um lado para o outro, parecendo ponderar minha conversa ao celular. Quem ele acha que é para agir assim comigo? Nem meu pai me controla! Tenho 24 anos porra! Como diria Cássia Eller: "Eu ando nas ruas, eu troco cheque. Mudo uma planta de lugar. Dirijo meu carro, tomo meu pileque.".
– Se você está pensando na porra da música da Cássia Eller de novo, eu vou te bater. – Disse Polly, tirando-me de meu devaneio.
– Sim, é claro que eu estava. Ele foi idiota.
– Seu celular é alto e consegui ouvir tudo. Vou repetir a pergunta dele: você acha que realmente quer namorar?
– Eu, eu não sei! Ele me pressionou e não me deu opção!
– Qual o seu medo?
– Exatamente o que aconteceu agora. Por que ele acha que eu deveria ficar dando satisfação para ele desse jeito?
– Bom, namorados cuidam Vali. E pra isso é preciso um pouco de controle. Ele queria que o tivesse avisado por simples consideração. E queria que tivesse pedido por respeito.
– Eu não gosto de controle, e para mim confiança basta. Confiança é o que deve se ter acima de tudo. Assim é minha relação com meus pais e assim terá que ser com um homem.
– Fale isso para ele, meu bem. Ele não tem uma bola de cristal.
– Que merda! Tá vendo? É por isso que sempre fugi de relacionamentos.
– Eu sei. Mas um relacionamento seria bom pra você. Você precisa relaxar e aprender a deixar o controle em outras mãos de vez em quando.
– O controle da minha vida não.
– Eu desisto. Se você realmente gostar desse peão, vai aprender aos poucos.