Os Contos Perdidos de Yuransh...

By RaelZavilah

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O dia é 6 de abril do ano 30. A lua brilhava intensamente sobre Jerusalém, porém, lá embaixo, a cidade estava... More

BOOK TRAILER
DOCUMENTO SELADOR
DOCUMENTO INTRODUTÓRIO
DOCUMENTO 001: A NOITE ESCURA
DOCUMENTO 002: A RESPONSABILIDADE DOS HOMENS
DOCUMENTO 003: A HORA DAS TREVAS
DOCUMENTO 005: LONGE DA SALVAÇÃO ESTÃO OS MEUS RUGIDOS
DOCUMENTO 006: A VIGÍLIA
DOCUMENTO 007: FOGO NO CÉU
DOCUMENTO 008: A GRANDE NOTÍCIA
DOCUMENTO FINAL

DOCUMENTO 004: A INJUSTIÇA É O MANTO SOBRE O QUAL O MAL FLORESCE

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By RaelZavilah

Ao chegarmos a nossa base, fomos recebidos pelo Sumo Sacerdote Yameshi Lahayon.

         O velho syhriniano de cabelos longos – tão longos quanto os meus, porém, totalmente brancos – nos recebeu, percebendo nossa aflição, porém pouco insistiu para conversar, prontamente nos dando ordens, como se fosse um patriarca da Ordem, quando todos ali eram iguais.

Infelizmente, houve uma disputa para decidir quem iria ter o único e último contato com Mestre. Obviamente qualquer Sacerdote desejava esta oportunidade, mas não foram eles, mas sim os Superiores, que, diante da celeuma que se criou entre os membros da Ordem, decidiram que eu seria o escolhido. Parece que Eles se adiantaram às atitudes dos discípulos, que momentos depois repetiriam os nossos mesmos erros de promoção pessoal.

A saber, durante o jantar da Páscoa, Yehoshua havia dispensado todos os servos da família de Yohannan ben Zad'yah,[1] um dos seus discípulos, que havia cedido o recinto a realização da celebração. Disputando quais deles se sentariam mais próximos ao Mestre, os discípulos não entenderam quando ninguém se movimentou para lhes preparar, lavando seus pés e as mãos, gerando assim uma acalorada discussão. Entretanto, fora Ele, que aos olhos espantados de todos os seus, realizou aquele ato, considerado ultrajante até para os mais humildes dos judeus daquela sociedade. Do mesmo modo, fomos repreendidos pelos Superiores com as mesmas palavras ditas pelo Soberano antes do jantar, fazendo-nos recordar o fato.

         - Nesta noite, quando eu entrei nesta sala, vocês não se contentando em recusar por orgulho a lavarem os pés uns dos outros, também caíram na disputa de quem deveria ter os lugares de honra ao meu lado. Tais honras são buscadas apenas pelos fariseus e pelos homens cegos deste mundo. Mas não devia ser assim entre os embaixadores do Reino. Não sabeis que não pode haver preferências à minha mesa? Acaso não compreendeis que eu amo a cada um como amo todos os outros? Esqueceram-se de que o lugar mais perto de mim, como os homens encaram essas honras, pode não significar nada no que diz respeito à vossa posição no Reino do Céu? (...) Mas não será assim no Reino que virá. Aquele que quer ser grande entre vós, que se torne como que o mais jovem; enquanto aquele que quer ser o dirigente, que se transforme em alguém que serve. Quem é o maior: aquele que se senta para comer, ou aquele que serve? Não é comumente considerado maior aquele que se senta para comer? Mas um dia compreenderão que eu estou entre vocês como aquele que serve... – Quanta ironia. Momentos depois aqueles homens o abandonariam.

Embora os Superiores tivessem nos dado uma lição de humildade, o coração daqueles Sacerdotes continuava cheio de um orgulho que esvaziava a autoridade daqueles que eram considerados os indivíduos mais instruídos e sábios de nosso Universo, mas assim como os discípulos do Mestre, igualmente se afastaram de tudo o que Ele ensinara durante sua vida.

Diante daquele impasse gerado pela absurda disputa, o clima na base estava carregado desde que chegamos a Yuransha, onde ninguém falava além do necessário, talvez ansiosos pelo que estava para acontecer. Durante a silenciosa vigília, plantados diante das telas de transmissão de nossa base, acompanhamos o desenrolar daquele julgamento que durou a madrugada, feito às pressas pelos sacerdotes judeus.

Embora também tenha sido torturado ali, o destino do filho de Yosef estava distante da casa do sumo-sacerdote Keifah.[2] Sendo levado ao governador da então província romana, Pontius Pilatus, este recusou-se a julgar Yehoshua, repassando a responsabilidade para o então rei Hordos Antipatros.[3] Porém, o mesmo, revoltado com o mutismo do Mestre diante de sua ignorância e zombaria, devolveu-o a Pilatus, que surpreso com o retorno da procissão de sacerdotes e guardas, acabou pressionado por uma turba que se ajuntara diante da Fortaleza Antonia. Assim, para satisfazer a crescente sede por sangue da multidão, e tentando se esquivar de uma injusta condenação, Pilatus mandou torturar Yehoshua.

Por sua vez, o que se seguiu, foi revoltante, para não dizer repugnante. E nós, testemunhas daquele horrendo espetáculo de violência e sobrevivência, apenas pudemos assistir, impassíveis, a subjugação do Soberano do Universo ao mais completo exemplo da perversidade humana.

         Unus!... Duo!... Decem!... Quadraginta!... – Aquela violenta progressão dos golpes – contabilizada em latim –, parecia não cessar, de modo que todo o corpo nu do Soberano ficou coberto pelas marcas dos açoites. Após alguns desmaios e recuperações da vítima, a tortura cessou, e assim pudemos contabilizar os "dados" que os algozes deixaram: Foram exatamente 225 marcas de açoites e contusões sobre a carne do Mestre, convertendo seu corpo em uma verdadeira massa inchada e lesada. Porém, a zombaria dos soldados de Pilatus não havia acabado, e aqueles homens, no auge de sua crueldade, teceram um mortífero capacete de espinhos, cravando-o na cabeça do condenado, ao passo que "saudavam" o Rei dos Judeus.

         Naquele momento, analisando friamente as possibilidades para o destino daquele homem, tememos que o Mestre viesse a falecer devido aos traumas e à grande quantidade de sangue já perdida, que pintava o pétreo piso daquele claustro da Fortaleza Antonia. Aqueles segundos e minutos pareceram horas intermináveis juntamente com as feridas se abriam sem cessar a cada tortura dos soldados. De fato, tudo aquilo era revoltante.

Como podia eu, que sempre vivi em um ambiente cercado pela tolerância, sabedoria e coexistência entre diversos mundos e culturas, ficar impassível diante daquelas cenas? Mas surpreendente, ao meu redor, nenhuma palavra fora dita pelos Sacerdotes, tirando poucas conversas paralelas. Naqueles torturantes minutos, algumas vezes pude adentrar em seus pensamentos, e, por incrível que pareça, poucos estavam (re)voltados para com as sangrentas imagens que assistíamos. Muitos se encontravam distantes, até aceitando aquilo, ou imaginando o que se seguiria.

Outros Sacerdotes ignoraram tudo aquilo, se retirando daqueles luminosos salões de comunicação para seus aposentos em nossa base. Nem mesmo uma mensagem de Nemashi fora enviada, nenhum retorno aos nossos dados que eram registrados. O silêncio era total. Assim, acabei explodindo, revoltado com a imparcialidade daqueles homens e mulheres.

- Como vocês podem continuar em silêncio após verem isso?! – Disse, apontando para as telas.

- É a Vontade dele, não é? – Exclamou um dos Sumos Sacerdotes, soando um tanto irônico. – Você devia já saber, afinal, Ele próprio lhe disse.

- Não estou falando de Sua Vontade. Estou falando do absurdo que estamos testemunhando. Nunca registramos tamanha selvageria contra um único indivíduo em toda a história de nosso Universo.

- Você está assim porque esteve junto a Ele. Mas antes disso, sequer se interessava em estudar os registros que possuímos desde seu nascimento. Somente quando os Superiores entraram em contato com o Quórum que decidiu se inteirar dos acontecimentos.

- Como é? – Retruquei, surpreso com aquela resposta.

- Não dê ouvidos a ele. – Disse Yahron, tentando acalmar os ânimos. Porém, se tinha alguém que não buscava discutir algo tão fútil como aquilo, era eu. Ainda mais naquele momento. Ainda estava em choque após presenciar aquela revoltante sequência de tortura.

- E você, Yahron? Sinto que defende seu amigo, porém, ambicionou como todos nós ter estado em seu lugar. E sei que sentiu uma pequena inveja dele. Há muito tempo a Ordem se converteu em um antro de disputas por poder, assim como sempre fizeram nossos inimigos, os Zahranianos! – Aquela discussão estava entrando em um perigoso caminho.

Falar dos Zahranianos era tocar em um passado negro da Ordem, o qual não era minha intensão. Mas para minha sorte, e de Yahron, o Sumo Sacerdote Yameshi apareceu, encerrando aquele embate que se iniciava.

- Se continuarem com isso, eu enviarei ambos de volta a Nemashi. – Disse, exalando sua autoridade. – Pelo Mayam'Horun! Olhem para as telas e acompanhem calados. Esse homem foi condenado à morte! O Soberano de nosso Universo está para ser morto pelos suas próprias criaturas! Nem os profetas de nosso mundo sabem que tipos de consequências isso pode acarretar, o que os Superiores podem fazer a Yuransha ou nosso Universo.

- Consequências cósmicas? – Me intrometi. – Não acho que Eles ajam contra nós ou este mundo. Nós sabemos e o próprio Mestre ensinou que ninguém pode pagar pelos erros dos outros, como os judeus assim creem. Nem mesmo Sua morte poderá ter uma punição destinada aos habitantes deste mundo, mas apenas aos seus algozes. Como Ele falou a Pilatus: Tu não és de todo culpado... Aquele que me traiu e me entregou a ti carrega sobre si o maior dos erros.

- Este homem não é de todo culpado? – Interrompeu-me, revoltado. – Você assistiu ao julgamento? Eu posso chamar isto de julgamento? Se os julgamentos deste mundo são assim, o que podemos esperar do futuro?

- Eu compreendo seu temor. De fato, a injustiça é o manto sobre o qual o mal floresce, e sei que ela ameaça o futuro de Yuransha. Mas não cabe a mim julgar este mundo ou estes homens. Como Mesha'al falou: Deve ser cumprida a Vontade do Princípio de Tudo, sempre.

- E qual é essa Vontade Sahrabus? – Perguntou, ansiando a resposta.

- Que os homens saibam como conviver e saibam se colocar no lugar dos outros, algo que nem mesmo nós ainda aprendemos. Só assim alcançaremos a verdadeira paz e coexistência entre os diferentes povos deste Universo. Enquanto não compreendermos nossa responsabilidade para com os outros, nada disso mudará. Devemos aceitar tal fato como uma verdade, mas também jamais devemos deixar de nos revoltarmos com a repetição dos mesmos erros. Mas precisamos confiar... Um dia tudo muda Yameshi...

Estávamos conversando quando subitamente fomos chamados pelos Superiores em nossas Mentes. Reunindo novamente os Sumos Sacerdotes, novas ordens foram repassadas, orientando para que nos deslocássemos para o lugar onde Mesha'al seria executado. Ordens precisas foram dadas a todos nós, e devíamos cumpri-las à risca. O que iria acontecer pelas próximas horas e dias faria desabar todas as nossas concepções, certezas e muralhas que construímos dentro de nós e ao nosso redor.

O caminho havia sido traçado, e levaria Yehoshua ao Gagultha, a colina aonde os romanos executavam seus presos políticos e criminosos locais. A procissão cruzou Yerushalayim em uma turba descontrolada que desejava assistir aquela notória execução. Não sei como Ele conseguira sobreviver na Fortaleza Antonia, e agora cruzando a cidade com o patíbulo às costas. Mas, seu destino realmente estava traçado para terminar naquele pequeno monte de pedras calcárias, conhecido como Caveira.



[1] João, filho de Zebedeu.

[2] Caifás.

[3] Herodes Antipas, filho de Herodes, o Grande.

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