Anjo {Jikook}

By projetoadapt

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Um mocinho em perigo. Uma situação misteriosa. Um anjo caído. Uma escolha crucial. More

Avisos;
Personagens;
Prólogo
Capítulo 1. Novo parceiro
Capítulo 2. Atração
Capítulo 3. Park... Jimin
Capítulo 4. D.S
Capítulo 5. Arcanjo
Capítulo 6. Compras
Capítulo 7. Uma pequena investigação
Capítulo 8. Encurralado
Capítulo 10 - Insegurança com Beakyul
Capítulo 11. Descobertas
Capítulo 12. Anaita
Capítulo 13. Desejo
Capítulo 14. O cara por trás da máscara
Capítulo 15 - Salvo

Capítulo 9. Encontro

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By projetoadapt

➼ Perdão a demora mas agora tenho um trabalho então está uma loucura kskksk. Espero conseguir atualizar mais vezes, se não der, espero que compreendam;

➼ Boa leitura, docinhos ❤️

Capítulo 9 - Encontro

Uma chuva fria caiu durante todo o sábado, e eu fiquei sentado próximo à janela, observando as poças no gramado aumentarem de tamanho. Eu tinha uma cópia muito usada de Hamlet no colo, uma caneta apoiada sobre a orelha e uma caneca vazia de chocolate quente aos pés. A folha com o questionário de interpretação de texto continuava sobre a mesa, em branco, como a dois dias atrás. Isso não era bom. 

Minha mãe tinha saído para a aula de ioga havia meia hora. Embora eu tivesse ensaiado diversas maneiras de contar sobre meu encontro com Park, acabei deixando que ela passasse pela porta sem lhe dizer nada. Disse a mim mesmo que não era um problema. Eu tinha 18 anos e podia decidir quando e por que sair de casa, mas a verdade era que eu deveria ter contado a ela que ia sair. Perfeito. Agora eu desfilaria por aí com a culpa a noite inteira. 

Quando o relógio na parede do corredor anunciou 16h30, fiquei satisfeito em deixar o livro de lado e subi correndo para o quarto. Tinha passado a maior parte do tempo com o dever de casa e tarefas domésticas, e isso tinha ajudado minha cabeça a não pensar no assunto encontro. Mas agora que faltam apenas minutos finais, a ansiedade superava tudo. Não importava se eu queria ou não pensar no assunto, Park e eu tínhamos assuntos mal resolvidos. 

Nosso último beijo foi interrompido. Mais cedo ou mais tarde aquele beijo precisaria de um desfecho. Eu não tinha dúvidas de que queria o desfecho, só não tinha certeza se estava pronto para ser naquela noite. Além do mais, não ajudava o fato de eu ficar me lembrando todo o tempo o aviso de Hoseok, como se fosse um alerta vermelho no fundo da minha mente. Fique longe de Park.

Fui para a frente do espelho e comecei a me examinar. Skin care feita, rosto lindo e hidratado. Cabelo levemente bagunçado mas ao mesmo tempo arrumado. Não tinha novidades. Os lábios bem que precisavam de uma cor de algum lip tint. Lambi os lábios, que ganhou um brilho úmido. Aquilo me fez lembrar do “quase beijo” com Park e, involuntariamente, senti uma onda de calor. Se um “quase beijo” era capaz de provocar isso, imagina como seria um beijo inteiro. Meu reflexo no espelho sorriu.

“Não é nada demais” disse a mim mesmo enquanto examinava os piercings da minha orelha. O que Park teria em mente? Jantar? Cinema?

“Isso é muito parecido com um encontro para estudar biologia”, disse ao reflexo com um ar indiferente. “Só que não tem biologia nem estudos”.

Vesti uma calça justa, regata bem aberta nas laterais, jaqueta e tênis. Ajeitei o cabelo e então ouvi uma batida na porta.

— Já estou indo! — gritei, enquanto descia a escada.

Dei mais uma olhada no espelho do corredor e então abri a porta da frente, onde encontrei um casal com capa de chuva escura diante da varanda.

— Jeon Jungkook. — disse a detetive Marie, mostrando o distintivo policial. — Nos encontramos novamente.

Levei um momento para recuperar a voz.

— O que vocês estão fazendo aqui?

Ela inclinou a cabeça para o lado.

— Você se lembra do meu parceiro, o detetive Hajun. Importa-se que a gente entre e lhe faça algumas perguntas?

Ela não parecia estar pedindo permissão. O tom era quase ameaçador.

— O que houve?

— Sua mãe está em casa? — perguntou ela.

— Está na aula de ioga. Por que? O que aconteceu?

Os dois limparam os pés no tapete e entraram.

— Pode nos contar o que houve entre você e Kim Seokjin na biblioteca na noite de quarta? — perguntou o detetive Hajun, desabando no sofá.

A detetive continuou de pé, examinando as fotos de família na prateleira sobre a lareira.

Precisei de um momento para entender. Kim Seokjin. Quarta à noite. 

— Seokjin? Está tudo bem com ele?

Não era segredo pra ninguém que eu não tinha um lugar especial para Seokjin no meu coração. Mas isso não significava que eu o quisesse metido em encrenca ou, pior, correndo perigo. Principalmente se a encrenca aparentemente me envolvesse.

A detetive pôs as mãos nos quadris.

 — O que faz você pensar que ele não está?

— Eu não fiz nada com Seokjin.

— Por que os dois estavam discutindo? — perguntou Hajun. — O segurança da biblioteca disse que o clima entre vocês estava ficando pesado.

— Não foi bem assim.

— Como foi então?

— Trocamos insultos. 

— Que tipo de insultos?

— Grosserias estúpidas.

— Gostaria de ouvir tais grosserias, Jungkook.

— Eu o chamei de porco anoréxico.

Meu rosto ficou corado e minha voz deixou transparecer a humilhação. Se a situação não fosse séria, eu preferiria ter inventado algum xingamento mais cruel e insultante. 

Os detetives se entreolharam.

— Você o ameaçou? — continuou Hajun.

— Não.

— Para onde foi depois que saiu da biblioteca?

— Para casa.

— Você seguiu Seokjin?

— Não. Como disse, vim direto para casa. Vai me dizer logo o que aconteceu?

— Você tem uma testemunha disso? — perguntou Marie.

— Meu colega de biologia. Ele me viu na biblioteca e me ofereceu carona.

Eu estava com o ombro apoiado na porta dupla que se abria para sala. A detetive Marie se aproximou e ficou à minha frente, do outro lado do portal.

— Fale-me sobre esse colega de biologia.

— Que tipo de pergunta é essa?

Ela abriu as mãos.

— Uma pergunta bem simples. Mas se quiser que eu seja mais específica, posso ser. Quando eu estava no ensino médio, só oferecia carona para garotas que me interessavam. Vamos um pouquinho adiante. Qual é o seu relacionamento com esse colega de biologia… fora da sala de aula?

— Está brincando não está?

Um canto da boca dela se ergueu.

— Foi o que eu pensei. Você mandou seu namorado dar uma surra em Kim Seokjin?

— Seokjin levou uma surra?

Hajun se levantou, se colocou bem à minha frente, com os olhos penetrantes fixos em mim.

— Você queria mostrar a ele o que acontece com garotos que não ficam de boca fechada? Achou que ele merecia apanhar um pouquinho? Conheci garotos como Seokjin na escola. Eles pedem por isso, não é? Seokjin estava pedindo que isso acontecesse, Jungkook? Alguém deu uma surra nele noite passada e acho que você sabe mais do que está dizendo.

Eu estava tentando muito refrear meus pensamentos com medo de que pudessem ser lidos no meu rosto. Talvez fosse apenas uma coincidência que eu tivesse me queixado de Seokjin para Park na mesma noite em que ele levou uma surra. Mas talvez não.

— Vamos precisar falar com seu namorado. — disse Marie.

— Ele não é meu namorado.

— Ele está vindo para cá agora?

Eu sabia que deveria dizer tudo. Mas depois de refletir um pouco, não conseguia admitir que Park pudesse machucar Seokjin. Seokjin não era a melhor pessoa do mundo e tinha conquistado mais ou menos uma duzia de inimigos. Alguns poderiam ser capazes daquela brutalidade. Park não. Violência gratuita não parecia seu estilo.

— Não.

A detetive deu um sorriso sem graça.

— Arrumado para passar a noite de sábado em casa?

— Mais ou menos. — disse no tom mais frio que poderia.

Hajun tirou um bloquinho do bolso do casaco, abriu-o e apertou a caneta.

— Vamos precisar do nome dele e do telefone.

Dez minutos depois deles partirem, um Jeep Commander preto subiu na calçada. Park correu na chuva até a varanda, vestido com jeans e botas pretas e uma camiseta cinza de mangas compridas. 

— Carro novo? — perguntei após abriu a porta.

Ele me deu um sorriso misterioso.

— Ganhei há algumas noites, na mesa de sinuca.

— Alguém apostou um carro?

— O cara não ficou muito feliz. Vou me manter longe de becos escuros por algum tempo.

— Você sabe o que aconteceu com Kim Seokjin? — soltei, esperando que ele se surpreendesse com a pergunta.

— Não, o que houve?

A resposta veio com naturalidade, e eu decidi que provavelmente isso queria dizer que ele estava sendo verdadeiro. Infelizmente, quando o assunto era mentir, Park não parecia um amador.

— Alguém deu uma surra nele.

— Que pena.

— Tem ideia de quem poderia fazer uma coisa dessas?

Se Park percebeu a preocupação na minha voz, não demonstrou. Apoiou-se na grade da varanda e coçou o queixo pensativo.

— Não.

Perguntei a mim mesmo se ele estaria escondendo algo. Mas detectar mentiras não era um dos meus pontos fortes. Eu não tinha muita experiência. Normalmente eu me cercava de pessoas que eu confiava… Normalmente.

Park estacionou o Jeep atrás do Fliperama do Boo. Quando chegamos na frente da fila, o caixa pousou os olhos primeiro em Park e depois em mim. E continuou nesse lá e cá, como se tentasse entender aquilo.

— E ai? — disse Park, e colocou duas notas de 5 mil wons sobre o balcão.

O caixa transferiu o olhar atento para mim. Tinha percebido que eu não conseguia parar de fitar as tatuagens que cobriam todos os centímetros possíveis de seus antebraços.

— Está vendo alguma coisa aqui?

— Gosto das suas tat… — comecei.

Ele deixou à mostra caninos afiados.

— Não acho que ele goste de mim. — sussurrei para Park quando estávamos a uma distância segura.

 — Boo não gosta de ninguém.

— Ele é o Boo do Fliperama do Boo?

— O Boo Júnior. O Boo "pai" morreu há algumas semanas.

— Como?

— Briga de bar. Lá embaixo.

Senti um desejo avassalador de voltar correndo para o Jeep e dar o fora.

— Estamos em segurança? — perguntei.

Park me lançou um olhar enviesado.

— Anjo.

— Só estou perguntando.

Lá embaixo, a sinuca parecia exatamente como na primeira noite em que eu passara por lá. Paredes de blocos de concreto pintadas de preto. Mesas de sinuca forradas de feltro vermelho no centro do cômodo. Mesas de pôquer espalhadas nas laterais. Trilhos de luz baixa atravessando o teto. O cheiro de charuto poluindo o ar.

Park escolheu a mesa mais distante da escada. Pegou dois refrigerantes no bar e usou a beirada do balcão como abridor de garrafas.

— Nunca joguei sinuca. — confessei.

— Escolha um taco.

Ele me mostrou uma prateleira com tacos pregados na parede. Tirei um e voltei para a mesa de sinuca. Park colocou a mão na boca para esconder um sorriso, mas seus olhos o denunciavam.

— O que foi? — perguntei.

— Não tem home run no jogo de sinuca.

Fiz que sim com a cabeça.

— Sem home runs. Entendi.

O sorriso dele aumentou.

— Você está segurando o taco como se fosse um bastão de baseball.

Olhei minhas mãos. Ele tinha razão. Eu estava fazendo isso.

— É assim que eu fico mais à vontade.

Ele se moveu para trás de mim, pôs as mãos nos meus quadris e me colocou diante da mesa. Deslizou os braços à minha volta e segurou o taco. 

— Assim — disse conduzindo minha mão direita alguns centímetros para o alto do taco — E… assim — prosseguiu, pegando minha mão esquerda e formando um círculo com meu polegar e indicador. Em seguida, plantou minha mão esquerda da mesa como se fosse um tripé. Empurrou a ponta do taco de sinuca pelo círculo, por sobre o nó do meu dedo médio. — Incline o corpo.

Eu me curvei sobre a mesa de sinuca, sentindo sua respiração aquecer meu pescoço. Eu estava arrepiado. Ele deu um puxão para trás, e o taco deslizou por dentro do círculo. 

— Qual é a bola que você quer acertar? — perguntou, referindo-se ao triângulo de bolas arrumado na outra ponta da mesa. — A amarela, na frente, é uma boa escolha.

— Vermelho é a minha cor favorita.

— Que seja a vermelha.

Park fez o taco deslizar para a frente e para trás pelo círculo, mirando na bola, ensaiando a tacada.

Forcei a vista na direção da bola branca, e depois para enxergar o triângulo de bolas mais distante na mesa.

— Você está um pouquinho fora de posição. — disse eu.

Senti que ele sorria.

— Aposta quanto?

— 5 mil wons.

Senti que ele balançava suavemente a cabeça.

— Prefiro sua jaqueta.

— Você quer minha jaqueta?

— Quero você sem ela.

Por um momento esqueci como se respirava. Meu braço foi para frente, e o taco deslizou por entre meus dedos, acertando a bola branca, que por sua vez avançou, atingiu a vermelha e desfez o triângulo. As bolas ricochetearam em todas as direções.

— Tudo bem. — ao senti-lo se afastar percebi que levou parte do calor consigo. Eu nem fazia ideia até então do quanto estava quente. Tirei a jaqueta. — Talvez você tenha conseguido me impressionar um pouquinho.

Park examinou minha regata que mostrava bastante da minha pele nas laterais. Os olhos pretos como o oceano à meia-noite, a expressão contemplativa.

— Bonito. — disse ele.

Em seguida andou pela mesa, examinando a disposição das bolas.

— Cinco mil wons que você não consegue encaçapar a bola azul listrada. — eu disse escolhendo-a de propósito. Estava protegida pela bola branca, no meio de um escudo de bolas coloridas.

— Não quero seu dinheiro. — disse Park.

Nossos olhares se encontraram e seu sorriso aberto faziam os olhos afiados se fecharem. Minha temperatura subiu mais um grau.

— O que você quer? — perguntei.

Park abaixou o taco até a mesa, ensaiou uma vez a tacada e acertou com força a bola branca. Ela atingiu a verde que bateu na bola 8, que em seguida empurrou a bola azul listrada para dentro da caçapa. 

Dei uma risada nervosa e tentei disfarçar estalando os dedos, um tique que eu nunca permitia.

— Tudo bem, talvez agora eu esteja mais do que um pouquinho impressionado. 

Park ainda estava encurvado sobre a mesa, e levantou o olhar na minha direção. Aquilo esquentou minha pele.

— Não tínhamos combinado a aposta. — disse eu, resistindo a tentação de mudar de posição.

O taco estava um tanto escorregadio na minha mão. Discretamente passei-a na coxa.

Como se eu já não estivesse suando o bastante, Park disse:

— Você fica me devendo. Um dia eu vou cobrar.

Ri, mas sem muita convicção.

— Vai sonhando.

Passos ressoaram na escada do outro lado da sala. Um sujeito alto e musculoso com cabelos castanhos escuros bagunçados de uma maneira sexy apareceu. Olhou primeiro para Park e então voltou para mim. Seus olhos são intensos e um sorriso vagaroso apareceu em seu rosto. Ele aproximou e deu um gole no refrigerante que eu tinha deixado na beirada da mesa de sinuca.

— Com licença, acho que… — comecei a falar.

— Você não contou que ele era tão agradável aos olhos. — disse ele a Park, enxugando a boca com a parte de trás da mão, seu sotaque era forte.

— Também não contei a ele o quanto você é desagradável. — devolveu Park, com a boca relaxada antes de mostrar um sorriso.

O sujeito se apoiou ao meu lado na mesa de sinuca e estendeu a mão na minha direção.

— Meu nome é Kim Namjoon, bae.

Com relutância, apertei a mão dele.

— Jungkook.

— Será que estou interrompendo alguma coisa? — perguntou Namjoon, lançando um olhar questionador para nós dois.

— Não. — exclamei na mesma hora quem que Jimin disse "Sim".

De repente, ele pulou sobre Park, com o sr brincalhão, mas eles logo caíram no chão, rolando e trocando socos. Houve o som de risadas, de punhos batendo contra a carne e tecidos sendo rasgados. As costas nuas de Park apareceram diante dos meus olhos. Duas cicatrizes espessas as atravessavam. Começavam na altura dos rins e subiam até as escapulas, unindo-se para formar um V de cabeça para baixo. As marcas eram tão grotescas que eu quase engasguei de horror.

— Ei, saía de cima de mim! — urrou Namjoon.

Park saiu e, enquanto se levantava, a camiseta rasgada se abriu. Ele a tirou e a jogou na lata de lixo, no canto.

— Sua camisa. — disse para Namjoon.

Namjoon me lançou uma piscadela mal intencionada.

— O que acha, Jungkook? Devemos dar uma camisa a ele?

Talvez… Park avançou sobre ele, brincalhão, e as mãos de Namjoon voaram até seus ombros. 

— Calminha. — disse recuando. 

Ele tirou o suéter e jogou para cima de Park, revelando uma camisa branca justa por baixo.

Enquanto Park enfiava o suéter sobre os músculos abdominais tão definidos que me causaram um frio na barriga, Namjoon se voltou para mim.

— Ele contou sobre o passado?

— Que passado?

— Antes de se envolver com a sinuca, nosso rapaz gostava de boxe irlandês, sem luvas. Não era muito bom. — balançou a cabeça. — Para falar a verdade, era completamente patético. Passei muitas noites remendando ele. Disse para parar com boxe, mas não me ouvia. Por isso tem várias cicatrizes.

Olhei para Park, que me deu um sorriso medalha de ouro em brigas de bar. O sorriso por si só já era bastante assustador, mas sob a fachada áspera guardava um tom de desejo. Mais do que um tom, para falar a verdade. Uma sinfonia inteira de desejo.

Park inclinou a cabeça na direção da escada e estendeu a mão para mim.

— Vamos sair daqui. 

— Para onde vamos? — perguntei, com o estômago agitado.

— Você vai ver.

Enquanto subíamos a escada, Namjoon gritou para mim:

— Boa sorte com esse aí, bae!

No caminho de volta, Park estacionou em frente uma fábrica de papel, às margens do rio. Ele era largo e agitado, com árvores envelhecidas em ambas às margens. Ainda chovia muito e a noite tinha baixado sobre nós. Eu devia chegar em casa antes da minha mãe. Não havia contado a ela que estava saindo porque… bem, a verdade era que Park não era o tipo de cara que fazia as mães sorrirem. Ele era do tipo que fazia com que elas trocassem as fechaduras de casa.

— Podemos pedir para viagem? — perguntei.

Park abriu a porta do motorista.

— Pedido? 

— Um sanduíche de peru. Sem maionese.

Eu tinha certeza de que mereci um daqueles sorrisos que não chegavam completamente à superfície. Eu parecia provocar muitos sorrisos desse tipo. Dessa vez, eu não conseguia entender a graça.

— Verei o que posso fazer. — disse, se afastando.

Park deixou as chaves na ignição e a calefação ligada. Nos primeiros minutos, revi nossa noite até aquele momento. Então me ocorreu que eu estava sozinho no Jeep de Park. Seu espaço particular.

Se eu fosse Park e quisesse esconder alguma coisa altamente secreta, não esconderia no quarto, no armário da escola, nem mesmo na mochila, que poderiam ser confiscados ou revistados sem qualquer aviso. Esconderia em meu reluzente Jeep preto com um sofisticado sistema de alarme.

Soltei o cinto de segurança e vistoriei a pilha de livros escolares que estava aos meus pés, sentindo um sorriso misterioso abrir-se em minha boca diante da ideia de descobrir algum dos segredos de Park Jimin. Não estava esperando encontrar nada em particular. Ficaria satisfeito com a combinação do cofre de seu armário ou qualquer algo simples.

Remexendo em antigos trabalhos escolares que se amontoavam sobre os tapetes, encontrei um purificador de ar com perfume de pinho usado, um CD do AC/DC - Highway to Hell -, pontas de lápis e uma nota fiscal de uma loja de quarta às 22h18. Nada especialmente surpreendente ou revelador.

Abri o porta-luvas e vasculhei o manual de operações e outros documentos. Vislumbrei um reluzir cromado, e as pontas dos meus dedos esbarraram em metal. Extrai de lá de dentro uma lanterna de aço e a liguei, mas nada aconteceu. Parecia leve. A abri e de fato estava sem pilhas. Fiquei pensando por que Park guardava uma lanterna inútil. Foi o último pensamento antes que meus olhos batessem no líquido cor de ferrugem que estava na ponta da lanterna.

Sangue.

Muito cuidadosamente, devolvi a lanterna ao porta-luvas e fechei a porta. Disse para mim mesmo que havia um monte de situações em que poderia se machar uma lanterna com sangue. Como segurá-la com uma mão machucada, usá-la para empurrar um animal morto no meio da rua… batê-a com força contra um corpo, repetidamente, até sangrar.

Com o coração aos pulos, precipitei-me a concluir a primeira ideia que passou pela minha cabeça. Park havia mentido. Tinha atacado Seokjin. Tinha me deixado em casa na noite de quarta, trocado a moto pelo Jeep e partido para procurá-lo. Ou talvez seus caminhos houvessem se cruzado por acaso e ele tivesse reagido por impulso. De uma forma ou outra, Seokjin estava ferido, havia policiais no meio e Park era o culpado.

Racionalmente, eu sabia que se tratava de uma conclusão apressada e uma forçação de barra, mas do ponto de vista emocional os riscos eram grandes demais para que eu me desse ao luxo de dar um passo atrás e pensar com cuidado. Park tinha um passado assustador e muitos, muitos segredos. Se a violência insensata e brutal era um deles, eu não estava seguro andando por aí com ele.

O brilho de um relâmpago distante iluminou o horizonte. Park deixou o restaurante e atravessou o estacionamento correndo, segurando uma sacola parda em uma das mãos e dois refrigerantes na outra. Entrou no Jeep. Tirou o boné de baseball para sacudir a chuva do cabelo. Os fios escuros se separaram. Ele me entregou a sacola parda.

— Um sanduíche de peru sem maionese, e uma bebida para ajudar a engolir.

— Você agrediu Seokjin? — perguntei calmamente. — Quero a verdade… agora.

Park afastou o refri da boca. Os olhos dele penetraram nos meus.

— O que?

— A lanterna no porta-luvas. Explique.

— Você foi fuxicar o porta-luvas? — não parecia incomodado mas também não parecia ter gostado.

— Tem sangue seco na lanterna. A polícia foi mais cedo na minha casa. Acham que eu estou envolvido. Seokjin foi agredido na quarta à noite, logo depois que te contei que não o suporto.

Park deu uma gargalhada, sem humor.

— Você acha que eu usei a lanterna para bater em Seokjin?

Ele tateou atrás do banco e tirou uma grande arma. Gritei. 

Ele veio para frente e tampou minha boca com a mão.

— Arma de paintball.

Seu tom de voz tinha esfriado consideravelmente.

Meu olhar ia e vinha entre a arma e ele, e sentia meus olhos muito arregalados.

— Joguei paintball no início dessa semana. Achei que tínhamos falado sobre isso.

— N-não explica o sangue na lanterna.

— Não é sangue. É tinta. Estávamos disputando a captura da bandeira.

Meus olhos se voltaram para o porta-luvas onde estava a lanterna. A lanterna era… a bandeira. Uma mistura de alívio, estupidez, e culpa me invadiram por ter o acusado.

— Sinto muito. — disse eu.

Mas parecia tarde demais para lamentar.

Park olhava fixamente para o para-brisas, respirando fundo. Fiquei pensando se teria usado o silêncio para esfriar a cabeça um pouquinho. Afinal, eu havia acabado de acusá-lo de agressão. Eu me sentia péssimo, mas minha cabeça estava mexida demais para pedir desculpas devidamente.

— Pelo o que falou de Seokjin, provavelmente ele fez um monte de inimigos.

— Tenho certeza de que Hoseok e eu encabeçamos a lista. — eu disse, tentando amenizar os ânimos, mas aquilo também não era inteiramente uma brincadeira.

Park se aproximou da casa de fazenda e desligou o motor. O boné cobria os olhos, mas agora a boca mantinha a sugestão de um sorriso. Os lábios carnudos pareciam macios e suaves, e eu estava tendo muito trabalho para não olhá-los. Acima de tudo, sentia-me grato por ele ter aparentemente me perdoado.

— Precisamos praticar sinuca, anjo. — disse Park.

— Por falar em sinuca. — limpei a garganta. — Queria saber quando e como você vai me cobrar… aquilo que eu fiquei devendo.

— Hoje não. — os olhos dele observavam os meus intensamente, avaliando minha reação.

Eu oscilava entre o relaxamento e o desapontamento. Principalmente o desapontamento.

— Tenho uma coisa para você. — disse ele.

Procurou algum objeto debaixo do assento e retirou de lá um papel branco. Ele colocou entre nós.

— O que é isso? — perguntei, procurando olhar dentro do saco sem ter ideia do que havia ali.

— Abra.

Retirei uma caixa de cartolina e levantei a tampa. Lá havia um globo de vidro com uma miniatura do parque de diversões do D.S. aros de metal tinham se transformado em círculo para representar a roda gigante, aros retorcidos eram a montanha russa. Pequenos pedaços de metal manchado o tapete mágico.

— É lindo. — disse eu, um tanto bobo por Park ter pensado em mim e ainda se dado o trabalho de me comprar um presente. — Muito obrigado. Eu adorei.

Ele tocou o vidro arredondado.

— Ali está o Arcanjo antes de ser remodelado.

Atrás da roda gigante, um arame fino subia e descia formando as colinas e os vales do Arcanjo. Um anjo de asas quebradas estava no ponto mais alto, com a cabeça curvada, olhando para baixo sem olhos.

— O que realmente aconteceu naquela noite em que andamos no Arcanjo? 

— Você não quer saber.

— Se contar, vai ter que me matar? — brinquei.

— Não estamos sozinhos. — respondeu, olhando pelo para-brisas. 

Ergui a vista e vi minha mãe de pé diante da porta aberta. Para meu terror, ela saiu e veio na direção do Jeep.

— Deixe que eu falo. — disse, guardando meu presente. — Não diga nem uma palavra!

Park saltou do carro e veio abrir minha porta. Encontramos com minha mãe na metade do caminho.

— Não sabia que você ia sair. — disse ela com um sorriso nada descontraído.

Era um sorriso de Vamos falar sobre isso mais tarde.

— Decidimos de última hora. 

— Voltei para casa logo depois do ioga. 

O restante estava implícito: sorte a minha, azar o seu. Eu tinha imaginado que ela sairia para comer com amigos depois da aula. Era o que ela fazia nove de dez vezes. 

Ela voltou atenção a Park.

— Estou feliz em finalmente conhecê-lo. Aparentemente meu filho é seu grande fã.

Abri a boca para fazer uma apresentação extremamente rápida e me despedir de Park, mas mamãe foi mais rápida.

— Sou a mãe de Jungkook. Jeon Byeol.

— Esse é Park. — disse eu, pensando em uma forma de interromper bruscamente a troca de gentilezas. Minha única ideia foi gritar Fogo! Ou simular um enfarte. Ambas pareciam menos humilhantes do que uma conversa entre Park e minha mãe.

— Jungkook me contou que você nada.

Senti que ele estremecia com risadas atrás de mim.

— Você faz parte de alguma equipe de natação da escola ou da liga municipal?

— É uma atividade mais… recriativa. — disse, me lançando um olhar questionador.

— Também é muito bom. Onde você nada? No centro recreativo?

— Gosto de ar livre. Rios e lagos.

— Mas não é muito frio? 

Ao meu lado, Park me deu um cutucão. Fiquei pensando qual parte da história eu tinha perdido. Nada nessa conversa parecia extraordinário. E eu precisava concordar com a minha mãe naquele ponto. Ali não era um lugar quente e tropical. Era muito frio para se nadar no ar livre, mesmo durante o verão. Se Park realmente nadasse ao ar livre, deveria ser maluco ou ter alguma resistência à dor.

— Muito bem. Park precisa ir embora. 

Vá!, articulei para ele.

— É um Jeep muito bonito. — disse mamãe. — Seus pais compraram para você?

— Eu mesmo adquiri.

— Deve ter um emprego em tanto.

— Sirvo mesas no Kim’s Bistro.

Park dizia o mínimo possível, mantendo-se cuidadosamente envolto em mistério. Fiquei pensando em como deveria ser sua vida quando não estava perto de mim. No fundo da minha mente, não conseguia parar de pensar em seu passado amedrontador. Todo aquele tempo eu havia fantasiado sobre a descoberta de seus segredos sombrios e profundos porque queria provar para mim mesmo e para Park que era capaz de sacar quem ele era. Mas agora eu queria saber seus segredos porque eram parte dele. E, apesar de negar tudo repetitivamente, eu nutria algum sentimento por ele. Quanto mais tempo passávamos juntos, mais eu sabia que esses sentimentos não desapareceriam.

Mamãe franziu a testa.

— Espero que o trabalho não atrapalhe seus estudos. Pessoalmente, não acredito que estudantes do ensino médio devam trabalhar durante o ano letivo. Vocês já tem muito que fazer.

Park sorriu.

— Não tem sinto um problema.

— Você se importa em dizer qual é a média geral de suas notas? Ou seria muito rude?

— Poxa, está ficando tarde. — comecei a dizer olhando no relógio de pulso imaginário.

Não podia acreditar que mamãe estivesse sendo tão pouco legal nessa questão. Um mal sinal. Só podia dizer que a primeira impressão que ela teve de Park era pior que eu temia. Aquilo não era uma apresentação. Era uma entrevista.

— Dois ponto dois. — disse Park.

Mamãe olhava fixamente para ele.

— Ele está brincando. — respondi depressa. Dei um empurrão em Park na direção do Jeep. — Park tem coisas para fazer. Lugares para ir. Sinuca para jogar… — tampei a boca com a mão.

— Jogar? — perguntou minha mãe, parecendo confusa.

— Jungkook está se referindo ao Fliperama do Boo. Mas não estou indo para lá. Tenho assuntos a resolver.

— Nunca estive no Fliperama.

— Não é nada empolgante. — falei. — Não perdeu nada.

— Espere aí. — disse mamãe, como se um sinal de alerta tivesse acendido na sua memória. — É lá na costa? Perto do Delphic Seaport? Não é lá que houve um tiroteio esses dias?

— A situação anda mais calma do que costumava ser. — disse Park.

Estreitei os olhos para ele. Ele tinha sido rápido. Eu planejava mentir descaradamente sobre qualquer histórico de violência.

— Você gostaria de entrar e tomar sorvete? — perguntou mamãe, desconcertada, dividida entre a vontade de ser educada e a de agir impulsivamente e me arrastar para dentro, trancando a porta. — Só temos de baunilha. — acrescentou, para desencorajá-lo. — Foi comprado há algumas semanas.

Park sacudiu a cabeça.

— Preciso ir. Quem sabe na próxima. Foi bom conhecê-la, Byeol.

Tomei a interrupção como deixa para arrastar mamãe até a porta da frente, aliviado que a conversa não tivesse sido tão ruim quanto poderia ser. De repente ela se virou para trás.

— O que vocês fizeram hoje a noite?

Park olhou para mim e ergueu ligeiramente a sobrancelha.

— Jantamos no Topsham. — respondi rapidamente. — Sanduíche e refrigerante. Uma noite completamente inofensiva.

O problema era que meus sentimentos por Park Jimin não eram nada inofensivos.

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