Noites de Alabastro

By LilyLinx

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Maçãs são preciosos segredos Mas é preciso morder para encontrar. More

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Manhãs de Alabastro - Parte 2
Noites de Alabastro

Manhãs de Alabastro

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By LilyLinx

— Quando sua mãe chega? — indaguei a Eloise, após o chá da tarde. 

        Com cores de lavanda, era quase uma moça feita, e a contragosto admitia, uma dama geniosa. Embora, diferente de mim, parecesse inofensiva. 

— Escrevi o convite, aguardo a resposta dela. Mas é a baronesa viúva, por que a carta tinha o nome do Loras? — Eloise era diligente com a correspondência, e dividia com sua atenção entre elas e a revista.

— Ele é o Barão Cavendish de Applehall. Agora que resgatei meu dote, pretendo deixar essa mansão, e quero mesmo saber se deseja que faça sua apresentação à sociedade; já é motivo de especulação, e com a fortuna da família, terá propostas interessantes... Não precisa sair, Sr. Florentine — Até minha educação tinha um tom jocoso. — Não quando, na ausência da mãe, é padrinho e guardião das crianças.

        Eloise e Killian trocaram olhares alarmados. Trocara poucas palavras com o homem desde meu retorno de Londres. Se fosse de Will, ele teria aceitado, mas quaisquer gentilezas minhas eram rechaçadas com insegurança. Facilmente teria perdoado sua recusa em aceitar o dinheiro, e minha amizade, se seu orgulho não tivesse ferido o meu.

— Killian não... — Eloise se apressou em colocar. Mas minha sobrancelha arqueada denunciava seu deslize. — Lhe foi pedido segredo, Lady Irlina. — Dei de ombros. Mas o valete ainda trincava incerto a mandíbula. Quando deixou o espaço do jardim, a jovem me falou a boca miúda. — Quanto ao dinheiro, achava demais para um criado.

      Bufei. Pelo visto Killian não precisava falar nada para desejar espancá-lo.

— Deus me livre de privá-lo de um único centavo. Me irrita desde sempre, seu silêncio principalmente, e olha que já o conheço há muitos anos, mas é honesto e com uma maldita modéstia. — Conheci um jovem idealista e modesto, mas também sonhador. Me pergunto se foram os anos e um falso conforto que o deixaram estagnado. — Talvez um dia, querida, conheça os homens bem para saber que o orgulho deles sempre resguarda uma distinta insegurança.

— Parece conhecê-lo bem o bastante — colocou. Seu tom deixava algo implícito. "Como conhecia meu pai", talvez. Mas, sobre ela, só podia supor. A revista em meu colo farfalhou tal qual as folhas na brisa, antes de Eloise dar um pulo. E comparar com a carta em suas mãos. — Não posso acreditar, olhe isso ma... Lady Irlina!

— Ia dizer mãe ou madrinha? — A pobre herdeira estava vermelha. Seus ares primaveris estavam castigados pelo frio, mas a possibilidade da chegada da mãe a vinha deixando noites acordadas. Seu sorriso ali porém, embaixo da vergonha, estava radiante. Julgava então Lady Eloise perfeitamente tolerável, quando não agradável. Mordi o riso, perscrutando as páginas. — Lorde Byron cumpriu a promessa!

     Meu chamado trouxe Killian depressa, desviando da cerca viva. Apresentei-lhe o envelope e Eloise estava de pé com a revista.

— Ainda está em tempo de escolher como quer ser publicado. Tem o péssimo hábito de não assinar suas obras, Sr. Florentine — provoquei.

— Seus poemas são assunto nos salões de Londres — comemorou Eloise. — Fizeram uma matéria na Revista literária de Edimburgo.

       As sobrancelhas de Killian formavam um arco de incredulidade. Sua boca estava aberta, sem encontrar palavras para o convite de um editor.

— Por favor, não zombe de um pobre empregado. — Minha risada era cúmplice e Killian apenas encarava o papel, tonto de desconfiança. — Há algum engano, não sou escritor...

— Ao inferno com sua maldita modéstia — Ela sabia me enervar. — Alguém que preenche inventários e faz relatórios assim, tem no mínimo um livro aproveitável e esquecido na gaveta. Agora que o jarro de Pandora foi aberto, não se esconda de novo nele!

— Por quê? — Seus olhos me encontraram cheios de conjecturas, dando relevo aos detalhes. Desviei para grama.

— É divertido expulsá-lo. — Meus dedos davam voltas distraídas no cabelo. — Mas não tem graça saber que não tem escolha senão voltar.

       "Cresci numa ilha, apreciando a beleza dos pássaros".

       Eloise saltou sobre seu pescoço. A teria repreendido pela falta de decoro. Mas suspeitava que Killian encarava a Medusa de tão petrificado.

— Vai ser escritor?

     Tudo o que ele respondeu foi:

— Como? Como podem estar lendo algo meu? — A compreensão veio, como sempre, lenta. — O caderno faltando...

— Loras pegou — completei. — E eu tomei dele. De resto foi cortesia de Lorde Byron que me sequestrou o caderno, encomendou cópias e distribuiu por resgate. Insistiu muito e fui pega em desaviso, não tive escolha.

— Eu... ah... obrigada. Preciso... caminhar, miladys.

      Com uma reverência breve, saiu cerca afora.

— Finalmente posso demiti-lo sem culpa — falei. Para isso, Eloise tinha uma sobrancelha arqueada. 


        O crepúsculo transformava o prado em campos de citrino.

         Enveredando pela plantação de jovens macieiras enfileiradas, na propriedade que foi nosso presente de casamento, encontrei Killian ruminando entre sombras lilases e brumas. Ao me ver afagando os braços para espantar o frio do ocaso, fez menção de se aproximar, mas parou de súbito.

— É muito impulsiva. Não precisava fazer nada. Eu... não sei o que fazer — admitiu ele. Para o que, dei com a língua. — Vai deixar Devonshire? — perguntou baixinho. Assenti. — Escócia?

— Não vou para o convento, se é o que está se perguntando. As freiras, e a abadessa, agradecem se nunca mais der as caras. Mas levei a culpa quando você tocou fogo na cozinha.

       Me deixei escorar na árvore. A casca jovem era macia, mas já apresentava as rachaduras do inverno. 

     Killian fez o mesmo.

— Uma panela! Foi uma panela, Irlina. E não pedi que me defendesse — Seu olhar antes e agora diziam o contrário. —. Quando lhe conheci, era uma encrenqueira. Era sonhadora e atrevida, ainda é, mas.... o que mudou?

     Não sabia se falava do contrato da editora, ou de todo o resto. Qualquer que fosse, não tinha resposta. Sem motivo.

— Minhas gentilezas foram mal interpretadas; Minhas palavras, distorcidas; e eu estou cansada. Acreditei ser poderosa e forte, mas só estavam zombando. — Como eu, nuvens espumavam no céu, finas como manteiga estirada no pão. — Sou boa em fazer tudo errado, mesmo quando quero acertar. Posso não saber viver sem mentiras.

      Killian bufou.

— Não eram mentiras, Irlina! É a filha do conde Mar, a diaba de saias do convento, a Raposa das Highlands; você é indiferente à multidão, mas em sua cabeça, seu silêncio busca cada vivalma. Você não tolera injustiças e não precisa que ninguém, muito menos eu lhe diga quem é, então está muito calada e... isso me assusta.

— Skye. Deveria ser Raposa de Skye. — Meu olhar era, de fato, vulpino. 

E ele desavisado: 

— Que seja, não conheço a Escócia.

— Não... Não conhece — Meu tom de voz o fez prender a respiração. — Mas ele conhecia. Will! Foi hóspede do meu pai por quase um ano e sabia muito bem que Skye é uma ilha, não fica nas Highlands. — Ele balançou a cabeça, ainda sem compreender. Minha boca tremia. — "Diaba de saias" e "Raposa das Highlands", só ele me chamava assim, Killian, em suas cartas.

        Minha língua umedeceu os lábios. Estava com medo do que vinha a seguir:

— "Você o conhecia tão bem que podia escrever suas cartas"! E você escreveu, não foi?

        Killian queria correr, ou se ajoelhar aos meus pés, ainda não havia decidido. Mas por fim, seu suspiro foi de derrota. 

— Por Deus, não precisava revirar fantasmas agora... Não fique com raiva dele. Não quando ele também a amou. — Sua respiração parecia ineficiente. E a pele parda estava pálida como papel. — Ele foi tantas vezes até conhecer a noiva. Mas ela nunca estava. Fugia dele como o diabo da cruz. Você estava sempre onde não devia.

— Assim como você! Mas não tinha medo de mim na época.

      Se esquivou:

— Não sabia que era nobre! Nem que era noiva dele...! Só descobri no dia que veio se despedir de nós no portão.

       A cada frase, ambos ficavam mais infelizes.

— E depois vieram as cartas...

       Quando li os poemas no caderno de Killian, senti o desconforto familiar me atingindo, como vapores desapegando do solo no enunciado da chuva. O solavanco do mar em meio ao infinito.

— Willian me pediu! Tinha provar que suas intenções eram genuínas, se casar, ou o pai ia deserdá-lo. Estava desesperado... Foi natural escrever as cartas. "Escreva algo vivo, Killian" ou "Esse poema é bonito, me permite assinar? Acho que ela vai gostar"... Não pensei no que aconteceria. 

"Entrou numa carruagem para Paris, de novo. E não sabia como voltar? Ou pensou no que fazer quando chegar lá". Não tinha certeza se podia lidar com isso.

— Fui sincero, mas não pensei que gostaria, eram... tão simples! Verdades paradoxais demais para serem entendidas; e contudo, você praticava. Jamais me ocorreu que o amaria; mas se quer saber, ele também se apaixonou. E vocês estavam felizes! Não pode me punir por ser discreto. E o tempo só provou que era impossível. Resolvi ficar distante...

— Não tinha o direito de fazer juras em nome de outro para então se retirar. Nos anos seguintes mal me encarava. E fomos amigos!

— Tem razão... para mim, ainda somos. Se faziam felizes. Você se fazia feliz. Nunca precisou de mim — Riu incrédulo. — O que não tinha direito, Irlina, era impor a você meus sentimentos, quando nada havia que pudéssemos fazer. Não a responsabilizaria pelas minhas demandas, meu... minhas palavras. 

— Mentiu para mim. Você mentiu!

— Irlina, não tolera injustiças, sei disso; você se vinga. — Parecia mordiscar os pensamentos e o ar ondulava em suas palavras. — Isso tudo: se aproximar de novo; ser gentil; trazer as crianças e investigar; e desenterrar os poemas. Expô-los ao mundo. Foi... foi vingança para você? Trazer a luz todos os segredos e mentiras com as quais nos encimamos? E então partir, com tudo desmoronando...  

"Pareço tão maquiavélica assim"? Meu rosto era brasa.

    Sabia, quando deu aquele passo, que podia bater nele; não se importava.

— Me expulse! Me agrida, xingue; maltrate. Não quis te magoar. Me odeia. Só não despreze aquelas cartas. Distância e tempo já cortam demais. Não faça de mim um estranho com memórias.

     "Mas, já somos".

      Quando meu silêncio se fez concreto, Killian se empertigou, estoico e compassivo, vergando sua dignidade, prestou reverência.
De mandíbula trincada, parecia engasgar com palavras.

E não fiz menção de impedi-lo. 


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