Fácil de amar

By totowlff

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Cassie Aldersey tem uma vida que ama. Ela tem um ótimo trabalho, uma vida social agitada, ela viaja com frequ... More

Desperdiçando tempo
Lutando contra a apatia
Uma equação simples
O primeiro passo
Fazendo as regras
[EXTRA] Quem é que você guarda nessa sua cabeça
Esperança
Como se eu pudesse manter uma promessa
Cruzando a linha
[EXTRA] Limites
Sorte grande
Concretização
Como Susan e Lucy
[EXTRA] Alegria
Toque de Midas
Até mesmo três, quatro ou cinco
[EXTRA] Shockoschneken
Família que eu escolhi
[EXTRA] Você pediu por isso
Um desejo antigo
Não sou de todo culpada
Respingos em azul-pastel
Família para leigos

Para te ter por perto

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By totowlff

 — Você quer... O quê?

— Quero dar a injeção final que você precisa — Toto disse.

— Você nem gosta de me ver me aplicando as injeções normais. Você desvia o olhar toda vez que eles tiram sangue pros meus exames — rebateu Cassie.

— Eu sei, mas... Eu quero participar disso, de alguma forma. Você teve que fazer todos esses exames de sangue e tomar todas essas injeções que te deixam mal, e minha contribuição pra esta fase da nossa aventura vai ser apenas... Encher um frasco de amostra.

Cassie riu.

— Eu sei, mas mesmo se estivéssemos fazendo isso da maneira tradicional, a concepção, a gravidez e o parto dificilmente são uma experiência igualitária. Além disso, eu sou grata por tudo o que você já fez por mim.

Cassie estava na casa de Toto para o jantar semanal deles. Tinha sido sugestão dele que eles se reunissem pelo menos uma vez por semana para discutir qualquer coisa que precisassem. Ele já havia dito a Cassie que queria continuar fazendo isso durante a gravidez, exceto quando as viagens o levassem para fora do país, durante a temporada.

Apesar de se proclamar um cozinheiro horrível, a salada de panzanella de frango assado que ele tinha feito para o jantar estava deliciosa.

Quando Toto e Cassie discutiram sobre ele ser o doador dela e, consequentemente, co-pai, ele prometeu apoiar Cassie e o filho deles de qualquer maneira que pudesse e, até aquele momento, ele havia feito um trabalho maravilhoso cumprindo essa promessa. Ele concordou em ir com ela para ver uma advogada de família para delinear os direitos e responsabilidades que compartilhariam como pais. Ele a acompanhava em todas as suas visitas à clínica de fertilidade, mesmo aquelas que eram apenas coletas de sangue, que demoravam dez minutos.

— E não se preocupa, você vai ter a sua parte, principalmente depois que o bebê nascer. Como eu já te disse, vou amamentar, mas vou tirar leite ao mesmo tempo, então não serei a única a levantar no meio da noite pra alimentar o bebê.

Toto sorriu.

— Eu sei, e ficarei feliz em fazer o que você precisar que eu faça. Mas eu quero ter uma pequena participação nisso, além do óbvio. E eu observei bem de perto quando a enfermeira te ensinou a fazer as outras injeções, então eu sei fazer essa parte.

Cassie suspirou.

— Ok. Te digo uma coisa. Faltam três dias pra última injeção e tenho uns ultrassons agendados pra todos os próximos dias. Você vem comigo, e eu tenho mais quatro injeções que posso fazer na clínica e, se você conseguir olhar, deixo você fazer a última.

Nos dias anteriores, Cassie teve que fazer injeções diárias de medicamentos destinados a estimular seus ovários a produzir tantos óvulos quanto possível e a engrossar o revestimento do útero, tornando-o mais adequado para a implantação de um embrião. E, 36 horas antes da coleta na clínica, ela tomaria uma última injeção para fazer com que os óvulos amadurecessem e pudessem ser coletados durante o procedimento.

Embora Cassie não tivesse medo de agulhas, o ato de aplicar injeções diárias em si mesma, logo à esquerda do umbigo, não era agradável. Isso a deixou grata por não ser diabética e por precisar apenas lidar com a necessidade de injeções diárias por um curto período de tempo. Estar tão perto do fim daquela etapa era um alívio, mesmo que, na visão de Cassie, os três dias até que a injeção final passassem de forma agonizantemente lenta.

No entanto, tudo parecia promissor — o médico dela na clínica de fertilidade estava satisfeito com seus níveis hormonais e o progresso de seus ovários.

— Ok, senhorita Aldersey — disse o médico, tirando as luvas e lavando as mãos após o último exame — Eu estarei marcando seu procedimento pras nove da manhã de segunda-feira. Você precisará aplicar a última injeção às nove da noite do sábado. Esta injeção é um pouco diferente...

Ao contrário das injeções anteriores que ela havia feito, que eram seringas prontas, aquela era em uma espécie de caneta de injeção. Uma enfermeira entrou e explicou a Cassie como fazê-la da forma correta.

Toto, novamente, manteve sua palavra. Ele acompanhou Cassie em todas as visitas e se esforçou para observar o processo de injeção, desde a esterilização do local até o momento em que ela injetou a medicação. Porém, ele sempre afirmava que era difícil assistir aquela cena.

— Não é a agulha que me incomoda, é a sua expressão. Não gosto de ver você sofrendo, só isso.

— Só dói por alguns segundos — ela disse — E a minha expressão é porque não é confortável, só isso. E você vai ter que superar seu medo disso, porque vai ter muito mais dor envolvida neste processo pra mim, e será muito pior do que algumas injeções. Mas, vai valer a pena, no final.

Toto foi jantar na casa de Cassie no sábado à noite, para que pudessem discutir os detalhes do procedimento que seria feito na segunda-feira e para que ele pudesse aplicar a última das injeções dela.

— Vou passar aqui às oito da manhã, só pra chegarmos um pouco mais cedo à clínica. Aparentemente, estarei fazendo minha — Toto hesitou, buscando a palavra correta — Contribuição enquanto você estiver fazendo o procedimento. Mas eles disseram que eu poderia ficar com você quando você estivesse na ala de recuperação, então eu devo tá lá quando você acordar.

Cassie ficou aliviada. A ideia de acordar sozinha de uma cirurgia, por mais breve que fosse, era uma perspectiva assustadora. Ela se lembrava de ter feito um pequeno procedimento quando criança — ela não conseguia se lembrar se foi quando ela retirou as amígdalas ou o apêndice, pois os dois tinham sido removidos quando ela era criança — e o efeito do anestésico passou muito antes do que deveria. Não era como se ela ainda estivesse na sala de cirurgia, mas foi enquanto a professora que a acompanhava no hospital ainda não havia chegado na ala de recuperação.

Ela recuperou a consciência assim que a enfermeira se afastou momentaneamente, não esperando que Cassie acordasse por mais alguns minutos, e, ao retornar, encontrou ela desperta e no meio de um ataque de pânico por acordar em um lugar desconhecido, sozinha.

Foi então que ela soube que, como ruiva natural, ela tinha uma espécie de resistência genética à anestesia e, portanto, precisava de uma dose mais alta do que a maioria das pessoas, o que o anestesiologista de plantão naquele dia aparentemente não havia levado em consideração. Quando a clínica agendou a coleta dos óvulos dela, ela fez questão de observar que era, de fato, uma ruiva natural.

Quando viram, era hora da última injeção. Cassie seguiu as instruções que vieram na caixa do medicamento para verificar a dosagem correta e fez o possível para guiar Toto no processo de aplicação. Ela não pôde deixar de pensar em como ele estava sendo gentil com as mãos enquanto limpava o local da injeção com o algodão embebido em álcool. Ela ficou na frente dele com a camiseta puxada para cima, expondo o local da injeção, enquanto ele estava sentado no sofá.

— Ok, agora, coloca ela direto em um ângulo de noventa graus. Você não vai ir muito longe, então não se preocupa com isso, então segura o botão de cima para baixo com o polegar até que todo o líquido saia do frasco.

Toto obedeceu, mas não antes de uma breve hesitação. Demorou algumas vezes até que ele tivesse coragem o suficiente para perfurar a pele de Cassie. Ela franziu as sobrancelhas e sibilou brevemente entre os dentes.

— Ok. Deixa por alguns segundos pra deixar tudo absorver — ela disse, com a voz tensa.

Quando Toto retirou a seringa, ele exalou pesadamente. Ele estava visivelmente estressado com a situação, o que fez Cassie se perguntar por que ele queria fazer isso em primeiro lugar. Ele parecia determinado, e parecia significar algo para ele, então ela não disse nada.

— Eu não te machuquei, né? — ele perguntou, olhando para Cassie. Sua expressão era de preocupação.

— Não, eu tô bem. É apenas uma picada momentânea. Você foi bem — ela disse, puxando a camiseta para baixo, sorrindo para tranquilizá-lo. Ela se sentou ao lado dele no sofá e apoiou a cabeça no ombro de Toto, tentando não pensar em como ele cheirava bem — Não falta muito, agora.

Toto passou o braço em volta dela, delicadamente a princípio, como se esperasse que ela rejeitasse seu toque, mas ela não o fez. Cassie parecia relaxar nele, então ele esfregou a mão para cima e para baixo em seu braço.

— Não — respondeu ele, baixinho — Não falta muito.

Eles permaneceram naquela posição por mais algum tempo, em completo silêncio. A sensação da mão dele deslizando por seu braço fez o coração dela bater lenta e pesadamente no peito. Sua pele, de repente, parecia muito quente.

Então, Cassie cometeu um erro. Provavelmente o maior erro da vida dela.

Ela ergueu o rosto para ele.

Toto estava olhando para a frente. Ele provavelmente estava pensando em algo que não necessariamente o preocupava, mas pela forma como seus lábios se contraíam, era algo que o deixava um pouco inquieto.

Com os olhos fixos nos lábios dele, Cassie imaginou qual seria o gosto deles, ou se seriam macios.

Bem, só havia uma maneira de descobrir.

Cassie se sentou um pouco mais ereta, tentando ignorar a tensão que crescia em sua barriga. No entanto, enquanto ela estudava onde seria a melhor posição para sua mão, Toto virou o rosto, sorrindo levemente.

— Tá tudo bem?

— Sim, tá tudo bem. Eu só tava pensando.

Os dedos dele continuaram a deslizar delicadamente para cima e para baixo no braço dela.

— Pensando sobre o que?

— Se nosso filho vai ter as suas covinhas.

Toto levou a mão livre à bochecha, seu sorriso se alargando.

— Talvez ele tenha. Acho que são genéticas.

— Espero que sim. Eu acho elas fofas.

Ele levantou uma sobrancelha.

— Você acha minhas covinhas fofas?

— Sim — ela respondeu — Essa é uma das razões pelas quais aceitei a sua oferta pra ser meu doador.

Toto riu. O som fez com que borboletas flutuassem no estômago dela.

— E eu achava que era por causa da minha altura.

— Foi um bônus, não vou negar. Sua altura e seu sorriso.

— Gosta do meu sorriso?

— Sim. Eu acho ele lindo — ela respondeu, em voz baixa.

Ele ficou em silêncio por alguns segundos, aparentemente tentando pensar em qual seria a resposta mais apropriada.

— O seu também é lindo, Cassie — Toto finalmente disse, antes de verificar o relógio em seu pulso — Bem, eu deveria ir pra casa. Estarei aqui mais cedo pra te buscar. E lembra, nada de comer ou beber.

Ela se afastou um pouco, dando espaço para ele se levantar. Cassie o seguiu até a porta, dando-lhe um beijo de despedida na bochecha. Ela fechou e trancou a porta assim que ele saiu. Ela se virou e, se vendo sozinha em seu apartamento novamente, soltou um longo suspiro.

Toto certamente a levaria à loucura em pouco tempo.

Cassie acordou bem antes de seu alarme tocar na manhã de segunda-feira, mas não conseguiu voltar a dormir. Ela não podia comer ou beber nada além de água, então ocupar-se em fazer algo para o café da manhã estava fora de cogitação. Ela havia tomado banho na noite anterior. Não fazia sentido fazer nada com o cabelo dela, a não ser prendê-lo em um rabo de cavalo, e ela não podia usar maquiagem.

Ela se sentia desorientada sem os passos habituais de sua rotina matinal, então apenas se sentou no sofá no escuro, navegando pelo Twitter e Instagram sem realmente absorver nada do que estava lendo. Pouco antes do horário combinado, ela vestiu uma calça de moletom confortável, um sutiã macio e uma camiseta. A clínica a tinha instruído a usar algo confortável para o procedimento.

Toto chegou precisamente às oito horas. Eles não trocaram muitas palavras no caminho até a clínica, com Cassie tentando se concentrar em sua respiração para se acalmar. Ela não pôde deixar de sentir que estava se mexendo demais, apertando e soltando a mandíbula.

Toto estacionou o carro e Cassie sentiu uma mão em seu ombro enquanto ela tentava sair.

— Ei — disse ele. Cassie virou a cabeça para olhar para ele. Seu rosto tinha uma expressão suave e afetuosa — Eu sei que você tá nervosa e te entendo. Este é um grande passo no processo, mas saiba que vou tá do seu lado o tempo todo.

Ela exalou, tentando liberar a tensão em seu pescoço e ombros.

— Eu sei — ela respondeu, recostando-se por um momento no banco do carona — E tô feliz que você esteja. Não sei como eu pensei que seria capaz de fazer isso sozinha.

Toto sorriu.

— Você pensou que poderia porque é corajosa. A mulher mais corajosa que conheço — ele disse, com a sombra de um sorriso no rosto — Agora vamos. Eles provavelmente tão esperando pela gente.

Assim que os dois entraram na clínica, tudo se tornou um borrão Os dois foram recebidos e levados para uma sala, onde ela se trocaria e aguardaria para ser levada para a sala onde seria realizado o procedimento. Ela vestiu o avental fornecido pela clínica no banheiro e colocou a touca cirúrgica sobre o cabelo ruivo, ouvindo um comentário bem-humorado de Toto.

Foi na sala de cirurgia que a ficha dela finalmente caiu. Em um canto, o médico lavava as mãos, enquanto no outro duas enfermeiras analisavam o prontuário. Ao lado dela, a anestesista organizava os últimos detalhes para sedá-la. Olhando para o teto, algo se revirou no estômago dela, a tensão percorrendo o corpo dela.

Mas Cassie não era a única pessoa tensa ali, considerando o quão forte Toto estava apertando sua mão.

— Toto? — ela perguntou baixinho.

— Sim?

Cassie hesitou por alguns segundos. Era uma pergunta boba, mas... Ela precisava saber.

— Você vai tá aqui quando eu acordar?

— Sim, Cassie. Eu não vou a lugar nenhum. Não se preocupa.

Um pequeno sorriso apareceu nos lábios dela. Gostasse ou não, era um alívio tê-lo ali.

Em seguida, a anestesiologista voltou-se para a maca em que ela estava deitada.

— Tá tudo bem, Cassandra? — a mulher perguntou.

— Sim, tô bem — respondeu Cassie.

— Vou fazer sua sedação agora. É uma anestesia leve, de curta duração, apenas pro procedimento. Apenas relaxe.

A anestesiologista colocou a agulha no acesso intravenoso dela e empurrou o êmbolo, uma sensação estranha no braço indicando que o medicamento estava entrando na corrente sanguínea dela. Com os olhos fixos no teto, Cassie se concentrou em respirar fundo, tentando relaxar, enquanto sentia o polegar de Toto acariciar a pele de sua mão.

O gesto fez com que ela olhasse nos olhos dele, deixando-se envolver pelo calor que emanavam, assim como pela estranha sensação de relaxamento que tomava conta de seu corpo. Com as pálpebras fechando lentamente, ela deixou a medicação tomar conta, mas com uma certeza.

Ela estava segura.

Quando Cassie recuperou a consciência, ela ainda sentia algo quente envolvendo sua mão. Com as pálpebras trêmulas, ela se viu na sala de recuperação, uma máquina barulhenta bem acima dela, monitorando seus sinais vitais. Ao lado da cama, Toto estava sentado, seus dedos envolvendo os dela enquanto o polegar dela traçava círculos em sua pele. Vê-lo ali, com ela, como ele havia dito, enviou uma onda de alívio através dela. Ele manteve a palavra dele.

Apertando a mão dele levemente, Toto virou o rosto, os olhos encontrando os dela.

— Você tá aqui — Cassie disse.

— É claro. Sempre vou estar.

Ela sorriu.

— Correu tudo bem?

— Sim, tudo correu perfeitamente, segundo a enfermeira. Você tinha vários óvulos maduros, então parece que temos muitas chances.

— Ótimo — Cassie disse baixinho — E com você, deu tudo certo?

Toto hesitou por alguns segundos.

— Não foi a experiência mais interessante da minha vida. Mas com certeza foi mais fácil que a sua, tenho certeza — ele respondeu.

Cassie riu, mas o movimento de seu corpo a fez sentir uma pontada na barriga, provavelmente onde o médico fez a incisão para inserir a cânula que aspirou seus óvulos. Sua expressão de dor claramente não passou despercebida por Toto.

— Tá tudo bem? Você tá com dor?

— Um pouquinho.

— Quer que eu chame a enfermeira pra ver se ela pode dar alguma coisa pra você?

— Não, eu tô bem.

Seus olhos estavam cheios de preocupação.

— Tem certeza?

— Sim. Eu vou ficar bem.

Os dois permaneceram em silêncio, de mãos dadas, enquanto a névoa da anestesia se dissipava da mente dela. Naquele intervalo, o médico responsável pelo procedimento entrou no ambiente, dirigindo-se para a cama onde Cassie estava deitada.

— Como você tá, senhorita Aldersey?

— Eu tô bem. Começando a me sentir mais alerta.

— Isso é bom. Vim aqui informar que coletamos vários óvulos de excelente qualidade e que servirão perfeitamente para o processo de fertilização.

Ela sorriu.

— Além disso, a amostra fornecida pelo senhor Wolff é de boa qualidade e também será utilizada nesta primeira rodada de fertilização.

— Muito bom — Toto disse, olhando para ela.

— Assinarei sua alta e você poderá sair logo. Vamos ligar pra atualizar você sobre a situação da fertilização e agendar a transferência do embrião.

— Perfeito — respondeu Cassie, sorrindo.

Depois de conversar com o médico, ela recebeu alta da clínica e Toto a levou de volta ao apartamento. Ele pegou a mão dela para conduzi-la até a escada dentro de seu prédio. Não era estritamente necessário, pois Cassie não estava tendo nenhum problema para andar, mas ela o deixou fazer isso de qualquer maneira.

— Vai deitar e descansar — Toto disse, depois de destrancar a porta do apartamento dela — Tá com fome? Posso fazer algo pra você comer, se quiser.

Cassie pensou por um momento. Ela não tinha comido nada desde a noite anterior, mas realmente não tinha muito apetite.

— Não, mas... Eu provavelmente deveria comer alguma coisa de qualquer maneira. Não como desde o jantar de ontem à noite — ela disse, indo para o quarto. Toto a seguiu e observou enquanto ela se deitava na cama, estremecendo um pouco ao se acomodar.

Toto hesitou por um momento antes de se aproximar de sua cabeceira, puxando o edredom de Cassie até o peito dela, endireitando e alisando os cobertores.

— Você tá bem? Você tá com muita dor? — ele perguntou, baixinho.

— Não, só um pouco dolorida, mas eu tô bem. Mesmo. É tão ruim quanto cólicas menstruais.

Toto olhou para ela com ceticismo, seus olhos escuros ainda cheios de preocupação.

— Eu tô bem! Sério — Cassie disse, tentando esconder um sorriso.

— Ok... Se você diz. Bem, me deixa pelo menos procurar algo pra você comer, então — Toto disse, lançando-lhe um olhar de soslaio enquanto se levantava — Alguma preferência em particular?

— Não — Cassie disse — Nada muito pesado, suponho, mas o que você encontrar na cozinha. Não vou no mercado há alguns dias.

— Ok. Você relaxa e eu volto daqui a pouco — Toto falou por cima do ombro, saindo do quarto de Cassie e fechando a porta parcialmente atrás de si.

Ela olhou para a porta do quarto, percebendo que estava corando um pouco. Fazia muito tempo que ninguém a tratava com o tipo de afeição e bondade que Toto demonstrava com ela. A maneira como ele segurava a mão dela para confortá-la enquanto ela adormecia para o procedimento e, assim como prometido, quando ela despertou, estavam marcadas na mente dela. Ela não pôde deixar de notar, mesmo em sua confusão pós-anestesia, a forma como o alívio se espalhou por suas feições quando ela abriu os olhos na ala de recuperação.

Ela gostava dele como chefe desde o dia em que ele começou na Mercedes. Ela gostava dele como amigo e confidente há três anos, mas agora estava começando a sentir algo diferente por ele, mas estava com muito medo de colocar um nome naquilo, pelo menos por enquanto. "Provavelmente são apenas todos os hormônios e medicamentos", pensou Cassie.

Ela começou a se sentir um pouco sonolenta enquanto ouvia os sons dele trabalhando na cozinha. Ela deixou seus olhos se fecharem com o som dos armários abrindo e fechando, bem como da torneira da cozinha aberta. Mas, o rangido da porta de seu quarto a acordou novamente. Ela olhou para cima para vê-lo na porta, sombreado pela luz que vinha da sala de estar.

— Ah, desculpa, não queria cochilar — ela disse, se sentando um pouco. Toto pareceu perceber a maneira como suas sobrancelhas se franziram um pouco de dor enquanto ela se erguia. Ele colocou a tigela, o prato e o copo cuidadosamente na mesinha de cabeceira ao lado da cama de Cassie. Havia um segundo travesseiro do outro lado do que ela estava usando, então ele estendeu a mão, praticamente sem esforço, e o pegou, afofando-o um pouco antes de colocá-lo atrás da cabeça dela. Cassie se inclinou para a frente e o deixou reorganizar as coisas um pouco antes de se acomodar, agora sentada ereta.

— Confortável? — Toto perguntou.

— Sim, obrigado.

— Ótimo — ele disse, sentando-se na beirada da cama de Cassie e estendendo a mão para pegar os dois comprimidos que estavam no prato e o copo d'água — Fiz uma sopa pra você e trouxe algo pra dor. Pegue estes, primeiro.

Cassie pegou os comprimidos do prato e os colocou na boca sem discutir, colocando o copo d'água na mesa de cabeceira. Toto, então, entregou a sopa no prato em que a tigela estava equilibrada, tomando cuidado para não derramar o conteúdo.

— Obrigada. Você não precisa fazer tudo isso por mim, sabe... Embora eu tenha gostado da carona pra casa. Isso teria sido um pouco difícil sozinha — ela sorriu um pouco, olhando para sua tigela de sopa, mexendo o líquido.

— Ah, sim — disse Toto, acariciando gentilmente o joelho de Cassie por cima dos cobertores — Eu disse antes de começarmos esse processo que eu te apoiaria incondicionalmente, e isso inclui coisas como fazer o almoço pra você, garantir que você esteja confortável e fazer companhia enquanto você se recupera desses procedimentos.

Cassie sorriu enquanto comia a primeira colherada da sopa.

— Bem... Eu aprecio isso, independentemente. É... É bom ter você aqui.

— O prazer é meu, de verdade.

Toto olhou ao redor do quarto de Cassie. A decoração era muito moderna, muito minimalista — todas as linhas eram limpas e de cores frias e neutras, principalmente cinza, preto e branco, com exceção de uma parede de destaque verde sálvia que combinava com o edredom em sua cama. A mobília era toda um conjunto combinado de peças pretas simples.

A única coisa que o impedia de parecer um quarto de hotel era a estante. As prateleiras inferiores estavam cheias de livros. Alguns deles tinham lombadas grossas e encadernação de couro. Alguns dos títulos estavam em inglês, alguns estavam em texto que parecia grego e latim, alguns deles com lombadas coloridas de aparência mais moderna.

As poucas prateleiras superiores tinham alguns objetos em exibição — um cavalo de brinquedo com uma pequena fita azul em volta do pescoço, uma réplica em miniatura de um vaso grego, pequenas esculturas de vidro soprado, uma jarra cheia do que parecia ser vidro do mar. Havia um cachecol listrado de roxo e branco pendurado no topo da estante, com um diploma emoldurado da Universidade de Cambridge. Havia algumas fotos em molduras pretas simples. Ele viu uma foto de toda a equipe Mercedes, tirada na comemoração do Campeonato Mundial de Construtores há alguns meses, que o fez sorrir.

Mas outra das fotos chamou a atenção de Toto.

Era a foto de uma garotinha, com longos cabelos ruivos ondulados e brilhantes e grandes olhos castanhos. Ela estava usando um vestido de algodão azul claro com gola branca. Ela estava segurando uma torta em miniatura e sorrindo amplamente para a câmera, uma grande lacuna em seus dois dentes da frente.

Toto se levantou para olhar mais de perto. Havia outras fotos com a mesma garotinha. Em uma delas, ela estava bem vestida em um traje equestre com o cabelo penteado para trás, parada na frente de um cavalo cinza malhado, segurando um pequeno troféu. Em outra, ela estava sentada entre outras duas crianças, ambas loiras. Um deles era um garoto de aparência séria que parecia alguns anos mais velho. A outra era uma menina menor. Todos eles estavam vestindo roupas combinando. Toto pegou a foto da prateleira, trazendo-a de volta para a cama de Cassie. Ele se recostou suavemente na beirada do colchão.

— É você quando era mais jovem?

Cassie levantou os olhos de sua tigela de sopa para ver a foto na mão de Toto.

— Ah, sim. Essa sou eu com meu irmão e minha irmã. Esse é o Jason — disse ela, apontando para o menino — Ele é dois anos mais velho que eu, e a Helena, é dois anos mais nova.

— Não sabia que você tinha irmãos — Toto disse — E, é você na foto com o cavalo também? Você ainda cavalga?

Cassie suspirou.

— Não... Foi uma coisa que meus pais meio que me obrigaram a fazer. Eu gostava, mas nunca fui exatamente apaixonada por isso — ela desviou o olhar dos olhos de Toto, parecendo fixar um ponto no meio de sua cama — O meu... Pai é um criador de cavalos puro-sangue. Ele é dono de um estábulo bem grande em West Sussex. Ele produziu muitos cavalos campeões, principalmente pra hipismo, mas ele também teve alguns cavalos de corrida de muito sucesso. Ele até vendeu alguns pra família real ao longo dos anos.

Toto ergueu as sobrancelhas.

— Não fazia ideia de que sua família era tão... Bem relacionada.

Cassie suspirou e revirou os olhos.

— Eu realmente nunca falo sobre eles com ninguém, porque, como eu já disse antes, eu realmente não falo com eles. Eles tinham um... Como devo dizer isso? Um plano muito específico sobre o caminho que eles queriam pra minha vida. À medida que cresci e comecei a tomar minhas próprias decisões, acabou que minha própria visão para minha vida não se alinhava exatamente com a deles, então...

Toto não sabia o que dizer, então esperou um momento, mas Cassie continuou.

— Minha família é... Bem... Tanto minha mãe quanto meu pai vêm de famílias inglesas aristocráticas muito antigas. O meu avô paterno teve na Câmara dos Lordes por muito tempo, e o pai da minha mãe era um barão. Meu tio Ulysses é um barão, então a minha mãe, a tia Sybil e a tia Penélope têm o título de "Lady".

— Interessante...

— Fui criada em torno de tudo isso e sempre achei tudo muito bobo e sufocante. Eu fui pra um colégio interno quando era mais nova, e então meus pais me deixaram, sim, me deixaram ir pra Cambridge pra estudar porque eles pensaram que eu conheceria um bom garoto inglês de classe alta e de uma boa família, o que quer que isso signifique, e eu me estabeleceria e teria minha própria ninhada de filhos pra ser criada por babás e governantas até que tivessem idade suficiente pra serem enviadas pra um internato.

— Oh...

— Enquanto isso, eu ficaria em casa e planejaria almoços e eventos de caridade enquanto meu marido inglês educado em Cambridge passaria o tempo caçando raposas ou jogando polo com todos os outros rapazes de Oxbridge antes de voltar pra casa e transar comigo enquanto pensa em foder a amante.

Toto levantou uma sobrancelha.

— E depois que terminasse, sem pensar nos meus sentimentos, é claro, ele iria dormir num quarto separado pra que eu não o perturbasse enquanto ele dorme como um bebê, se preparando pra ignorar sua esposa e filhos no dia seguinte, indo supostamente trabalhar, mas pensando mesmo em foder a própria secretária.

Enquanto falava, ela ficava cada vez mais irritada, algo claro no seu tom de voz.

— Eu não queria nada disso. Eu queria viver minha própria vida, ter minha própria carreira, ter amigos que não estivessem todos no mesmo círculo social. Eu nem tinha certeza se queria me casar ou ter filhos. Por muito tempo, eu não quis. Então, entrei no curso de administração no meu terceiro ano em Cambridge, me formei e consegui um estágio de marketing na Mercedes logo depois que a Daimler assumiu. Meus pais, é claro, ficaram horrorizados, ainda mais quando me ofereceram um emprego permanente. Depois de muitas brigas por tudo isso, nós simplesmente paramos de nos falar. Os únicos membros da família com quem realmente falo são minha irmã Helena e minha tia Sybil.

O silêncio cresceu entre eles por alguns segundos. Cassie tomou outra colherada da sopa.

— Sybil, Helena, Jason, Ulysses, Penelope, Cassandra... Acho que sua família tem uma queda por clássicos — Toto disse. Sua voz era calma e suave.

Cassie riu um pouco.

— Sim. É uma tradição na família da minha mãe usar nomes da antiguidade clássica. É tudo muito elitista, honestamente, mas não posso falar muito sobre isso. Estudei Literatura Clássica em Cambridge antes de iniciar o curso de administração. Mas, verdade seja dita, sempre achei Cassandra uma boa escolha pro meu nome, tendo em vista que ninguém da minha família jamais acreditou em mim. E o cabelo ruivo também foi uma coincidência engraçada. Aquela ânfora ali — disse ela, apontando para o vasinho na estante — Foi um presente de formatura do meu professor favorito na universidade, porque tem Cassandra e Ajax nela. Eu pensei que era uma escolha estranha, dado o evento retratado nela, mas suponho que ela se vingou dele no final.

Toto riu.

— Então, isso significa que teremos uma Hera ou um Hector em breve?

Cassie revirou os olhos.

— Não. Por Deus, não. Não há muitas tradições familiares que pretendo continuar com nosso filho, incluindo essa. Gosto de alguns nomes clássicos, mas acho que é hora de algo novo.

— Bem, se você quiser algumas ideias diferentes, minha família tem uma espécie de tradição com nomes também. Não sei quando começou, mas o nome do meu pai era Sven, o do meu avô é Olaf e meu nome completo é Torger, que significa 'martelo de Thor'. E eu tenho um tio chamado Ivar. O lado da família do meu pai é da Romênia, então não sei por que todos nós acabamos com nomes nórdicos. Podem ser apenas os homens, porque o nome da minha irmã é Liliana, e isso não é nórdico — Toto pôs a mão sobre a de Cassie, acariciando suavemente as costas dela com o polegar — Mas, temos muito tempo pra decidir. Afinal, ela é só um óvulo em um laboratório agora.

Cassie sorriu.

— Ela, hein? Você quer uma filha?

— Suponho que, em última análise, não tenho preferência. No entanto, você sabe que tenho três sobrinhos pequenos, filhos da Lili. Eu os adoro, mas sei como meninos podem ser. Eu costumava ser um, você sabe. E cuidei bastante da minha irmã quando éramos jovens. Acho que, sempre que me imaginava tendo um filho, geralmente imaginava uma garotinha.

— Eu tô surpresa — disse Cassie — Eu esperava que você quisesse um garotinho pra passar seu amor por carros e corridas.

Toto sorriu novamente.

— Bem, não há razão pra uma garotinha não amar carros e corridas, não é?

— Suponho que seja verdade.

Cassie se mexeu um pouco, pegando o prato com a tigela de sopa que estava sobre ela, equilibrada em uma de suas coxas enquanto ela e Toto conversavam.

— Acho que acabei com isso — disse ela — Já esfriou, de qualquer maneira.

Ela se moveu para se descobrir, mas Toto se levantou e pegou os pratos de suas mãos.

— Oh, me deixa pegar pra você, por favor, não se levante. Vou colocar isso — ele disse, pegando a foto emoldurada — De volta à sua estante também pra você.

Toto moveu-se habilmente, colocando a foto de volta em seu devido lugar e levando os pratos e o copo de água para fora do quarto de Cassie. Ela ouviu o som de água escorrendo da pia da cozinha e o som da prateleira do lava-louças sendo puxada.

Ela começou a se sentir um pouco sonolenta enquanto Toto se mexia na cozinha, mas também esperava que ele voltasse logo. Ela não precisou esperar muito, porque ele apareceu novamente em sua porta, com outro copo de água na mão.

Ele colocou o copo de volta na mesa de cabeceira, junto com mais dois comprimidos de paracetamol.

— Tenho que voltar pra casa pra terminar algumas coisas antes de amanhã — ele disse, ajoelhando-se ao nível dos olhos de Cassie ao lado de sua cama. Ele pegou a mão dela, acariciando-a suavemente de novo — Você precisa descansar um pouco mais. Trouxe algo pro caso de sentir mais dor. Eu sei que o médico disse que você pode voltar ao trabalho amanhã se tiver disposta, mas, por favor, tire uma folga e relaxe. E... Se algo acontecer, qualquer coisa, por favor, me ligue. Posso passar aqui pra ver como você tá depois do trabalho também, se quiser.

Toto moveu-se para se levantar novamente, pressionando um leve beijo no alto da cabeça de Cassie.

— Durma bem.

Ele se virou para sair da sala.

— Espera — disse Cassie.

Toto parou na porta e se virou.

— Obrigada de novo... Por tudo hoje — ela disse. Ela não conseguia olhar diretamente para ele.

Toto sorriu.

— Por favor... É o mínimo que posso fazer. Bom descanso... Cassandra.

Cassie ficou feliz por Toto ter se virado e fechado a porta do quarto depois disso. Dessa forma, ele não veria o quão profundamente ela estava corando quando se deitou e puxou o edredom até os ombros. A maneira como ela se sentia a pegou de surpresa. Ela começou esta aventura pensando em Toto como seu chefe, seu amigo e um bom copai para o filho que ela queria.

Mas era inegável naquele momento.

Ela estava se apaixonando por ele.

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