A cura

De PG2022

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Um conto de fantasia e mistério, no qual a vida de uma criança dependerá das visitas misteriosas de uma estra... Mais

Nota da autora
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12

Capítulo 1

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De PG2022

Essa não é só mais uma história sobre aristocratas e suas aventuras. Embora essa história tenha um conde como protagonista e aconteça nos arredores de um castelo, ela é mais do que uma aventura de época. Essa é uma história sobre confiança, sobre magia, sobre fé e amor.

Essa história aconteceu há muitos anos e até hoje é contada de pais para filho na hora de dormir. Essa é a história de ninar preferida das crianças, pois, ainda que não saibam se de fato ela aconteceu, não há nada que indique o contrário.

Assim, todas as noites algum pai se senta na cabeceira da cama de seus filhos e inicia a narrativa:

Era inverno e os dias amanheciam com densas névoas entre as árvores e os jardins; as tardes eram recheadas pelos ventos frios e tímidos raios de sol; e as noites cortavam a pele como gelo.

Era nessa época do ano que o céu ficava mais limpo e era possível observar todas as estrelas daquele hemisfério. O melhor local para observar o céu era nas terras do Castelo das Flores. O castelo ficava no topo da colina e seus fundos eram protegidos por uma floresta. A florestas densa circundava um grande lago de águas escuras, que, nas noites de inverno, formava um espelho do céu.

O castelo pertencia ao terceiro conde da linhagem dos Cicekler, Erick Theodore de Cicekler. O conde era conhecido por passar a maior parte das suas noites observando as estrelas; fosse durante as agradáveis noites de verão, fosse lutando contra as rajadas cortantes dos ventos congelantes de inverno. E foi em uma dessas noites congelantes que a vida do conde mudou drasticamente, pela terceira vez.

Erick estava nos limites da sua propriedade, entre a floresta e o castelo, quando a pequena Alice, sua filha de seis anos, teve o primeiro episódio de agonia.

Os primeiros gritos de dor vieram quando a paralisia das pernas e quadril atingiram o tronco do corpo diminuto da criança. Alice estava dormindo quando as dores começaram e tudo parecia um pesadelo. O acontecimento foi tão repentino que os empregados ficaram paralisados na posição de suas atividades por alguns segundos antes de perceberem que precisavam fazer alguma coisa.

O primeiro a agir foi o chefe da criadagem e mordomo do conde, Alfred. Ele se apressou até o terceiro andar, dando ordens para os empregados que encontrou no caminho. Era preciso avisar o conde.

Antes que alguém se mexesse para cumprir as ordens de Alfred, porém, a porta de entrada abriu com um estrondo e o conde surgiu no vestíbulo.

-- O que está havendo?!

-- Não sabemos, senhor. - Alfred endireitou o corpo ao ver o patrão. - Estava indo até o quarto da pequena patroa agora.

O conde largou os equipamentos de observação no chão e subiu a escada de dois em dois degraus, com Alfred em seu encalço. Foi a primeira vez que ele amaldiçoou a "sorte" de ter um castelo. Isso tornava a distância entre os cômodos terrivelmente maiores.

Ao se aproximar da porta do quarto da filha, no terceiro andar, o conde podia distinguir nitidamente os gritos de Alice. Ele escancarou a porta e a viu contorcendo os ombros enquanto tentava se mexer sob os lençóis.

-- Querida, estou aqui. - o conde disse, sentando-se na cabeceira e envolvendo seu corpo, trazendo-a para junto de si.

Alice não parecia perceber sua presença. Seu pequenos braços e pernas tinham espasmos compassados e a cada contração ela emitia mais um gemido de dor. Os cabelos castanhos, iguais aos da mãe, grudavam na testa e no pescoço, banhados de suor.

A porta se abriu e a Condessa Viúva entrou. Sua aflição era parcialmente escondida pela expressão neutra e fria, que esbanjava eficiência. Duas criadas a acompanhavam, segurando tachos de água quente e toalhas.

-- Erick! Ainda bem que você voltou. Já chamei o médico local, mas as estradas estão escorregadias pelo gelo, então ele deve demorar. Trouxe compressas quentes para amenizar as dores.

-- O que ela tem, mãe? O que é isso?! - Erick balançou a filha nos braços, tentando diminuir os espasmos.

Um pequeno temor surgiu nos olhos da Condessa Viúva, algo que não passou despercebido por Erick, mas ela limitou-se a responder:

-- O médico nos dirá. Por enquanto, deixe-me fazer o que é possível.

A Condessa Viúva puxou o filho da cama sem cerimônias e sentou-se ao lado da neta. Metodicamente, ela mergulhou a toalha no tacho de água quente e banhou o corpo da menina. Erick observava a cena, tentando decifrar, sem sucesso, os sintomas que Alice expunha. A única coisa que via era a expressão de dor e os espasmos do corpo.

Depois de um tempo, os espasmos pareceram diminuir, mas as dores não. Os olhos de Alice as vezes se abriam, mas ela não parecia estar consciente. O suar parecia ter diminuído, mas seu estado ainda era febril. Por vezes sua voz fraca chamava o nome da mãe, cortando o coração de todos no quarto.

O conde olhou pela janela, em uma busca inútil por movimentação nos arredores do castelo.

-- Onde está esse maldito médico? - ele rosnou.

-- Já disse que as estradas estão dificultando a chegada dele. Não podemos fazer nada além de esperar. - a Condessa Viúva respondeu.

Erick apertou as mãos em punho, com raiva e socou o parapeito da janela, assustando uma das empregadas que torcia as toalhas ao lado da cama.

- Deixe de ser infantil, Erick. - a condessa disse ríspida. -- Não conseguirá nada agindo irracionalmente e nem verá nada nessa janela além da floresta.

Erick trincou os dentes para não responder nada inadequado para a mãe, mas permaneceu olhando para fora. A extensa floresta contornava os fundos do castelo e parecia viva. Os topos das árvores seculares que a formavam reverenciavam o castelo, cedendo à força do vento. Da altura em que estava, o conde conseguia ver uma das margens do lago negro no interior da floresta. Certamente o médico não viria por lá, a estrada ficava diretamente ligada ao caminho que levava à frente do castelo. Ainda assim, Erick não conseguia desviar os olhos da floresta e da dança ritmada que as árvores pareciam criar. Olhar para a floresta parecia ser a única coisa capaz de amenizar a angústia que crescia em seu peito.

Em um momento estava nos limites de sua propriedade, catalogando as estrelas; no momento seguinte estava com medo de perder a única coisa no mundo que realmente lhe importava. De repente, uma necessidade irracional de clamar por socorro se apoderou dele ao perceber o quanto ele estava impotente e era um inútil diante da dor inexplicável da filha. Uma oração que havia aprendido quando era criança veio à sua mente. Sem perceber, ele começou a recitá-la baixinho, sem tirar os olhos da floresta.

A floresta continuava a dançar à sua frente, ritmando-se com as palavras de sua oração. Mesmo com a escuridão da noite ele pode jurar que as águas do lago se agitavam. A oração aos poucos ganhou ritmo e harmonia e não parecia mais sair de sua boca. Agora, ela transformou-se em uma canção simples, proveniente de outro lugar.

Ela era estranhamente familiar e tornou-se mais intensa, vindo da floresta, trazida pelos ventos. O conde voltou a recitar sua oração, mesclando-a com a canção, até que um facho de luz emanou por entre as árvores. Foi muito rápido e efêmero, mas o conde sabia que era real.

No mesmo instante os gemidos de dor cessaram. A música e a oração também se foram e o silêncio reinou no quarto. O conde deu as costas para a janela e viu o corpo de sua querida Alice relaxar. Seu rostinho tranquilizou-se e um sono profundo a dominou.

Erick olhou para sua mãe e viu o quanto a condessa estava transtornada. Uma expressão que não via há muitos anos nos olhos da mãe, desde... desde quando ele próprio tinha a idade de Alice.

Uma das regras da Condessa Viúva era jamais deixar transparecer emoções na frente dos criados ou de qualquer outra pessoa que não fosse seu marido. Sua vida particular, seus pensamentos e suas emoções diziam respeito apenas a ela e jamais deveriam ser expostos. Um aristocrata jamais revelaria seus pensamentos e sentimentos por outro modo que não fosse a falada. Essa regra deveria ser seguida por todos os membros da família, mas foi uma lição que a condessa falhou miseravelmente em ensinar para Erick.

Erick era um livro aberto e não se importava. Com uma expressão deixava claro seu contentamento ou seu desprezo, e isso lhe era muito útil na administração das suas propriedades e nas discussões da faculdade. Mas o atrapalhava terrivelmente nos encontros sociais que sua mãe promovia.

Ver que sua mãe sem conseguir esconder sua emoção o alertou para algo muito perigoso e o fez perceber a gravidade da situação. Ele não sabia o que havia acontecido naquele quarto com Alice, mas sua mãe certamente tinha um bom palpite. Sem precisar de palavras, Etick deixou claro para mãe que que teriam que conversar. A Condessa Viúva ouvira a oração de Erick e percebera a música. Mais do que isso, Erick percebeu que a mãe também havia reconhecido a música.

O conde foi novamente até a janela e olhou para a floresta, que agora parecia um a paisagem pintada à olho. Estava imóvel, quase sem vida. O vento havia cessado, as águas do lago estavam calmas e não havia qualquer luz entre as árvores.

Olhou para o céu estrelado e iniciou uma nova oração, dessa vez silenciosa, para agradecer a melhora de sua filha, pelo menos aquela noite.

A porta do quarto se abriu e Alfred entrou.

-- Senhor, o médico chegou.

-- Vou recebê-lo. - a Condessa Viúva disse de imediato e saiu com o mordomo, seguida pelas criadas.

Erick ficou sozinho no quarto com a filha. Ele se aproximou da cama e deu um beijo na testa da filha, sussurrando palavras de carinho. Alice mexeu o corpo sob os lençóis para ficar mais confortável, mas continuou adormecida.

Assim que ele saiu do quarto, o ventou voltou a assobiar lá fora, forçando as portas da janela. Por entre as frestas, uma névoa brilhante entrou no quarto e se espalhou sobre a cama. Uma borboleta amarela surgiu de dentro da névoa e pousou sobre a mesa ao lado da cama.

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