A Chantagem (Adaptação)...

By DamianaSilvaa

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Camila Cabello é uma advogada competente e ambiciosa, uma mulher independente que não guarda espaço na sua vi... More

Introdução
1 - Negócio Fechado
2 - Caixas e Pacotes
3 - Remorso
5 - Fotos e lembranças
6 - Faz de Conta
7 - Brigas e Telhados
9 - Outras Intenções
10 - Surpresa Desagradável
11 - Fale a Verdade
12 - Na Cama
13 - Tempo e Decisões
14 - Duas Visitas
15 - Dor e Carinho
16 - A Festa
17 - Discussões
18 - Feriado
19 - O que ninguém viu
20 - Desencontros
21 - Planos
22 - Morangos
23 - Ela já foi
24 - Eu Também Te Amo
25 - Epílogo
Nota.

8 - Pequenas Confições

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By DamianaSilvaa

Não cheguei a bater a cabeça. Mas meu tornozelo estava além de qualquer salvação e o braço por cima do qual eu caí também já tinha visto dias melhores.

Lauren demorou menos de dois minutos para chegar até o quintal dos fundos. Com calças de moletom cinza e  eu vi ela pular os degraus que separavam o pórtico do gramado. Max chegou primeiro e, por incrível que pareça, não pulou em cima de mim, nem tentou me lamber. Era estranho, mas ele parecia saber que eu estava machucada e que não seria apropriado se jogar em cima de mim.

Valeu, Max.

- Camz! Camila! Ai, meu Deus. Você está bem?

Ela estava ofegante quando se ajoelhou ao meu lado e me tocou com cuidado,
indecisa se deveria ou não tentar me levantar.

- Você machucou a cabeça? Ou o pescoço?

Mas eu estava bem. A queda foi alta, mas não tão alta.

- Estou bem. - tentei me levantar, mas Lauren queria que eu ficasse quieta.

- Acho que você não devia se mover. - ela tinha a mão sobre o meu estômago, me mantendo deitada.

Meu vestido tinha subido um bocado e eu tinha certeza que minha calcinha devia estar quase a mostra.

Mas Lauren já tinha me visto nua me masturbando, quase perdendo a toalha para um cachorro e em cima de um telhado assistindo ela se acariciar. Olhando em retrospectiva, deixar minha calcinha a mostra para Lauren quase irrelevante.

- Estou bem, é sério. - tirei sua mão da minha barriga e me levantei.

Eu ia dizer que tinha uma resistência bem alta para dor e que só precisava de um analgésico, mas levantar exigiu mais forças do que eu imaginei que ia precisar e, de repente, meu tornozelo e meu pulso estavam latejando horrendamente com uma dor insuportável e eu gemi involuntariamente.

- Você não está bem. Precisa ir para o hospital.

Eu ter conseguido me sentar convenceu Laure  de que minha cabeça, pescoço e coluna vertebral estavam bem e ela enfiou os braços por baixo das minhas costas e coxas e me levantou no ar.

- Eu acho que consigo andar. - reclamei chorosa. - Não gosto que me carreguem. Me coloque no chão.

- Cala a boca, Camz. - tinha um tom evidente de preocupação em sua voz e meu corpo foi preenchido por uma sensação quente e agradável.

Tinha alguém cuidando de mim para variar. Era interessante.

Ela me colocou no banco da frente do carro e correu de volta para dentro de casa para buscar um casaco e prender o cachorro e foi só então que eu percebi que poderia ter aproveitado para espalhar meus dedos pelos seus músculos, sentir o calor da sua pele e experimentar mais toda a arte de toques proibidos que a situação permitiria. Mas eu estava com muita dor e meu cérebro priorizou as coisas erradas.

Ela acelerou pela rua e os moleques abriram passagem para o carro antes de voltar a jogar bola. Segurei meu pulso e percebi que a possibilidade dele ter quebrado era considerável.

- O que está sentindo? - Lauren repetia a cada quatro segundos.

- Pode ser que eu tenha quebrado o braço. Mas estou bem, é sério. Já quebrei o braço antes. Não é nada demais.

- Tem certeza?

Eu não sei bem como funciona essa coisa de se machucar e ter alguém para cuidar de você, mas estava começando a parecer que dava mais trabalho do que se machucar sozinha.

Eu tinha que respirar fundo, controlando a dor e ao mesmo tempo dar um discurso de incentivo atrás do outro para uma Lauren que parecia mais assustada do que eu. Se eu estivesse sozinha ia poder gritar de raiva até chegar ao hospital.

- Tenho. Tenho certeza.

- Estamos quase chegando.

- Calma! Não precisa nos matar em um acidente de trânsito só porque eu me machuquei.

- Só porque você se machucou? Você está falando como se tivesse se furado com uma agulha. Karla, você caiu do telhado.

- Estou perfeitamente ciente disso, Michelle. Mas estou bem.

- Você tem certeza?

A dor era grande mas eu comecei a rir.

- Tenho. Pela centésima vez.

- Está rindo? - ela pareceu chocada. - Você não está sentindo dor? Está rindo do quê?

- Estou rindo de você.

- Desculpe se estou preocupada com você. -seu tom era sarcástico e ofendido, mas um pouco mais tranquilo.

- Está desculpada. - ri de novo e dessa vez ela me acompanhou.

- Não sei porque me preocupo. Você é o indivíduo mais duro que eu conheço.

- Obrigada, querida. - ela se acalmou e eu tive tempo para me concentrar na minha dor o que acabou sendo uma coisa ruim.

Eu devo ter gemido porque Lauren voltou a me perguntar se eu estava bem.

Dizer que ela "estacionou o carro” seria gentileza. Ela largou seu Porsche Boxster S em uma vaga de qualquer jeito e pulou pra fora do carro.

Abriu minha porta e já ia enfiar os braços por baixo do meu corpo para me levantar mais uma vez quando eu a impedi com meu braço bom.

- Eu vou andando.

- Você machucou o pé.

- Pela última vez, Michelle: eu estou bem. Foi só uma queda sem jeito. - coloquei as pernas para fora do carro e me pus de pé. A dor foi tão grande que meu mundo inteiro girou.

Ainda bem que meu orgulho é invencível, ou eu teria desmaiado ali mesmo.

- Você é teimosa ao cubo, mulher. Deixe pelo menos eu trazer uma cadeira de rodas.

- Bobagem. - sussurrei para que ela não ouvisse a dor em minha voz - Estou perfeitamente bem.

Coloquei um pé atrás do outro como se fosse um bebê que acabou de aprender a andar e ainda não está completamente seguro de que sabe fazer aquilo sem cair.

- Karla, pare de ser tão teimosa, por favor. - Lauren resmungava atrás de mim enquanto eu continuava com meus passos tímidos e audaciosos em direção a porta de entrada do hospital. - Você vai acabar prejudicando seu pé ainda mais.

Resistir a dor exigia toda a minha força e os discursos irritantes de Lauren  começaram a pinicar minha alma. Eu queria que ela calasse a boca.

Passamos pelo gramado e chegamos ao asfalto da entrada de ambulâncias. Ela
tentava me apoiar pelo braço e me ajudar a caminhar, mas agora que eu já tinha me comprometido a agir como se estivesse bem, eu ia até o fim. Recusei sua ajuda e asentir expirar atrás de mim.

- Pare de agir como uma criança! Deixe, pelo menos, que eu te peço ajuda.

- Ah, cale-se, Jauregui! - minha voz saiu mais doída que indignada e eu me odiei por isso - Já estou quase lá. Já teria chegado se você não ficasse me interrompendo o tempo inteiro pra dizer que eu preciso…

Senti seu braço nas minhas pernas e ela me levantou contra minha vontade. Acho que deve ter, finalmente, percebido que é mais fácil simplesmente fazer algo do que tentar argumentar contra mim. Não há vitória em uma argumentação contra mim.

Cruzei a porta de entrada do hospital gritando e mandando que ela me largasse.

Acho que o escândalo pode ter sido um pouco desnecessário porque dois policiais se aproximaram imediatamente.

Eu ainda estava me debatendo contra Lauren quando me colocaram em uma cadeira de rodas.

- O que houve aqui?

- Nada. Ela se machucou. - Lauren explicou pegando os cabos da cadeira de rodas para me empurrar.

- A senhora poderia, por favor, se afastar da senhorita?

- Com licença? - Lauren soou indignada.

- Poderia, por favor, se afastar? - o policial respondeu. Seu parceiro se aproximou de mim.

- A senhorita está bem? O que houve?

- Eu caí. - expliquei.

Entre o susto de ser carregada contra minha vontade, o orgulho ferido e a aproximação súbita dos polic iais, minha convicção falhou momentaneamente e o policial Danver deve ter ouvido isso no meu tom.

- Essa senhora machucou a senhorita ou tocou em você contra sua vontade?

Bem… aquela era uma pergunta sem uma resposta satisfatória.

- Karla… - Lauren parecia ofendida, surpreso e incrédula.

- Não. - afirmei categoricamente. Minha convicção começando a retornar. - Você está louco?

Uma enfermeira se aproximou e começou a me perguntar o que houve.

- Eu caí. - expliquei mais uma vez - Acho que machuquei meu pulso e meu tornozelo.

Ela queria as informações do meu plano de saúde, disse que o médico já iria me atender e olhou ao redor perguntando por acompanhantes.

- Estou com ela. - Lauren disse. Mas o policial ainda não estava deixando que ela se aproximasse de mim.

Lauren olhou para o homem fardado com fúria nos olhos. Eu queria avisá-lo de que era melhor ele deixar Lauren passar de uma vez.

Não é saudável irritar uma advogada desse jeito, colega. Confie em mim.

Principalmente uma que tenha uma taxa de vitórias de 93%.

- Ela está comigo. - a enfermeira olhou de mim para Lauren.

- A senhora é da família?

Ela manteve a boca aberta por uma fração de segundo enquanto pensava no que responder.

- Não. - disse finalmente - Sou uma colega de trabalho. Estava só trazendo ela até aqui. - virou-se para o policial.

- Então, não pode entrar, ainda. - ela me rolou para longe de Lauren e eu fiquei sem ação.

- Preferia se ela pudesse me acompanhar. - olhei para ela - Ela achou que meu pé estava pior do que está, me carregou de surpresa e eu me assustei. Por isso estava gritando.

- Vamos deixar que os policiais resolvam isso, sim? Agora, temos que cuidar de você.

Tentei me esticar para ver Lauren atrás dela, mas já estávamos longe e eu não conseguia mais ver o hall de entrada.

Eu não devia me preocupar com ela. Lauren é uma mulher bem crescida, ela consegue se virar sozinha. E como ela, obviamente, não tinha me machucado, a única pessoa que merecia pena era o policial e seu parceiro, caso resolvessem insistir naquilo. Lauren os arrastaria em uma ação de danos morais e arrancaria até seus órgãos como pagamento.

Mas ainda assim… Eu estava preocupada. Não me agradava ter causado um inconveniente daqueles para ela.

Principalmente quando Lauren só estava tentando me ajudar.

Ótimo.

Eu não só estava atraída por ela. Estava começando a me importar também.

Maravilha.

***********************************

A enfermeira estava me tirando da sala de raio-x e me explicando que os policiais iam querer falar comigo assim que o doutor Henris acabasse de me examinar. Eu disse que tudo bem e percebei que estava mais ansiosa para resolver o problema de Lauren do que o meu. Isso era, no mínimo, estranho.

O corredor era limpo, branco e elegante, com grandes vasos ornamentais a cada esquina. Viramos a direita e meu olhar seguiu para além de uma das portas de vidro.

- Ah, só um momento! - pedi para a enfermeira.

O cômodo era longo e bem iluminado. Tinha bonitos quadros nas paredes e vasos de flores aqui e ali. Duas longas mesas de madeira no centro do ambiente serviam de apoio para revistas, livros e copos. Ao redor das mesas havia diversas poltronas
cinza de aparência confortável. Rick estava sentado em uma cadeira simples de frente para um senhor de idade bem avançada. O senhor estava sentado em uma das poltronas, seu braço estirado tinha tubos entrando e saindo.

Foquei no adesivo fosco na porta de vidro que definia com letras padrão os dizeres “Unidade de Quimioterapia”.

- Poderia só falar com uma amiga? - pedi educada.

Ela me olhou como se eu tivesse pedido para grudar um chiclete no seu cabelo.

Olhou para o relógio como quem diz “minha senhora, você está, provavelmente, com dois membros quebrados. Não é hora de falar com amigos”.

- Vai ser só um segundo. - dessa vez meu tom foi mais rígido. Foi o tom Cabello diz “Meu bem, não estou pedindo. Estou sóavisando.”

- Rick? - chamei - Tudo bem?

- Olá Camila. - ele acenou sem se levantar e a preocupação ficou evidente em seus olhos - Você está bem?

- Estou. - sorri, abanando a mão boa - Só tomei uma queda e acho que torci o tornozelo.

- Ah. - ele não fez mais nenhuma pergunta e eu tive certeza que ele era o tipo de pessoa que eu gostava. O tipo que não se mete a não ser quando é convidado.

Entre descobrir que Shawn era casado, a discussão moral com Alexia, tentar resolver o problema da vizinhança e ver Lauren se masturbando, eu sentia como se semanas tivessem se passado. Ou pelo menos alguns dias ao invés das poucas horas entre quando fomos juntos fazer compras e agora.

- Camila, este é o senhor Thierry. Thierry, Camila é nova na vizinhança. Acabou de se mudar para a antiga casa dos Parker.

- Ah, olá. Como vai?

Ele levantou uma mão tímida e trêmula na minha direção. Sua pele era enrugada e envelhecida. Seus olhos eram escuros e opacos a não ser por um único ponto que tremeluzia como se alguém tivesse enfiado água lá dentro: cirurgia de catarata, certamente. Ele não tinha um único fio de cabelo na cabeça e eu imaginei que ele já devia estar lutando contra a doença há um bom tempo.

Eu apenas sorri como resposta. Não queria ter que perguntar “e o senhor?”: Ele estava fazendo um tratamento de quimioterapia, era óbvio que não estava bem.

- O senhor também mora na vizinhança? - perguntei e a enfermeira chamou minha atenção.

- Sim, sim. - tinha algo no seu jeito que eu achava familiar. Talvez fosse o jeito de se sentar ou o modo como apertou minha mão. Não soube confirmar.

- Vocês são…

- Parentes? - Rick sorriu - Não. Muita gente pergunta isso. Acho que nos parecemos, Thierry. - brincou apertando os joelhos do velho.

Thierry olhou para mim com uma certeza nos olhos. Ele não era o tipo de homem que se engana com facilidade. Sabia exatamente porque as pessoas achavam que eles eram parentes: não é qualquer pessoa que acompanha um desconhecido para um tratamento como esse.

- Acho que é o cabelo. - brinquei.

A enfermeira prendeu a respiração atrás de mim, mas, ao contrário dela, tanto Rick quanto Thierry tinham senso de humor. O velho riu tanto que começou a tossir. Era agradável ver uma pessoa tão debilitada rindo com gosto.

- Gostei de você, jovem. - disse quando recuperou o ar - As pessoas geralmente me tratam como se eu fosse quebrar.

- Odeio quando fazem isso comigo. - mas, na verdade, não conseguia me lembrar da última vez que alguém tinha me tratado com tanto zelo. Fora Holt, depois da minha queda, obviamente.

- Senhorita Cabello, precisamos…

- Está bem, está bem. Acho que preciso ir. Nos vemos depois, então.

- Sim! Venha comer uns biscoitos um dia. Rick lhe mostra onde moro? - completou olhando para o rapaz.

- Claro. Os biscoitos dele são muito bons. -sorriu para mim.

A enfermeira me levou embora e eu me peguei lembrando das fraldas descartáveis.

Ele não tinha mentido.

Era para um amigo. Existiam pessoas boas no mundo.

Pessoas que simplesmente faziam algo por outras.

Esse era um conceito que eu ainda tinha dificuldade de compreender.

***********************************

O doutor Henris tinha um porte imponente, um cabelo loiro muito liso e um par de olhos castanhos extremamente penetrantes.

Eu tinha recebido um bom analgésico e, mais uma vez na plenitude de minhas capacidades cognitivas, estava conseguindo admirar toda a beleza do meu modesto médico.

- Foram apenas torções, tanto no tornozelo quanto no pulso. - explicou - Vamos imobilizar por uns dias por segurança. Alguns analgésicos e anti-inflamatórios e você está liberada. - sorriu, observando meu raio-x.

- Ótimo. - sorri de volta - A minha amiga que veio me trazer aqui, eu disse para ela que estava tudo bem, mas ela não acreditava em mim.

- Mas você precisa de repouso, ouviu? Nada de ficar de pé ou trabalhos manuais. Tente se comportar por uns dias.

- Por uns dias? Quantos dias? - eu precisava terminar de arrumar a casa de Lauren ou
ficaria presa ali para sempre.

- Uma semana, no máximo.

Ele puxou a cortina para sair.

- Belo vestido. - elogiou antes de se retirar

Não lembrava mais que roupa estava usando e baixei os olhos diretamente para o
meu decote.

Quando um homem elogia suas roupas…
O policial Danver entrou assim que o médico saiu e eu me percebi subitamente sem nenhuma paciência.

- Senhorita Cabello?

- Ah, por favor! - resmunguei - Lauren Jauregui é uma colega de trabalho e uma amiga. Ela acabou de se mudar para cá eu estou ficando na casa dela para ajudá-la por uns dias. Uns moleques da rua chutaram a bola para cima do telhado. Eu subi no
telhado para pegar, tropecei e caí. Lauren me trouxe até aqui. Eu disse a ela que estava bem para andar do carro até a porta. Ele não acreditou e me carregou. Eu me assustei e gritei. Agora, se você não tiver mais nenhuma pergunta, eu aconselho que vá ocupar seu tempo com algo mais importante, pare com todo esse drama de NCIS e deixe ela entrar.

- A senhora caiu do telhado e teve apenas algumas torções? E, mais importante… subiu no telhado de vestido?

- Se comentários sobre a minha sorte ou meu estilo de moda são as únicas dúvidas que o senhor tem, oficial Danver, eu recomendo que pare de insinuar que minha amiga me machucou. Isso é o tipo de coisa que pode gerar um problema bem longo.

- Quando alguém machuca uma mulher é uma coisa séria. O problema deve ser longo, mesmo!

- Ah, o senhor me entendeu errado: o problema bem longo vai ser para você. Não tenho qualquer dúvida que machucar uma mulher é uma coisa séria. Já mandei alguns desses para a cadeia. Mas Lauren não me machucou e se você continuar insinuando que ela fez isso, como sua advogada, vou aconselhá-la a processar o senhor, seu parceiro, toda a sua unidade e este hospital. Estamos entendidos?

- Ele não machucou a senhora, então?

- De modo algum.

- Tudo bem. Tenha uma boa noite.

- O senhor também.

Lauren chegou alguns segundos depois.

- O que foi que você disse?

- Como assim?

- Em um minuto estão me tratando como uma criminosa. Aí falam com você e começam a me pedir desculpas e me tratar como se eu fosse o embaixador de algum sultão árabe.

- É sério, Michelle, você precisa aprender a argumentar. Não sei como você consegue ganhar alguma causa desse jeito.

Ela riu e me ajudou a sentar de volta na cadeira de rodas.

- Então, quer dizer que você é minha advogada? - brincou, enquanto empurrava a cadeira pelos corredores de volta para o hall principal.

- Então, quer dizer que você sabe o que eu disse? - devolvi.

- Eles só mencionaram que eu explicasse para minha advogada lá dentro que tinha sido apenas um mal entendido. Eu demorei para entender o que eles queriam dizer.

- Demorou foi? Raciocínio lento o seu, han?

Lauren continuou a rir.

- Espera aqui? Vou buscar o carro.

Fiz que sim com a cabeça e baixei os olhos para minhas mãos enquanto esperava.

Shawn era casado.

No meio de toda essa confusão tinha esquecido meu mais intenso problema.

E se Alexia sabia, mais alguém da vizinhança logo saberia também. Era só uma questão de tempo até Lauren descobrir.

Ela não se surpreenderia. É claro que aquele era o tipo de coisa que uma bruxa como Camila Cabello era completamente capaz de fazer. Ela me chamaria de vadia e eu me sentiria imunda.

Era uma injustiça tão grande… eu me sentia como em O Estrangeiro de Camus. Eu não era culpada. Não por isso. Não dessa vez. Mas ia ser condenada ainda assim. Condenada por causa de uma vida inteira de uma personalidade horrível e ultrajante.
Paciência.

- Já está indo?

Era o doutor Henris.

- Já. Liberada. - sorri.

Ele trocou o peso de pé como se estivesse considerando se ia embora ou se ficava.

Finalmente, resolveu ficar e se abaixou ao lado da minha cadeira.

- Ahn… Eu não costumo fazer isso, mas… - ele tirou um cartão do jaleco - Se precisar de alguma coisa. Ataduras novas, algum remédio ou companhia para o jantar. - levantou o cartão no ar e esperou que eu o pegasse - Pode ficar a vontade para me ligar.

- Obrigada. - peguei o cartão e sorri discretamente. Olhei cuidadosamente para sua mão esquerda antes de aceitar.

Não era o tipo de coisa que eu pretendia fazer em um futuro próximo. Mas se eu ainda estivesse na cidade quando Lauren descobrisse sobre Shawn, eu poderia precisar de uma distração.

************************************

- Tudo bem. - Lauren estava dirigindo bem mais tranquilamente agora - Você já foi devidamente medicada, não está mais sentindo dor ou correndo o risco de perder um braço. Então, diz pra mim, Camila, o que diabos você estava fazendo no telhado?

Prendi a respiração e me odiei por não ter me preparado para aquele momento. Eu tinha assistido ela se masturbar: é claro que aquela pergunta seria feita. Mas eu estava tão ocupada com outros pensamentos que ignorei completamente esse fato e agora estava terrivelmente despreparada para o inevitável rumo que essa conversa tomaria.

- Uns meninos da rua chutaram a bola para o telhado.

- E você disse que eles só poderiam pegá-la no dia seguinte. Eu estava do seu lado na hora.

- É, mas eu mudei de ideia. Pensei que podia ser educada com os vizinhos como você mesmo sugeriu. - me defendi rapidamente.

- Certo, mas por que não pediu que eu fizesse isso?

Olhei para ela com uma expressão incrédula.

Ela esperava mesmo que eu pedisse ajuda a alguém para fazer algo que eu era totalmente capaz de fazer sozinha?

Lauren parece ter lido a explicação nos meus olhos.

- Tudo bem. Não é do seu feitio. Mas… Aí você pegou a bola e devolveu para os meninos?

- Não, eu roubei a bola! - sarcástica - É claro que eu devolvi, Michelle. Que tipo de monstro sem coração você acha que eu sou?

Ela me olhou com um sorriso nos olhos e eu mostrei a língua pra ela.

- Certo. Mas e aí?

- E aí o quê?

- Você subiu para pegar a bola. Pegou a bola e devolveu a bola. Por que não desceu do telhado?

Ai, merda. Ela ia até o fim.

- Eu ia…

- Mas aí preferiu me ver nua.

Ela tinha um sorriso delicioso nos lábios que deixava claro que não se envergonhava nem um pouco do próprio corpo nem da própria sexualidade.

A questão é que eu também não me envergonhava nem do meu corpo nem da minha sexualidade, então, como ela conseguia fazer isso? Como ela conseguia me deixar com vergonha o tempo todo?

- Você já me viu em uma situação parecida, Lauren. Então, nem tente me constranger. Não vai conseguir. - ah, quem eu estava enganando? Ela já estava conseguindo.

- É, mas eu não escalei um telhado pra te ver nua. Quero dizer, não me leve a mal: não é que você não mereça. - riu - Acredite. Merece. - acrescentou baixinho mais para si mesmo do que para mim. - Mas eu não fui pervertida a esse ponto.

- Não escalei o telhado para ver você nua. - chiei com os dentes cerrados. - Subi com uma escada - expliquei para diminuir o tamanho do esforço, pode parecer besteira, mas soou importante na hora - para pegar a bola das crianças. Se você estava se masturbando de frente para a janela, não sou eu quem tem que ficar constrangida.

- Ah, então você me viu me masturbando?

Só então me ocorreu que ela não sabia quanto tempo eu tinha ficado em cima do telhado. Até onde Lauren sabia, tinha sido apenas um momento fugaz em que nossos olhares se cruzaram. Mas agora, eu tinha deixado claro que não foi só isso.

Parabéns, Karla. Show.

- Vamos! Conte a história toda. Não adianta ficar com vergonha, agora. - Lauren estava se divertindo.

- Não estou com vergonha. - eu estava com vergonha. Estava morrendo de vergonha. Mas por quê?

- Você subiu no telhado, me viu me masturbando e…

- E parei pra olhar! - reclamei dentro do carro. Lauren começou a rir. - Não é como se você nunca tivesse feito o mesmo. Parei e olhei. E pronto.

Ela não ia parar de rir nem tão cedo.

- Certo, Lauren. Chega desse assunto. Eu podia ter te filmado, sabia? - lembrei de repente e, parte de mim odiou não ter tido essa ideia antes.

- E fazer o quê? Colocar uma filmagem minha me masturbando que você conseguiu graças a sua perícia em escalada? - riu - Ia ser mais prejudicial para você do que para mim, Camz.

É. Ela estava certo.

Maldita sociedade.

- Certo. Podemos parar de falar sobre isso?

- Acho que a gente devia transar de uma vez.

Meu coração parou de bater. Meu pulmão travou as trocas gasosas. Minha boca ressecou. Minhas unhas se enfiaram na carne. Minha vagina gritou “sim, por favor”.

- Quero dizer, a gente não para de se bater em situações constrangedoras. - riu e dessa vez seu tom deixou claro que ela estava brincando. - É como se o universo estivesse mandando um sinal. - brincou.

É claro que ela estava brincando. Ou você achou o quê, Cami? Que ela estava falando sério?

Ela estacionou dentro da garagem. Virou-se para mim e colocou o indicador quase no meu nariz.

- Eu vou te carregar e você não vai gritar. - ordenou - Já vimos que os vizinhos são do tipo que fazem inferno e chamam a polícia. Então, nada de gritos, Cabello! Me ouviu?

Concordei em silêncio e deixei que ela me carregasse para o andar de cima. Ela ainda usava o casaco mole e fino, mas mesmo assim eu aproveitei a experiência o máximo que pude. Abracei seu pescoço e deixei que a
ponta dos meus dedos se enfiasse em seus cabelos arrepiados.

Mantive meu rosto desnecessariamente próximo ao dela e repirei fundo aquele perfume delicioso. Aqui e ali, fingia me desequilibrar e usava isso como desculpa para mudar minhas mãos de lugar e tocar seus ombros e nos mais variados pontos.

Eu queria esfregar minhas mãos em toda a extensão do seu corpo, mas precisava ser discreta. Só pousei o toque onde fazia o mínimo de sentido. Não estava satisfeita, mas pelo menos não tinha sido pega.

Lauren, por sua vez, também parecia estar curtindo a proximidade. Apoiava minhas costas com seu braço, mas sua mão sempre dava um jeito de descer até a minha cintura ou subir até quase o meu seio. A mão que ela tinha segura na minha coxa era ainda mais indiscreta e Lauren apertava minha carne com gosto. Em mais de uma ocasião acho que senti ela acariciando a parte interna da minha perna com o polegar. Podia ser que só estivesse recolocando a mão. Ou podia ser que ela, assim como eu, estivesse usando o me carregar como desculpa para me tocar em lugares que não seriam facilmente atingidos em outra situação.

Eu não sabia qual dos dois toques eu preferia: Se sua mão na minha cintura e seio ou o toque forte em minha coxa. Acho que se tivesse que escolher só um, escolheria a coxa. Meu vestido caía e onde seus dedos passavam em minha pele nua eu sentia uma rajada de fogo. Queria que ela me acariciasse mais um pouco.

Que passeasse seu polegar pela parte interna das minhas coxas e me fizesse tremer por baixo da calcinha.

Mas rápido demais estávamos no andar de cima. Ela fez uma curva errada e eu não entendi.

- Lauren? Está me levando para o seu quarto?

- Não tem televisão no seu quarto. - explicou - E você vai ter que passar um bocado de tempo deitada. É melhor ficar no meu.

- Eu não ligo. Não preciso de tv.

- Camila, por favor. Não vamos mais discutir, está bem? Só faz como estou te pedindo.

Ela tinha um tom tão doce que eu não consegui recusar.

Lauren me colocou sobre sua cama e eu senti como se estivesse profanando um lugar sagrado.

- Vou dar comida ao Max e pedir algo pra gente jantar.

- Tem comida aí, eu fiz compras.

- Tem algo que fique pronto só com o microondas?

- Hmm… não sei.

- Então é melhor a gente pedir. Eu não sei cozinhar nada.

- Mas não precisa nem cozinhar é só…

- Nada! - ela arregalou os olhos em um claro sinal de pânico e eu ri.

- Tudo bem.

- Uma pizza? Ainda estou te devendo. - brincou.

************************************

- Você pode ficar com o último pedaço.

- É claro que posso - fingi um tom rabugento - Você comeu minha última pizza.

- Você não sabe só agradecer, não é? - ela riu.

Estávamos estiradas em cima da sua cama assistindo Jornada nas Estrelas. Acho que estava sendo uma das melhores noites da minha vida. Me senti uma solitária patética por causa disso.

- E por que eu faria isso?

- Para ser agradável, educada… - me cutucou.

- Não… não sei o que são essas coisas. - brinquei, estreitando os olhos, fingindo pensar. Lauren riu alto.

O episódio acabou e eu não consegui terminar a fatia inteira. Lauren roubou o que
sobrou e enfiou na boca rapidamente.

- Você podia fazer especialização nisso: ladra de pizza.

- Você acha que paga bem?

- A gente dá um jeito.

Ela se moveu na cama para se deitar perto de mim e Max, deitado aos nossos pés, levantou a cabeça para observar a movimentação.

A tela de créditos sumiu, voltando para a tela inicial do Netflix. Peguei o controle do apple tv e passei pra ela.

- Você escolhe agora.

- Não. Você escolhe.

- A gente já assistiu dois episódios de Jornada, Lo. Acho que está na sua vez.

- Você quase morreu. Você escolhe.

- Quase morri? Exagerada!

- Karla! Você caiu do telhado! Do telhado do primeiro andar! É uma queda de cinco metros de altura e você só teve duas torções. Mesmo que as partes mais baixas do telhado em cascada tenham ajudado a aparar sua queda… O pessoal do escritório já achava que você tinha vendido a alma pro diabo. Depois disso eles vão ter certeza.

- É. - mostrei a língua pra ela - Mas olha isso. - levantei o braço por cima do qual eu caí para que ela observasse. A pele já estava roxa e inchada. E era só o começo. Muito em breve ia piorar. 

- Acho que torções e uns hematomas são bons o suficiente pra uma queda de cinco metros.

- Uns hematomas? Você fala como se não fosse nada.

- Tem gente que morre com quedas assim, Camz! E você teve o quê? Um braço
roxo?

- Um braço… - levantei a barra do vestido do lado que eu tinha caído e mostrei minha perna roxa - Vou ficar assim em metade do corpo, Michelle. Já está doendo!

Ela levou a mão a minha coxa e tocou o hematoma com a ponta dos dedos. Se ela estava desenhando as bordas do machucado ou se estava simplesmente acariciando minha coxa, eu não saberia dizer. Sinceramente? Não fazia diferença. Ela me tocou suavemente e eu senti eletricidade.

- Sinto muito. - murmurou.

- Pelo quê?

- Você não teria caído do telhado se eu não tivesse te obrigado a vir até aqui. - sua voz, seu toque… era tudo tão gentil que eu me senti constrangida. Rápido, Cami! Diga algo cruel.

- Também não teria caído se meus pais tivessem usado camisinha na noite que eu fui concebida. Vai culpar meu pai morto e enterrado, também?

- Karla, você não precisa ser horrível. - apesar das palavras rudes, seu tom era delicado. Sua mão ainda estava na minha perna e ela tinha girado de lado e, agora, estava de frente para mim. Perto demais.

- Não estou sendo horrível. Estou só dizendo que não é culpa sua.

- Tudo bem. Mas me desculpe, mesmo assim.

- Certo, está desculpada. - falei rapidamente.

A proximidade com Lauren estava dificultando minha respiração. Era como se ela estivesse sugando todo o oxigênio do cômodo

. - Mas não devia se desculpar por qualquer coisa. Principalmente por coisas que não são culpa sua.

- Posso me desculpar por ter te olhado de volta. Você só caiu porque se assustou. Isso foi culpa minha, não foi? - seu toque na minha perna tinha ficado mais intenso.

Desistiu de me tocar apenas com as pontas dos dedos e agora tinha a mão espalmada na minha perna.

- Eu subi no telhado, Michelle. Eu assisti você se masturbar. Eu me assustei. Eu caí. Que parte disso é culpa sua?

- Você sabe não argumentar? Sabe? - ela estava rindo. Descobri que adorava o som
da sua risada - Simplesmente ouvir algo sem transformar isso em uma discussão?

- Acho que não. - segurei o sorriso mas ela levantou meu queixo para me observar melhor e eu ri. Teve que tirar a mão da minha coxa para isso. Uma pena.

- O que vamos ver agora? - ela passou o braço pelas minhas costas e agora estávamos quase abraçadas.

- Já disse: pode escolher.

- Tá. - ela pegou o controle - Quero ver mais um episódio de Jornada. Qual você prefere? A Nova Geração ou a Série Clássica?

Eu mal me mexia e quase não respirava. Tinha medo que se me movesse muito subitamente ela fosse imaginar que estava me machucando e retirasse o braço.

Queria ficar ali. Protegida. Recebendo carinho e atenção. Inferno… eu parecia um filhotinho de animal desesperado por carinho. Acho que minha individualidade e independência sempre conseguiram disfarçar minha solidão muito bem. Mas ali, machucada tanto física quando emocionalmente, eu estava precisando de um abraço.

- Tanto faz. - minha voz saiu doída. .

Ela ia descobrir que eu fiquei com um homem casado. Ela ia achar que eu sou o tipo de mulher que faz isso com frequência.

- Está tudo bem? - a dor na minha voz deve ter sido identificada.

Ele me soltou por um segundo e eu me arrependi de ter deixado minhas emoções tomarem o controle.

- Está. - tentei sorri - É só… sei lá…

Então, Lauren fez algo que eu não esperava: colocou o braço ao meu redor mais uma vez e me abraçou com ainda mais força. Me puxou para ela e me manteve ali, contra o seu peito, envolvida pelos seus braços.

- Quer analgésicos mais fortes? A gente pode dirigir por um bairro perigoso e tentar achar um traficante… - brincou enfiando a mão nos meus cabelos e eu comecei a rir contra a sua camisa.

- Não. Acho que preciso de um banho.

- Hmm… - ela tirou os dedos dos meus cabelos e desceu o carinho pela minha coluna - Vai querer ajuda? Não é como se eu nunca tivesse te visto nua.

O descarado estava rindo e eu dei um tapa no seu braço. Normalmente, eu a afastaria para longe. Mas hoje não.

- Voyager. - mudei de assunto - Essa é a minha saga favorita de Jornada nas Estrelas.

- Nunca ouvi falar nessa. É Kirk ou Picard?

- Nenhum dos dois. Voyager é a única saga de Jornada que a Enterprise é capitaneada por uma mulher.

- Uma capitã? - ela pareceu impressionado.

- Capitã Janeway.

- Legal. Acho que essa vai ser a minha favorita, também. - ela retomou o cafuné e eu queria que ela não parasse nunca.

- Você é a pessoa mais influenciável do mundo? Você nunca nem viu o seriado.

- Estava brincando. Além do mais, porque você gosta mais desse? Só porque a capitã é mulher?

- Não é só por causa disso. Mas isso é uma grande parte.

- Posso te perguntar uma coisa?

- Ih… - apoiei o queixo contra o seu tórax para observá-la - Lá vem… O que foi?

- Por que você é tão… defensiva quanto ao seu gênero?

- A palavra é feminista, Michelle.

- Não, não é. Você é excessivamente defensiva sempre que há algo que envolve gênero.

Eu me levantei e a empurrei discretamente.

Aquilo era o meu calcanhar de Aquiles.

- Eu sou defensiva em relação a tudo que eu sou. Defendo mulheres, advogadas, morenas… Desde muito cedo precisei me defender sozinha. Aprendi a ser boa nisso e aprendi bem rápido.

- Justo. Acho que explica muita coisa.

- Você não vai dizer de novo que eu sou agressiva porque sou amarga, vai?

- Não. - ela riu e tentou me puxar para perto dela de novo, mas dessa vez eu resisti - Mas todo mundo tem um motivo para ser como é, Cabello , e você não é exceção.

- É? E você? Quais são seus motivos?

- Venho de uma família… afortunada.

- Rica. Essa parte eu entendi arrumando suas fotos.

- Minha avó é uma pessoa complicada. É a matriarca de uma família importante e acha que os tempos medievais ainda estão em vigor. Minha mãe, a filha dela, casou com um homem que minha avó não aprovava.

- O seu pai?

- É. Foi complicado.

- Mas eles pareciam felizes. Pelas fotos. - acrescentei.

- Eles eram.

- Eles faleceram?

- Meu pai, sim. Minha mãe… bem, minha mãe ainda está viva. Ou quase.

Eu queria perguntar mais, mas achei que, talvez, naquele momento, fosse indelicado.

- De qualquer modo, - continuou - quando as pessoas tem dinheiro acham que isso basta. Meu pai me ensinou que a gente tem que tratar as pessoas com decência. Por isso, desde que eu… abandonei essa vida, eu tento ser gentil com as pessoas.

Lauren tinha algo triste em seus olhos e eu senti uma dor no meu coração que eclipsou qualquer machucado de uma queda de cinco metros. Eu estava muito atraída por essa mulher. Senti uma vontade louca de abraçá-la e dizer que ia ficar tudo bem. Tive que lutar enlouquecidamente contra esse instinto. Mas precisava tentar mudar de assunto ainda assim.

- Minha mãe se envolveu com um cara rico e casado. Ele largou a família para ficar com ela. E ela nos largou, eu e meu pai, para ficar com ele. A vagabunda queria vida fácil.

- Riqueza não trás vida fácil, acredite.

- Eu acredito. - dessa vez fui eu quem me aproximei dela. Estava começando a ceder a vontade louca de abraçá-la - Ele largou ela alguns anos depois por uma mulher mais nova. Deu em cima de mim, algumas vezes, o nojento.

- E ela levou metade de tudo que ele tinha? - riu.

- Não. Ela não levou quase nada, na verdade.

- Foi uma das suas primeiras causas? - ela parecia confusa.

- Eu não representei ela. Nunca!

- Ah, está explicado!

- É, Michelle. - cutuquei ela, tentando amenizar o clima - Esta me confundindo com alguém? Se eu tivesse representado ela…

- Ela teria levado até as cuecas dele.

- Por aí. - ri.

- Você vai me contar o que viu no meu processo?

- Não sei. Se você se comportar. - provoquei.

- Me comportar? Eu salvei sua vida, deixei você escolher o que a gente ia assistir, te dei a última fatia de pizza… Por deus, mulher - brincou, exageradamente - O que mais você quer?

Seu corpo nu. Ri sozinha.

- Quero meu vídeo de volta.

- Jamais! - ela riu e me espremeu em um abraço forte demais.

Deixei minhas mãos repousarem em seus ombros e enfiei meu nariz em seu pescoço.

Lauren alisava minha coluna com gentileza e eu sentia sua respiração contra meus cabelos. Era uma brincadeira de tocar. Eu queria tocá-la. Ela queria me tocar. Mas nenhuma das duas tinha coragem de fazer isso explicitamente. Ficávamos fingindo um movimento ou outro para ficar cada vez mais próximas, toques cada vez mais íntimos.

Eu já tinha dançado aquela dança centenas de vezes. Mas nunca tinha sido tão delicada quanto aquela. Ou tão gostosa. Eu estava envergonhada e não sabia muito bem como lidar com isso. Era a primeira vez que eu tinha vergonha de tocar em alguém. Já levei foras antes: acontece. Mas lidei com isso do mesmo jeito que lido com tudo na minha vida.

Uma boa dose de “dane-se” e partia pra outra. Mas Lauren … Se ela me recusasse, as consequencias seriam completamente desconhecidas. E o desconhecido me trazia uma boa dose de pavor.

Eu ainda estava nos seus braços e suas mãos estavam em quase todos os lugares. Puxei minha perna contra ela e com meu joelho, apoiado em sua virilha, já podia sentir o princípio de uma ereção. Ela empurrou o corpo um pouco para trás, tentando evitar que eu percebesse. Tarde demais.

Escorreguei minha mão por seu peito e o arranhei de leve por cima da camisa. Sua mão estava de volta na minha coxa e dessa vez ela estava subindo e subindo. Cada um de nós se movia a uma velocidade glacial para ficar mais de frente para o outro.

Se fosse qualquer outro eu já teria enfiados os dedos em seus cabelos e minha boca na sua. Teria envolvido seu quadril com minhas pernas e dito algo safado.

Mas havia algo em Lauren Jauregui que me deixava congelada. Congelada por fogo, se é que isso faz algum sentido: eu queria ela tanto que não conseguia fazer nada. Era tortura do pior tipo.

Eu queria falar de sexo. Queria que ela pensasse em sexo e que fizesse o primeiro movimento já que eu, claramente, não iria conseguir fazer.

- Vou querer esse vídeo de volta, Michelle.

- E vai ter. E nem vai precisar trabalhar tanto por isso. - ela puxou a mão das minhas costas e agora era meu rosto que ela acariciava com uma gentileza infinita.

- O que quer dizer?

- Vai passar boa parte do seu tempo restante aqui nessa cama.

Eu queria que ela completasse com um “porque eu não vou sair de cima de você”.

Mas eu sabia que ela estava se referindo ao fato de eu estar machucada.

- Faço questão de acabar a arrumação. - falei.

Ela estava desenhando meu lábio com o polegar e parecia vagamente consciente do que eu estava falando. Estava tão perto que o único cheiro que eu conseguia sentir era o dela.

- Não vou embora enquanto não acabar.

As palavras saíam da minha boca mas eu dava pouca importância a cada uma delas.

Eu só conseguia pensar em abrir a boca e chupar aquele polegar. Chupar com vontade, depois lambê-la e dizer para ela que era isso que eu queria fazer com seu pau.

Mas era Lauren. Maldita Lauren. E eu não conseguiria fazer nada disso.

- Vai ser difícil me separar desse vídeo. - havia um toque de brincadeira no que dizia, mas sua voz nunca passou de um sussurro delicioso.

- Está levando meu vídeo para o banheiro com você é? - me forcei a dizer.

- Ainda não. - seu sussurro era contra os meus lábios e eu me peguei lutando contra a vontade de fechar os olhos - Mas é uma boa ideia.

- Está querendo me deixar com vergonha, Michelle?

- Vergonha de quê, Karla? Você tem um corpo perfeito. - ela piscou e manteve os olhos fechados por uma fração de segundo a mais do que deveria e eu não pude deixar de pensar que ela estava imaginando. Imaginando aquela noite.

Me imaginando nua. Seu toque na minha coxa ficou mais urgente, seus olhos verdes estavam cravados nos meus e algo dentro de mim começou a tremer incontrolavelmente.

- Você não tem nada para se envergonhar.

Vai, Cami! Diz “você também não”. Segure ela pela virilha e diga “você também não”.

Mas nada. Eu ainda estava congelada. O polegar de Lauren já tinha explorado cada centímetro dos meus lábios antes de sua mão descer para o meu queixo. Manteve meu rosto preso em sua mão. Seu olhar não hesitava. Lauren estava sentada e inclinada por cima de mim e eu senti seu rosto de aproximar.

Sua boca. Sua boca. Sua boca.

Era só nisso que eu conseguia pensar.

Era só isso que eu conseguia ver.

Estava acostumada a seduzir.

Mas eu estava sendo seduzida.

Senti o calor dos seus lábios contra os meus e tive certeza que meu sangue tinha descido e que minha boca estava gelada. Lauren pegou meu queixo e me segurou pelos cabelos. Ela me queria e me queria agora.

Entreabri os lábios e senti sua língua entrando na minha boca. Calma e delicada primeiro. Paciente. Massageando minha língua, me explorando com cuidado. Senti força na mão que ela tinha contra minha nuca e ela me colocou sentada. Seus dois
braços me envolveram com força e eu me senti sua. Eu não tinha nenhum poder ali, nenhum controle. Estava completamente entregue.

Sua boca abriu forçando a minha. Enfiei minha língua em sua boca e o senti sugando.

Segurei seu rosto entre minhas mãos e me deliciei em seu gosto. Uma mordida no lábio, um chupão na língua, suas mãos em locais cada vez mais proibidos.

Eu queria descer minhas mãos, queria explorar seu corpo também. Mas era como se minha mente só conseguisse fazer uma coisa de cada vez. E, no momento, eu só conseguia me concentrar no beijo ou iria explodir.

Ela me beijou e me beijou. Eu estava perdendo o ar, mas não me importei e ela também não. Ela ofegava contra minha pele sem nunca largar o beijo.

Eu queria mais. Queria sugar sua saliva inteira. Queria secá-la em minha boca.

Lauren tinha as mãos no meu pescoço, no meu cabelo, nas minhas coxas, na minha cintura. Seus dedos subiam pela minha cintura e estavam quase em meus seios. Era só isso que eu precisava. Precisava que ela ultrapassasse a barreira, deixando claro que era isso que ela queria.

E aí algo horrível aconteceu: eu comecei a pensar.

Comecei a pensar em tudo.

Em Shawn e Lucy. Nos vizinhos. No meu pai. Na minha mãe. Na família dela.

Mas principalmente em Shawn.

Lauren estava me beijando no que provavelmente era o melhor beijo da minha vida e tudo que eu queria era me entregar ao momento. Mas a imagem do seu rosto ficava voltando a minha mente. Sua expressão de nojo quando descobriu que eu tinha transado com um desconhecido no seu sofá.

O que ela diria quando descobrisse
que era com um homem casado? Ela acreditaria em mim quando eu dissesse que não sabia? Ou diria que eu era uma vadia incorrigível? Que ela deveria ter imaginado?

Me olharia com asco e mandaria eu pegar minhas coisas e dar o fora da sua casa e da sua vida?

Eu estava passando mal. Não era um mal estar físico, mas completamente emocional e era horrível. Empurrei seu tórax com obraço.

- Lo, não. Não quero fazer isso.

Ela passou a língua nos lábios e eu vi seu rosto ficar vermelho de vergonha.

- Ah, tudo bem. Cabello, me desculpe. Eu não… - ela se levantou rapidamente e eu quis dizer alguma coisa.

Quis dizer que não estava dizendo nunca, mas que… eu precisava resolver outras coisas antes.

Lembrava de todos os filmes de romance que eu já assisti. Era sempre assim: uma das partes tinha um segredo bobo e simples que poderia ser explicado e compreendido sem maiores problemas. Mas eles sempre esperavam e esperavam até que o segredo era revelado do pior jeito possível

Era isso que estava acontecendo. Talvez se eu simplesmente abrisse a porcaria da minha boca e explicasse, Lauren entenderia e eu poderia parar de me preocupar. Ou, na pior das hipóteses, ela não entenderia. Mas pelo menos… era melhor ouvir de mim do que de outra pessoa, não?

Mas ela estava na porta, tirando Max do quarto, pedindo desculpas e dizendo que dormiria no meu quarto. Ela parecia desconcertada e eu quis corrigir meu erro desesperadamente. Mas não havia palavras.

Eu não conseguia pensar em nenhuma.

Eu queria que ela se sentasse, queria colocar mais um episódio e brincar sobre pizzas e vídeos. Mas Lauren tinha me desejado boa noite e tinha ido embora. E eu fiquei ali.

Sozinha em cima da sua cama. Pensando em por que diabos eu tinha feito aquilo.


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Capítulo enorme. Não revisado (novidade)

Vcs já foram ler "Quando a Noite Cai"? Ótima fic, vão ler.

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