Butterfly Effect

By hannyalice

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Essa história já foi contada antes. Esse destino já foi escrito. Cada ação, cada fala, cada ínfimo detalhe es... More

Prólogo
Capítulo I - Dentes e Folhas
Capítulo II - União
Capítulo III - O Nomo no Sótão
Capítulo V - Entretenimento Descartável
Capítulo VI - Hora de Brincar
Capítulo VII - Cabeças Rachadas
Capítulo VIII - Público Cativo
Capítulo IX - Circulando o Trono
《Aviso》

Capítulo IV - Botas Através Da Vegetação Rasteira

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By hannyalice

Seus ouvidos zuniam a cada novo disparo. A vibração do ar era tão potente, parecia capaz de arremessá-lo para longe a cada nova onda sonora. Farpas voavam em sua direção com as explosões, porém não havia tempo para a dor vir à tona. Seu corpo inteiro era preenchido pela adrenalina, sentia estar prestes a entrar em combustão com o excesso dela.

Tropeçando em meio às raízes das árvores as quais estava sob, Mono ouvia se distanciar das respirações pesadas do Caçador, assim como passos curtos e rápidos em sua retaguarda. Fuja! Seu cérebro gritava, e seu corpo nada mais fazia a não ser resignar-se à ordem, por mais que a curiosidade de virar a cabeça para trás estivesse formigando dentro de si. Quando alcançou o fim do túnel, apenas seu próprio arquejar podia ser ouvido - além da criança atrás dele.

Ao virar, encontrou olhos dourados por baixo da franja cintilando à luz da lua, ambos franzidos com a parada repentina. Afinal, o caçador ainda estava à procura deles. Num estalo, ele lembrou. A garota que havia salvo! Como pode ter esquecido que ela era o motivo de estar fugindo daquele maníaco por taxidermia? Talvez fosse pela sensação de ter acabado de despertar, o que não fazia tanto sentido, já que esteve correndo por longos minutos.

Mas isso importa agora? A garota parecia fraca depois da corrida, talvez não se alimentava direito há dias, e Mono sentia necessidade de ajudá-la. Tirá-los dali era prioridade no momento. Pressentimentos estranhos devem ser deixados para depois, afinal, era hora de focar no concreto. Tinha que admitir, ela era bem resistente, mesmo estando aos frangalhos aparentava não demonstrar fraqueza. Desde que se conheceram, ele pôde reconhecer o quão orgulhosa era.
Tanto faz, de agora em diante ela era sua amiga. Afinal, ele havia a salvo daquela prisão, e era isso que amigos fazem, certo? Convicto desse pensamento, ele agarrou sua mão e a puxou para continuar sua jornada. Estava tão empolgado, fazia tanto tempo que suas aventuras não possuíam uma companhia. Notou como a garota hesitou em fechar seus dedos sobre os dele. Problemas de confiança, era normal. Sentiu-se bem ao perceber que o fez.

Logo na frente havia uma pequena ponte caída sobre uma ravina profunda, onde o fim era coberto por uma espessa neblina azulada. Quem teve coragem de alcançar a borda foi sua amiga, que apontou para um pedaço da ponte ainda suspenso. Olhando para os dois lados, Mono encontrou uma das estacas soltas onde a corda se agarrava, e logo montou o quebra-cabeça.

- Oi! Aqui! - Ele sussurrou, apontando para sua descoberta. Para demonstrar sua ideia, ele agarrou a estaca e usou toda a força de seu pequeno corpo para puxá-la, como consequência levantando a parte caída, ainda que bamba.
Ela não precisou de muitos neurônios para raciocinar o que fazer.

Aproveitando que Mono tinha encurtado a distância do salto, ela acenou, se preparando para pegar impulso. Seu pequeno corpo voou pelo ar, antes de cair nada majestosamente do outro lado da ravina. Por debaixo da sacola de papel, ele sorriu diante o triunfo de seu plano. Ela conseguiu! Agora, só faltava ele. Chamando a atenção da garota que ainda parecia um tanto avoada, ela virou, finalmente lembrando da existência dele. Tantos anos sozinha a fazia esquecer desse fato quase que constantemente. Para a alegria de Mono, ela se posicionou na outra borda, se agarrando em uma estaca para que tivesse mais firmeza. A sensação de trabalho em equipe pulsava em seu peito, quente e amigável, de uma forma que não sentia há tempos. E era apenas o começo!

Copiando os movimentos da menina, ele saltou, caindo um pouco antes da plataforma mas rapidamente sendo aparado por ela. Suas pernas suspensas balançavam, brincando com a queda iminente, porém tentou não se importar. Só precisava ser puxado de volta, e estaria são e salvo por mais alguns minutos antes de se meter em algum perigo de novo.

- Já pode me puxar - Mono normalmente não gostava de falar mais que o necessário, contudo estava estranhando a demora da menina. Encarar os seus olhos era como viajar com a mesma, pois pareciam tão distantes. Se perguntava o que ela enxergava através deles, e também por que esbanjavam tanto pavor. Talvez se soubesse poderia evitar o que viria depois, pois foi exatamente o que ela fez.

Antes que pudesse questionar, a garota retraiu seu braço em repulsa. Seu corpo foi consumido para o abismo em câmera lenta, uma forma de estender seus momentos finais. O que...? Sua mente confusa pensava. Porque, enquanto caía, tudo que podia encontrar nos olhos dela era medo. Rancor. Algo maligno, que a apaziguava de certo modo por deixá-lo cair à morte. Mas por quê? Por que ele?! O que havia feito além de salvá-la?!

Não, não era para ser assim!

Você devia ser minha amiga!

Você devia quebrar o ciclo

Quebre o ciclo, Six!

Quebre...

Seu crânio partiu-se quando tocou o chão.

-...RDA! - Sua face queimou ao ouvir um estalo - ACORDA SEU IDIOTA! TEMOS QUE SAIR DAQUI!

Perigo. A sensação de perigo o fez abrir os olhos imediatamente. O alarme entoou tão fortemente em seu corpo, que a descarga de adrenalina o fez empurrar quem quer que estivesse na sua frente, a jogando no piso e fazendo mais barulho. Balançando a cabeça de um lado para o outro, ele tentou se situar em meio ao breu que consumia sua visão. A pressa não estava a par com a recuperação de sua consciência. Para sua sorte - e ardência de sua bochecha esquerda -, sua companhia foi mais rápida e o estapeou fortemente, trazendo-o de volta para o tempo atual. Por que diabos ele havia desmaiado de novo? Ainda mais diante de uma situação tão extrema! A garota dos olhos felídeos questionava o mesmo.

- Você está louco?! Nunca mais encoste um dedo em mim! - Ela sibilou de maneira assustadora. A ameaça do Caçador deixou de ser preocupante por um momento.

- M-me desculpa! Eu não estava p-pensando direito quando... - Passos brutos no andar de baixo o calaram, aumentando a urgência em seus corpos.

- Perdemos tempo demais! Venha! - Ela o puxou pelo braço, guiando até a janela onde o luar marcava a saída.

Com apenas alguns chutes sobre a madeira mofada, ela conseguiu desencaixar a janela do lugar, estraçalhando-se em farpas e pedaços de tecido ao atingir o solo. Mono tentou fingir apatia, mas estava tão sonolento que foi incapaz de esconder o brilho de admiração em seu olhar. Para alguém do seu tamanho, ela mandava bem. Sem tempo para comentários, foi a primeira a passar pela abertura e cair, amortecida pela terra fofa. Mono a observou, procurando reiterar seus movimentos a fim de não conquistar nenhuma fratura com a queda relativamente alta. Mas estava ao contar dos passos do Caçador nas escadas, então não houve muito o que pensar. Jogando primeiro as pernas para fora, ele pulou antes que o disparo fosse efetuado bem no centro de seus miolos.

Sua queda não foi uma das mais extravagantes, mas arrematou-se de forma quase segura, resultando em apenas alguns arranhões ao cair sobre os restos da janela. Um arrepio correu por sua espinha, e mais um disparo ocorreu, por sorte havia se escondido atrás de uma árvore assim que percebeu estar sob a mira sanguinária do Caçador.

Na corrida frenética por sua vida, ele encontrou a garota tomando a dianteira, fugindo sem nem conferir se Mono estava a seguindo. Não é como sempre tivesse companhia em suas fugas. Tentou não levar isso para o coração e continuou a correr. A vantagem era deles, afinal, o Caçador não passaria por aquela janela, e até conseguir deixar a cabana, suas presas já estariam longe.

Ambos não souberam por quanto tempo estavam seguindo em linha reta, correndo de algo que já foi deixado para trás. Foi quando começou a ouvir o som borbulhante das marés, que percebeu o quanto havia se afastado da floresta. Haviam alcançado a costa. Ele até podia sentir o sal prendendo em suas vestes e invadindo seus pulmões com um aroma desagradável de peixe morto. Aquilo era enjoativo. A garota, por outro lado, parecia não se importar com aquele ar venenoso, e finalmente fazia uma pausa para inalar o máximo que conseguia. Estavam cansados, assustados e precisando de um gole de água fresca urgentemente. Depois da fuga, puderam perceber o quão mal aquele sótão empoeirado tinha feito mal para seus pulmões.

Caminhando em um ritmo mais calmo, ela nem parecia se importar com o fato de estar sendo seguida pelo garoto da sacola, apenas continuava avançando até seu objetivo misterioso. Mono queria perguntar algo, mas o silêncio havia consumido até a última palavra de suas cordas. Assim, perseguia a garota, confiando no destino a qual ela buscava com tanto afinco.

Para a sorte de seus corpos exauridos, uma enorme árvore caída sobre uma rocha escondia uma cabana secreta, feita de retalhos e musgos para camuflar melhor no ambiente. Ela adentrou automaticamente, indicando que só podia ser a proprietária. Sem saber se precisava de um convite, Mono a acompanhou hesitante, relaxando ao não receber uma bronca de imediato. Ele era bem-vindo ali.

- Você quem construiu? - Perguntou ao vê-la se acomodar em um tapete velho que havia ali.

- Não exatamente. A árvore já estava caída quando eu cheguei. Apenas vi uma oportunidade, e comecei a me organizar - Ela resumiu, mais preocupada em achar seu cantil de água escondido em meio as quinquilharias que ela guardava. Era algo bem curioso, havia brinquedos, pelúcias e restos de quebra-cabeças em meio à armadilhas, navalhas, tesouras e facas de cozinha, em uma confusão peculiar de gostos. Isso ele resolveu não questionar, afinal, a explicação apenas ela tinha obrigação de saber, certo?

- Acho que agora estamos quites - Continuou - Você me libertou, e eu te salvei do Caçador. Depois dessa, cada um segue caminho, ok?

- Desde quando você me salvou? - Mono franziu a testa. Em resposta, um olhar cínico da garota fez questão de perfurar até seus órgãos.

- Se não fosse por mim, nunca teria despertado a tempo para fugir do Caçador. Você tem sorte de eu ter sido um pouco benevolente nessa hora, pois em circunstâncias normais eu teria te deixado para morrer.

Revirando os olhos, Mono apenas se conformou. Era mais uma entre centenas de sobreviventes desprezíveis buscando salvar única e exclusivamente o próprio umbigo. Mas do que exatamente iria reclamar? Lições de moral são apenas papo furado.

- Obrigado, eu acho. Isso mostra que sua consciência ainda pesa.

- Que fique claro que não farei isso de novo, ouviu? - Alertou, apontando o cantil d'água recém pego em sua direção. Ficou em dúvida se estava oferecendo, mas aparentemente era apenas para salientar o que foi dito.

Engoliu o seco, não por estar amedrontado, e sim ao sentir cada célula de seu corpo clamar por um gole d'água. Contudo, ele permaneceu quieto.
Permitindo-se sentir mais à vontade, Mono sentou sobre uma almofada fina com espuma caída através de um grande rasgo em sua ponta, o alívio caindo em seus músculos exauridos da recente fuga. Precisava aproveitar o momento de paz, mas nunca deixar a guarda baixa. Notou o olhar da garota em si, provavelmente se arrependendo por tê-lo deixado ir atrás, já que não parecia querer ir embora tão cedo. Mas apenas frustrou-se, pois estava cansada demais para expulsá-lo de seu esconderijo.

- Ei! - Ela franziu o cenho ao ouvir a voz dele após um longo período de silêncio - Depois de tudo você ainda não vai me dizer seu nome?

- Não tenho nenhuma obrigação. Ainda mais que depois daqui, não nos veremos nunca mais!

- Bom... eu lhe disse o meu! Não seria justo apenas você ter essa informação - A garota não podia ver seu rosto, mas através das rugas de seus olhos sabia da existência de um enorme sorriso sarcástico em seu rosto.

- Quem disse que eu lembro, garoto da sacola? - Ela devolveu o sorriso, em uma intensidade forçada. Ouvindo o garoto bufar, ela se contentou com mais uma vitória. Talvez não tivesse os melhores argumentos, mas estava feliz por tê-lo derrotado através do cansaço.

Mono estava a um passo de arrependimento. Ele já tinha a salvo, por que ainda estava ali? Ela definitivamente era o tipo de ser humano que faz de tudo para ser o mais sórdido possível, com os intuitos mais idiotas. Ficar sozinha, era isso? Já não havia solidão demais assombrando cada sombra daquele mundo? Talvez fosse a hora de dar um tempo para si, e a deixar com sua própria companhia. Ao menos, ele tentou.

Se preparando para sair, uma voz mais suave o parou. Tão suave, que nem parecia pertencer à mesma garota que antes cuspia navalhas de sua fala.

- Meu nome é Six - Proferiu, encarando a caixa de música em seu colo enquanto dedilhava seus entalhes - Ou ao menos é o que eu acho que seja. Eu não lembro mais.

Ah, ele entendia isso. Nem ele tinha ideia de quando passou a se chamar de "Mono". Seus nomes verdadeiros pareciam ter sido apagados pela loucura.

- Eu me chamo Mono - Ele sorriu sob o papel, voltando a sua aura mais amigável. A garota riu genuinamente ao ouvi-lo.

- Eu me lembro. Só estava brincando com a sua cara para ver se você me deixava em paz!

- Já estava quieto. Por que me falou mesmo assim? - Realmente foi uma surpresa. Uma garota tão estóica, do nada parecer tão vulnerável ao proferir o próprio nome?
Six (ou o nome que dizia ter) suspirou, meio a contragosto. Estava levando aquela conversa longe demais.

- Sei lá, eu... Fazia tanto tempo que esse nome não saía da minha boca, que eu temia esquecê-lo também - Ela murmurou. Parecia estar monologando junto de sua preciosa caixa de música, já que não tirava os olhos dali - Nós vamos seguir caminhos diferentes mesmo, então tanto faz!

- Entendi... - Ele costumava fazer o mesmo; falar seu nome ao vento, na tentativa de não perdê-lo em sua memória. Não queria perder sua identidade outra vez.

- Aliás, eu tenho uma dúvida - O surpreendendo com sua fala, rapidamente recebeu um resmungo como resposta - Como você ainda tá vivo?! - Mono podia jurar que ela viu sua careta sob a sacola, pois rapidamente complementou sua fala: - É que... Bem, você desmaiou quando o Caçador estava vindo até nós. Não parece ser um incidente isolado. Você tem alguma doença ou...

- Não! Estou perfeitamente saudável, ok?! - Ele a interrompeu, antes que pensasse estar perto de um infectado de alguma doença mortal ou sei-lá-o-que. Fisicamente, só estava um pouco desnutrido. Mentalmente, era uma questão mais complicada. Mas era uma pergunta interessante, ele nunca sofreu esses desmaios anteriormente! Começou quando colocou os pés naquela floresta, primeiro o desmaio infligido pela "vândala dos olhos de gato", e os seguintes sendo involuntários. Fora a confusão mental que todos os sonhos que sucediam os apagões traziam após o despertar. Sorte que Six permaneceu ao seu lado para o acordar, pois não conseguiria reagir por longos minutos caso precisasse encarar a situação sozinho.

Se isso continuasse, o que faria? Teria que andar sobre cacos de vidro para conseguir contornar essa situação. E se desmaiasse em meio a uma fuga? Facilmente mobilizado, a morte o abraçaria na certa.

Six percebeu através de seus olhos como sua mente viajava. Não demonstrava preocupação, ou ao menos possuía alguma, mas aquele garoto o intrigava. Depois que a respondeu, permaneceu em silêncio encarando o vazio, enquanto parecia dialogar consigo mesmo em seus pensamentos. Esquisito! - Resmungou para si mesma. O que mais podia esperar de alguém que não se preocupa com a própria sobrevivência? No fundo era grata, mas ainda via sua imagem como insana.

- Você... não tem ideia, certo? - Arriscou despertá-lo de sua névoa. Com um piscar de olhos, ele acenou - É... desconhecer a causa é um problema. Não posso fazer nada, então só lhe desejo boa sorte - Mentira. Ela pouco se importava. Provavelmente iria morrer em breve, se continuasse assim.

- Obrigado! Eu ainda vou dar um jeito nisso. Começou faz pouco tempo, então, deve haver um jeito de reverter isso! - Sorriu. Por um momento, Six imaginou como seria seu sorriso. Tão idiota quanto seu olhar, provavelmente.

Desviando o olhar, ela levanta de súbito, guardando sua caixa de música em uma bolsa de pano onde havia mais alguma de suas quinquilharias. Mono a encara, estranhando seus movimentos tão repentinos. Foi como se as aberturas de sua sacola ganhassem vida e expressões, pois a exata faceta confusa que Six viu ao encará-lo de relance.

- Acho que é hora de ir. Como você já disse, soltei-me do grilhão que me prendia a essa terra. É hora de procurar um novo lugar! - Disse, a determinação faíscando tão forte em seu olhar, que por um momento tinha certeza de que refletiram em vermelho. Mono sorriu, exultante por ter conseguido ajudar alguém em sua jornada. Por mais que não fosse das mais agradáveis companhias, foi bom poder conversar com alguém outra vez.

- Tudo bem, então. É agora que nos separamos? Para onde você irá? - Questionou enquanto levantava de seu assento, sacudindo o pó de suas vestes carcomidas.

- Eu pretendo sair da floresta pelo mar. Não adianta eu ir na direção contrária, pois foi de lá que eu vim!

- Pretende ir para a Cidade Pálida? - Sua pergunta saiu um tanto quanto desesperada, o que só notou quando percebeu um vinco surgindo na testa dela.

- Como sabe que fica para lá? - Sua pergunta era válida, até porque momentos antes era ele quem pedia informações para poder se situar.

- Ah, bem, eu... - Não podia falar que estava conectado com a Transmissão, ela podia passar a temê-lo. E sabe-se lá o que essa garota faria quando estivesse assustada - Já estive lá! Uma das entidades se abriga na cidade, e grande parte de seus habitantes viraram zumbis sedentos por uma tela com chiados. Vai encontrar muito mais perigos que o Caçador se decidir ir até esse lugar.

- Estou disposta a arriscar! Como já disse, não posso simplesmente ir pelo caminho contrário. Tenho certeza que vou saber me cuidar.

- Eu vou com você! - Exclamou o rapaz, dando de cara com o semblante irritado de sua companheira.

- Não. Nem pensar!

- Eu também quero ir até a Cidade Pálida!

- Hm, não era você há poucos segundos dizendo o quão esse lugar é perigoso? - Ela franziu os olhos, cada parte parecendo mais afiada, desde a córnea aos cílios. Mono procurou não se intimidar, e a espelhou.

- Você não é a única com assuntos pendentes em lugares questionáveis. Os meus estão lá.

Six não imaginou que o garoto pudesse ter uma seriedade tão gélida. A caricatura que tinha em sua cabeça era de um tolo suicida desesperado por atenção. Parece que havia algo mais. Resignada, ela acenou. Não por simpatizar com ele, e sim por terem um objetivo em comum. Após isso, seria cada um no seu canto.

Prestes a explicar sua fuga, um som tão imperceptível quanto uma agulha aguçou os seus ouvidos. Grama seca sendo esmagada por botas de caça. Colocando o indicador sobre os lábios, ela alertou Mono, que não precisava de nenhuma mímica para entender o perigo que espreita. Como diabos ele chegou ali tão rápido?! Era o que se perguntavam. Com um olhar enfurecido, Six só conseguia culpar seu colega forasteiro. Ele deve ter se estabanado durante a fuga, e deixou rastros! - Entretanto, não era hora de arranjar confusões. Querendo ou não, estavam prestes a fugir daquele lugar nefasto. O brilho da lanterna incidiu como um amanhecer pálido, projetando a sombra do tronco robusto sobre suas cabeças e tirando todo o fôlego que guardavam. Ele estava perto demais do esconderijo.
Numa medida de última hora, Six tateou o chão buscando algum objeto fácil de ser arremessado, encontrando a cabeça de uma boneca apodrecida na qual puxou lentamente dentre os outros brinquedos e armas, aproveitando que o Caçador tinha uma respiração alta e pesada para mascarar seus movimentos mais bruscos. De passo em passo, ela caminhou até a entrada da cabana, cuidando de seu caminhar como se seus ossos pudessem quebrar a qualquer ação violenta. Mono observou em silêncio, atento, tremendo arruinar o plano caso tentasse ajudar em alguma coisa. Controlar sua respiração era o máximo que podia naquele momento de impotência.

Observando o rastro de luz, ela conseguiu identificar sua origem. Contando até três, ela mirou o objeto para o lado oposto. Só tinha uma chance, se caísse muito perto, era fim de jogo para ambos. Puxando sua mão para trás, ela trancou a respiração e jogou o mais longe que conseguia. A cabeça da boneca permaneceu no ar por alguns segundos antes de se chocar com uma árvore no meio do caminho, rolando para longe da explosão que viria em seguida. Foram alguns metros, não os ideais, mas o suficiente para distrair o Caçador.

Virando-se para a saída oposta, ela agarrou a mão do garoto e o arrastou para fora, ao som do grito animalesco que a aberração emitiu quando os avistou. Tentando atirar, percebeu ainda não ter recarregado, permitindo os dois de se misturarem à floresta enquanto corriam.

- E AGORA? - Mono perguntou enquanto corriam. Estava apenas deixando a garota o guiar, e não tinha ideia do que se passava em sua cabeça nesse momento. Para onde estavam indo?

- NÃO SE PREOCUPA! EU TENHO UM PLANO! - Gritou de volta, se encolhendo ao ouvir o som de disparo estourando em seus ouvidos - APENAS CONTINUE ME SEGUINDO!

Sem mais questionar, ele acatou sua ordem e permaneceu correndo em linha reta. Não havia muito mais o que fazer, no entanto. Cada vez que ouvia a escopeta sendo recarregada, era uma prece ao destino para que não acabasse atingido por uma bala. Com seus poderes enfraquecidos, seria incapaz de fazer qualquer coisa para evitar a morte certa.

Os sons grotescos do Caçador e as suas próprias respirações deixaram de ser os únicos sons quando a praia chegava mais perto. Seus pés afundavam no lodo do pantano, aumentando o desespero ao perceberem estar ficando mais lentos a cada passo. Ao pularem uma grande poça de maré, conseguiram certa vantagem sobre seu perseguidor, que decidiu ficar onde estava e apenas mirar. Mono se sentiu aliviado ao perceber que não estavam mais sendo seguidos, mas a expressão de deleite em seu rosto foi substituída por um imenso horror ao ouvir um grito gutural de sua parceira. O disparo atingiu ela! Sem tempo para pausas, ela permaneceu correndo enquanto segurava o próprio ombro na tentativa de estancar o sangue que pingava por entre seus dedos. Felizmente para o momento, havia sido de raspão. O Caçador não devia estar mirando com calma.

De soslaio viu a areia da praia surgindo, de imediato sentiu o formigamento de uma tela sem sinal. Estavam correndo em diagonal o tempo todo. Antes de dizer qualquer coisa, porém, seus olhos focaram em um monte de musgo e cascas de árvore, o objetivo que fazia a garota correr com tanto afinco. Quando finalmente alcançaram, Six jogou brutalmente tudo que estava em cima para revelar uma jangada modesta, feita de remendos de madeira e já com alguns itens sobre ela. Parecia grande o suficiente para os dois, apesar de originalmente ter sido projetada somente para ela.

Enquanto ela puxava o lençol de cima da pequena pilha de objetos, Mono enfim tomou fôlego de perguntar:

- Vai me dizer o que vamos fazer? O Caçador estará aqui em poucos minutos!

- Eu estive guardando isso para quando fosse necessário - Ela respondeu o mostrando uma espingarda, que havia retirado de cima da jangada - Infelizmente, é agora. Só tem uma bala, então, não dá para errar!

- Dê ela para mim! Não vai conseguir mirar com seu braço ferido! - Tentou se aproximar, mas a garota o encarou com seu olhar mais orgulhoso.

- Eu consigo sozinha!

- Six, você disse que só temos uma chance! É melhor garantirmos que isso dê cer-

- Shiu! Ele tá ali! - Dito isso, ela engatilhou a arma e mirou. O Caçador estava vindo rápido, e provavelmente aproveitando que tinha acuado suas presas para chegar mais perto e atirar. Porém, ele não era o único. Six estava apenas esperando que ele saísse das árvores, para então lhe dar um fim.
Ela não vai conseguir! - Pensou Mono, ao reparar em como seu braço direito tremia em tentar manter a arma firme, onde a bala havia aberto. Assim, antes que pudesse reclamar, ele parou ao seu lado, agarrando seus antebraços para que se mantivessem estáveis e na mira.

Quem atira primeiro define quem vive e quem morre, e eles obviamente estavam em desvantagem ali. Uma única chance.

O Caçador se aproxima, com o dedo sobre o gatilho e alvo sob a mira. Predador e caça, frente a frente, onde a morte é o prêmio dos perdedores. Mono e Six inspiram fundo, contando os segundos a cada passo que ele dava. O
Caçador se prepara, eles também.

Três.

Dois

Um.

O gatilho foi puxado. Dois deles caíram no chão.


Notas da Autora

Butterfly Effect esteve em primeiro lugar na tag Little Nightmares, tenho que vir agradecer. Muito obrigada àqueles que estão curtindo essa fanfic! <3
Até a próxima!

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