DESABAFO
Eu sabia que provavelmente deveria descansar já que os próximos dias não seriam nada fáceis para mim, mas a verdade é que eu não consegui dormir sabendo que meu tempo ao lado de Shoto era contado. Ficamos em silêncio por um bom, bom tempo, apenas abraçados um ao outro, os dedos de Shoto deslizando de forma delicada e calma pelo meu cabelo. Não era um silêncio pesado, mas sim reconfortante e tudo o que eu precisava naquele momento. Eu queria fingir por pelo menos algumas horas que as coisas não estavam tão caóticas, que eu não precisava me preocupar com os problemas que estavam esmagando minhas costas.
Eu dei um suspiro enquanto abraçava Shoto com um pouquinho mais de força, como se ele fosse sumir caso eu piscasse os olhos. Durante todo esse tempo que passei longe dele, não houve um único momento em que eu não tivesse sentido sua falta; não só por eu estar em um lugar péssimo e sendo forçada a fingir ser alguém que eu não era, não só porque eu tinha feito meu melhor amigo e namorado acreditar que eu era uma pessoa que eu não era, mas sim porque era apenas impossível estar tão longe e tanto tempo sem ele.
Eu me sentia péssima; apesar de eu estar fingindo da melhor maneira que eu conseguia, ver quem meu pai era e descobrir que nunca foi a pessoa que eu costumava amar apenas servia para a cada dia que se passava quebrar um pouco mais algo dentro de mim. Eu passei a vida toda sofrendo pela morte de alguém que nunca existiu de verdade, eu amei uma imagem que criei dentro da minha mente. Ichiro não era o pai amoroso e carinhoso que eu havia conhecido; ele era apenas um monstro que gostava fe fazer jogos mentais até mesmo com a própria filha. Era como se Ichiro sentisse prazer em saber que no fundo eu estava sofrendo.
E tinha Toya. Apesar de saber que eu estava fazendo a coisa certa, que era aquilo que heróis deveriam fazer, uma parte de mim sentia que trair Toya dessa forma apenas ia servir para aumentar ainda mais o ódio que ele carregava dentro de seu coração, e não seria o suficiente para de fato conseguir ajudar ele, mudar a visão deturpada que Toya tinha criado sobre o mundo em geral. Em partes, eu não podia o julgar. Mas queria que as coisas tivessem sido diferentes, queria que Toya tivesse escolhido outro caminho, que tivesse me escolhido.
Eu entendia o como Toya sofreu por causa de Enji. Eu entendia o sentimento dele, toda a raiva que esmagava seu coração e o desejo de vingança. Ainda assim, eu não achava que isso era motivo o suficiente para cometer as dezenas de merdas que ele cometeu. Não era porque ele teve um pai ruim que isso justificava matar tantas pessoas. Caramba! Ele tinha tentado me matar. Quando eu pensava sobre isso, um nó se formava na minha garganta, mesmos abendo que Toya não era exatamente Toya. Não mais, pelo menos.
-Você está fazendo aquela cara. - Shoto disse baixinho e eu apenas olhei para seus olhos heterocromáticos. Não tinha como fugir de Shoto, ele me conhecia bem o suficiente para saber exatamente o que estava se passando na minha mente, mesmo que a telepata fosse eu. Eu apenas suspirei, segurando a vontade de chorar mais uma vez. Eu queria desesperadamente me mostrar forte naquela situação, mas na frente de Shoto eu sabia que não precisava fingir ser alguém que eu não era. Eu podia muito bem mostrar todas as minhas fraquezas, porque isso jamais ia mudar a forma como ele me enxergava. -Atsu... - ele disse num sussurro, passando a mão de leve pela minha bochecha. Eu apenas fechei os olhos, me inclinando mais na direção de sua palma.
-Eu não sei se consigo continuar com isso, Shoto. - falei, minha voz rasgando minha garganta. Eu conseguia sentir todo o carinho de Shoto me envolvendo e preenchendo o meu coração. Provavelmente era a única coisa que ainda conseguia me dar forças naquele momento. -Hoje é nosso aniversário, e tudo o que consigo sentir é vontade de desistir. - Shoto me olhou feio e fazia muito tempo que eu não recebia aquele olhar, o que quase me fez dar risada.
-Você nunca desiste, não vai ser agora que vai desistir, não é? - ele falou enquanto franzia as sobrancelhas. Eu aoenas suspirei, esticando a mão e afundando meus dedos nos cabelos de Shoto, separando distraidamente os fios coloridos de seu cabelo para os lados certos.
-É só que... Sei lá. Não sei o que é pior nessa situação toda. - falei com um suspiro cansado. A expressão de Shoto suavizou com a compreensão do que eu queria dizer, apesar das minhas palavras vagas. -E saber que logo vamos estar em uma guerra pra valer, Shoto... Não ajuda em nada. Apesar de estar tentando evitar o pior, eu sei que não tem como fugir. Se você soubesse da metade das coisas que estão acontecendo.
-Eu sei que as coisas não estão fáceis pra você, Atsu. - Shoto falou, segurando minha mão na dele e beijando minha palma com um carinho que fez meus olhos marejarem. -Mas você não tá sozinha e nem vai desistir agora. Você sabe o que precisa fazer.
Eu apenas assenti para ele e, por um tempo, ficamos em silêncio, tão próximos um do outro que eu podia sentir a respiração quente de Shoto contra meu rosto. Encostei minha testa na dele, fechando meus olhos por um instante.
-Eu odeio o Ichiro. É um merda desgraçado que ama fazer da minha vida um inferno. Eu só não entendo, Sho. O motivo de ele ser assim, nada parecido com o pai que eu costumava amar. - falei, franzindo as sobrancelhas. Shoto apenas me escutou atentamente, como sempre fazia. -Ele sempre me leva ao limite de tudo. Da minha individualidade, da minha força física e da mental. É como se ele estivesse tentando me deixar louca aos poucos. E tá conseguindo, sinceramente.
-O que eu não entendo é como ele ainda não descobriu sobre você, Atsuko. Não que você não seja forte na individualidade, mas seu pai tem afinidade com a telepatia a muito mais tempo. Você não acha que é estranho? - Shoto perguntou e eu assenti. Sim, eu achava realmente estranho, mas Ichiro sequer tentou entrar na minha mente para ver toda a verdade. Não, os planos dele haviam sido outros para fazer minha vida miserável. -E ele disse que você roubou de volta suas memórias sobre mim, o que também é... Bem, é estranho.
-É mais como se ele tivesse deixado isso acontecer para me testar. Tudo parece estar girando em torno de um grande teste, e eu não acho realmente que Ichiro esteja mesmo trabalhando para a Liga. Eu acho que os planos dele são ainda piores do que os de Shigaraki. - falei, e dizer isso em voz alta só fazia minhas paranoias e medos se tornarem ainda maiores. Shoto deve ter percebido isso, pois envolveu meu corpo com os braços e me puxou para mais perto de si, me abraçando com força, como se pudesse me perder a qualquer instante.
-Não vamos falar sobre isso. - Shoto sussurrou. Eu assenti.
-É. É nosso aniversário. Por que sempre temos aniversários ruins, Shoto? - falei e não consegui não rir da situação. Com todos os nossos problemas familiares, era difícil dizer que tínhamos tido um aniversário decente.
-Não importa que não sejam os mais animados ou os melhores do mundo, Atsuko. Se estivermos juntos, é o que importa. Não preciso de mais nada. - Shoto disse e eu dei um meio sorriso para ele. Aquilo foi o suficiente para fazer Shoto sorrir de volta antes que eu me inclinasse na direção dele e o beijasse.
Shoto não hesitou antes de retribuir, me puxando para mais perto de si. Acho que aquilo era tudo o que eu precisava naquele momento, ficar ao lado de Shoto e o ter tão perto assim de mim. Me fazia esquecer por um instante todas as coisas ruins que eu tinha feito enquanto era obrigada a fingir ser algo que eu não sou.
Ele me beijou com calma e com carinho, como Shoto sempre fazia, o que enchia meu coração e colocava todos os caquinhos de volta no lugar. Sobre algo Toya tinha razão; Shoto era, de fato, a única coisa que me impedia de quebrar completamente e ceder a minha pior versão. Não importava se eu me esquecesse dele, eu sempre voltaria a me apaixonar por ele e Shoto sempre voltaria a ser meu porto seguro, a âncora que eu precisava para não cair dentro da escuridão.
Eu passei os braços ao redor do pescoço de Shoto e o abracei. Tudo o que eu mais queria era poder ficar para sempre com ele, apenas nós dois, e esquecer de todo o resto, ir para um lugar sem problemas e dramas familiares. Mas nem eu e nem Shoto iríamos deixar de lado as obrigações que tínhamos como heróis. A gente tinha um comprometimento.
-Sei que você sente que não consegue fazer isso, Atsuko, mas, se tem uma pessoa capaz de resolver, essa pessoa é você. - Shoto disse baixinho, segurando meu rosto em suas mãos e me olhando seriamente para que eu soubesse que ele não duvidava de mim nem mesmo por um instante. Nem mesmo quando eu tinha milhares de dúvidas.
Eu sabia que ainda tinha muita coisa pela frente e que só estava no começo. Mas também sabia que não estava sozinha, e aquilo não tinha sido provado só por Shoto, mas sim por todos que estavam me ajudando naquele momento. Meus amigos até podiam não saber que eu não era a pessoa ruim que estava tentando fazer eles acreditarem que eu era, mas não importava. Porque eu faria cada segundo enfiada dentro da Liga valer a pena. Eu faria todos aqueles meses de sacrifício valerem a pena.
Custe o que custar.
Boa noite povo bonito! Tudo bem com vocês? Espero que sim!
Postando tarde porque só consegui acabar de escrever agora. Não revisei pelo mesmo motivos K: morrendo de sono eu estou. Se acharem algum erro, me avisem por favor, vou revisar ele amanhã 🥺
Sim, eu postei mais um capítulo focado na relação do Shoto e da Atsuko porque 1) senti necessidade de fazer mais momentos deles e principalmente agora que a Atsuko tá com o psicológico cagado, só precisando de um apoio, e quem melhor que o Shoto pra fazer isso, certo? 2) eu tava cansada demais pra fazer algo mais elaborado e escrever os dois é um conforto, então, pois é, vão ter que ficar com mais um capítulo deles
Votem e comentem, isso ajuda demais e me deixa mais inspirada a continuar!
Espero que gostem <3
~Ana
Data: 21/10/22