GAROTINHA

Por Jhazxci

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A culpa é a sombra que lhe arrasta para o abismo da perdição, aprisionando sua alma no eterno tormento do inf... Más

Garotinha

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Por Jhazxci

"Before all hell breaks loose
Breathe, keep breathing."¹

                  MEUS OLHOS ESTAVAM ARDENDO. Vermelhos. Refletidos em minha imagem embaçada no espelho do banheiro.

Esfrego meus punhos pelas pálpebras, tentando recuperar a visão clara. Junto a ela, no vítreo a minha frente, estava a justificativa de minha face estar molhada, havia agora sangue misturado as minhas lágrimas.

Olho assombrado para minhas mãos, ensanguentadas. Minhas juntas estavam machucadas, mas sei que não produziria aquela quantidade de fluido.

— Não, não, não... – Resmungo. Falhando miseravelmente de tentar me afastar de mim mesmo, sinto a maçaneta da porta nas costas e viro-me em sua direção. A cerco com os dedos, vacilante, permito-me fechar os olhos para não encarar as manchas que depositava na porta branca.

"Charlie, vou te matar, seu miserável!".

"Apareça!". Gritos em uníssonos, falando frases paralelas, ecoavam por trás da madeira. Progressivamente. Fazendo-me sair dos devaneios soturnos e agarrar o objeto arredondado.

"Sei que você está aí!" As vozes pareciam estar a um metro de distância, aproximando-se.

Então deslizo a mão até a chave, a rodando.
Medroso. Não posso sair por aqui.

Pensa, pensa.

Batidas na porta ocasiona-me espasmos musculares incontroláveis.

Divinamente, noto a luminosidade do ambiente proveniente de uma janela do lado direito. Onde era possível notar uma lua redondinha, convidativa.

Deixando os malditos urros por trás da porta, me esgueiro no pequeno retângulo alto, subindo no sanitário para dar impulso, e, pendurado no batente, pulo trépido até a sacada.

Uma dor aguda sobe pelo meu joelho, porém, o arrombo do que p foi a porta do banheiro, fez o sofrimento ser suportado com fervor.

Olho para baixo, estou no quarto andar. Seria um pulo e tanto!

"Ele ta fugindo!"

Olho para a janela e uma velha gorda me encarava furiosa de volta. "Não posso passar por aqui, chame o Will!", "Billy, pegue ele lá embaixo."

Não vou esperar o tal do Will me alcançar.

Logo me penduro na grade e, felizmente, consigo me jogar na varanda de baixo. Sem pensar muito, tento repetir os passos, mas alguém me espera lá embaixo com um cabo de vassoura. Então vou até o apartamento ao lado, vendo a senhora tentar me acertar com o objeto, e um garoto magricela ultrapassando minha janela.

Ao chegar, uma mão me puxa para dentro, velozmente. Caio ao chão enquanto a porta é fechada e sou tomado pela escuridão.

— Não precisa ter medo. – Um homem de aparente 50 e poucos anos, acende um abajur.

— Eu só quero te ajudar. Sei que não teve culpa. Coisas assim acontecem, né? Afinal, somos homens! - Ele exibe um sorriso forçado e torto.

— Eu, eu, eu não fiz nada. – Justifico. — Você tem de acreditar em mim.

— Venha cá, garoto. – Estende-me a mão. Apoiando-me em sua pele fria, levanto do carpete marrom, empoeirado. — Se não fez nada, esse sangue é de quem? – Questionou, limpando a palma em sua camiseta fazendo caretas.

— Não sei. Não consigo me lembrar... – Sinto uma pontada no peito.

— Então se não lembra, não aconteceu? – Gargalhou, me constrangendo. — Fiz um chá. Aceita? – Seguiu para cozinha sem respingos do humor a pouco demonstrado.

Fico imóvel no centro da sala. Um cheiro de mofo invade meu nariz. Fecho os olhos e consigo ver meu coração batendo, repulsivo e suculento, acalmando-se gradualmente...

"Não, por favor!" Um grito agudo ecoa, e desperto. A campainha toca novamente.

— Quem deve ser? – O velho sai da cozinha com uma xícara na mão. Segue até a porta, malicioso.

— Não, não atende! – Aproximo-me, cauteloso. - Pode ser eles... por favor?

— Deixe-me dar uma olhada. – Ele se aproxima do olho mágico.

Antes que eu pudesse reagir, um líquido quente é jogado na minha cara, fervente. Grito de dor e acabo esbarrando nos móveis a procura de abrigo.

— Bill, entre! Ele está aqui, como eu disse. É só nosso agora.

— Todo mundo achando que ele fugiu pela parte de trás do prédio.

— Não! – Tento me recompor, apertando os olhos com os punhos cerrados. — Me deixem em paz!

— Você julga que merece paz? – Bill se aproxima e soca-me no estômago.

Sinto a bile subir a garganta e começo a tossir:

— Eu não fiz nada...

— Vou fazer esse nada com você também, o que acha? – O meu anfitrião começa a desafivelar o cinto.

— O que...? – Cerro o cenho enquanto as lágrimas brotam em meu rosto, fazendo-o arder novamente.

— Vai chorar agora igual uma garotinha? – O tal do Bill me gruda pela camisa, jogando-me contra a mesinha de centro de madeira. Causando-me uma terrível pontada nas costas, imobilizado. Tentando recuperar o ar.

— Vira ele. – O velho se aproxima, sério. E o outro, retira um canivete do bolso. Me cercando com um dos braços, e virando-me ao chão. Coloca o canivete em minha pele.

— Se você gritar, eu te mato. – Ele corta a minha bochecha enquanto me impede de contestar com o braço em volta do pescoço.

— É melhor colocar algo em sua boca, apenas para garantir. – Escuto o outro se afastar.

E aproveitando a deixa entre os agressores, procuro algo para me defender, vendo uma parte de um vaso de cerâmica que estava em cima da mesa, agora embaixo do sofá. Começo a estender minha mão atrás do controle da TV na outra extremidade.

— O que vai fazer? Assistir pela última vez? – Ri, afastando o controle de minha mão, enquanto enfio a outra com o caco em sua costela. Ele urra e afrouxa o braço em meu pescoço, me dando passagem para empurrá-lo e correr a primeira porta a esquerda.

— Ray! Pega ele! Ele me acertou! – Gritou. Entro logo no cômodo e tranco a porta atrás de mim, preso em um quarto escuro.

— Abra essa droga, Charlie! – Esmurra a porta.

Preciso fugir.

Limpo o sangue em meu rosto, mal suportando a dor, e vou em direção às cortinas cinzentas. Abro a janela junto a um barulho de chaves atrás de mim.

Não havia sacada.

A porta é aberta.

Pulo do terceiro andar.

          Não sei por quanto tempo fiquei apagado. Contudo, sei que passei minutos intermináveis tentando me mover no meio de um monte de sacos de lixos abertos com vermes e comida estragada. O lixeiro não passou essa semana e, aparentemente, não quebrei nada.

Levanto tonto, tudo rodopiando a minha volta. Meus joelhos estavam se esforçando para não cederem.

Tudo que passava pela minha cabeça é que isso é a merda de um pesadelo!

Fui me camuflando pelos becos escuros para não ser perseguido por aqueles malucos.

Eu parecia ter sido esquecido. Isso me deixava tranquilo para sentar e finalmente tentar amenizar toda a dor que estava sentindo. Pude respirar e sentir meus pulmões falharem e tentarem se recompor. Não consegui me conter de fechar os olhos e ser invadido pela escuridão.

"Charlie... Charlie...?" Um sussurro me assusta, e fico alerta.

— Ele está ali. Mamãe, mãe?! – Uma jovem garota na escuridão berrava em minha direção.

Corro beco adentro sem olhar para trás. Sentindo minhas pernas arderem infernalmente.

"Volte aqui, seu desgraçado!", "Maldito, maldito!".

Uma multidão parecia se formar atrás de mim. Gritos começavam a ficar ensurdecedores. Eu não queria olhar para trás, não podia.

Por quê? Por que comigo? Deus...?

Tropeço em meus pés e caio ajoelhado ao chão.
Os barulhos foram embora.
Talvez agora eu tenha falecido.

— Isso só está começando. – Uma voz rouca chama a minha atenção. Parado em minha frente havia um brutamontes com uma foice em sua mão, apontando para o meu pescoço. — Quero ver você implorar pela sua vida.

— Eu, eu imploro! Faço o que você quiser. Por favor, por favor, não me mate. Não fiz nada, não sei o que está acontecendo. Você precisa acreditar em mim... por favor, por favor?! – O choro embarga a minha voz e minha visão. Aperto os olhos para ver a antiga imagem do homem se transformar em uma jovem. Aquela garotinha. Meiga, linda e inocente me encarando de volta. O meu coração continua acelerado, mas não por medo, e sim uma ansiedade desconcertante.

— Engole o choro. – Ela diz com sua doce voz. - Foi o que você me disse.

— Me desculpa... – Estendo minha mão trêmula tentando a tocar. — Você é, é real? Diz para eles que eu não fiz nada, por favor? Eles querem me machucar...

— Eles não são reais, Charlie. Estão apenas na sua cabecinha. – A garota coloca suas mãos atrás das costas com um sorriso bobo no rosto.

— Somos só nós dois, então? – Sussurro, molhando os lábios.

— Vai em frente. – Ela traz a luz uma faca de cozinha e estende a mim. Me assustando.

— O que quer que eu faça com isso?!

— Charlie. - Ela entorta a cabeça e finge passar a faca em seu pescoço, gargalhando do meu assombro. – Eu não vou contar nadinha, mas é só questão de tempo até encontrarem minha boca cheia de terra.

— Eu... – Não conseguia falar. Uma dor agonizante tomava conta de meu peito como espinhos perfurando a carne.

Avistava a jovem e doce garotinha se transformado em uma massa enrugada, podre, e sem vida.

Eles iriam descobrir por mais que eu negasse. Eu sofreria nas mãos deles, na cadeia, com uma morte lenta e dolorosa. A vergonha de minha família... o que eu seria?
No que me tornei?

Tento pegar a faca das suas mãos afiadas, mas o ser monstruoso em que a criança se transformava, puxa para si.

— Oh, Charlie. Não será tão fácil assim. – Uma voz estrondosa saiu de sua boca junto a cheiro de enxofre. — Você ainda vai passar por tudo o que passei! – Encerra. Afundando a lâmina em minhas genitais.

E tudo fica vermelho.

Eu podia sentir o sangue jorrando de mim. E a cada corte, facada, dada por aquele monstro, eu me amargurava com as imagens de meu maior pecado se retrocedendo em minha mente.

De novo e de novo.

Isso nunca terá um fim.

Meus olhos estavam ardendo. Vermelhos. Refletidos em minha imagem embaçada no espelho do banheiro.

Esfrego meus punhos pelas pálpebras, tentando recuperar a visão clara. E junto a ela, no vítreo a minha frente, estava a justificativa de minha face estar molhada, havia agora sangue misturado as minhas lágrimas.

Olho assombrado para minhas mãos, ensanguentadas. Minhas juntas estavam machucadas, mas sei que não produziria aquela quantidade de fluido.

— Não, não, não... – Resmungo. Tudo era tão insólito, que achei ser psicológica a dor aguda em minhas costas afundando em meus órgãos. Até ver minha camisa branca manchar-se escarlate. Estava imóvel e sem ar.

Pelo espelho, em cima de meu ombro, via o rosto de minha mãe mergulhado em lágrimas:

— Ela era só uma garotinha, Charlie... Você não podia... Deus...

De novo, e de novo. Isso nunca terá um fim.


Fim.

¹: Radiohead, Exist Music:
"Antes que Todo o inferno se solte
Respire, continue respirando."

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