Como Salvar os Perfeitos Desa...

By nayops

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Depois da descoberta catastrófica no baile de apresentação do príncipe, Isla se vê numa baita enrascada. ... More

Dedicatória e algumas ressalvas
Epígrafe & Playlist
Mapas e alguns extras
Prólogo: Tragédia adolescente
01 - A Sinfonia contorcida
02 - Salão de quadros
03 - Todas as mentiras que nós contamos
04 - Babuínos bobocas balbuciando em bando
05 - A arte de contar mentiras
06 - Desventurada e afônica
07 - Sinal dos tempos & Guns N' roses
08 - A revolução das meias 3/4
09 - O paradigma do soco
10 - As pedrinhas cintilantes do lugar escuro
11 - A garota empesadelecida
12 - Neurologistas e a outra criatura tenebrosa
14 - Gaiolas e adesivos fosforescentes
15 - Seres assombrados
16 - Enquanto a neve caía
17 - Coisas incríveis, coisas terríveis

13 - A associação colaborativa dos prestadores de serviços especializados

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By nayops

Nome: Isla Nicolina Ophelia Grant
Nome da mãe: Annelise Nicolina Florence Bridger
Idade: 17 anos| Sexo: Feminino| Registro: 0284396

É o que está gravado em letrinhas exíguas na pulseira de identificação hospitalar envolta ao meu pulso esquerdo.

Agora, nada dói. Sinto a maioria das articulações, mas nenhuma dor.
Devem ser os analgésicos; o que explicaria o gosto amargo na minha boca.

A sala de observação do Dr.Stevenson tem um teto horrendo. Os arquitetos foram ameaçados para inventar algo tão deprimente?
Caso não, poderiam ter pensado em algo melhor que essa coisa bege meio encardida, até porque ninguém gosta de frequentar hospitais; exceto certos birutas que geralmente trabalham neles.

Devo estar deitada nessa maca há uns dez minutos e tenho me sentido cada vez pior. Preciso dar um jeito nisso. Chega.

Impulsiono o corpo para frente conseguindo me  sentar, e avisto o meu celular na pequena mesinha de medicação ao lado.
Pego o aparelho milagrosamente funcionando, apesar da tela estar rachada por inteira, e o viro de todos os jeitos, tentando decifrar a última mensagem recebida, assim como tento adivinhar quem a enviou.

Que coisa pavorosa.

Pulo da cama pouco confortável e não preciso mover muito as minhas pernas para sentir pontadas e fisgadas nos dois joelhos. Não é doloroso, apenas bem incômodo.
Pararam de sangrar desde que a enfermeira fez os curativos. Segundo a senhora afoita e faladeira, por muito pouco não abri uma recente e pequena cicatriz; aquela que ganhei quando caí de moto com o Jack.

Dos meus ferimentos, esse em específico não tem tido tempo hábil para fechar e talvez nunca se cure. Não se depender da minha habilidade de negligenciar o corpo humano em que habito, sujeito a uma incontestável limitação.

Na verdade, para uma boa conhecedora de mim mesma, sei que minha vida é repleta de bobeiras drásticas e absurdos triviais. Posso viver com isso, só não sei quanto tempo a pele dos meus joelhos irão aguentar.

Ok. Muita informação, pouco contexto. Eu explico.

O temporal havia se reduzido a uma fina garoa, e o céu permanecia com a sua tonalidade cinzenta e enevoada.

Harry dirigia até do Hospital Fleming enquanto Rosana e eu estávamos no banco de trás da limusine, envolvidas num silêncio jamais mostrado antes.

Saí e entrei da caixa de mensagens uma dúzia de vezes, conferindo se o fantasma havia retornado, e não, até aquele momento não tinha nenhum sinal dele. De novo.

Ao mesmo tempo, estava trocando mensagens com a Harper.
Ela tomou um baita susto quando contei sobre aonde estávamos indo, me fazendo explicar boa parte da história.
Precisei omitir o fato minucioso de ter sonhado com uma tentativa de assassinato. Quero contar para ela, mas não vou fazer isso pelo telefone. Até porque Harper tinha acabado de tocar noutro assunto fomentador de agonias e aborrecimentos.

Harper [16h32min]:
Falei com a Emma hoje.

[16h33min]:
Eu soube.

Harper [16h33min]:
Por quem?

[16h33min]:
As paredes do Salgueiro têm falado pelos cotovelos.

O que conversaram?

Harper [16h34min]:
Sobre muitas coisas.

Ela me contou como tudo aconteceu e do porquê ficou tão receosa em contar sobre o Jack antes de você ir até o lago naquele dia.

Sei que vocês já tentaram falar sobre isso, mas acho de verdade que deveria ouvir toda história.

[16h34min]:
Não deve ser uma história longa e eu não estou muito interessada.

Harper [16h35min]:
No primeiro dia de aula você foi horrível com ela, lembra disso?

Emma poderia muito bem ter dado as costas para você e ter ajudado a espalhar todos aqueles mexericos. Vocês não eram amigas na época, ela não devia nada a você.

E ainda assim te deu uma chance.

Acho que ela só está pedindo o mesmos agora.

[16h35min]:
Harp, nem vem!

Entendo que você gosta dela. E por mim tudo bem, não vou te pedir para se afastar da garota.

Só me deixa fora disso.

Emma pode derrubar os meus livros se quiser, mas isso não muda nada, não omiti um detalhe importante.

Ela foi a primeira pessoa a saber quando eu beijei o Jack.

Bom, não a primeira. A primeira pessoa teoricamente foi o Declan que viu tudo.

A questão é que, no segundo em que ela viu as coisas ganhando outra proporção devia ter aberto o bico.

Harper [16h36min]:
Se ela tivesse contado, você teria se afastado do Jack por causa disso.

[16h36min]:
Provavelmente. Não gosto de bancar a Spencer Hastings¹.

Harper [16h36min]:
Você adora a Spencer ,-,

Lembra quando soube sobre mim e a Meg? Porque eu me lembro.

Lembro do quanto você ficou chateada por eu não ter contado.

Eu não contei por motivos imbecis, mas ainda eram meus motivos imbecis e esmagadores.

E estamos aqui, não estamos?

Amigos não deveriam mentir, mas as vezes fazem burrada porque amigos são feitos de carne e osso.

Poxa, você mais do que ninguém deveria saber disso.

Vai me dizer que não sente falta dela, nenhum pouquinho?

Nadica de nada?

Harper estava defendendo a Emma com unhas e dentes, e uma parte de mim considerou que ela faria isso por qualquer pessoa; afinal, é a Harp. Ela é de longe a melhor pessoa que eu conheço.
Contudo, a outra parte de mim, o bicho-papão feioso, queria pedir para ela passar o resto da vida ouvindo as ladainhas da Emma e se esquecer das minhas.

— Poderia sair desse celular por um minuto? — A voz da Rosana ressoou dentro do veículo.

Ajeitando as costas no banco a minha frente, minha madrasta não disse nada tão de imediato, e eu me mantive quieta. Coloquei o celular no colo e elevei minha atenção ao seu rosto tomado pela impaciência. Nada novo.

— Liguei para o Dr.Stevenson e ele concordou em atender você hoje. Sei que não gosta de ir ao médico...

— Não gosto mesmo — enfatizei, sem esperar ela concluir.

— Ninguém gosta, as pessoas não vão ao médico porque adoram senhas de espera, o cheiro de antisséptico ou o ar funéreo e adoentado, elas vão porque precisam — continuou, tirando as luvas pretas de tule — E, talvez você precise repetir o exame de tomografia. Quero saber se pode manter os seus Gremlins presos na gaiola, considerando que o senhor Stevenson está apenas fazendo o trabalho dele, e não é o culpado pelos seus problemas.

Passei a língua pelo lábio inferior e assenti devagar, o mais lentamente possível.

— Não, ele não é culpado — acrescentei, forçando um sorriso.

Ela é.

Rosana também fingiu sorrir, direcionando a sua atenção para a janela e o borrão de todas aquelas árvores ficando para trás.

Eu contava com o bom senso de humor do Dr.Stevenson para passar por esse dia. Ele sempre foi muito educado, gentil, e até que é bem bonito para a idade dele.
Não que ele seja velho, deve ter a idade muito próxima a da minha querida madrastra.

Desde do acidente com a cabeça, tenho feito alguns exames de imagem para monitorar o meu cérebro, garantindo que ele está "dentro dos conformes".
Fiz uma tomografia nas férias de verão e a Rosana sabe melhor do que ninguém, porque estava comigo durante a bateria de testes.

Caso você nunca tenha realizado esse tipo de exame, em primeiro lugar, não sabe o quão sortuda és, criaturinha afortunada.

É uma vez por ano, e a cada ano eu gosto menos dele.
Não importa o que eu faça, quantos truques psicológicos eu use para me sentir mais à vontade; me sinto estranha sempre que preciso ser submetida a qualquer tipo de exame.
Tenho a sensação de que a qualquer momento irão descobrir alguma enfermidade ultra-mega-grave em mim, e eu vou precisar ficar presa numa redoma de vidro pelos próximos dias, meses e anos.
Ir ao medico é me sentir frequentemente exposta, e não como sou com a mídia, é de um jeito diferente. Já que o exame é para que consigam ver — literalmente — através de mim.

Em segundo lugar, o procedimento de tomografia computadorizara não tem muitos segredos, mas isso não o torna menos tenebroso.
A sala tem um espaço estreito e iluminado, com uma maca que sempre me parece desconfortável.
O doutor costuma pedir para eu tirar os acessórios como: brincos, pulseiras e colares, e colocar uma daquelas camisolas azuis pouco fechadas na parte de trás.

Meu corpo é deslizado para dentro do aparelho que se assemelha muito com uma dessas cápsulas futurísticas dos filmes de ficção científica; e a medida que a máquina inicia seu trabalho, é possível ouvir a inarmonia de sons estranhos e metálicos preenchendo o ar, ecoando na sala e dentro da minha cabeça.

Argh! Como odeio aquelas luzes. Odeio como eu as sinto me acorrentar. Odeio como não posso me mexer, e como eu sempre me esforço para ignorar uma claustrofobia momentânea.

Por que estou dizendo todas essas coisas?
Eu já expliquei, fiz esse procedimento no início do ano e eu pressinto que essa visita repentina não é uma simples preocupação com a minha saúde, tem algo a mais. Rosana não dá ponto sem nó.

— Decidiu me levar ao neurologista, simplesmente? — questionei, sem fazer rodeios.

Ela devolveu seu olhar a mim, ergueu uma das sobrancelhas.

— É o coerente. Você tem acordado aos gritos e vive se queixando dor de cabeça. Ponderando o seu histórico, queria que eu a levasse a algum outro especialista?

— Eu sei lá — Dei os ombros — Parece estar dando muito importância a isso. Nunca me buscou no colégio antes do fim das aulas. Parece ansiosa e com medo, talvez.

— Do que eu teria medo exatamente? — Franziu a testa.

— Eu não sei, estava esperando você me contar, mas eu lembrei que é mais provável estar me levando para fazer uma lobotomia.

Não sou nenhuma santa, estava agindo com o mais puro cinismo de propósito.

Havia uma certa descrença e um pouco de desdém em seu olhar. Ela pareceu quase falar alguma coisa várias vezes, mas certamente não disse o que pensou:

— Precisa parar de fantasiar que eu estou organizando um motim contra você e contra o reino — diz de modo ríspido — Não sou nenhuma ameaça!

Rosana parece ameaçadora para mim: Suas ações, as palavras e toda sua linguagem corporal.

— É o que você diz, mas não posso acreditar. Inclusive, a partir de agora, acho que vou ter uma interpretação totalmente oposta a tudo o que você disser. Se me dissesse nesse momento que a Terra é redonda, eu me tornaria um desses aluados terra-planistas. Se me dissesse que o dia é claro e a noite é escura, então pelo menos no nosso hemisfério, a lua pertenceria a manhã e o sol seria a única estrela vista na madrugada.

— Isso é ridículo — seu rosto se contrai numa careta.

— Então é apreciável, estupendo! Viu, só? É muito fácil. É tão bom conseguir te entender agora.

De repente, meu celular apitou com uma nova mensagem da Harper, coincidindo com uma nova mensagem do fantasma.

Harper [16h40min]:
Posso dormir com você se quiser. Podemos conversar, não sobre isso, sobre outras coisas.

O que acha?

Fantasma [16h40min]:
Seu pai e Devon Greer podem não ter sido mortos pela mesma pessoa, mas foram pelo mesmo motivo. Sua madrasta e o rei Albert tem escondido segredos demais e são eles que estão pondo você e o reino em risco.

— A Harper pode esperar — A ruiva resmungou na sequência ou pelo menos acho que foi isso o que ela disse.

— Aham... Tá. — Foi o som que eu emiti enquanto digitava.

[16h41min]:
"Sabe quais segredos são esses?"

Fantasma [16h42min]:
"Sei, mas seu eu contasse você não acreditaria, por isso vou precisar mostrar. Eu prefiro e é mais divertido, não acha?"

— Isla, eu já pedi para sair do celular, não terminamos de conversar! — insiste.

— Você pediu para eu sair por um minuto, já se passou um minuto.

Sem tirar os olhos da tela de mensagens, continuo respondendo:

[16h43min]:
"Divertido pra quem? Disse que esses segredos mataram pessoas."

Fantasma [16h44min]:
"Divertido para você, principalmente. Sejamos francos, você gosta de caçar as respostas por si mesma, dá algum sentido a sua vida regrada e entediante. Sem falar que do mesmo jeito que os segredos mataram pessoas, tem mantido pessoas vidas. Você é uma delas, por exemplo".

Segredos tem me mantido viva? O que isso quer dizer?

Não. Não posso. Ele quer que eu faça parte desses joguinhos, mas não posso permitir, não posso dar esse poder a ele. À ninguém.

[16h44min]:
"Não, isso é loucura."

— Guarde esse celular agora, se não eu juro por Deus que eu vou atirá-lo pela janela! — Rosana proferiu num cochicho, inclinando do seu corpo para frente.

— Não seja tão melodramática, Rosana — digo e finalmente a encaro — Isso não combina com você, exatamente como essas botas não combinam com esse sobretudo. 

Usei os olhos para indicar os sapatos de bico fino que ela usava e eu sorri, indiferente e vitoriosa.
Entretanto, fui pega de surpresa quando estava prestes a devolver a minha atenção para o celular. Rosana foi ágil em tirar o aparelho das minhas mãos, abrir a janela e o atirar para fora do carro.

Paralisei. Meu queixo foi ao chão.

Pisquei múltiplas vezes e a imagem dela jogando meu telefone ficava reverberando nas lacunas da minha mente, sem pausa. Tive uma enorme dificuldade de acreditar.
A pior parte foi quando ela sorriu. Rosana sorriu e não é assim que funciona. Ela não podia ter feito aquilo.

Diante disso, meus Gremlins se desengaiolaram, eles me forçaram tirar o cinto de segurança, puxar a trava da porta e saltar para fora do veículo.

Em seguida, escutei um grito, a freada brusca do carro, e não ouvi mais nada.


Não, eu não desmaiei.

Fiquei meio atordoada, cambaleando pelo asfalto a procura do meu celular, mas estava lúcida o bastante para ouvir a Rosana berrar comigo em quatro idiomas diferentes, ao mesmo tempo que o Harry tentava tirar nós duas da beira da estrada.

Tirando isso, toda a minha passagem pelo hospital foi tranquila.

Algo me faz acreditar que o Thomas me dedurou na primeira oportunidade, porque a Rosana parece ter tido tempo de preparar tudo com relação as minhas horas por aqui, cuidando dos mínimos detalhes para que ninguém tivesse a chance de nos fotografar:
Entramos por um dos acessos exclusivos e caminhamos por corredores intermináveis sendo guiados por um dos gerentes da ala.

Além do Dr. Stevenson e da enfermeira não vi ninguém, e se não fosse pelo burburinho constante de conversas apressadas e o som distante de campainhas de chamada, eu diria que não há uma alma penada nesse lugar.

Com os olhos fixos no minha imagem refletindo na janela do quarto, consigo ver o horizonte escurecer pouco a pouco. Abaixo dos céus e das nuvens carregadas, no estacionamento do hospital, vejo o Harry escorado no nosso carro. Ele está de braços cruzados e cabisbaixo.

Estou me sentindo uma das pessoas mais patéticas da humanidade.
Pode ser o efeito da medicação, mas posso ter exagerado quando pulei do carro. Vi num filme e desde então sempre quis saber como era.

Para encurtar a história, é péssimo.

Estava com tanta raiva da Rosana, talvez com um pouco de raiva da Harper por falar sobre a Emma e por estar certa sobre muitas coisas a respeito dela.

Estava com raiva do fantasma, por despejar as informações e depois retirá-las, como um professor que escreve o conteúdo de uma prova importantíssima na lousa e não espera seus alunos terminarem de copiar antes de apagar o quadro.

Eu senti aquele buraco no estômago e não foi bom. Eu senti incontáveis espetadas no meu peito e odiei.

Eu senti raiva, acima de qualquer outra coisa de mim mesma. Não entendo porque eu sou desse jeito. E a parte mais tenebrosa disso tudo, é que eu sei que se eu continuar assim vou acabar morrendo sozinha — ou só acabar morrendo de uma vez.

"Você exagerou". Essa frase tem ecoado na minha cabeça com o passar dos segundos, e não somente porque a Rosana a vociferou aos quatro ventos.
Eu vi o rosto do Harry, como ele estava chocado, com medo e completamente apavorado por minha causa. O assisti discutir com a Rosana, sem nem pensar no seu emprego.

Não queria fazer ele se sentir mal, a intenção não era atingir o Harry.

Meu reflexo revela aquele bicho-papão outra vez. Não é tangível e nem pode ser visto pelos outros, mas é feito da mesma matéria que a minha.

Acabo sobressaltando, dando um pequeno passo para trás quando meu celular começa a apitar nas minhas mãos.
Não dá pra ver quem está ligando, e torcendo para não cortar o meu dedo, deslizo o indicador pela tela, conseguindo atender.

— Alô?

Do outro lado, primeiro ouço uma respiração aliviada.

Graças a Deus! — Pela voz e pelo jeito de falar tenho certeza que é o Jack. Melhor confirmar, vai que não, não é?

— Jackson? — Sibilo, virando para o outro lado da sala.

Sou eu — Ele diz — Tem alguma noção do quanto estava preocupado?

Falar com o Jack parece espanar o bicho-papão para debaixo do tapete. Que bom que ele ligou.

— Você está preocupado comigo? Por qual motivo? Eu sou tão tranquila, quase nunca estou metida nas piores situações.

E, eu não estou falando sério, não poderia estar usando essa combinação de palavras.

Muito engraçadinha. Soube que seu dia está sendo bem agitado.

— Seu irmão já foi fazer fofoca? — questiono, rolando os meus olhos.

O meu irmão? Não, eu ainda não falei com ele. Por quê? Ele vai me contar alguma coisa?

Eu não devo piorar o dia falando do Thomas enquanto converso com o Jack.
Eu deveria falar com ele enquanto ainda sinto que posso falar com ele. Aproveitar que ainda não fomos atingidos por nenhuma dose cruel da realidade.

— Não é que... — Sacudo a cabeça — Deixa pra lá. Não tive tempo de avisar ninguém. Rosana me pegou de surpresa me forçando vir ao médico. Como soube que o meu dia estava sendo, nas suas palavras, "bem agitado"?

— Talvez eu tenha ligado para o Harry e para o Simon — Jack confessa — Como você está?

— Com uma roupa de hospital medonha.

Isso me faz lembrar que pediram para eu me trocar, por isso me deixaram sozinha.

Onde estão as minhas roupas?

Rodopio pelo cômodo, dando uma volta inteira para a esquerda e uma para direita e não encontro a minha mochila.

— Sabe, essas camisolas não são nada confortáveis e ainda dá pra sentir um ventinho bater na minha bunda — Explico, algo me diz que estou dando detalhes demais.

Interessante — Posso ouvi-lo rir — Mas eu me referia a sua saúde.

— Ah, isso? Acho que bem.

Passo pela porta que dá acesso ao consultório do médico, é outra sala que também está desabitada no momento.

— "Acha"?

— Achei! — Comemoro comigo mesma, quando encontro a bolsa em cima da cadeira, próxima a uma mesa de madeira escura.

O quê?

— Nada. Eu dizia que segundo o Dr. Stevenson as imagens não mostram nada de diferente, e estão normais.

Isso é bom. Muito bom.

O escritório inteiro exala uma organização meticulosa. É um universo novo de simetria e ordem, cada detalhe do espaço parece ter sido cuidadosamente planejado.

Que agonia. Eu nunca havia reparado antes.

O chão de mármore está reluzindo de tão limpo e as paredes pintadas em um suave tom de azul claro, tem quadros pendurados sob uma precisão matemática, exibindo certificados, diplomas e prêmios, contrastando de modo harmônico com os armários de mogno.
Cada porta e gaveta estão perfeitamente alinhadas, polidas e devidamente etiquetadas.

A aura de organização quase obsessiva me causaria pânico, se não fosse pela gaveta com o rótulo de "Registros médicos", e ela resplandece.
Visualizo uma luz dourada saindo pelas frestas e o ouço som de querubins cantando. Era exatamente o que eu precisava.
Estou a um passo de dar alguma utilidade a minha vinda ao Hospital Fleming se eu encontrar qualquer pasta com preciosas informações sobre uma pancada na cabeça de dez anos atrás.

— E...Já estão voltando para o palácio? — Jack pergunta, sua voz agita os meus neurônios.

— Ainda não — Respondo engolindo em seco.

Caminho em direção a porta da entrada do escritório, e pela janela minúscula e quadrada, consigo avistar a minha madrasta no corredor conversando com o Dr. Stevenson.

— Estou esperando a Rosana. — Comento baixo — Ela está lá fora falando com o médico.

Não consigo ouvir, tampouco fazer uma leitura labial decente, mas isso não é o mais importante agora.

— Jack, podemos falar mais tarde? Preciso trocar de roupa.

Volto minha atenção para a gaveta de registros.

Claro . Te vejo quando chegar, então. Se cuida.

— Eu vou — garanto antes de desligar.

Fazendo um baita esforço para manter o lugar o mais silencioso possível, me aproximo do armário e  abro a gaveta de pastas, todas elas tem o nome dos pacientes devidamente listados de A a Z.

Obrigada, Sr. Stevenson. Obrigada.

Deslizando o dedo indicador entre os arquivos, procuro pela ordem dos nomes. Passo pela letra G, H, I... Iliana, Isaac, Isobel, e muda para o J com um tal de "Jasper".

Fuço nos arquivos de trás para frente e nada. Nenhuma "Isla Grant".

Pensando bem, pode ser que o Dr.Stevenson tenha pego para atualizar e comparar com os novos exames. Acho que vi ele segurar uma pasta amarela, semelhante a essas.

Volto para a porta e tenho a confirmação. De fato, o médico magricelo e barbudo está com um arquivo debaixo de um dos braços. Deve ser o meu prontuário.

Comemorei rápido demais.

Rosana e ele continuam conversando, eu estou com dificuldade para saber o assunto. A visão turva não ajuda em nada.

Seguro na maçaneta prateada e com cuidado a pressiono para baixo, no intuito de abrir a porta apenas o suficiente para ouvir.
O som suave do trinco sendo desfeito ecoa como um sussurro no corredor; um sussurro que felizmente não puderam ouvir.

— Talvez deva maneirar — Ele diz para a Rosana.

— O que está insinuando? — Ela parece ofendida, incrédula e um pouco chateada. Não sei como pode parecer as três coisas ao mesmo tempo.

— Rose, ela só tem dezessete anos e eu tenho acompanhado os jornais e as noticias. Vocês duas vivem em pé de guerra, isso precisa parar!

"Rose"? Eu estou ouvindo bem?

— E acredita que eu gosto disso? Não estava na minha agenda trazer uma garota ensanguentada dos joelhos para baixo, mas veja só, de algum jeito consegui essa artimanha.

— Você jogou o telefone dela no meio da estrada! — Stevenson passa as mãos pelo rosto — Não conheço um adolescente que não desejaria morrer com isso.

— Ela não pulou do carro por causa celular — Rosana relaxa os ombros e escora a cabeça em uma das paredes do corredor — Edgar, o quê eu faço?

"Edgar"?

Ele respira fundo e dá os ombros.

— O Albert disse algo a respeito? — pergunta.

Ah, pronto. De repente o "Rei Albert", a "Vossa majestade" se transformou apenas em "Albert".

— Ele está preocupado — Rosana conta — Com ela, com o Jackson e o Thomas. Sabe que ele não é de falar muito. Albert se isola do mundo como se fosse resolver alguma coisa, se tranca naquele maldito escritório, quase sempre com aqueles ministros insuportáveis — Ouço o que parece ser uma respiração pesada — Frederick detestava a maioria deles e nossa, agora entendo o porquê. — Ela meio que ri — A cereja do bolo deve ter sido na noite passada quando a Isla... Eu não sabia o que fazer, precisava do resultado desses exames.

— Realmente não há alterações no lobo temporal, nem em qualquer região — Stevenson explica — O cérebro dela está estável.

— Pode me garantir?

— Posso, e se for deixá-la mais tranquila podemos fazer mais avaliações — Não isso não — É possível que as dores de cabeça e o pânico noturno tenham outras razões.

— Quais razões?

— A mãe dela...

— Não é a mesma coisa — Rosana não o deixa terminar.

Eu odeio quando ela faz isso comigo, e odeio ainda mais nessas circunstâncias.
Como assim a minha mãe? Sobre o que estão falando?

— Está considerando de maneira lógica ou só não quer que seja mesma coisa? — O médico rebate.

"A mesma coisa?"

Caramba, ao que tudo indica, Edgar Stevenson, meu neurologista, é mais próximo da minha família do que eu imaginava.

Ele sabe algo sobre a minha mãe, e eu, além do nome e de uma possível semelhança, dela, não tenho mais nada.

Que "coisa" ela poderia ter, para ser de conhecimento dele?

Desço os olhos para a pulseira no meu pulso e sem pensar muito, disparo o meu corpo na direção dos registros médicos.

As chances são mínimas, porém existentes. O Dr.Stevenson não tem idade o bastante para ter atendido a minha mãe por muito tempo antes dela morrer, mas se ele tem posse de meras deduções, pode ter posse de alguma história.

Tudo se alinha quando meus olhos encontram o nome dela gravado em uma pasta na sessão A.

Abro a pasta e não há nada. Simples assim.

Não há uma folha sequer, nenhum registro, nenhum dado, ou imagem, com excessão de um pequeno carimbo borrado, com todas as letrinhas desbotadas:

"Associação colaborativa dos prestadores de serviços especializados"

Acho que já vi isso em algum lugar. Tenho certeza que vi.

Não tenho muito tempo para pensar a respeito. As vozes distantes da Rosana e do Dr.Stevenson vão aumentando de volume, devem estar aproximando.

De uma maneira meio estabanada e desesperada, guardo o arquivo, fecho a gaveta, pego a bolsa com as minhas roupas e volto para a sala de observação, de onde finjo não ter saído.


Caras lagartixas acrobatas! Tudo bem ou tudo nhém?

Desculpe qualquer erro, postei pelo celular e é difícil revisar, sem mencionar o auto corretor que muda "são" para "não".

Vou ler pelo computador e ajeitar se algo ficou mega errado.

Falando nisso, soube que os capítulos podem apresentar alguns erros, como parágrafos sumindo por inteiros, palavras todas embaralhadas. Ou vocês lendo uma versão não atual da história (nos capítulos que estão sendo "repetidos").

O wattpad pode estar de mal comigo, por isso aconselho vocês tirarem o livro da biblioteca e adicionar de novo, caso esteja acontecendo com vos me cê.

:)

Era pra eu ter postado na terça, meio que estabeleci comigo mesma que seria o dia que eu postaria, mas não é assim que funciona para a minha cabeça.
Falando nisso, preciso ir ao neurologista também. Quem mais?

Bom, nunca fiz um capítulo com Flashback proposital como fiz nesse, eu achei que era cabível e além de que a Isla meio que me forçou. Talvez eu mude depois, não sei. Não sei se gostei. O que acharam?

O formato confundiu muito vossas cabecitias?

Sobre tudo o que aconteceu. Isla pular do carro em movimento foi ideia dela. A proposito, esse foi o filme que ela viu:

O que acharam disso?

O que acharam da Rosana nesse capítulo?

Isla realmente exagerou?

E que acharam da conversinha com o Dr. Stevenson? Alguma teoria?

Tem angu nesse caroço?



Isla nesse capítulo e quase sempre:


O fantasma sobre o que acontece com pessoas que contam e sabe dos segredinhos em Verena:

Isla sobre a Emma:


Vou tentar voltar na próxima terça, eu prometo.

Obrigada por tudo! Vocês sempre estão me incentivando e sendo uns amores com essa pessoinha aqui. De verdade, eu me sinto honrada!

Bom, mil beijos e queijos para vocês.

Eu voltarei.

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