The Last Sunset • JIKOOK

By Ambruela

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[EM ANDAMENTO] Observação de Horngren: "O mundo real é uma exceção" Jungkook sempre odiou rotinas. Mesmo sen... More

PRÓLOGO
PRELÚDIO
[1] Seja Mal-Vindo
[2] Lei de Murphy
[3] Bolhas e Calos
[5] Os 7 Instintos : COMBATE
[6] Os 7 Instintos : CURIOSIDADE
[7] Os 7 Instintos : SUBMISSÃO
[8] Os 7 Instintos : AUTOAFIRMAÇÃO
[9] Os 7 Instintos : PARENTAL
[10] Os 7 Instintos : INTUIÇÃO

[4] Os 7 Instintos : ESCAPE

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By Ambruela

O instinto de escape e a emoção do medo

JEON

— Onde você estava quando tudo começou?

Faço a terceira pergunta nos últimos quinze minutos. Aquele biscoito recheado está começando a me causar dor de barriga e eu creio fielmente que ter comido-o depois de alguns meses fora da validade, não ajudou. Estava bom, mas nas últimas mordidas o gosto do chocolate começou a ficar suspeito e decidi deixar de lado.

Era melhor nem ter começado, assim como minha companhia que negou assim que eu abri a embalagem e estendi na sua direção.

— Na faculdade. — Ele responde, brincando com o anel de prata no seu dedo indicador esquerdo.

Nossa distância é mediana. O lugar não é muito grande, mas ainda assim nós fomos cuidadosos em cada um ficar num canto da sala, mesmo que frente a frente, sem se encarar. O clima por si só é desconfortável, trocar olhares tornaria-o pior do que estava.

Jimin parece estranhamente familiarizado com o ambiente. Assim que caímos aqui e fomos trancafiados automaticamente, em momento algum ele mostrou desespero e curiosidade. Park apenas me xingou de uns trocentos palavrões existentes na face da terra e se sentou, permanecendo em silêncio.

— Você deu sorte. Eu estava no centro da cidade. — Digo.

Só de lembrar do caos que foi quase ser pisoteado naquele monte de gente desesperada, me causa arrepios. Eu apenas estava indo comprar minha roupa para uma festa de halloween e, de repente, tudo desandou, fazendo o dia dos mortos se tornar realidade.

Meu nome ia ser tão bem falado naquela fantasia de Tony Stark zumbi...

— Uau. — Expressou-se.

Eu não posso julgá-lo. Fui responsável por nos trancar em um quarto completamente vazio e digno de um cenário de hospital psiquiátrico. Para piorar a situação, não faz tanto tempo desde que ouvimos uma forte movimentação do lado de fora e, segundos depois, uma série de disparos, estrondos e gritos. Não é legal admitir, mas está mais que óbvio de que todos – ou a maioria – dos "hóspedes" de Jimin, haviam sido feridos.

Deus queira que não estejam mortos.

Depois dos tiros o meu ex sentou, abaixou a cabeça e permaneceu assim, sem se dar ao esforço de dizer uma única palavra. Eu entendi e respeitei aquele espaço, mas era inegável que foi mil vezes melhor estar trancado aqui dentro, do que morto lá fora.

Ele com certeza não pensa assim. Jimin facilmente optaria por sacrificar sua vida salvando aquelas pessoas do que saber que elas morreram sem que ele pudesse fazer nada. Se tinha algo que lhe corroía a alma, era a culpa.

Por isso que no passado ele sempre fazia questão de colocá-la nas outras pessoas.

Nossa, Jungkook. Para que ser tão rude assim...

Pode ser difícil de acreditar mas quando falo qualquer coisa – seja boa ou má – de Jimin, eu estou falando a mais completa e pura verdade. Esses quatro anos que namoramos foram o suficiente para conhecermos as nossas melhores e piores personalidades, então quando eu digo que meu ex-companheiro era uma pessoa que tinha algum péssimo desvio de personalidade, ele de fato tinha. Mas isso não anula todos os pontos positivos que também habitavam o Park. Não sei se as coisas mudaram com o tempo, mas isso não vai fazer com que eu esqueça seus defeitos e qualidades que conheci no tempo que estávamos juntos.

Da mesma maneira que eu posso fazê-lo parecer o ser humano mais sujo e terrível do planeta, posso fazer parecer um anjo abençoado e que deve ser protegido do mundo inteiro.

Mas prefiro ser imparcial e na mesma intensidade em que falo os prós, falo os contras. Sem endeusamento de Park Jimin para o meu lado.

— Você lembra daquele desenho que assistíamos todo domingo à tarde? — Pergunto imerso aos meus próprios pensamentos aleatórios.

A probabilidade de resposta era mínima, por isso mesmo faço questão de jogar ao ar sem esperar algo em troca. Minha atenção havia deixado o biscoito recheado de lado e agora me distraio brincando com as tatuagens.

Eu preciso retocar algumas da mão. Sinto saudades de encher a paciência do meu tatuador e pedir para que toda semana ele criasse um desenho novo e testasse na minha pele, sendo uma ótima cobaia que adorava um sadomasoquismo e não sentia dor nem nas piores regiões para se fazer umas artes. Até hoje tenho o desejo de fazer um dragão nas costas e uma cobra na costela. Quem sabe, caso o mundo melhore, eu tenha a oportunidade...

Era para ser um segredo constrangedor, mas um dia nós bebemos tanto no estúdio dele que, no meio da madrugada, eu implorei para que desenhasse o órgão masculino no meu antebraço e escrevesse "i love dicks". Lembro perfeitamente da minha consciência vindo à tona naquela noite quando percebi que ele realmente havia feito, mesmo sabendo que eu tinha uma entrevista de emprego marcada pro dia seguinte.

Final das contas? Não passei na avaliação e até hoje tenho um pau desenhado no braço.

— Lembro. — Jimin responde depois de um tempo. Tão feliz que me contagia só de ver...

— Era legal né? — Ele apenas assente com a cabeça, bagunçando os próprios cabelos sedosos. Não me pergunte como aquilo está tão hidratado em meio um apocalipse enquanto os meus fios estão parecendo que foram mastigados, lambidos e cuspidos por uma vaca. — Eu adorava aquele coelhinho rosa com cara de mau, qual o nome dele mesmo?

Cooky.

Exato.

Era uma animação infantil e os personagens sequer falavam, tirando uns pequenos efeitos sonoros que eram soltos durante o desenho. Atualmente não é fácil de se admitir, mas nós dois sabíamos que a melhor parte de assistir aquele programa, era ficarmos um na companhia do outro. O tempo de qualidade sempre foi uma virtude que compartilhamos e toda vez que possível, aproveitávamos. É uma grande ironia do destino estarmos tendo um momento para isso e não usufruir como usufruíriamos antigamente.

Se é que pode-se chamar essa merda toda de "ironia do destino"

Lembro das irremediáveis vezes em que precisei voltar da casa do Jimin no mais tardar da noite, depois da minha mãe quase me ameaçar buscar pela orelha. Não era brincadeira, algumas vezes ela chegou muito perto de fazer isso.

— Nossa, era muito engraçado. Poderia facilmente ficar um dia inteiro assistindo aquilo. — Falo.

Não houve mais comentários sobre o assunto. Minha energia havia acabado há um tempo e agora a real preocupação é o nosso oxigênio. Não é que eu seja uma pessoa calorenta, mas o mormaço que começou a se criar nesse ambiente é angustiante.

Será que o senhor Park pensou nisso na hora de construir uma cúpula secreta sem entrada ou saída de ar e nenhuma segunda rota de fuga? Eu sei que a probabilidade de invadirem aqui é mínima, mas como dizia minha vó;

"Nunca se deve contar com o ovo no cu da galinha."

Me levanto depois de algumas horas sentado, ouvindo o silêncio e vendo o nada. A presença da minha ansiedade começa a dar indícios e só percebo isso quando me vejo roendo a unha, então tento me distrair com qualquer coisa que pudesse se transformar em conteúdo para mim. Isto é, uma sala branca e vazia.

— Seu pai construiu isso tudo sozinho? — Meu ex assente, sem dizer uma palavra. — Ele era um ótimo engenheiro.

— Concordo.

Naquela altura do campeonato eu esqueci até onde fica a porta. Tudo foi tão extremamente bem arquitetado que todos os quatro cantos daquele cômodo pareciam ser de pura parede, sem nos dar nem uma pista do caminho que iríamos seguir quando concluíssemos cinco horas ali.

Horas essas que estão demorando bem mais do que esperei. Seria cômico – e trágico – se fôssemos liberados e a gangue de Chowan ainda estivesse aqui, apenas nos aguardando. Eu tenho fé que haviam ido embora. Além de serem barulhentos e denunciassem facilmente onde estavam, não haveria o porquê de continuarem ali.

— Ser talentoso está no DNA? — Pergunto, me encostando onde antes estava sentado. Já sinto minhas panturrilhas dando um nó por tanto tempo de pernas cruzadas e isso não é nem um pouco agradável. — Por exemplo; você dança, seu pai constrói, sua mãe ensina, sua irmã compõe... Poxa, eu também quero ser um Park.

Ele suspira.

Acho que não é um bom momento para tocar no tópico "família".

Talvez eu não queira de fato ser um Park.

— É, uma pena. — Jimin diz, baixo.

Tento espairecer o clima pesado que aquele assunto agora se tornara e pigarreio, mudando totalmente o foco da conversa.

Se é que se pode chamar isso de conversa.

— Você sabia que meu nome quase foi Jeonsuk? Minha mãe descobriu que existia um ator que era idêntico ao meu pai. Como ela estava brigada com ele e grávida, decidiu que ia colocar o nome desse famoso em mim, só para provocá-lo. Eu, particularmente, não reclamaria nem um pouco se fosse assim. Sei lá, dá um ar mais chique e refinado, diferente de Jungkook, que eu sinto ser mais despojado e diferentão. Ter o nome do meu irmão também não seria nada mau. Uma vez ele tentou ir em um cartó-

Meu clima é cortado quando Park bufa e cruza os braços na frente do corpo, me encarando após um bom tempo sem sequer formular uma frase com mais de três palavras:

— Jeon, você pode calar a boca por um minuto?

Era melhor não ter formulado mesmo.

Murcho instantaneamente. Todos meus hormônios da felicidade parecem escorrer pelos meus dedos e cair por terra. Agora, assim como Jimin, minha vontade é de ficar no silêncio absoluto.

— Foi mal. Eu só queria... sabe como é, descontrair o clima. — Justifico e me arrependo no mesmo momento.

Por que eu precisava dar satisfações logo para ele, caramba?

Sua cabeça vai para cima e para baixo. Mesmo sendo rude, ele não fica nem por um segundo completo olhando nos meus olhos.

— Ah sim, você descontrai o clima muito bem.

— Obrigado.

— Isso foi ironia.

Ele sorri e revira os olhos quando solto um "a" mudo. Antigamente eu cansava de vê-lo fazer isso na rua e ter o risco de apanhar de alguém aleatório, mas, se fosse em tempos atuais, concederia total liberdade para ele levar um chute no meio das pernas e parar de ser assim com quem às vezes nem conhece.

Acabando com a minha empolgação, o que me resta é escorrer pela parede e voltar a sentar no chão.

Observando Jimin se distrair com os próprios dedos dos pés, eu tento pegar no sono.

[...]

Sabe aquela unha que comecei a roer e parei por ter percebido que era minha ansiedade atacando? Então, ela foi com Deus, junto com as outras quatro da mesma mão. Agora eu estou rumando para a palma direita, pronto para cometer mais uma atrocidade nas curtas extensões que me sobram.

— Fazia tempo que não ficávamos tanto tempo assim juntos. — Solto.

Juro que tento ao máximo não falar nada, mas isso tornou-se maior do que posso controlar. Se naturalmente eu falo com as próprias vozes da minha cabeça, ter alguém por perto só faz a minha garganta coçar para discursar por três horas.

Ainda mais esse alguém sendo Jimin. Eu sabia que ele ia me escutar, sempre escutou, independente do assunto. Como exemplo disso posso mencionar que uma vez o Park me ouviu falar por duas horas seguidas sobre um novo lançamento de jogo, sem se dispersar em nenhum momento.

Eu não tenho orgulho de um dia ter sido assim. Por favor, relevem.

— Realmente fazia tempo que não ficávamos perto um do outro. Sinto saudades dessa época, quando eu nem lembrava da sua existência.

Carinhoso como o coice de uma mula.

— Ah, qual é. Eu sei que você adorava passar o tempo comigo.

Jimin ri e mantém o olhar em mim por alguns segundos, antes de encarar o chão e fazer a expressão calma que só ele sabe fazer, antes de ferir oito direitos humanos.

— Adorava até você mentir e me trair.

Dessa vez quem precisa revirar os olhos, sou eu. Sempre que a boca do Jimin pronunciava algo a ver com traição e mentiras, três neurônios morriam no meu cérebro.

Foi num dia chuvoso. Eu estava – obviamente – na casa dos Park's. Decidimos fazer uma maratona de filmes e faltar aula no dia seguinte, já que tínhamos passado de ano e era irrelevante ir para a escola ou não. Estávamos enroscados um no outro, quase se tornando um único corpo por debaixo dos lençóis que nos aquecia pelo frio que o ar-condicionado causava. Foi num momento entediante do filme que o celular de Jimin apitou. Continuei empenhado em tornar aquela cena interessante, mas meu namorado tirou os olhos da TV e focou no seu smartphone. Nunca fomos paranóicos a ponto de vigiar celular, querer saber para onde o outro vai e sempre dar satisfações de tudo o que faria, mas foi apenas uma simples passada de olho no celular do Park, para que eu esquecesse do filme.

Era uma foto quase parecida com as tiradas por paparazzis. Mesmo desfocada, conseguia-se enxergar perfeitamente que era eu que fui fotografado, de moletom preto. Ao meu lado havia duas pessoas e um de meus braços estava circundado na cintura de uma delas.

EU POSSO EXPLICAR.

Acho que eu deveria ter falado isso naquela hora, não é?

Aquela pessoa da qual eu mantinha contato físico era a minha irmã por parte de pai. Gi-woon tinha quinze anos e eu estava segurando-a pelo simples fato de que a dona da inteligência suprema (lê-se com ironia), decidiu ir pela primeira vez no shopping, com um salto alto. Gi não sabia andar com aquilo e quase torceu o pé três vezes, então me ofereci a ajudar para que nossa próxima parada não fosse no hospital. Era literalmente impossível acontecer qualquer coisa com a gente. Além de sermos irmãos – e convenhamos que isso é motivo suficiente –, nossa relação era como a de um gato e rato, entrando em conflito todas as vezes que nos víamos, e olha que eram raras.

Permaneci em silêncio, olhando sem que ele percebesse. Jimin aumentava e diminuía o zoom da foto, vendo cada detalhe possível nas pequenas coisas dali. Eu esperava que ele se virasse, me batesse, me xingasse ou exigisse algum tipo de explicação, mas não.

Park Jimin bloqueou o celular e voltou a prestar atenção no filme.

Pode ter certeza, aquilo foi muito pior do que um tapa na cara.

Naquela mesma noite nós fizemos amor e dormimos juntos, conversando normalmente e nos tratando como sempre. Quando acordamos, tomei café na casa dele, jogamos videogame e depois fui para casa, me despedindo com um beijo.

Quando coloquei os pés no quarto e fui mandar mensagem para avisar que havia chegado, boom!

"BLOQUEADO"

Todas as redes sociais estavam impossibilitadas de mandar mensagem. Telefonei e ninguém atendeu, liguei para o telefone fixo da família Park e sua mãe disse que Jimin havia saído de casa assim que fui embora.

No dia seguinte fui para a escola. Nada dele. Assim que o sinal tocou, visitei sua casa e ninguém atendeu a porta. Desistindo de conseguir qualquer contato com meu até então namorado, segui para meu lar. Quando abri a porta do quarto, Jimin estava lá, sentado na minha cama, com uma foto nossa nas mãos e o celular do lado. Eu não me dei ao esforço, mas sabia muito bem o que havia naquela tela. Todas as minhas coisas que ficavam na casa dele estavam numa caixa, ao lado da porta.

A merda estava mais do que declarada.

FLASHBACK

— Você sumiu.

Jimin levanta-se assim que ouve minha voz. Parecendo cansado, ele dá uma leve batida na caixa de papelão e penteia os cabelos para trás.

— Aqui estão suas coisas. Caso eu tenha esquecido algo, pode me pedir amanhã na escola.

Assim que termina sua instrução, pega seu celular e me dá as costas, seguindo para a porta do quarto e deixando nossa foto em cima do colchão.

— Vai mesmo embora assim? — Não fui respondido, por isso mesmo toco no assunto antes que ele fosse embora; — Eu não te traí.

Escuto uma fraca risada. Estamos de costas um para o outro, mas eu posso claramente saber a exata expressão que ele está fazendo nesse momento.

— Ah, não?

— Não! — Elevo irracionalmente o meu tom de voz. — Se você soubesse ser maduro o suficiente e esclarecesse as coisas assim que descobrisse, pouparíamos dor de cabeça. Mas não, você prefere se calar e agir como se soubesse da verdade absoluta, não é mesmo?

— Quem sou eu para saber de verdades absolutas, Jungkook? Eu vi tudo com meus próprios olhos, cada minímo detalhe! Não precisei de verdades absolutas, precisei de UMA foto.

Minha língua está pronta para retrucar aquilo à altura. Penso duas vezes e raciocino; meus pais estão em casa e aquilo só traria desconfiança e dor de cabeça para eles, além de trazer para mim. Concentrando as energias na minha própria paz e paciência, respiro fundo e me viro, vendo Jimin me olhando, com os olhos submersos em lágrimas.

— Eu até poderia te explicar sobre aquela foto, mas, pensando bem... não vale a pena. Você sequer merece as minhas explicações.

— Deve ser porque não tem, não é? Eu também não quero suas justificativas, Jeon. Você sabe muito bem o que faz da sua vida, por isso mesmo eu decidi não criar escarcéu. — Limpa as lágrimas que insistiam em descer, mesmo sua voz continuando firme. — Como eu disse, suas coisas estão aí. Se precisar de algo, me peça na escola.

Não dava para saber se Jimin realmente estava abalado com aquilo tudo. Eu não chorei porque simplesmente não consegui. O choque foi maior do que qualquer reação involuntária que pudesse invadir meus sentimentos. Mas Jimin... ah, ele conseguia dizer a coisa mais podre sorrindo e a coisa mais mentirosa, chorando. Seus lágrimas até podiam descer, mas jamais mostraria que estava desesperadamente abalado.

Então estamos terminando, Park? É isso?

Ele sorri fraco e falsamente, secando as curtas lágrimas que desciam pela sua bochecha corada. Minha boca se controla para não formar um bico e selar os lábios ali. São tão adoráveis que eu as beijava sempre que tinha a oportunidade.

— Não tente prolongar as coisas, Jungkook. Você sabe que nada vai continuar sendo a mesma coisa depois disso.

É... ele tem razão. Nada vai continuar sendo a mesma coisa, até porque nunca foi a mesma coisa para nós dois, pelo visto.

— Quatro anos. — Preciso soltar um ar pelo nariz, tamanha incredulidade. — Fiquei com você, nos amamos por quatro anos e, por causa de uma foto, vamos terminar. — Balanço negativamente a cabeça, tentando organizar meus pensamentos. Eles estão tão bagunçados quanto o meu cabelo que não lavo algumas semanas. — Então acho melhor que isso acabe mesmo, sabe? Eu precisei de quase meia década para descobrir que a pessoa que mais amo na vida, não confia em mim. Pode ser até meio triste, mas pelo menos percebi que não amamos na mesma intensidade... — Aperto os lábios. Agora meus olhos tentam encher de lágrimas, mas engulo-as como se estivessem presas na minha garganta, fazendo descerem rasgando. — Por quatro anos.

Jimin continua parado, me olhando, sem expressões. O silêncio faz com que eu possa escutar sua respiração pesada daqui. Seu celular em mãos denuncia que está trêmulo mas ainda assim ele permanece com sua impassividade, como se nenhuma coisa dita por mim fosse capaz de surtir algum efeito nele.

— Suas coisas estão aí. Se precisar de algo, me peça na esc-

— PARA DE AGIR COMO UM ROBÔ E ME RESPONDE, PARK! — Viro-me para ele. Agora minhas lágrimas voltaram ao seus devidos lugares e um novo sentimento me invade; a frustação. — Terminamos, sim ou não?

Ele engole seco. Posso ver o celular tremer ainda mais em sua mão. Se sua voz não o denuncia, o corpo sim. A postura ereta se transforma numa defensiva, pronta para fugir dali à qualquer momento.

Você quer terminar?

Céus, como odeio a sequência de responder uma pergunta com outra pergunta, mesmo que eu faça sem perceber.

— É serio? — Passo as mãos pelo rosto. Sei que as olheiras estão maiores do que o normal pela noite anterior mal-dormida. — Você vem na minha casa, traz todas as minhas coisas que ficavam contigo e não tem nem certeza do que quer?

— Eu tenho certeza do que quero, Jeon. Estou perguntando para você. Quer terminar?

Sim.

Não.

Não sei.

Eu definitivamente não sei.

Não sei mais tocar em outro corpo além do seu.
o sei mais acordar sem você ao meu lado.
Não sei mais ficar sem beijar seus lábios todas as manhãs em que nos encontramos.
Não sei mais me encantar por outro sorriso que não seja o seu...

Simplesmente não sei mais viver sem Jimin.

Mas não sei, não é resposta.

Meu corpo está pronto para entrar em um colapso, sem saber dar uma resposta decente. Eu quero congelar o tempo para não precisar responder isso, mas não estamos numa ficção e meus lábios se movem bem mais rápido do que minha mente processa para contê-los, saindo a primeira coisa que se passa pela minha cabeçaquase – oca, naquele momento.

— Sim, eu quero.

Solto, mas é tarde demais para arrependimentos. E, de certa forma, eu não devo me arrepender de ter dito o que senti vontade.

Park concorda com a cabeça, encarando o chão dessa vez. Suas lágrimas ainda molham o rosto, mas isso não faz com que sua voz vacile.

— Ótimo. É recíproco. — Apontou para a caixa e em seguida deu as costas, sem olhar uma última vez em meus olhos. — Suas coisas estão aí. Se precisar de algo, me peça na escola.

Ele atravessou a porta e foi embora, me deixando sozinho naquele quarto. Não pedi para que ficasse, não implorei para que ouvisse minhas explicações... Apenas fiquei vendo-o se afastar do nosso pequeno mundo. Nosso castelo de areia, tomado pela água.

Pela primeira vez, eu me senti sem Jimin.

[...]

Depois disso, nunca mais nos falamos. Pois é, essa é a primeira vez que passamos juntos há quatro anos. Nosso término foi por causa de uma má interpretação sem explicações e creio que minha mania de justificar tudo o que faço, seja um pequeno resquício desse trauma. Hoje em dia tenho que ter um motivo até se eu decidir sentar numa cadeira.

Passou longe de um término conturbado, sejamos francos. Há casais que se separam com fotos rasgadas, quadros quebrados e móveis de casa comprometidos. Mesmo que nossa destruição tenha sido psicológica e sentimentalmente, não demos prejuízos para terceiros e precisei apenas de amigos, álcool, lágrimas e um ano para "superar" Jimin.

Bem, eu superei até ver aquele cabelo colorido novamente. Presenciei a fase azul, roxo, verde, laranja e a tão famigerada loira.

Loira que tinha um peso ainda maior por estar presente no momento do nosso término.

Meu cérebro agora gritava por esclarecimentos.
Já havíamos terminado, não tinha nada pior que pudesse acontecer no nosso relacionamento que fosse foder tanto meu psicológico quanto fodeu naquela época. Sendo assim, persisti naquele assunto que até hoje haviam pontas soltas.

Quem mandou aquela foto para Jimin? Quem tirou? Por que tirou? Por que queriam destruir nosso relacionamento?

Ele não pensou em nada disso antes de terminar comigo? Foi apenas... terminar? O quão vazia pode ser uma cabeça para simplesmente ver uma coisa e acreditar fielmente nela, antes de se questionar coisas simples?

— Eu não menti e nem te traí. — Digo, do outro lado da sala. — Por que você cisma com isso, mesmo sendo óbvio que é mentira? Parece até que já não queria ficar comigo e isso foi só um dos motivos para terminarmos e você conseguir se livrar do nosso relacionamento! Tudo estava indo tão bem, fluindo tão bem e de repente você resolveu surtar e sequer me dar tempo para explica-

— Jungkook, eu não pedi para você só calar a boca!? — Dessa vez seu tom soa mais alto que o comum. Ele não parece ter medo que alguém escute do lado de fora, isso por si só já é inesperado. — Você invadiu a minha casa e me trancou num quarto de hospício por cinco horas. Não acha que isso é merda o suficiente por um dia e o mínimo que deveria fazer é ficar quieto?

Ninguém havia me mandado calar a boca tantas vezes desde que o mundo acabou. Me desacostumei e até esqueci que falava pelos cotovelos. Era triste, mas meu ex não tinha muitas opções; me ouvia falar e me ignorava ou me fazia ficar em silêncio e em contrapartida seria obrigado a ver-me caminhar como uma barata tonta por esses pequenos metros quadrados.

A primeira opção parece ser mais tortuosa, então continuo nela.

— Você vai embora daqui agora? — Questiono. Posso sentir minha camisa começar a ficar úmida pelo suor, mas isso não faz com que eu entre em desespero. Morrer de insolação ou falta de ar parece ser improvável. Seria uma das mortes mais ridículas que eu poderia ter, seguida de suicídio.

Viver dois anos consecutivos nesse inferno para me matar? Ah, para né.

— Acha que eu deveria?

Maldita pergunta seguida de outra pergunta. É tão difícil responder algo diretamente, caramba? Preliminares nunca foram a minha especialidade.

— Óbvio. — Respondo, convicto de que eu faria a mesma coisa se estivesse no lugar dele.

Mas eu nunca estaria, é claro. É impossível eu fazer qualquer ato que Jimin tenha feito desde o início do apocalipse. Se ele sobreviveu com esses métodos por dois anos, eu teria me matado na primeira semana.

— Nem esconde mais, não é, Jungkook? Cada vez deixa mais claro de que foi você que trouxe esses homens para matarem as pessoas que moram comigo e me fazer sair daqui. Diz, Jeon, qual a sua intenção com isso?

Ele disse o quê?

Eu poderia de fato falar um "O quê?", para ter certeza que realmente ouvi aquilo sair diretamente da boca do Park. De todas as coisas que ele havia dito até agora, aquela foi a ÚNICA que não esperava que falasse.

Me acusar de matar alguém? Em quem ele acha que me transformei?

Pela primeira vez no dia, me ofendi com algo que saiu da boca do meu ex.

— Minha intenção? — Preciso rir. Se havia algum lado meu que ainda estava sendo sustentado pela paciência, ele se foi naquele segundo. — Jimin, pelo amor de Deus. Nunca que perderia o meu tempo trazendo pessoas aqui só para te tirar da sua zona de conforto. Eu estava disposto a nunca mais te ver desde que saí da sua casa, horas atrás. Se voltei e agora estamos aqui, é porque quis que estivesse a salvo e não vou me arrepender disso. Não tenho nada a ver com aquelas pessoas que eles podem ter matado, por mim elas vivem muitos e muitos mais anos, sem que eu interfira em nada na vida delas. Se voltei foi porque me importei com você e quis o seu bem, então não venha me chamar de assassino ou mentiroso, como sempre fez. Você é um adulto e sabe muito bem as decisões certas e erradas que pode tomar na sua vida, eu não sou ninguém para interferir nesse tipo de coisa. Se quiser sair daqui e buscar uma outra forma de viver a vida, ótimo. Se preferir ficar enfurnado nesse buraco sem ver a luz do sol e sendo refém dos seus próprios pensamentos, boa sorte.

Silêncio.

Demoro para processar o que minha própria boca havia exprimido. As palavras saltaram tão vertiginosas e truculentas que só pude me atentar de contê-las, quando conclui.

Jimin torce a boca e desvia os olhos dos meus, fingindo que eu não havia dito nada e nem se dando ao esforço de responder. Ele não precisava esboçar reações para mostrar que aquilo o atingiu. Eu sei.

Então nós dois não falamos mais nada, por um loooongo tempo.

Entre muitos pensamentos intrusivos, alguma música mexicana soa no meu ouvido, mas sei que é um delírio e só estou alucinando pela falta do que fazer. A melodia toca no cérebro e me remete há alguns anos, quando fui em uma viagem com meus pais para a Cidade do México e visitamos um restaurante com música ao vivo. Não faço ideia do quanto essa viagem me afetou e se preservou em minha memória, mas até hoje eu lembro perfeitamente da música tradicional que aqueles homens bigodudos e com chapéus enormes, cantavam. Era idêntico com as novelas mexicanas onde eles tocavam serenatas nos violões e usavam suas roupas mais bregas possíveis.

Não sei quando aquele ritmo se tornou tão intenso na minha mente, que precisei projetá-lo para fora. Silabiei baixinho sem notar, mas foi o suficiente para Jimin, de cabeça baixa, guiar seus olhos até mim. Ele não sorri, não esboça nada. Continuou ali, sentado, me olhando, por tempo demais. Eu estava pronto para confrontá-lo e perguntar o que tanto me olhava e possivelmente iniciar mais uma discussão, mas meu susto foi maior quando o rosado levanta e vem na minha direção, rápido demais. Meu cérebro para de processar por rápidos segundos enquanto nossos olhares não deixam de se cruzar e, quando eu estou prestes a ter Jimin na minha frente, seus pés giram para o lado e o Park espalma as mãos na parede, que se abriu como num passe de mágica.

A porta.

Levanto como se um espírito houvesse me pegado por debaixo dos braços e puxado para cima. Meu ex abre a passagem mas dá um passo para trás, encarando a parede branca do corredor que não víamos há cinco horas. Nada novo, nenhum som...

Esse é o tipo de silêncio que não traz paz alguma.

— Você vai... sair?

Maldito Jungkook! Que pergunta imbecil!

Jimin volta com seus olhos para mim. Dessa vez, não era raiva transparecendo. Sei que sentimento estava sendo expressado, eu sentia todo dia. Nem medo, nem ódio, nem indiferença...

Era ansiedade.

— Quer ficar mais tempo aqui? — Pergunta.

— N-não, de jeito nenhum.

Maldita gagueira.

Meu ex dá espaço e sinaliza para a saída; — Então vai na frente.

— Por que eu?

Jimin sabe que sou grande só de tamanho. Ele provavelmente falou de propósito, para ver minha reação e concluir se mudei com os anos. Pelo jeito Park não se agradou tanto com minha pergunta, sua revirada de olho evidencia isso.

— Jungkook, se você não for, eu vou.

Então vai, corajoso. Penso comigo.

Se eu dissesse isso, ele colocaria a cara a tapa, só de provocação. Não me restava nada além enrolá-lo até que eu mesmo criasse coragem para ir na frente.

— Pode ser perigoso. Vai que um deles ainda está escondido por aqui, só esperando sairmos para nos pegar desprevenidos? Será que descobriram a porta e sabe que estamos escondidos? É melhor esperarmos um tempo até que tenhamos certe-... JIMIN!

Saiu do quarto. Deu apenas um passo e parou, virado para o único caminho que havia para se seguir. Seus olhos estavam travados num ponto específico, com o corpo ereto e a respiração pesada. Eu vi a hora do meu ex despencar ali mesmo, então dou uma última olhada para dentro daquele ambiente claustrofóbico e saio, fechando a porta.

Foi nesse exato momento que me arrependi amargamente de não ter ido na frente.

Jimin olhava para o longo corredor, com sangue escorrendo por debaixo de todas as portas. As que não foram brutalmente arrombadas, estavam entreabertas depois de serem explodidas. Em meio a toda poeira e destroços, sangue, muito, muito sangue. Parede, piso, maçanetas... Até marcas de tiros haviam. Se antes aquele silêncio não trazia paz, agora trouxe desespero e medo.

— Jimin...

Estava empenhado em colocar minha mão em seu ombro para consolá-lo de alguma maneira, mas o rosado é mais rápido em acelerar os passos e parar em frente a uma porta cinza, diferente das outras. Essa estava arrombada e com poeira por todos os cantos, mas o Park nem se importa. Cobrindo apenas o nariz, Jimin entra no cômodo.

SEGUE ELE!

Meu subconsciente gritou bem alto e no fundo da minha cabeça. Eu sei que nunca devo seguí-lo pelas milhares de coisas que já me fez passar apenas pela sua ótima habilidade de foder com tudo. Mesmo nessa situação merda, eu devo admitir que foi minha única companhia nos últimos tempos e, se não fosse por ele, nem aqui eu estaria mais. Sem muitas opções a não ser seguir a ideia desse belo pensamento, vou atrás e adentro no cômodo destruído.

Em meio a tanta poeira e cinzas, enxergo aquele cabelo rosa, ajoelhado no pé da cama onde havia um corpo. A única coisa que se podia ouvir era o som de algum foco de fogo queimando e o choro baixo de Jimin. Se qualquer pessoa se concentrasse o suficiente naquelas lágrimas, conseguiria sentir a dor em seu próprio peito.

E eu senti.

— Vovô...

Aproximo-me um pouco, tossindo involuntariamente pela chata poeira que atacava todas as minhas possíveis alergias.

Sou ignorado por ambos. Jimin nem se deu ao esforço de virar o rosto e bem... o senhor deitado parecia já estar nas últimas.

— Ele vai estar lá, eu sei. — O idoso diz baixo, quase que inaudível. — Precisa cuidar dele, Jimin. Da mesma maneira que cuidou de mim...

— E-eu não posso, vô. — O mais novo soluça alto, quase berrando de tanto chorar. — Não consigo deixar o senhor...

— Você precisa ser fiel nas coisas que acredita. As demais coisas não tem mais importância quando o que desejamos e tememos é prioridade, ok? — Meu corpo gela quando os olhos cansados do mais velho, pousam sob mim. Ele transmite uma estranha calmaria e paz sem dizer sequer uma palavra. Discretamente pisca um olho e sorri, um sorriso de alívio. — Você não está mais sozinho, Jiminnie. Nunca mais vai estar, sei disso.

Bastou isso para que seus olhos se fechassem.

Para sempre...

Jimin afunda o rosto no lençol branco – empoeirado – e chora, tal qual um bebê. Chorou, chorou, chorou... Houve uma hora em que se ficou um silêncio total, com apenas sua respiração presente e a fraca frase de "Você não pode me deixar..."

Caras, que situação.

Depois de uns minutos parado sem expressar nenhum som de choro, Park levantou-se, foi próximo ao idoso e fechou seus olhos, sentando na beirada da cama. Encarou o chão por um longo tempo até olhar para mim, ainda na porta do quarto.

Sim, eu estava lá desde que cheguei. Não tinha mais o que fazer se não fosse esperá-lo e não ser inconveniente.

Com a voz cansada, ele se direciona para mim:

— Você me ajuda a enterrá-lo?

[...]

Nós dois encarávamos o buraco tampado com terra, à sete palmos do chão. Minha coluna estava gritando de dor e meus braços estariam incapazes de levantarem amanhã, mas eu continuei ali, ao lado de Jimin, vendo meu ex chorando baixinho na frente da cova. Aquele idoso foi o único que fomos capazes de enterrar assim que saímos do bunker, já que os outros tiveram ferimentos tão graves que foi melhor deixá-los descansar em paz em seus próprios quartos.

Nenhum sobreviveu. Foi realmente uma chacina.

Além de todas as mortes causadas pelos assassinatos e explosões ocasionadas pelos arrombamentos, a gangue de Chowan foi embora mais rápido do que imaginamos e levou absolutamente tudo de útil. Armas, mantimentos, remédios... Não sobrou nem uma salsinha enlatada para contar história. Foi depois de revistar todos os arredores e ter a certeza de que estávamos seguros, fizemos o velório do senhor que Jimin tinha tantos sentimentos.

O rosado jogou a última flor em cima da terra úmida do jardim e fungou baixinho, entrando para casa.

É nesse momento que eu vou embora, não é?

Sempre existem muitas possibilidades na minha mente e nenhuma delas parece ser boa. Eu queria que o universo sempre desse um sinal nessas situações para que nos dissessem exatamente o que fazer e não se arrepender das baboseiras que tomamos como decisão.

Entro, apenas para despedidas. Acabo encontrando Jimin sentado no sofá, encarando o chão e com um papel na mão. Sua postura está tensa, parecendo que um mínimo esforço causaria exaustão.

— É... estou indo embora, tá'?

Me olha. Seus olhos inchados estão menores do que normalmente, mas suas bochechas estão coradas, tão vermelhas quanto um pimentão. Tudo em seu rosto transmite tristeza, amargura, dor... Ele agora nem tenta disfarçar o quanto está destruído.

— Para onde você vai?

Fala. Baixo, baixo demais para seu tom natural de voz. O choro destruiu até mesmo suas cordas vocais, pelo visto.

— Voltar para onde moro, em Incheon. — Respondo, tão baixo quanto ele.

Na verdade tenho sérias dúvidas se eu devo voltar ou nunca mais pôr os pés lá. Seria frustrante demais chegar sem nada nas mãos para ajudar a minha equipe, até mesmo sem as coisas que levei. Causar despesas não é a intenção e, se for para causar, é melhor que eu viva por mim mesmo.

Jimin se levanta devagar. Por um segundo eu penso que suas pernas vão fraquejar e ele vai se esborrachar no chão, mas permanece firme, mesmo destruído tanto física quanto mentalmente. Inspirar fumaça e destroços não fez bem a nenhum de nós. Eu estou espirrando até minha próxima geração e ele não para de tossir.

Devagar, me entrega um papel todo amassado, rasgado e sujo, parecendo que saiu do fundo da lata do lixo; — Sabe onde fica isso aqui?

Analiso o endereço. É o nome de um bairro consideravelmente longínquo, em Gyeongsang, mas distante de Jinhae. Ao lado dessa informação há apenas o nome de uma rua, sem qualquer outra coisa além disso. No fim da folha, há três iniciais.

KTH.

— É um pouco longe e o lugar é bem perigoso. Passei por lá quando vim para Jinhae. — Digo a verdade. Lembro de precisar desviar de uma horda de mortos-vivos no momento em que estava num beco desse bairro, procurando algum prédio alto onde eu pudesse ter uma boa visão.

Aquela letra no papel não era a de Jimin. Estava mais como garranchos, parecia ter sido escrita há muito tempo e de maneira rápida. Sendo assim, sou invasivo e curioso o suficiente para perguntar o que tanto me questionava desde que vi aquele papel nas mãos do Park, pela primeira vez.

— O que tem nesse lugar?

Pergunto, pronto para receber uma boa resposta e ser xingado até que ele se canse. Jimin tira o papel dentre meus dedos e lê novamente, suspirando pesado.

— O bisneto desse senhor que enterramos está lá. Juhyun me pediu para ir buscá-lo e protegê-lo, como último pedido. Disse que ele tem depressão e era a única pessoa que se importou com o bisavô quando a família decidiu colocá-lo no asilo, mas ninguém o avisou onde era. Por isso perderam contato. — Esclarece. Seus olhos parecem perdidos nas letras confusas do grafite, aparentando ver muito além do que estava escrito. — Preciso ir lá.

Jimin?

Sair do seu porto seguro?

Depois de dois anos?

Pior, por um desconhecido?

Não é querendo ser pessimista (lê-se com pessimismo) e desesperançoso (lê-se com muita desesperança), mas as probabilidades de tudo aquilo dar certo, é mínima. Se tem uma coisa que é completamente errônea de se fazer a essa altura do campeonato, é buscar alguém depois de dois anos. Se a pessoa não fugiu, ela se matou. Se não se matou, tem outra personalidade. Se não tem outra personalidade, ela morreu e agora está vagando por aí.

Ainda, para piorar a situação do meu ex, esse tal bisneto tem depressão. Qual a probabilidade de uma pessoa fodida da cabeça, ainda estar viva num mundo como este?

Eu estou, mas não me pergunte os motivos. Minha situação não faz a grama do vizinho ser mais verde.

Encaro as orbes do Park. Elas agora estão me mirando, como se buscassem qualquer comentário que eu obviamente faria. Sei que mesmo sabendo que tenho indícios de falar grandes merdas, a minha opinião faz as suas opções se abrangerem.

Na minha mais humilde percepção, constato:

— Jimin, lá foi um dos principais focos de contaminação. Só deve ter destruição e perigo. Acho bem difícil encontrar ele e, se encontrar, não vai estar muito bem das ideias. Acredite em mim, eu passei por lá e vi tudo com meus próprios olhos. É totalmente inviável ir em busca de alguém naquela região.

Meu ex me ouve atentamente, mas parece não dar muita atenção para os fatos que eu disse. Jimin dá de ombros e passa as mãos no rosto, parecendo tentar diminuir o estado acabado em que estava. Nunca, depois de chorar, ele tinha ficado dessa maneira.

Para ser sincero, em quatro anos de relacionamento, eu nunca havia visto Jimin chorar tanto como vi hoje. Nem no velório de seus avós isso aconteceu.

Parecendo reunir forças até de onde não tem, ele guarda a folha de papel na bermuda de moletom que vestia e põe a mão no outro bolso livre, tirando uma poeira imaginária da sua leve blusa branca.

— Não estou pedindo para você ir comigo. Se souber o caminho, me indica e eu vou sozinho.

Maldito teimoso.

Ele prefere morrer do que acreditar no que digo e prevenir a sua segurança.

Se eu que já passei por trancos e barrancos nesses últimos anos e quase morri naquele bairro, quem dirá uma pessoa que nem se deu ao esforço de colocar os pés para fora do quarteirão.

Fingir conhecimento não te faz mais inteligente, te faz mais burro. Não adianta se gabar por saber quanto é duas vezes o quatro se nunca soube a tabuada inteira do dois.

Mas enfim, Jimin e seus complexos de superioridade e independência.

Meus pés clamam para que eu saia daquela casa e siga meu caminho até Incheon. Não há mais motivos para que eu fique ali. Chowan já havia ido embora, Jimin estava vivo e eu perdi tudo o que vim buscar, então o que me faltava era colocar o rabo entre as pernas e voltar para a base.

Mas eu odeio, odeio saber que ainda ter uma parte do Jungkook de muitos anos atrás, comigo.

Odeio saber que, assim que atravessar essa porta, vou me martirizar.

Odeio saber que tenho noção que o vou deixar ir sozinho para um lugar que eu tenho um mínimo conhecimento e poderia ajudar de alguma forma.

Odeio saber que, mesmo sem certezas, eu deixaria Jimin para morrer.

Também odeio saber que meu coração ainda aperta quando penso nele, depois de tanto tempo. Odeio saber que ainda sinto-o dentro de mim e odeio saber que isso não é recíproco.

Eu poderia fazer uma lista quilométrica de coisas que eu odeio saber e uns bons metros dela seria com o nome de Park Jimin envolvido.

Por isso quero sumir quando minha mão involuntariamente se guia até o bolso da calça do meu ex e retira o papel guardado, deixando um Jimin com reação surpresa e a boca fechada. Nem ele soube como reagir numa situação inesperada.

Meus atos não correspondem mais aos meus pensamentos. Tudo o que eu pensava era em sair dali depois de ter sido literalmente acusado de levar Chowan para lá, mas meu corpo permanece estático, até se virar para o Park e, sem trocar olhares – mesmo sabendo que ele me olha –, falar:

— Tem algo para levar? É caminho, eu vou com você.

Me arrependo assim que minha boca se fecha.

Jimin sorri de canto, mas não é um sorriso aliviado e nem de deboche. Parece desacreditado da minha ação, incrédulo que aquelas palavras saíram da minha boca. Comprovando minha tese, ele retira a folha da minha mão, com cuidado, ainda sem tirar os olhos dos meus.

— Você acabou de me dizer que é perigoso. Não precisa se arriscar por mim, Jungkook.

— Acho que não entendeu o que eu disse — Dou de ombros e pego um remédio de congestão nasal vazio no chão; — É caminho. Eu preciso passar por lá, querendo ou não.

Noto que usei um tom rude quando um círculo surge nos lábios cheios do menor. Meu arrependimento não dura muito tempo assim que lembro que ele me acusou de ter levado Chowan até lá.

Me acusou de matar alguém...

Eu não vou esquecer isso tão cedo, apesar das circunstâncias. Se Jimin tem síndrome de orgulho e soberba, eu tenho de rancor e mágoa. Ele praticamente me chamou de assassino e ajudá-lo não vai ser um motivo para que deixe de me sentir ofendido.

Seus olhos buscam algo ao redor do cômodo que estamos e param no teto com infiltração, parecendo que a qualquer momento vai despencar um pedaço daquele concreto bem na nossa cabeça.

— Meu pai guardava algumas armas brancas no sótão, se não me engano. — Informa. — Nunca entrei lá porque é muito alto, mas podemos tentar.

Se for para sairmos em direção à morte, é melhor ter algo para se proteger, nem que seja uma faca sem ponta.

Concordo com sua sugestão e sinalizo para que Jimin nos leve até esse tal sótão que eu nunca conheci, só ouvi falar. Uma vez vi seus pais descerem de lá quando foram buscar os enfeites para o natal, mas sequer deu para enxergar algo.

Estávamos destinados a passar pelo resto da sala e seguir até a escadaria que levava ao segundo andar, mas, antes mesmo de colocar os pés no primeiro degrau, meu ex parou.

— Jeon... — Chama meu nome, sem virar para trás e me olhar. Espero que ele continue, mas sua boca continua muda, direcionado ao topo da escada.

Deus, que não seja um espírito obsessor que veio buscar nossas almas e nos trancafiar nos confins do inferno, por favor.

— Fala logo.

Apresso-o sem nem perceber, me deixando nervoso só pela demora em se pronunciar. Se não fosse pelo seu tom tão natural ao me chamar, eu chutaria que Chowan estava lá em cima, com uma arma apontada para nós.

Por sorte, o que ele diz não é nada relacionado a espíritos e homens góticos bregas.

— Aquelas pessoas, que deixamos lá em baixo... — Pondera, mas logo continua. — Elas vão se transformar, certo?

Sim.

Fico à um passo de mandar a resposta nua e crua.

Jimin sequer quis entrar nos quartos e ver as tragédias, diferente de mim que fui conferir se nada de importante havia sido deixado para trás. Além de muitas mortes horrendas – de tiros no rosto até pedaços humanos extraviados –, alguns claramente sofreram ferimentos na cabeça, mas nada profundo. Não tínhamos armas para dar um fim decente para aquelas pessoas, então não tinha muito o que fazer a não ser deixá-las ali, até que se levantassem, mas sem vida.

Chowan tem um armamento pesado. Muito, muito pesado. Não é qualquer bomba caseira e fuzil fúnebre que fazem o estrago que foi causado naquele lugar. Apesar de burros, eles sabem como destruir algo ou alguém.

Então sim. A maioria – ou todos – aqueles idosos se transformariam em zumbis.

— Não tenho certeza, mas a maioria deles não tiveram os cérebros perfurados, então... — Hesito em dizer o "sim" que quer sair da minha garganta. Querendo ou não, Jimin criou um apego imensurável por todos eles. Foram dois anos convivendo diariamente, cuidando... Não seria fácil superar e, quanto mais tivesse apenas pensamentos bons sendo relembrados, melhor seria aceitar deixá-los ir.

Ficariam para sempre vagando naquele bunker agora trancado e com cheiro de sangue, poeira e morte.

— Então eles vão. — Tirou sua própria conclusão, suspirando pesado. — Vem, é por aqui.

Em silêncio, seguimos.

Passei com o cu na mão por todo o piso do segundo andar, não vou negar. Mesmo tendo certeza que estávamos sozinhos, parecia que a qualquer momento surgiria alguém de qualquer lugar para nos matar a sangue frio. Posso estar sendo paranóico demais, mas tenho quase certeza que ouvi alguém me chamar bem baixo, com voz de criança.

Preciso de analgésicos e uma boa noite de sono, isso sim.

Paramos de frente para a última porta do corredor. A iluminação nula tornava tudo mais difícil de se enxergar, mas foi apenas Jimin apontar para cima que eu pude enxergar a abertura no teto acima de nós, com teias de aranha nos cantos.

Com certeza o primeiro andar estava bem mais preservado do que aquele.

— Não consigo alcançar e não tem escada. Já tentei até subir numa cadeira, mas é bem mais alto do que o da sala.

Inegável aquela informação. Chutaria fácil que haviam uns quatro metros de distância entre o piso e o teto.

Meus olhos buscam resposta olhando para aquela entrada macabra, que aparentava reservar meus piores pesadelos dentro daquele cômodo pouco tradicional. Não sou fã de filmes clichês, mas porão e sótão nunca significam coisas boas nessas situações. Por uma péssima coincidência, eu estava prestes a entrar nos dois em um mesmo dia.

É refletindo em silêncio que uma ideia mirabolante chega até minha cabeça pouco pensante. Praticando um alongamento nos dedos das mãos, eu entrelaço-os e direciono para Jimin.

Park arqueia uma sobrancelha para mim e pisca duas rápidas vezes.

— O que é isso?

Pézinho. — Me aproximo ainda mais do meu ex, estendendo meu recurso improvisado para chegarmos ao nosso destino. — Sobe aqui e eu te levanto.

Vai dizer que não é uma boa ideia?

Se não for, é a única que temos.

Jimin não muda um músculo da face. Continua parado com a boca entreaberta e o sobrecenho unido, me olhando com sua melhor representação de "Tá falando sério?"

— Tá' falando sério?

Eu o conheço e não é pouco.

— Tem alguma ideia melhor?

E lá estou eu fazendo o que tanto abomino; uma pergunta por cima de outra pergunta.

Jimin ri, mas não parece achar engraçado. Ele me olha como se eu fosse um louco que acabou de fugir de um hospital psiquiátrico. Para falar a verdade, ele me olha assim desde que nos encontramos pela primeira vez. Sei que minha cabeça não está nos devidos lugares, mas tenho noção o suficiente para saber o que estou fazendo.

— Jeon, eu não vou subir na sua mão e correr o risco de despencar lá de cima.

Ah, você vai sim.

Se tivéssemos a chance de trocar de papel e eu subir no lugar de Jimin, faria sem pensar. Sabendo que meu ex não aguenta nem me levar na carcunda por dois metros, o que resta é ele ser a cobaia da minha ideia. Não tem outra opção, a não ser desistir de entrar lá.

Mas eu sei que nem eu e nem ele queremos isso.

— Você não vai despencar. — Digo, como isso fosse tranquilizá-lo. Sei que não vai. — Não confia em mim?

— Preciso mesmo responder? — Pergunta, retórico. Nem sei o motivo de questionar isso se eu mesmo sei a resposta; um belo NÃO.

Ignorando completamente a minha alternativa estupenda de chegarmos até aquele sótão, Park começou a entrar nos cômodos daquele andar e buscou o móvel mais alto que achou, isto é, uma mesa.

Empurrou-a até estar embaixo da abertura do nosso objetivo e subiu, dando pulos inúteis enquanto tentava, mais uma vez, alcançar o teto.

Acho que ele não tem noção da sua própria estatura. Se eu de longe não consigo uma coisa dessas, imagine ele.

Quando vê sua tentativa ser frustrada, Jimin arrasta uma cadeira que estava no mesmo quarto, pronto para colocá-la em cima da mesa. Parecia enrolado na sua própria estratégia.

— Jimin, não dificulta as coisas...

Resmungo, apertando os olhos que clamam por uma soneca de doze horas.

— Tá! Tá, tá bom! — Quase teve um ataque ao ceder, apontando o dedo para meu rosto enquanto se aproximava com os olhos nublados de ameaça; — Se eu me machucar por causa dessa sua ideia de bosta, vou quebrar tudo isso que você chama de dentes.

Tenta a sorte, rosadinho.

Guardo essa provocação para mim, evitando realmente ficar sem meus preciosos dentes.

Jimin hesita um pouco e dá um passo para trás.

Me olha.

Ameaça pisar no suporte que eu fiz com as mãos, mas volta.

Morde o lábio enquanto me encara agachado, esperando para dar impulso.

Respira e posiciona melhor o apoio dos meus dedos.

Se afasta.

Se aproxima.

Mentaliza como vai subir.

Pisa por milissegundos e novamente tira o pé.

Suspira.

— Vai logo. — Apresso.

— Espera, inferno.

Jimin parece perdido no que ele mesmo vai fazer. Se houvesse um manual de instruções de "como subir em uma mão", com toda certeza pararia todo o nosso plano apenas para ler e fazer da maneira mais certa possível.

Até parece que não confia no próprio taco.

— Tá com medo?

Pergunto de propósito, porque sei que ele está, apesar de não tentar demonstrar. Sua linguagem corporal diz tudo.

Jimin me olha como um predador que está prestes a matar sua presa da maneira mais horripilante possível. A vontade de me agredir escorre pela sua face e ele não consegue evitar de colocar esse sentimento no próprio tom de voz.

— O que isso importa, hein?

Rispidou grave, mas quem agora se zanga, sou eu.

— Dá para parar com essa palhaçada?

Me fita, confuso.

— Que palhaçada?

— De responder uma pergunta com outra pergunta.

Jimin retorce os olhos.

— Você não gosta?

— Não. — Confesso. — Tem necessidade de fazer isso?

— Tem?

Preciso respirar fundo para não avançar no colorido à minha frente.

Um sorriso cínico surge no canto de seus lábios inchados, olhando no fundo dos meus olhos como quem dissesse "Então é isso que te irrita?"

Park Jimin é um filhote do cabrunco, mesmo.

— Para de enrolar, cópia fajuta da Sakura. — Agacho mais uma vez no chão e deixo minha mão rente aos seus pés, quase como um degrau para que ele suba. Não tem jeito mais fácil do que esse. — Pisa com o pé direito e se apoia no meu ombro.

Ele não demora em acatar meu pedido, dessa vez sem reclamações. Era notável que sua persistência era apenas para camuflar o medo que estava sentindo ao ter que se arriscar daquela maneira. Eu tinha total certeza que não ia derrubá-lo de maneira alguma, o problema era que ele acreditasse nisso.

— Tá, é... — Finalmente coloca os dois pés nas minhas mãos, temeroso. A plataforma da sua crocs incomoda minha mão assim que ele solta o peso, mas nada que me faça sentir tanta dor.  — Assim?

Assinto, concentrando meus chakras para não vacilar na força dos braços e nem na forma como vou manipular seu corpo para cima. Depois de muitos anos, essa é a primeira vez em que Jimin confia em mim.

Também não é como ele tivesse mais opções.

— No três você pula. — Vi ele concordar ao morder o canto do lábio, apreensivo. Suas pequenas mãos tremiam segurando meus ombros, assim como suas pernas que custavam a ficarem esticadas, temendo despencar à qualquer instante. — Um, dois... TRÊS!

Meus músculos enrijecem assim que ergo Jimin no ar. Em câmera lenta, vejo seu corpo esticar-se conforme sobe até o teto. Os nós de meus dedos quase perdem força quando sua sandália pressiona um contra o outro, deixando uma terrível dor percorrer meu indicador esquerdo entrelaçado no direito.

Dou um último impulso para cima e agradeço aos céus e infernos quando o seu peso sai da minha mão e fica preso na abertura quadrada acima de nós. Metade do corpo de Jimin está para dentro do sótão, enquanto as pernas balançam do lado de fora.

Ouço o menor grunhir e, segundos depois, seu corpo inteiro some no andar superior. É completa escuridão lá, impossível de ver sequer um vulto passar.

Quando demora dez segundos, eu deduzo que Jimin está se recuperando.

Quando se passa trinta segundos, eu imagino que ele esteja se certificando de que não há nenhum perigo lá.

Quando bate um minuto, penso que ele esqueceu que eu também estava esperando para subir.

Quando mais um minuto se prolonga, eu acho que Jimin foi dessa para melhor.

— Jimin...? — Chamo, com medo de não obter resposta. O silêncio vem em resposta e um pequeno taquicardia surge em mim, dessa vez fazendo minha voz vacilar; — JIM-

Não sabia que sons tinham peso até ouvir um barulho pesado no teto de madeira, que interrompeu até meu chamado. Instantes depois eu ouço um "sai de baixo" abafado, seguido de um trambolho que despencou da abertura do sótão.

Uma escada de corda. Mesmo gasta, ela ia do andar superior até o chão do segundo andar, com seu fim bem em meus pés.

— Sobe aí. — Consigo ver o rosto de Jimin lá em cima, que exibe um meio sorriso. Ele parece ter acendido algum tipo de iluminação que agora deixa tudo um pouco mais claro. Assim como instruído, escalo com todo o resto de minhas forças e deito no chão empoeirado do sótão, assim que alcanço nosso objetivo. — Eu estava procurando a escada.

Escuto apenas sua voz, já que meus olhos estão fechados depois de uma possível queda de pressão. Permaneço em silêncio ouvindo Jimin mexer nas coisas daquele ambiente, enquanto trabalho minha própria respiração. Eu nem tive a chance de ver como era o local. Assim que meus pés tocaram aquele sótão, minha visão escureceu mais rápido do que eu pude reagir e tudo o que fiz foi me deitar, evitando qualquer ferimento numa possível queda.

Ele não pareceu perceber meu ato e agiu como se fosse apenas cansaço. Eu também não iria avisar. Não é necessário preocupá-lo e é meio óbvio que a causa foi a alimentação precária dos últimos dias.

Cobri a visão com o antebraço e fiquei ali estendido, ouvindo as opiniões e curiosidades do meu ex sobre cada coisa que ele encontrava e julgava ser importante.

Não demorou para que o silêncio se instaurasse. Eu estava pronto para abrir os olhos, se meu corpo não levasse um curto-circuito assim que a mão de Jimin toca meu peito. Aquela mesma mão que já tocou em quase todas as possíveis partes do meu corpo e explorou cada centímetro com seus dedos, boca e língua.

Abro os olhos em surpresa e posso vê-lo agachado ao meu lado, fitando-me em preocupação e os lábios entreabertos deixando sua boca carnuda se formar em um bico.

— Jungkook, está tudo bem?

Não. Não há nada bem.

Confirmo mentirosamente com a cabeça.

— Só estou recuperando o fôlego. — Minto. Vejo o corpo do meu ex se afastar assim que ele percebe a aproximação que havia criado no momento de apreensão. — Você tá' pesadinho, hein...

Ergo a parte superior do corpo, observando o Park levantar e me dar o dedo do meio, voltando a procurar seja lá o que fosse naquelas caixas e sacolas velhas. Após trabalhar a respiração por um bom tempo e tudo deixar de ser uma mistura de imagens turvas e escurecidas, levanto do chão e começo a vasculhar as coisas, junto com Jimin.

O sótão é gigante. Ocupa quase um piso inteiro e, se não fosse pela quantidade de objetos e velharias ali, diria que dava para construir uma segunda casa naquele andar. De todas as opções que haviam para começar a procurar, escolho um armário antigo de madeira, que tem uma das portas abertas e a outra quebrada.

Roupas sujas, tapetes enrolados, lençóis de cama, caixas de sapato... Não é preciso olhar muito para perceber que não havia nada de irrelevante por ali. Deixo aquele móvel de lado e sigo até o outro lado do sótão, onde há bastantes caixas e malas jogadas, cada uma tentando ser "protegida" com um toldo preto.

Meu primeiro destino é uma mochila. É como aquelas de escoteiros, gigantescas e que cabem uma família inteira dentro. Antes de pensar em esvaziá-la para levá-la comigo, procuro qualquer coisa útil.

Caixas de remédio vazias, faturas vencidas, relógios sem bateria, folhas que parecem ter algo relacionado à uma cláusula de contrato, livros antigos, algumas meias sujas, documentos, uma foto minha, cartões vencidos, jornais antig...

Uma foto minha?

Puxo a imagem que me chama a atenção assim que percebo a semelhança de meu rosto com a pessoa da foto. É necessário poucos segundos para perceber que realmente se trata de mim, mas não estou sozinho.

Jimin está ao meu lado, abraçado na minha cintura com seus cabelos esvoaçantes na ventania do parque em que visitávamos. Nossas roupas eram quase semelhantes, se não fosse pelas minhas com tonalidades mais escuras, que não deixavam de se parecer com a do garoto ao meu lado, que também vestia moletom. Sorríamos grande, com os olhos quase se fechando e quase fundindo-se um ao outro num abraço enquanto o fotógrafo fazia um pequeno coração de dedos no canto da tela.

Eu lembro desse dia.

Era meu aniversário.

Meus pais estavam viajando em trabalho e meu número de amigos era quase nula, tirando a ausência de irmãos próximos. Me recordo que meus planos eram ficar o dia inteiro sozinho em casa, assistindo anime, jogando e comendo. Desde o dia anterior Jimin sequer havia dado as caras e eu estava seguro de que as próximas vinte e quatro horas seriam deprimentes demais para que eu pudesse celebrar meu dia. Foi pouco antes do almoço, quando eu estava quase cochilando depois de madrugar a noite inteira, que ouvi uma buzina.

Ao abrir a janela da sala, vi o carro do pai de Jimin. No banco do passageiro, meu namorado exibia um sorriso de orelha à orelha com sua irmã e sua mãe também dentro do veículo, acenando na minha direção. Eles me apressaram até que eu tomasse um banho de três minutos e vestisse a primeira coisa que visse na minha frente, saindo de casa o mais rápido possível. Quando entrei no carro da família Park, fui avisado de que iríamos comemorar meu aniversário.

Eu lembro de não deixar de sorrir em momento algum. A forma como seus pais me tratavam e brincavam comigo enquanto nós cinco estávamos sentados na grama com toalha quadriculada repleta de doces, salgados e um bolo do personagem Cooky.

Foi um dos meus melhores aniversários.

Nas costas da foto revelada vejo uma mensagem com a caligrafia chique que reconheço ser do meu antigo namorado.

"Jungkookie, se não fosse você para me fazer rir, eu seria quieto e estressado. Espero que nunca deixe de me abraçar ao dormir. Hoje, irei dar-te um beijo de presente, mas sabe que merece muito mais que isso. Eu te disse que iríamos até a lua juntos. E vamos.

Com amor, seu Jimin."

Agora, encarando e perdido em lembranças enquanto vejo aquilo, lembro.

Quem tirou aquela foto foi a mãe de Jimin. Foi instantes depois de darmos nosso primeiro beijo na frente da sua família, bem naquele piquenique. Parecia ser pouco, mas eu lembro que naquele mesmo dia Jimin chorou no meu ombro à noite ao contar que foi a primeira vez que seu pai aceitou sua sexualidade de uma maneira aberta e verdadeira, sem máscaras para disfarçar a simpatia.

Pode até ter sido o dia mais feliz do meu mês, mas fiquei ainda mais satisfeito por ver meu namorado tão feliz quanto eu, chegando a chorar de alívio.

Foi o melhor dia do ano – e talvez da vida – de Jimin.

— Achou algo?

Por uma reação involuntária de sabe-se lá o quê, amasso a foto e a guardo no bolso da minha calça com uma velocidade rápida demais, deixando o mais velho com uma expressão confusa, encarando a minha de surpresa.

— E-er... não. — Aponto para a mochila revirada que eu vasculhava. — Só uma coisas velhas, nada demais.

Jimin joga a cabeça de cima para baixo e se agacha no chão, com uma maleta grande nas mãos.

— Eu encontrei isso, pode ser útil.

Juntei-me ao lado de ser corpo enquanto ele destravava as fechaduras da caixa. Assim que abriu, podemos ver uma variedade de ferramentas de conserto. Ia das mais perigosas até simples porcas.

— Jeon, você está realmente bem? Ficou estranho desde que subimos aqui.

Meus olhos escorrem da caixa de ferramentas até o rosto de Jimin. Suas orbes buscam meus dois olhos em uma tentativa de achar uma resposta, mas parece em vão. Se eu me concentrasse em cada presença do Park ao meu lado, conseguiria sentir sua respiração tão próxima da minha, saindo pela pequena abertura de seus lábios que ajudavam na expiração. Só quando meu ex molha os lábios com a língua, que volto para mim.

Muito perto.

— Relaxa, não é nada demais. — Levanto, coçando os olhos. Sei que meu tom saiu da forma menos natural possível, por isso tento me afastar o máximo possível para não pegar a primeira chave de fenda que achar ali e enfiar no meu pescoço. — Foi só... essas coisas que aconteceram. Acho que mexeram um pouco comigo.

Jimin continua me seguindo com os olhos, mesmo ainda de cócoras.

— Tenta focar nisso aqui agora. — Aponta para nosso único achado útil, a caixa de ferramentas. — Funcionou comigo.

Circundo aquele sótão, como uma barata tonta. Não sei como e quando fazer nada. Parece que qualquer ação que eu vá fazer agora, será errônea, sem sentido, inútil. Tinha tanto tempo que eu não pensava com mais de um cérebro que havia me esquecido de como se trabalha em equipe.

Ainda mais quando essa equipe é Park Jimin.

Depois de muita enrolação e um companheiro dando uma opinião sobre cada "arma branca" que tinha dentro daquela maleta, decidimos levar aquelas únicas chances de defesa. Dentre tantas opções, Jimin escolheu ficar com o suporte de cintura e nele levar um martelo pena, chave de grifo – mesmo depois de eu avisar umas setenta vezes que seria quase inútil – e ferros de solda que o aconselhei usar caso precisasse de uma luta corporal rápida. Meus itens restantes foram uma furadeira, uma marreta e uma pistola de pregos, além de um pé de cabra que eu ensinei Jimin usar caso precisássemos. Acabou que eu quase me descabelei enquanto escolhíamos as armas e meu ex achou plausível levar um SERROTE no lugar do pé de cabra.

Como se tivéssemos tempo de ficar serrando a cabeça de um morto vivo.

Após sair do sótão fizemos uma pausa rápida no quarto de Jimin, apenas na intenção de pegar algumas roupas. Nós quase caímos no soco quando o rosado tentava me convencer de todas as formas que não havia mal algum em sair de bermuda de moletom em pleno apocalipse. Foi depois de morder a perna nele num momento de desatenção e mostrar o quanto ele podia morrer ou perder pateticamente a perna daquela forma, que ele resolveu colocar uma calça jeans.

Junto com um sapatênis.

Bom, é melhor do que crocs.

Jimin vestiu uma jaqueta por cima da camisa sem manga que usava e guardou um par de cada peça dentro da mochila, junto com algumas fotos da família e produtos de higiene que achou no fundo do armário, como meio rolo de papel higiênico, um líquido num pote, um desodorante rollon e um vidro de perfume cheio pela metade.

Top coisas desnecessárias que Park Jimin está levando em sua mochila para combater um apocalipse.

Terceiro lugar: chave de grifo.

Segundo lugar: água micelar (não faço ideia do que seja isso, mas com certeza é inútil).

Primeiro lugar: um par de crocs.

O sol nascia quando estávamos prestes a sair da casa de Jimin. Se nada disso houvesse acontecido, neste momento eu estaria longe de Jinhae, descansando em qualquer topo de um prédio enquanto admiro a bola de fogo surgir de trás das montanhas e fazer um sol escaldante chegar, mas que me faz ter mais vontade de viver.

Nas nossas mochilas só haviam armas. Comidas, bebidas e qualquer pronto-socorro já estavam muito longe dali e daríamos uma tremenda sorte de achar algo aqui por essas áreas, e, caso não déssemos, só daqui há seis horas.

Maldita hora em que não peguei o restante daquele biscoito vencido no quarto do pânico.

— Pronto? — Indago. Jimin está parado de frente para a porta, olhando em direção a rua vazia que nos cercava. Sua mente parece perdida em devaneios, contemplando a própria existência enquanto o céu alaranjado vai ganhando vida no papel de parede preto natural. — É mais fácil do que você imagina, acredite.

E num silêncio desconfortável e algumas horas de futuro incerto, saímos da casa.

*      *      *  

OLÁ!!!!! DEMOREI, MAS CHEGUEI!

Desculpem pelo sumiço. Minha vida tem virado de cabeça para baixo nos últimos dias/meses e eu fiquei perdidinha com meus planos!

Inclusive, eu gostaria de fazer uma perguntinha genuína; o banner de introdução dos capítulos ficou legal? Eu custei para fazer algo numa estética boa e acabou que deu nisso! Eu fiquei satisfeita com o resultado e vocês??

Finalmente teremos Jiminnie saindo da sua tão famigerada casinha e indo desbravar novos mundos!! Confesso que fiquei triste com a perda do Juhyun, mas foi necessário para a introdução de um novo personagem meio lelé da cuca, mas que vai conquistar muitos corações aos pouquinhos...

Houve até referência de música! Para quem gosta de um som nacional: Konai – Castelo de Areia, representa bem a relação dos nossos Jikook quando começou todo o rebuliço na relação deles.

Outro ponto; tenho me divertido muito em colocar os títulos de cada capítulo com uma referência diferente. Alguns se relacionam com teorias e leis do universo, então para quem gosta desse tipo de coisa, é muito bom pesquisar para entender o sentido do capítulo e se aprofundar mais no assunto. Caso não se interesse, no início de cada cap vou deixar uma frase que já explica um pouco em relação ao tema.

Obs :: Me desculpem qualquer erro ortográfico ou de concordância. O capítulo ficou bem comprido e apesar de revisar umas quatro vezes, não sei se consegui corrigir todos os errinhos :/

Sem mais delongas, é isso! Beijocas e até logo <3

BÔNUS: Uma fotinha da tão linda tatuagem "i love dicks" do Jungkook.

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