Os segredos de Wentworth

By nemfreudexplica

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A morte não é o pior. Quer saber o que realmente me assusta? Fantasmas. Pois eles estão por toda parte. Não p... More

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Bem-vindos à Wentworth

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By nemfreudexplica

O instituto Wentworth para jovens prodígios, fundado em 1898, era bastante conceituado entre as famílias tradicionais de Kellerman. Lá oferecia-se uma educação convencional, de acordo com o código de moral e ética aceitável pelos cidadãos de bem. O lema da escola era "Amadurecimento através do aprendizado" e a direção orgulhava-se de formar a nata da sociedade de Kellerman. Políticos, juízes, empresários, seu sucesso era obviamente advindo de Wentworth, e não do dinheiro e poder das abastadas famílias. Os Davenport, Abbot, Miller, Harrington e tantos outros sobrenomes de prestígio que não se acanhavam em acenar seus milhões no nariz de quem quer que fosse. Porém Wentworth também abrigava alguns alunos sem nome ou posse. "Casos de caridade", como eram chamados pela diretora Moody. Afinal de contas, o nome do instituto não fora construído apenas com dinheiro, mas outrossim com um bom princípio cristão. O próprio prefeito James Abbot e o delegado Charles Mapother eram orgulhosos ex alunos da instituição. 

No muro externo da construção, que mais lembrava uma fortaleza medieval, estavam esculpidas as 150 regras da escola, que ano após ano eram repetidas pelos alunos durante as aulas de educação moral e cívica. Seu hino, uma epítome da moral e dos bons costumes, era cantado toda semana, às segundas-feiras, dando início às aulas. Um lembrete constante de onde aqueles jovens se encontravam.

Embora o lugar fosse mantido impecavelmente limpo e organizado, via-se que os tempos áureos eram coisa do passado. O piso de pedra estava gasto, as portas de madeira maciça viram dias melhores e a pintura das paredes estava descascada. As luminárias antigas não eram suficientes para iluminar os corredores, cujo aspecto austero lembrava um cenário de filme de suspense. Tal afirmação seria facilmente corroborada pelos alunos, embora a entrada no Instituto Wentworth significasse indubitavelmente o fim de todo e qualquer prazer cinematográfico. E se filmes eram proibidos porque poderiam deturpar as tenras mentes e predicados em formação, celulares, computadores, tablets também eram banidos. Em termos tecnológicos, o Instituto Wentworth havia estagnado praticamente no ano de sua fundação. Se alguém quisesse evitar escrever à mão, recorreria à sala de datilografia. Em caso de cópias serem necessárias, havia um mimeógrafo que deixava a sala cheirando a álcool.

Então o que faziam os alunos em seu tempo livre? Aqueles que gostavam de esportes podiam ser encontrados nas quadras de tênis, críquete e futebol. Ou então estavam na piscina olímpica do ginásio coberto. Uma pequena porcentagem da população estudantil, gostava de se esconder no sótão, que basicamente era um depósito de móveis velhos na ala leste da construção. Outros tantos participavam de clubes de leitura, uma vez que a biblioteca de Wentworth era imensa, trezentos metros quadrados de prateleiras que iam do chão ao teto, com obras em diferentes idiomas e praticamente (sim, praticamente, pois a seção de livros profanos era proibida para os alunos) todos os livros estavam disponíveis para quem os quisesse ler. E havia aqueles que se dedicavam à música. A sala do piano tinha um enorme Bösendorfer de cauda, além de tantos outros instrumentos de diferentes tamanhos que podiam ser usados livremente fora do período de aulas. Muitos acreditavam que a música podia afastar os fantasmas.

Sim, como um bom edifício antigo, dizia-se que o Instituto Wentworth era assombrado por fantasmas. Porém, fantasmas ou não, era unanimidade entre os alunos que aquele colégio era nada mais nada menos do que uma prisão. Um lugar onde pais extremamente ocupados com suas vidas egoistas largavam seus filhos rebeldes e problemáticos para não terem que lidar com eles. Esse seria o trabalho da direção e dos professores, que tinham carta branca para todo e qualquer tipo de punição. Quanto mais novo o indivíduo entrasse para Wentworth, mais efetivo era o resultado da disciplina. Os alunos mais jovens tinham por volta de oito anos de idade. Os mais velhos, dezoito. A diretora, senhora Moody estava no comando há 30 anos, impondo disciplina através do medo. Aqueles que estavam há mais tempo em Wentworth a evitavam como a peste. Os que acabavam de chegar, aprendiam na base do sofrimento e das lágrimas, a manter-se na linha.

O único que parecia não se importar, que fazia questão de quebrar todas as regras existentes e inexistentes, estava naquele momento sentado no parapeito da janela do terceiro andar, o rosto levemente encostado no vidro. O rapaz franzino de cabelos coloridos mantinha o olhar fixo na cadeia de montanhas ao longe. Dois anos. Esse era o exato tempo em que ele estava ali encarcerado. Vindo de família de classe média, nem em seus piores pesadelos ele se imaginaria naquela situação algum dia. Fresco em sua memória estava aquela fatídica tarde em que seus pais vieram alegremente anunciar o fim de sua liberdade.

De maneira enfática, ele ouviu como a diretora do instituto havia entrado em contato com seus genitores e oferecido uma vaga no estimado Instituto Wentworth. Sim, uma oportunidade imperdível. Restava a pergunta: imperdível para quem? Era sabido pelo mancebo que seus pais já andavam fartos de sua atitude e das inúmeras encrencas nas quais ele havia se metido nos últimos meses. Até na delegacia ele fora parar. Por que? Somente porque fez uma extensa pintura em uma das muretas do parque mais frequentado de Kellerman. Não esquecendo de mencionar que tal arte retratava, de forma hiperrealista, dois homens durante uma felação. Ora, ele estava apenas exercendo sua veia artística, afinal não era importante fomentar a criatividade e a cultura? Entretanto, o pior naquele dia infernal, não fora ter sido pego pela polícia, tampouco ser detido na delegacia. Oh não. O pior fora ser obrigado a segurar as gargalhadas que ameaçavam irromper de seu peito ao ver a expressão de choque e vergonha no rosto de seus pais diante das fotos de sua pequena aventura. Nem mesmo o sermão que escutou durante o trajeto para casa tirou-lhe aquele sorrisinho de escárnio dos lábios.

O pai, cansado, passou as mãos pelos cabelos loiros. O menino tinha 14 anos. Não podia permanecer irresponsável para sempre. Eles já haviam aguentado demais! Foram quatro escolas em quatro anos! Expulso uma e outra vez. Na primeira por encher a sala de aula de sapos e cobras. À época o menino tinha apenas 10 anos. Na segunda ele inundara o banheiro masculino, causando um enorme prejuízo para a escola. Na terceira, ele havia invadido a escola no meio da noite e decorado a parede da entrada principal com papel higiênico molhado em tinta das mais variadas cores. Ele não teria sido pego, não fosse sua assinatura ao pé da "obra de arte". Por fim, ele havia jogado sabão no chão dos corredores. Vários alunos e professores foram parar no hospital com fraturas. Para coroar a sequência de mal feitos, havia a pintura no parque.

O senhor e a senhora Kratz, de limitados recursos financeiros e não oriundos de Kellerman, faziam sempre o possível para que sua família fosse aceita e incluída nas atividades da cidade. Só que ter um filho como aquele menino, que locupletava-se de mal feitos e rebeldia tinha exatamente o efeito contrário. Na visão de seus genitores, ele era a epítome do que um filho jamais deveria ser. Desde os treze anos, vestia-se de maneira estranha e desleixada, tinha modos afeminados, pintava os cabelos, jamais permitindo que alguém lhes visse a cor natural, pintava as unhas, usava maquiagem, fumava. Recusava-se veementemente a ir à igreja. A última vez em que fora obrigado a ir, o pastor o expulsara por estar usando mini-saia e batom vermelho nos lábios.

Ninguém na escola se atrevia a se aproximar. E era assim que ele gostava. Sozinho. Sempre sozinho. Ele não precisava se preocupar em ser gentil ou nenhuma outra droga amistosa que a sociedade queria impor. Ele estava muito melhor só. Até que fora obrigado a ir para o Instituto Wentworth. Ali, havia três pessoas que nunca o deixavam em paz. A mudança de escola fora obra do senhor McCallum, diretor de seu último colégio que, após o incidente no parque entrara em contato com a diretora Moody. Que desserviço para o pequeno arrivista! Ter que se mudar para uma escola onde ele mal podia usar seu gloss labial sem que a diretora lhe chamasse a atenção. Sem contar o horrendo uniforme que precisava usar todos os dias: calça cinza, camisa branca, paletó azul-marinho e gravata vermelha. Pelo menos pôde manter seus cabelos coloridos, já que alguns jovens tinham tatuagens e piercings (tudo feito sem permissão parental, importante frisar).

Ele só precisaria aguentar mais três anos. Depois disso estaria livre. Não que tivesse vontade de retornar à casa dos pais. Sem chances. Mas com dezoito anos ele poderia pegar a estrada e ir para qualquer lugar, longe de Kellerman e daqueles hipócritas, cujos segredos sujos eram cobertos com uma camada religiosa e moralista tão fina que se partiria ao menor toque. Se aqueles puritanos soubessem que ele conhecia seus segredos... não havia computador, telefone ou outro aparelho que ele não pudesse invadir. Nenhum segredo estava seguro com ele. Distraído, ele dá mais uma tragada em seu cigarro. Não fosse por Arthur, ele ficaria sem poder fumar. Talvez por isso ele o aturasse, por conseguir coisas que haviam sido confiscadas à sua chegada. Inclusive um celular. A quem ele queria enganar? Ele gostava de Arthur. Muito. O menino era gentil e o aceitava incondicionalmente.

- Sabe que essa merda ainda vai te matar, Ariel.

Sem sinal de surpresa, os olhos verdes desviam da paisagem de fora e encaram seu interlocutor. Com um metro e cinquenta, cabelos castanhos e olhos cor de mel, Hannah Abbot franzia seu nariz arrebitado e abanava a fumaça para longe de si. Qualquer desavisado que a visse, a consideraria um ser delicado e frágil, sem imaginar que, por muitas vezes, a garota metia medo em pessoas com o dobro de seu tamanho. Ninguém que a conhecesse entendia como ela poderia ser a filha do prefeito. Seu temperamento era explosivo e sua impulsividade notória. Apesar disso, Hannah Abbot era uma garota afável, que se preocupava (e muito) com aqueles a quem amava. E Ariel, querendo ou não, era um deles.

- O que você quer agora, Hannah? Não basta ter pego meu batom vermelho emprestado? E meu blush?

Batendo o pequeno pé no assoalho de pedra, a menina olha para ele com certa irritação. Desde o dia em que Ariel pisara em Wentworth, Hannah tornara-se sua amiga. E com ela vieram Arthur Davenport e Colin Miller. Dos quatro, Ariel era o menos afortunado em questão financeira, mas todos eles tinham o mesmo problema. Eram considerados um estorvo por seus pais de vida perfeita e irrepreensível.

- Ariel, considere isso um empréstimo! Quantas vezes você não pegou minhas coisas também? Já me viu reclamando? Pelo contrário! Eu sempre fui magnânima com você!

Coçando o queixo, Ariel riu com gosto. Hannah era uma pessoa fácil de se lidar. Ele jamais admitiria, mas ela conseguira derrubar suas barreiras. Ele se importava com ela. Era como uma irmã. Uma das únicas pessoas que ele lamentaria deixar quando fosse embora de Kellerman.

- Continue usando a palavra magnânima que vão achar que você tem setenta anos ao invés de dezesseis.

- Como se eu me importasse o que pensam de mim. Apague logo esse cigarro e venha comigo. Temos novidades. Duas delas.

Dizer que Ariel não se importava era, de certa maneira, mentira. Ele estava curioso. Ajeitando o uniforme, ele apaga o cigarro no parapeito e segue a menina, cuja cabeça alcança apenas seu ombro. Não que Ariel fosse alto. Seu um metro e setenta de altura não era nada comparado aos um metro e oitenta e três de Arthur ou aos um metro e oitenta e cinco de Colin. Hannah caminha rapidamente pelos corredores, chegado ao dormitório de Arthur. Quatro batidas cadenciadas na porta e ambos entram para encontrar Colin sentado na cama, enquanto Arthur caminha de um lado para o outro da alcova. Fingindo um desinteresse que não sentia, o garoto pergunta, olhando diretamente para Arthur.

- Então, qual é a novidade?

- Novidades, Ariel. Plural! E posso dizer que são bombásticas!!! - O sorriso de escárnio de Colin fez com que Ariel projetasse o corpo para frente querendo saber mais.

- Conte logo de uma vez! Sua tentativa de ser misterioso não está funcionando, Colin. Arthur, o que está acontecendo?

Arthur para de andar e seu olhar castanho pousa em Ariel. O ar sério e compenetrado não se desfaz. Passando a mão pelos cabelos, ele solta o ar dos pulmões.

- Chegam hoje dois novos alunos.

As esmeraldas de Ariel se arregalam. Mais alunos? Quem serão os infelizes desta vez? Será que isso desviará a atenção de Moody e ele poderá relaxar um pouco? Esperança cresce em seu peito. Ele finalmente vai poder se esconder sem precisar se preocupar em ser encontrado pelos funcionários? Poderá respirar e fumar quando e onde quiser?

- Está sorrindo por que? Nem sabe quem são os novos alunos! Se soubesse tiraria esse sorrisinho cretino do rosto.

- Cale-se Colin! Não estou falando com você!

- Idiota, vem calar! E se continuar sendo imbecil, vou dizer para o Arthur parar de trazer cigarros para você! Vai se matar com essa merda!

- Engraçado que a Hannah acabou de dizer isso. Vocês três são estraga prazeres! Não basta ficar preso aqui ainda tenho que abrir mão do que gosto? Já não basta a falta de sexo?

Hannah, que até então estava calada, irrompe em uma alta gargalhada. Seu corpo franzino se dobra e as lágrimas escorrem por seu rosto. Uma mão vai direto para sua boca, tentando conter o riso que parece não ter fim. Os três garotos a observam por alguns segundos antes de segui-la no acesso de riso. Após vários minutos eles conseguem se recompor. E Hannah comenta com ar de pouco caso.

- Como se você fosse muito versado em sexo, Ariel. Você sequer beijou alguém! Tudo o que você sabe aprendeu em livros e internet.

- Nunca mais conto meus segredos para vocês!

- olha aqui, nanico, você sabe que pode contar conosco e que seus segredos estão bem guardados. Então deixe de frescura e ouça o que eu tenho a dizer.

- Sim senhor, mestre Arthur Davenport!

- Idiota! Os novos alunos são dois rapazes de dezessete anos: Lucian Beauchamp e Dominic Fitzgerald-Mortimer. Não faça essa cara! Não sabe que as famílias deles são as duas mais importantes, ricas e influentes do país?

Não. Ariel não sabia. Porque toda vez que seu pai queria falar sobre dinheiro, riqueza e tradição, Ariel corria para o seu mundinho e não ouvia uma única palavra. Ele não sabia quem era o rei da porra toda e tampouco se importava com isso! O barulho de um veículo se aproximando fez os quatro praticamente voarem para a janela. Uma enorme limusine se aproximava da entrada principal. Os garotos se espremiam na estreita janela tentando ver quem sairia do veículo. Após parar totalmente, o motorista uniformizado saiu, dando a volta e abrindo a porta de trás. Dois jovens muito altos e musculosos caminham para a entrada, um de cabelos negros e outro ruivo. Mais do que isso era impossível ver. Até que os dois rapazes olham diretamente para a janela onde os quatro pares de olhos os observam. O olhar de Ariel fica preso às duas safiras que, por alguns segundos, o fitaram intensamente, alheio ao fato de que outro par de olhos, estes cor de avelã, também estavam fixos nele.

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