Over The Dusk

By control5h

111K 9.5K 45.1K

Décadas. Maldições. Linhagens. Amores proibidos. Luxúria. O ano inicial para elas foi 1986. Camila Cabello e... More

Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21

Capítulo 22

4.6K 343 2.1K
By control5h

[Vamps] Olá lindezas!! Para o pessoal que estava ansiando por nosso retorno e não desistiram: mais uma vez pedimos desculpas pela demora a atualizar e pedimos compreensão de vossas partes, pois as nossas vidas ultimamente andam turbulentas. Para os leitores novos, sejam muito bem-vindes❤️ esperamos que estejam gostando e saibam que nós lemos cada comentário que deixam com muito carinho :)

Ademais, pedimos para que continuem votando, compartilhando e comentando muito. E pra quem não nos segue, temos uma conta da fanfic lá no Twitter onde sempre estamos interagindo, dando recados, postando manips/spoilers, playlists e afins. Nos sigam lá: @/overthedusk

[Hunter] Olá pessoas, sou a terceira autora anunciada há um tempo, vou ajudar em algumas coisas aqui. Espero que gostem de terror, pois eu gosto bastante!

[Wolf] E aí, Duskers?! Espero que gostem desse capítulo tanto quanto nós! Já digo que não nos responsabilizamos pelas gritos e surtos, porque está épico! A tão esperada Camilinha chegou! Segue um resumo do que aconteceu nos capítulos anteriores para ajudar a relembrar:

ANTERIORMENTE EM OVER THE DUSK: Há um ano atrás, o grupo foi para o Texas e lá invocaram uma Bruxa que tem problemas com Allyson e companhia. Esta Bruxa retornou, causando o atentado na Universidade que resultou na transformação de Lauren em lobisomem, que levou à transformação de Normani em caçadora de lobisomens. Veronica é uma caçadora de vampiros, que foi expulsa d'A Ordem por ter escolhido não matar Lauren. Lauren, após colocar todas em perigo, inclusive seu pai que foi possuído, decidiu ir embora a fim de se juntar à Lucy, uma Beta chefe de um acampamento de licantropos. Passou um ano lá. Camila, enquanto Norminah estava em Roma e Allyson com Troy, sofreu nas mãos de idiotas e de sua mãe novamente até que vizinhos novos chegaram: Hailee e Gavin. Gavin seduziu Camila e se mostrou um vampiro sanguinário que tinha como objetivo capturar Lauren (pois ele sabia que, eventualmente, a lobisomem Alfa ia voltar à Miami para ver sua amada). Gavin causou o terror, matou >quase< todo mundo na lanchonete, e encurralou o grupo briguento na Festa de Halloween na Universidade de Miami. De praxe, o plano das meninas não funcionou, Gavin foi morto, mas Allyson se tornou Bruxa Impura ao matar Sarah, vulgo irmã de Zendaya que pretendia invocar uma bruxa antiga, mas o processo deu errado; Lauren, devido à sua dor, conseguiu se transformar fora da Lua Cheia; e Camila se transformou em uma vampirona. -

Músicas do capítulo se encontram na playlist "Over The Dusk Oficial" no Spotify, no perfil.

Peguem um bom fone, apaguem as luzes do quarto e boa leitura!

############

Miami (1987) – Domingo, 1 de Novembro

Madrugada

A batalha contra o Demônio, que é a principal tarefa do Arcanjo São Miguel, ainda acontece nos dias de hoje, pois o Demônio permanece vivo e ativo no mundo.

Papa João Paulo II (1920-2005)


No momento em que Camila Cabello abriu os olhos, revelando suas íris agora vermelho-sangria, tudo ao redor pareceu mais nítido, límpido e evidente.

Um caleidoscópio de cores, cheiros e sensações a atingiu com a intensidade de toneladas.

Ela avistava as partículas de poeira bailando no ambiente, os cristais de água da evaporação; a fuligem rodopiando ao sair das fibras de madeira de algumas árvores. Podia enxergar cada um dos espectros da luz branca emitida pelos refletores do campo de futebol, aliadas aos seus filamentos cintilantes que instantaneamente lhe incomodaram a retina sensível. Um sibilo feroz saiu por entre seus dentes ao colocar a mão direita na frente do rosto, tudo em um movimento de décimos de avos de segundos.

Sua pele... estava receptiva e gélida. Encarando seu próprio braço, Camila sentia o vento se chocar contra as células epiteliais e se dispersarem. Lembrou-se de inspirar o oxigênio ao notar que seus pulmões se encontravam vazios, não suplicantes do gás. O ar atravessou ardendo seus brônquios e bronquíolos até chegar aos alvéolos onde, pela primeira vez, fez a troca gasosa com o seu sangue agora escuro. Não precisava respirar o tempo todo, concluiu isso quando expirou dióxido de carbono e seu diafragma não a obrigou a repetir a ação logo em seguida.

A garganta também ardeu, seca, irritada como se houvesse tomado uma limonada com amônia e cloro. Camila arfou em incômodo, pois dentro de si, no interior daquela estrutura física que não parecia própria, uma chama ácida arranhava seus órgãos que ansiavam por alimento. Logo, um breve pensamento surgiu: sentia-se como um carro potente sem uma gota de gasolina. Piscou várias vezes, tão rapidamente que se assustou. Grunhiu de novo quando uma espécie de tsunami inundou sua mente, latejando seu cérebro que recebia uma carga imensa de lembranças úteis e inúteis: todas suas memórias desde que esteve no útero de sua mãe.

Sim.

Tudo sempre esteve ali e sua cognição humana havia ignorado as sinapses criadas.

Do rosto de seu pai quando ele a pegou pela primeira vez na enfermaria; da primeira vez que se deitou no berço; da primeira boneca que ganhou no Natal; da tigela especial de cereal na manhã do seu aniversário de quatro anos; dos desenhos que realizava toda quinta-feira com Rosa...

Recordava-se de, literalmente, tudo.

Sentia, absolutamente, tudo.

As gramas abaixo do seu corpo estendido, o frescor e as irregularidades; o cheiro de relva, o odor de carbono, musgo, canela, alumínio e... sangue.

Sangue.

O ferro associado com hemoglobina.

Camila? – o timbre humano ressurgiu acima do crepitar, das formigas andando nas árvores, dos grilos e demais insetos vibrando, dos carros nas rodovias mais distantes, das pessoas conversando nos bairros vizinhos, dos... corações batendo. – Você...?!

Bastou a "ideia" de se levantar atravessar a mente de Camila para que, em uma ação de instantes, ela percebesse que magicamente agora se encontrava agachada na grama. Ela sequer havia piscado, sequer sentira os movimentos dos seus membros... e lá estava... em posição de ataque, como um animal prestes a dar o bote na direção da voz percebida.

Suas íris vermelhas se fixaram nas três mulheres à sua frente.

Ela sempre se julgou a menos bela entre suas amigas, mas de alguma forma sua visão agora apenas comprovava ainda mais a graça de Normani Kordei, Dinah Jane e Allyson Brooke.

Por mais que elas estivessem com cicatrizes físicas e psicológicas mediante aos acontecimentos dos últimos dias, as íris apuradas de Camila conseguiam notar os mínimos detalhes de cada uma: os lábios cheios de Ally, suas sobrancelhas grossas, seu nariz levemente inclinado para a direita, os arranhões e partículas de sujeira na sua pele pálida; a simetria invejável no rosto de Mani, os resquícios de batom na sua boca, os tríceps e bíceps contraídos pela tensão em que segurava a Besta; os olhos chorosos de DJ, as marcas das lágrimas em suas bochechas ruborizadas, os cabelos em friez em seu penteado bagunçado, a gota de sangue escorrendo de um corte na longa perna e...

Um rosnado arranhou a garganta de Camila, saindo por entre seus dentes cerrados. Sua traqueia queimava em chamas. A repulsa por aqueles três seres e a fome... ah, a fome...

Seus pensamentos se encontravam caóticos, mas logo entendeu tudo o que estava acontecendo: a salivação intensa em sua boca, o pulsar de seus músculos, a vibração de seus órgãos internos, as suas íris fixadas na gota de vermelha escorrendo na panturrilha de Dinah Jane só poderiam indicar uma coisa...

Ela era uma vampira.

Quase em instantâneo, Camila sentiu as veias abaixo de suas órbitas arderem e dilatarem para a passagem de um maior fluxo de sangue escuro... começando a remexer. Suas escleras também flamejaram na medida em que enegreciam e aguçavam sua percepção, aumentando o campo de visão.

Se você se aproximar irei atirar... – a voz decidida de Normani repercutiu aos ouvidos de Camila como se ela estivesse na nave de uma igreja. A caçadora se mantinha com a arma à altura dos olhos, dedo no gatilho.

Os lábios da vampira começaram a tremer, indicando o sibilo gutural que precipitaram seu ataque avante em busca de sangue. Seus sentimentos estavam desligados, as memórias não lhe causavam impacto algum, seu cérebro abraçava a verdade do predador intrínseco: quando olhava para aquelas três... já não enxergava mais as mulheres que foram seu porto seguro por muito tempo...

Camila enxergava alimento para saciar a combustão em seus órgãos.

Prestes a atacar, sem na verdade saber de fato como fazê-lo, a brisa trouxe consigo um odor amadeirado que contraiu o corpo da latina, pegando-a desprevenida.

Uma fragrância amadeirada que parecia dominar todas as outras ao redor.

Ela fechou os olhos, inspirando fundo e preenchendo seus pulmões.

Ao romper a entorpecência momentânea, o ar rasgou sua garganta e com ele veio outro grunhido feroz que a fez abrir os olhos, mostrando suas íris vermelhas-sangria. Precisava achar a origem do cheiro... precisava... AGORA.

Dinah e Allyson piscaram e quase perderam o vulto que se desfez; Normani disparou a flecha de Sequoia e assistiu a madeira amarela passar a centímetros do ser que correu na direção oposta.

Mas Camila se encontrava maravilhada. Tudo corria em câmera lenta ao seu redor, seus passos eram velozes, os prédios e árvores pareciam contemplar a sua presença. Ao parar de correr, ela cambaleou para o lado na terra irregular por estar assustada com sua velocidade supersônica. Encarou as próprias mãos e, então, apenas deu uma risadinha maléfica antes de pegar mais impulso para frente, transformando-se em uma sombra outra vez. Avistou o muro que dividia o campo de futebol com as ruas do campus e não teve o mínimo trabalho de conseguir saltá-lo, avançando como se fosse um degrau recorrente.

Cessou sua corrida no centro da viela penumbrosa presente entre os blocos dos cursos. Seu estômago não revirou, não teve zonzeira... pois, seu corpo parecia familiarizado com aquela aceleração anormal.

Logo avistou a figura abraçada por um casaco longo de couro até metade das coxas expostas. Inspirou fundo outra vez, obrigando seu diafragma a trabalhar, e se certificou de que a essência amadeirada advinha da mulher que agora paralisava ao notar sua presença. Com seus próprios instintos gritando, Camila esperou que a figura se girasse lentamente na viela vazia e iluminada pelos postes enfeitados por teias de aranhas e falsos morcegos.

* Music On * (Personal Jesus - Depeche Mode)

E então a avistou nitidamente.

Lauren...

Lauren Jauregui.

O agouro e presença licantropa arrepiou o corpo da vampira, que instantaneamente sentiu as escleras enegrecerem e as veias remexerem abaixo das órbitas confusas. Se encararam até que a repulsa se intensificasse ainda mais e o seu predador interno vociferasse, revirando seus órgãos frígidos. Percebeu que seu coração não batia, sequer ofegava, mas o desejo estava ali. De alguma forma estava viva, mais do que nunca.

O instinto de séculos se apossou de ambas.

A lobisomem e a vampira franziram as expressões, começando a rosnar uma para a outra.

Era perceptível a ausência de sentimentos... na amante de sangue, por completo; na licantropa, parcialmente.

Apenas o desejo de se matarem das mais variadas formas.

E ver isso na expressão desesperada de Lauren fez com que Camila não suportasse uma gargalhada inesperada. Seu raciocínio se encontrava rápido demais, várias anotações mentais, várias lembranças se misturando com imagens reais. Tentava colocar alguma ordem neles, catalogá-los, organizá-los, mas era como mexer em um novelo emaranhado com diversos nós cegos.

O espanto de Lauren e a retração em sua postura ofensiva fez o gargalhar de Camila aumentar um pouco mais. A latina conseguia enxergar as marcas de expressão acima das sobrancelhas grossas, as pequenas pintinhas no rosto sujo, as curvas bem marcadas pelo casaco roubado, as substâncias terrosas nos pés descalços, o degradê verde nas íris neon. Sentia... suas narinas captavam o medo vindo dos poros dilatados da mulher, que por mais que emitisse uma fragrância amadeirada, não deixava de exalar um mínimo retro-cheiro da carniça licantropa.

Era cômica a situação, qual é?!

"Lauren era uma lobisomem e ela agora era... hãm... uma vampira?! Como?! Espera, como?! Ah, o ponche, aposto que o ponche..." Camila buscava alguma organização nos pensamentos.

"Porra... olha isso tudo..."

Camila outra vez havia se distraído, olhando para suas mãos e processando as sensações contra sua pele que parecia um para-raios para percepções táteis. As pontas dos seus dedos eram como veludo, macias... geladas... mas, delicadas. Olhando para baixo, ao seu próprio corpo ainda coberto pelos trapos da fantasia de Chapeuzinho, ela finalmente ergueu as sobrancelhas ao ver o quão... gostosa estava?! Suas curvas haviam se acentuado, os músculos se encontravam definidos, o cabelo estava com um brilho perfeito, a pele suave.

Quase uma beleza predatória.

Sim, era assim que se sentia.

Predatória.

Eu não preciso mais de óculos... – foi a primeira fala que saiu por seus lábios avermelhados ao perceber que, durante aqueles quase dois minutos de vida sobrenatural, ela havia conseguido enxergar sem o objeto.

Suas sobrancelhas se ergueram deslumbrada ao ouvir sua própria voz: era quase um cântico, um timbre melodioso.

Divagando, Camila ponderou sobre a diferença entre emoções e sentimentos. Eram coisas diferentes. Lembrava-se de ler em um livro de Psicologia da Saúde que a emoção se tratava de uma reação imediata a um estímulo ambiental, algo presencial e rápido, tal como "alegria", "surpresa", "raiva". Porém, ao se tratar de sentimentos seria necessário envolver um alto grau de componentes cognitivos, de correlações às memórias/crenças e avaliação de algo construído em um maior espaço de tempo, tal como "amor", "felicidade", "ódio", "inveja", "pânico".

Não continha sentimentos, notou isso ao não se importar com a ausência de movimentos de uma Lauren ainda estagnada. A mulher de íris verdes estava praticamente congelada, sem controlar seus batimentos cardíacos, entregue a dor que a regia.

Patética.

E facilmente entediante.

Ela era um ser sobrenatural, foda para um caralho... e a licantropa só sabia ficar parada?!

Qual é, faça algo!

Camila queria experimentar, queria aliviar aquele acúmulo de energia. Sentia-se tão forte...

Com um bufo frio escapando por seus lábios, a latina almejou outra vez testar a sua velocidade supersônica. Havia visto Gavin e Hailee se moverem assim, não deveria ser tão difícil repetir tudo o que fizeram. Dando um passo adiante, ela se concentrou no local que queria chegar e então adicionou impulso às pernas. Um piscar e um borrão, foi tudo que se tornou.

No entanto, a vampira presunçosa subestimou a espécie inimiga.

Antes mesmo que Camila parasse no ponto escolhido na viela, Lauren se arrepiou ao ter seu Sentido Aguçado acionado pela ágil aproximação da rival. Ela então, habilidosamente, pulou para trás a fim de aumentar a distância entre elas e deu uma cambalhota no ar, caindo agachada e em posição de ataque. Com sua semi transformação externalizada, ela rosnou também: testa crispada, orelhas culminadas, costeletas desenvolvidas, molares e demais dentes pontiagudos, músculos robustos ao ponto de forçarem as costuras do casaco e unhas longas e perigosas.

Lauren uivou em ameaça, batendo as fileiras de dentes animalescos uma na outra.

Não queria machucar a latina, não queria contra-atacar, mas estava ficando sem opções. Dentro de si tudo despedaçava, o choque a consumia, os sentimentos amplificados eram torturantes. Nunca imaginou estar em uma situação assim com a mulher que é... ou era... o grande amor da sua vida. Seus olhos chegavam a lacrimejar pela dor ácida, mas buscava se controlar para não dar vantagens àquele... ser.

Precisava ela própria entender os seus problemas, tentar compreender como havia se transformado fora da Lua Cheia.

Ah, não... – Camila deu uma risada histérica, erguendo as mãos para cima e depois as posicionando na cintura. – Quer dizer que apenas agora você aprendeu a externalizar isso aí?! Uau... caralho... desculpa é que... – gargalhou. – Só precisou que eu morresse então! Eu fui o seu gatilho, não é?! – ela estendeu as duas mãos, apontando para a lobisomem ainda em posição de ataque há alguns metros na viela. – Eu fui o gatilho necessário para que você se transformasse em... hãm... metade cachorro?!

As atitudes presunçosas, a maldade nas palavras, a vaidade, a superioridade tóxica... o jeito que ela usou o termo "cachorro"... fez com que Lauren fechasse os olhos por alguns segundos para suportar o latejar de tristeza em seu coração. Camila realmente era uma vampira, o retro-cheiro da carniça vampiresca era notável.

Sua ex-namorada não se importava mais.

A humanidade não gosta de admitir, mas existe uma parcela maléfica, podre e ruim em nossos interiores. Uma vozinha inclemente que ressoa em nossos ouvidos em determinadas situações e que lutamos constantemente para não a transparecer, uma vez que não desejamos ser categorizados como indivíduos sem bons valores. Existe maldade dentro de nós, a crueldade de cada um. A busca sedenta por controle, nos mais ilógicos sentidos.

A grande diferença entre um assassino e um imaginador é que um, de fato, realiza a ação enquanto o outro apenas pensa como seria a sensação.

Mas a vontade está lá.

Basta querê-la o suficiente.

E Camila Cabello queria. Pela primeira vez ela sentia a força viscosa correndo por suas veias, sentia-se imparável, incontrolável. Era a predadora, não mais a presa de diversas pessoas desgraçadas que passaram pela sua vida.

Camila... – o timbre rouco de Lauren chamou a atenção da vampira, que cessou os pensamentos caóticos e direcionou as íris vermelhas outra vez.

A lobisomem ainda se encontrava agachada, a semi transformação externalizada, mas sua expressão estava meramente lamentosa. Recusava-se a aceitar a verdade que estava diante de si.

Me desculpe... por favor, me desculpe por isso ter acontecido! – Lauren sussurrou, a entonação embargada pelo choro contido. – Não, não, não... eu... – arfou devido ao nó na garganta. – Eu nunca quis isso, achei que seria forte o suficiente para te proteger!

– Eu achei também, estávamos as duas erradas no final das contas. – Camila deu de ombros, tranquila.

Nada mais que desinteresse era perceptível em sua feição. Aqueles sentimentos excessivos já estavam a irritando. Era simples: havia morrido e ponto final. Era uma vampira e ponto final. Elas matariam, se matariam e ponto final.

– Acho que se minha humanidade estivesse ligada... eu estaria provavelmente surtando ou tendo uma das minhas corriqueiras crises de ansiedade. Mas a ausência de qualquer sentimento é incrivelmente libertador. – Camila inspirava as partículas de poeira e oxigênio e expirava dramaticamente, ainda se deliciando com as sensações novas. – Ao mesmo tempo em que sinto o mundo ao meu redor... dentro de mim existe um eco gigantesco. Tenho acesso a todas essas memórias, mas não consigo ter quaisquer reações. São apenas... imagens. Não possuem importância. Eu costumava me importar tanto com tudo e todos! Não estou com medo de todos esses poderes sobrenaturais, não estou triste por saber que morri. – Camila mordeu os lábios, segurando um sorriso zombeteiro. – Porra, eu literalmente morri e nem me importo! Eu tinha tanto pavor disso e agora é... é... maravilhoso!

O estômago de Lauren revirou devido à súbita preocupação em tentar descobrir como poderia consertar tudo aquilo. Era a sua maldita responsabilidade.

– E tudo o que quero fazer é... beber sangue. – a fala séria de Camila resgatou a atenção de Lauren. – Estou com fome, muita fome! Com tanta fome que poderia esvaziar uma geladeira sozinha! Minhas gengivas estão coçando e ardendo, porra! – o tom de voz mudou rapidamente para um agoniado. – Mas o seu cheiro, essa droga de cheiro está me atrapalhando! – Camila rosnou irritada, as sobrancelhas franzindo, as íris vermelhas quase cintilando a raiva em sua feição que voltava a ficar predatória. – Essa sua carniça impregnou no meu olfato! Argh!

– Isso não precisa ser assim, Camila... – Lauren imediatamente interviu, lutando contra a própria repulsa rival em suas entranhas. – Nós... eu... posso tentar te ajudar! Vamos achar um jeito! Sempre tem um jeito! – ela ladeou a cabeça a fim de transparecer alguma compaixão.

– Ah não fode, Lauren! – Camila retrucou, impiedosa. – "Sempre tem um jeito" é de você acabar com as coisas! Nunca vi uma pessoa com tamanha habilidade de destruir tudo o que toca! Acho que já fez o suficiente por mim, não é?!

Ouch.

Uma espécie de chute acertou o estômago da lobisomem, que arqueou as sobrancelhas em incredulidade pelas palavras que ouvira. O coração sacolejou, o peito ardeu. Mais lágrimas chegaram aos seus olhos, não pelo conteúdo dito, mas por quem dissera.

É... a Normani estava de fato correta sobre tudo.

E este doloroso pensamento fez a boca de Lauren se entreabrir, mantendo o semblante apavorado quando subitamente uma linha de raciocínio a dominou. Lembrou-se do livro negro que achara no seu porão no Sábado 16 de Agosto de 1986, gravado no couro a palavra "Gouvêa", que nem sequer sabia do paradeiro. Recordou-se, especificamente, do pedacinho de papel que parecia resistir por entre as páginas e que continha o dialeto escrito em um inglês anglicano arcaico: dos diversos trechos que se referiam à sua própria maldição licantropa, outros agora lhe faziam sentido... "Salva-te a ti mesmo; Salve os outros; Saia deste lugar; Não olhes para trás de ti e não pares, Para que inocentes não pereçam na injustiça".

Ela olhou para trás, ela retornou à Miami... ela causou a morte de uma inocente.

Ou vários.

Sentia que era sua culpa.

Exclusiva e completamente... sua culpa.

O que faria agora? Não sabia.

Porém, antes mesmo que o espanto pudesse abandonar Lauren Jauregui, foram as expressões faciais de Camila Cabello que mudaram. O corpo da vampira estagnou, seus pelos eriçaram, suas pupilas dilataram, suas narinas inflaram quando captaram o aroma adocicado bailando no ar e advindo do bloco de estudos vizinho.

A vampira faminta girou o rosto em direção do prédio penumbroso em um movimento ébrio, buscando com sua visão e olfato aguçados saber exatamente onde originava o odor metálico de... sangue.

Cerca de um minutos antes, caminhando por um dos corredores escuros do prédio principal de Medicina, Jae Yoon, o estudante coreano que cursava Arquitetura, continha em uma mão um copo de ponche e na outra os dedos de uma mulher entrelaçados aos seus. As conversas, risadinhas e sons de beijos haviam passados despercebidos pelos ouvidos dos seres sobrenaturais na viela há poucos metros dali. Ambos haviam escapado da festa e, mesmo contra as regras para não vagar pelo campus vazio, eles decidiram usar as salas de aula para sessões intensas de amassos contra carteiras. Os lábios se encontravam rosados, os cabelos bagunçados e as roupas prestes a serem tiradas.

O som do copo de ponche caindo atraiu a predadora. Mas, o que de fato a fez grunhir em tentação foi o ato desajeitado do coreano em bater e raspar seu joelho na parede atrás do corpo da mulher na qual beijava o pescoço desesperadamente.

Camila, com rosnados começando a arranhar sua garganta queimando, flexionou os joelhos em sinal de ataque.

Lauren entendeu o que estava acontecendo ao também sentir o cheiro de sangue.

Camila... – falou em um tom de alerta, estendendo a mão. – Não, não faça isso!

Mas a latina, sibilando como um ser bestial pronto para caçar, se entregava lentamente à sua natureza mais animalesca. Inspirava o ar para imaginar o gosto metálico; suas íris se tornaram mais vermelhas; as veias se dilataram abaixo das órbitas enegrecidas. Ela conseguia incrivelmente quase de fato visualizar a única gota de sangue escorrendo do corte minúsculo no joelho descoberto do homem lotado por adrenalina e ocitocina convidativas.

CAMILA! – Lauren se desesperou.

Então tudo aconteceu em uma velocidade tão alta que os atos se tornaram em câmera lenta...

Os olhos verdes-neon se encontraram com os vermelhos desvairados, o contato visual ardendo pela intensidade. Houve um grunhido terrível que parecia vir do fundo do peito de Camila, ecoado por entre seus dentes. Seus músculos se contraíram prestes a se lançar em um vulto atrás do alimento tão atrativo que inibia e confundia quaisquer pensamentos.

NÃO! – rugiu Lauren, decidida a interferir.

A lobisomem se impulsionou através dos joelhos já flexionados, pulando longos metros à frente como uma felina. Ela pousou graciosamente no centro da rua e correu até a latina, abrindo os braços quentes para já envolvê-los ao redor do corpo gélido a fim de imobilizá-lo.

No entanto, antes mesmo que pudesse ao menos tocá-la, Lauren arfou em surpresa ao não ser rápida o suficiente para prever o movimento defensivo que veio de Camila. A vampira, com uma feição monstruosa, abruptamente se virou e levantou a perna direita com tamanha potência que o chute desferido atingiu o tórax da licantropo e a ergueu do chão, lançando-a violentamente para trás.

Lauren voou em uma linha reta exorbitante e despencou rolando sobre o cimento da ruela, grunhindo pela dor no peito e pelos cortes abertos em seu rosto, braços e pernas. O som do impacto repercutiu por todo o campus... semelhante ao choque de dois cristais de chumbo.

Duas inimigas.

Camila ladeou a cabeça, com os olhos enegrecidos e veias remexendo abaixo das órbitas que checavam a figura caída. Ódio. Fome. Instinto. Era tudo que subitamente a dominou. E antes de se virar para caçar suas presas, um sorriso maléfico nasceu em seus lábios carnudos ao notar o quão forte era.

Ela estava adorando aquilo.

No instante em que Lauren se colocou de joelhos, zonza e procurando pela vampira, não encontrou nada mais que o vulto desaparecendo em uma velocidade supersônica em direção ao bloco de Medicina.

Não... – sussurrou, sentindo-se incapaz.

Enquanto ficava de pé cambaleando, Lauren observou duas figuras saltarem da janela lateral da biblioteca e aterrissarem na calçada. Lucy correu até ela, checando seus ferimentos, e Veronica, com um pouco mais de dificuldade para absorver o impacto da altura, gastou alguns segundos para também se locomover até a melhor amiga.

Você está bem?! – a Beta perguntou ao ver sinais de sangue nos dentes brancos.

Lauren, agoniada, lutava contra a tosse que denunciava um pulmão esquerdo esmagado. O sangue voltava em sua garganta, mas o mantinha inundando ali para não preocupá-las. Ela fez apenas um afirmativo com a cabeça por saber que logo iria regenerar.

Eu preciso pará-la. – Veronica disse com convicção, girando o corpo em direção ao bloco de Medicina. – Ela está descontrolada.

Lucy, ainda acariciando as costas de Lauren, trocou rápidos olhares com a colega de matilha. Analisaram os punhos cerrados de Veronica e o seu semblante sério. O timbre utilizado havia mudado: estava grave e com uma repulsa que crescia.

Até porque Veronica era uma caçadora de vampiros... e Camila agora era uma.

*

Bloco de Medicina

O silêncio sepulcral do corredor não era absoluto devido aos sons dos beijos e gemidos dos dois jovens apaixonados, os quais pensavam que estavam prestes a desfrutar de uma noite que marcaria o começo de algo bonito, e também graças aos...

Ruídos advindos do monstro que se aproximava lentamente pela escuridão.

* Music On * (Condemnedl - Revolt Production Music)

Jae sorria, contente. Nada que um pouco de álcool no sistema não houvesse o auxiliado a finalmente chamar a garota para sair, alguns flertes ainda deixavam seu coração acelerado ao relembrar como eles haviam parado ali: dando amassos em uma sala de aula proibida.

Mas... algo estava errado.

Algo arrepiava os cabelos de sua nuca e não era por causa dos beijos que a mulher desferia contra seu abdômen exposto depois que a camiseta havia sido jogada para a penumbra ao redor.

Uma espécie de agouro incorporava ao ambiente, à escuridão que abraçava os cantos retangulares da sala e as carteiras meramente mais assustadoras agora.

Sentia os lábios chegando ao nível de sua virilha, região no qual seu pênis mostrava sinais de excitação, mas seus olhos, que antes estavam fechados, subitamente se abriram em direção da porta da classe ainda aberta para que uma fresta de luz pudesse entrar. Uma sensação ácida começou a corroer sua coluna vertebral, um tique na lateral esquerda da cabeça tentando lhe avisar, como se estranhamente pressentisse que algo ou alguém estivesse prestes a passar por aquela porta sombreada.

O monstro os observava e o coreano suspeitava de algo semelhante.

O lábio superior da vampira tremia na medida em que a respiração pesada arranhava a garganta, sibilando entre os dentes que pulsavam em sua gengiva em carne viva. O ato de segurar a impulsividade para atormentar psicologicamente sua presa se mostrou um ato que injetou uma onda de prazer no corpo de Camila, a qual ladeava a cabeça em literal tesão enquanto estudava os arrepios no pescoço de Jae. Ela podia escutar a sístole e diástole de ambos os corações, os sons dos fluxos sanguíneos nas artérias, os ruídos dos diafragmas trabalhando.

Como um demônio escondido, a boca de Camila chegou a salivar obrigando-a a umidificar os lábios carnudos com a língua.

Os suspiros e sons de beijos continuaram a perdurar pela sala, abaixando a guarda de Jae que decidiu ignorar seus instintos de sobrevivência. O rapaz com traços asiáticos aproximou-se da menina típica californiana para beijá-la e assim o fez, trazendo-a para o nível de seu rosto.

Tudo estava bem.

Nada de ruim poderia acontecer. O mundo não era um local tão terrível assim.

Exceto, que... é.

Principalmente pelo fato dos humanos estarem nada mais, nada menos, que na base da cadeia alimentar.

Antes que os lábios de Jae e da californiana pudessem se desencaixar e reencaixar no beijo, um ruído repercutiu da porta da sala de aula penumbrosa.

Ambos congelaram e viraram os rostos, ainda com as mãos nos locais que se afagavam.

Eles encararam a porta aberta, com o feixe de luz agourento adentrando.

Esperaram que algo aparecesse...

Esperaram...

Até que o arrastar brusco de uma mesa no interior da sala, no canto esquerdo, fez com que Jae encarasse com os olhos arregalados aquela parte penumbrosa do ambiente.

E avistasse o monstro de íris vermelhas já entre eles.

Ela estava ali.

Camila, usando sua supervelocidade, avançou sobre os humanos, parando predatoriamente na frente dos mesmos e deixando visível a sua feição demoníaca de veias pulsantes abaixo das órbitas enegrecidas. O grito feminino rasgou a garganta da mulher que saltou para trás pelo susto, mas que logo foi silenciada ao sentir a mão direita de Camila agarrando uma porção do seu cabelo louro e empurrando sua cabeça violentamente contra a parede de tijolos, em uma pancada tão súbita e tão agressiva que uma parcela do seu crânio afundou e um globo ocular esquerdo saltou para fora pela pressão.

O sangue espirrou na bochecha de Jae, que congelou pela rapidez que tudo acontecia.

E antes que ele pudesse gritar ao avistar a companheira cair aos seus pés, Camila o agarrou pelo rosto e o puxou brutalmente para si. Ela inclinou a cabeça para cima, olhando para o teto escuro na medida em que sentia a aflição dos caninos superiores rasgarem as fibras da carne de sua gengiva pela primeira vez, se alongando, afinando e surgindo por entre o tecido aberto. A garganta queimava pela fome, diluída no veneno ácido que fervia sua jugular. Seus membros estavam em chamas, pulsando em êxtase, como várias bombas nucleares acionadas.

* Music On * (Satanicus - Revolt Production Music)

Suas íris vermelhas dilatadas e o líquido carmesim de sua gengiva caindo em pingos das presas pontiagudas foram as últimas imagens que Jae avistou antes de sentir a dor excruciante dos dentes dilacerando a lateral esquerda de seu pescoço, atacando a jugular.

O sangue quente espirrou no fundo da boca de Camila, que gemeu alto pelo prazer de sentir o gosto metálico em sua língua. A compulsão então teve início, o frenesi a dominou e ela agarrou com força sua presa em um abraço mortal. As veias dilataram ainda mais abaixo dos olhos enegrecidos quando fogos de artifícios explodiram pelas pálpebras.

A cada gole da substância pegajosa que chegava ao seu estômago, a cada vez que sugava o líquido da artéria com pressão era como presenciar um Oásis.

Viciante, dependente.

Logo, a vampira concluiu: nunca mais pararia de tomar aquilo.

Camila retirou os dentes do pescoço retalhado quando sentiu o corpo mal vivo de Jae amolecer pela perda de fluidos. Ela analisou o estrago feito no músculo; avistou o pedaço de carne arrancada e os espirros vermelhos que ainda saíam... e sorriu, extremamente satisfeita, com seu queixo e dentes sujos, antes de voltar a rasgá-lo para experimentar novamente aquela sensação, a eletricidade percorrendo, os fogos de artificios explodindo.

Lauren, a Universidade e os ruídos nada significavam. Poderiam ser mais um inseto, se diluindo em sua insignificância. O ato de sugar a hipnotizava; a força do homem cedia sob a tensão de suas mãos até que o rufar do coração começou a ficar cada vez mais lento, fraco. Eventualmente, a quantidade de líquido diminuiu em sua boca, denunciando que havia se alimentado dos quase cinco litros que um dia circularam em Jae Yoon.

Mas a fome ainda estava ali. Rasgando as entranhas, queimando sua garganta, pulsando nas gengivas.

A vampira logo soltou o corpo do homem morto, jogando a carcaça pálida para o lado, e se agachou como uma felina em direção da falecida mulher ao chão. O traumatismo craniano e exposição ocular a matara, mas ainda havia muito sangue em seus vasos.

E, chegando sorrateiramente, foi esta a cena que as quatro mulheres presenciaram da porta da sala de aula.

Lauren Jauregui, Dinah Jane, Normani Kordei e Allyson Brooke tinham os olhos arregalados enquanto encaravam Camila Cabello de joelhos, em posição predatória, rasgando o pescoço de uma mulher já cadavérica.

Os sons dos dentes rasgando a carne úmida e de sucção frenética pararam e a vampira recém-criada, ao notar que não estava mais sozinha, levantou lentamente a cabeça. Ela, respirando pesado, direcionou a feição demoníaca para as mulheres na porta: com as íris em um vermelho-sangria, veias e órbitas enegrecidas, e agora o rosto lambuzado por sangue que também pingava do queixo e de suas presas exposta.

O choque pavoroso percorreu os rostos de todas, as quais haviam se encontrado no caminho em busca do mesmo alvo desaparecido.

Camila grunhiu gutural e girou também o corpo, colocando-se de pé na mesma lentidão. Ladeando a cabeça para estudá-las, sem se dar o trabalho de limpar a face, ela concluiu, através de suas expressões e força com que agarravam as armas em mãos, que estavam prestes a tentarem uma intervenção.

Normani continha sua pistola de prata, Dinah a espingarda de verbena, Allyson suas mãos energizadas e Lauren sua semi transformação.

Putas dramáticas, a vampira pensou.

Com um breve sorriso, Camila deduziu que era a mais rápida de todas ali.

Bastou então um piscar de olhos para que sua figura se tornasse um borrão que passou por entre as quatro em uma velocidade tão alta que nem sequer conseguiram visualizar. Lauren, ao invés de agarrá-la, puxou Dinah contra si para protegê-la; Normani atirou, mas a bala passou centímetros do vulto; Allyson começou a murmurar o encanto, mas foi tarde demais.

E quando expiraram, a vampira não estava mais na sala penumbrosa.

*

Camila, incrivelmente, corria em uma velocidade supersônica através da viela adjacente ao bloco, buscando um local para se esconder e...

– AAHHH!

O grito de dor rasgou sua garganta. A agonia a dominou ao sentir a queimação indescritível e o impacto da flecha de Sequoia adentrando no seu ombro esquerdo, a jogando para trás no sentido oposto em que se locomovia. A vampira recém-nascida e suja de sangue seco caiu, choramingando como um animal ferido enquanto rolava pelo cimento e tentava retirar a madeira que fazia as fibras de sua carne entrarem em combustão.

Não tão rápido, Camilinha... – a voz adentrou por seus ouvidos.

Rosnando em puro ódio e ignorando a palma da mão direita ardendo, a latina segurou o cabo da flecha e puxou a madeira do ombro com o som aquoso ecoando. Ela piscou, maravilhada em ver a sua pele começando a regenerar através de mitoses ao redor do buraco criado. Fazia cócegas.

Confiante, Camila direcionou suas íris vermelhas maléficas e órbitas enegrecidas para a silhueta de Veronica, vestida de blazer preto, que segurava uma besta carregada ao nível dos olhos sérios no centro da rua.

– Anos de amizade para isso, Iglesias?! – Camila arfou por entre as presas desenvolvidas enquanto se colocava de pé, mantendo os joelhos flexionados em posição de ataque.

– Hum... – a caçadora torceu os lábios em um sorriso falso e travou o maxilar. – Digamos que nossa relação agora mudou para um nível complicado.

– Há alguns minutos estava tentando me salvar... agora quer me matar?! – a vampira ironizou, galante. – Isso é um pouco confuso, não?!

Ninguém quer te matar. – o timbre rouco que reconhecia em qualquer lugar ressurgiu.

Camila se virou e avistou Lauren saindo por entre as penumbras do bloco, acompanhada novamente por Normani que protegia Dinah, Allyson e agora Lucy, que antes estava em outra sala procurando-a. As cinco mulheres se encontravam apreensivas, mas atentas. O arrependimento as corroía, mas sabiam que não deveria impedi-las de controlar aquela situação caótica.

Há controvérsias nessa afirmação. – Veronica respondeu à amiga, sem retirar o dedo do gatilho da Besta. Ela estava dando o melhor de si para controlar seu asco natural por àquela espécie; seus 73 anos de experiência eram evidentes.

Camila semicerrou os olhos que lentamente voltavam ao normal, perdendo o tom enegrecido para uma esclera humana outra vez. Mesmo com as veias diminuindo a dilatação, suas íris vermelhas ainda denunciavam sua monstruosidade. Ela observou com cuidado enquanto as seis mulheres faziam uma espécie de amplo círculo ao redor de si na viela, explicitamente mostrando que não deixariam que fosse a lugar algum. Conseguia cheirar o perfume amadeirado de Lauren misturado com a lamentação advinda dos seus poros; conseguia cheirar a dor que rasgava o interior de Allyson enquanto seu corpo demonstrava sinais de suor e aflição pelos poderes malignos que começavam a dominá-la; conseguia cheirar a carniça licantropa de Lucy; o asco advindo de Veronica; a raiva de Normani e o medo de Dinah.

O cérebro ágil da vampira cogitava várias alternativas para tentar escapar dali. Não sairia do perímetro, lembrava-se do feitiço; não conseguiria correr, porque ainda não dominara essa habilidade; não lutaria contra elas, porque eram duas lobisomens, duas caçadoras e uma Druida.

Estava sem muitas opções.

Mas havia uma que poderia tentar: usar da culpa que todas carregavam.

Ela havia atuado por toda sua vida, fingindo ser uma mulher hétero e exemplar para sua família e sociedade... logo, simular emoções para seis mulheres que desejavam nada mais que a antiga Camila não deveria ser difícil.

– Eu não sei o que está acontecendo comigo... – sua voz se tornou mais doce, mais assustada.

A vampira relaxou os músculos faciais, adicionou amedrontamento aos seus olhos agora carentes. Devagar, ela estendeu as mãos estudando o líquido vermelho grudado nos dedos para, em seguida, tentar limpá-los nos trapos da fantasia de Chapeuzinho Vermelho em um ato de aversão. Acelerou a respiração fingindo um ataque de ansiedade. Tremeu o lábio inferior sujo, denunciando um possível choro a vir.

Eu sinto muito, por favor! O que eu fiz?! – ela lamuriou, mostrando-se sentimental. – Eu... eu matei aquelas pessoas! Eu... Deus, o que eu fiz?! Me perdoem!

A confusão nos semblantes das seis mulheres logo foi notada. Elas esperavam um contra-ataque violento, um combate corporal... não isso.

Veronica e Normani franziram os cenhos, mas não abaixaram suas armas. Nunca haviam lido nada sobre vampiros recém-nascidos que tivessem sentimentos ligados.

Lucy e Allyson ergueram as sobrancelhas, céticas. Sabiam o quão dissimulados os espíritos ruins poderiam ser.

Lauren e Dinah, no entanto, arfaram em compadecimento. A Alfa havia decido ignorar cada um dos milhares de instintos licantropos, os quais iam contra todas as decisões que sua estúpida parte humana mantinha-se a tomar. A loira alta, regada pela indulgência, ainda se agarrava à esperança de que sua melhor amiga estivesse em algum lugar no interior daquele monstro.

As duas, principalmente, carregavam o maior fardo de culpa nas costas. Lauren, por tê-la abandonado há um ano e não ter sido forte o suficiente para defendê-la; Dinah, por tê-la deixado de lado e não a ajudado quando necessário.

Por favor, me ajudem! – Camila sussurrou, soluçando em meio ao choro teatral. – Eu não quero ser esse monstro! O que eu fiz?! Onde eu estava com a cabeça?! Me ajudem!

– É tudo o que queremos fazer, Mila! - Dinah rapidamente respondeu, arriscando um passo à frente. – Nos deixe cuidar de você!

– Ninguém irá machucá-la se nos deixar tentar ajudar! – Lauren instintivamente não queria, mas a ofereceu um voto de confiança. – Eu sei que está confusa e que tudo parece muito amplificado agora! Acredito que esteja passando pelas mesmas coisas que passei quando me transformei! Tudo cheira, tudo brilha, tudo parece maior! Mas a fome... eu sei, a fome é a pior coisa! Segure sua respiração por alguns segundos, costuma auxiliar!

Camila balançou a cabeça, fingindo obedecer ao conselho.

– Vocês podem, por favor, me tirar daqui?! – ela choramingou alto, abraçando a si própria com as mãos trêmulas. – Não quero ficar mais aqui!

Veronica, Normani e Lucy estavam incomodadas, concentradas a estudar a latina no centro do semicírculo. Uma recém-nascida não teria controle suficiente para fingir sentimentos daquele jeito... ou melhor, não deveria ter. Vampiros transformados nas primeiras horas, dias e semanas eram burros, famintos e descontrolados.

Existiam duas opções, apenas: ou Camila tinha um super autocontrole, ou ela de fato estava com os sentimentos ligados.

Tentavam aceitar a primeira, mas a maneira com que a latina estava se portando parecia muito com a sua versão humana.

– Sim, vamos tirar você daqui. – Dinah concordou de imediato, estendendo a mão para Lucy que estava ao seu lado. – Por favor, me dê sua jaqueta.

– O quê?! – a Beta franziu o cenho, com sua semi transformação externalizada. – Não!

– Não vê que ela está com frio?! – a humana inocente quase bradou. – Por favor, me dê sua jaqueta!

– Vampiros não sentem fri...

ME DÊ A SUA JAQUETA! – Dinah vociferou.

Lucia suspirou dentre os caninos, odiando receber ordens, principalmente de uma humana condescendente com uma sanguessuga. Ela direcionou suas íris âmbar para Lauren, em contragosto esperando a sua permissão. A Alfa fez um afirmativo com a cabeça, aumentando o ódio da Beta que retirou o tecido de couro dos ombros, jogando-o para o lado e permanecendo apenas com o topper no busto definido.

– Dinah... – Normani apertou mais a arma de prata em mãos assim que a namorada pegou a peça de roupa, denunciando a intenção de dar outro passo à frente.

– Ela não vai me machucar! Sou eu! – Dinah retrucou, engolindo o nó causado pelo medo. – Certo, Chancho?! Sou eu! Sua melhor amiga! – falou, ladeando a cabeça em pura compaixão. – Você vai me machucar?!

Camila balançou a cabeça em negativo, dissimulando que nunca faria aquilo.

A humana se aproximou da amiga trêmula e esperou por alguns instantes, ciente de que a mira de Veronica e Normani permanecia sobre elas. Lentamente, Dinah passou a jaqueta de couro sobre os ombros de Camila e a envolveu em um ato gentil, tentando mostrar que todas estavam ali por ela.

Vamos te levar para casa...

Allyson, mais distante, conseguia escutar a voz de Dinah conversando com Camila, porém algo dentro de si a incomodava mais. Suas mãos se encontravam cerradas, o suor escorria por sua testa. Queria se manter alerta, mas a dor por entre seus órgãos estava se tornando audível, mais aguda, mais ácida. O coração batia tão rápido, tão descontrolado. Não conseguia focar direito nas ações das outras mulheres porque seu estômago revirava: uma parte de si repudiava as novas sensações, porém uma outra recente, cada vez mais forte e presente, deliciava-se do fluxo de magia pelos seus poros. Era avassalador. E, sinceramente, Allyson sentia que estava pouco ligando para a Camila: essa vítima patológica sempre fazia a situação se tornar sobre ela. Mas, ao mesmo tempo que queria gritar um "Vai Se Foder", queria estar ali para tentar ajudar. Tratava-se de uma dualidade tóxica que a impediu de perceber que retirava o feitiço de proteção ao redor da Universidade, a pedido de Dinah para translocar a vampira dali. A Druida ficou, na verdade, surpresa com a facilidade que foi realizar o encanto reverso, mostrando-se natural em não precisar mais se esforçar para a magia fluir por suas mãos: apenas usufruir da sensação de "ser capaz de...", agir, mandar e dominar.

Ela nem sequer sentia mais aversão àqueles "demônios", a presença de licantropos já não era mais incômoda ao seu estômago.

Tudo devido à Magia Impura que lentamente se arrastava sob a sua pele.

Lauren, no outro extremo do semicírculo, se encontrava em um perfeito oposto. Suas entranhas e narinas queimavam com a existência de uma vampira no local. Sua mente estava em caos, os sentimentos descontrolados devido às oscilações bruscas de querer cuidar e exterminar. Lembrar-se da morte e da ressurreição de Camila no ser mais repugnante para a sua espécie era dilacerante.

Mas vê-la vulnerável e chorando daquela forma apertou seu coração. Talvez houvesse esperança, tinha de haver. Logo, lutando contra a aversão, a licantropo arrependida caminhou hesitante até a latina, sentindo os olhares de todas sobre si.

Camila, olhe para mi...

Mas tão rápido quanto surgiu, a esperança se dissipou.

A vampira recém-transformada sorriu ao notar a oportunidade e retirou a jaqueta de couro dos ombros para, em seguida, agarrar o braço direito de uma Dinah que ainda permanecia perto. Em movimentos rápidos, Camila facilmente conseguiu erguer, puxar e lançar a humana inútil em direção de Normani, Veronica e Allyson que já demonstravam sinais de contra-ataque. As caçadoras e a Druida foram atingidas pelo corpo da loira que despencou drasticamente sobre elas, as jogando para trás.

Lucy tentou avançar para cima, mas foi golpeada por um chute na barriga advindo da vampira que erguera a perna em um pontapé para trás. A Beta foi lançada, chocando-se contra um dos postes da rua do bloco. A luz branca trepidou e a coluna rachou, mantendo-se de pé por pouco.

– Vocês se movem iguais, treinam com uma lesma?! – Camila ironizou, rindo.

E Lauren, a única de pé restante, nem sequer teve tempo de reagir porque logo sua feição surpresa foi inundada pela dor da mordida cruel que acontecia na lateral direita do seu pescoço exposto. Camila a segurava em um abraço predatório e suas presas pontiagudas laceravam sua jugular em um ataque rápido e aniquilador. As órbitas do monstro raivoso e descontrolado voltaram a enegrecer e as veias a pulsar, as mãos agressivas impediam que Lauren tentasse desesperadamente afastá-la da mordida que arrancava fibras de carne e espirrava líquido vermelho em todas as direções.

A licantropo cedeu, incapaz de machucar a latina.

Ao soltar e empurrar uma Lauren fraca para trás — que cambaleou e caiu sobre um joelho tentando estancar com a mão direita o pescoço —, Camila ladeava o rosto em puro prazer enquanto se deleitava do sangue que parcialmente engolia e escorria por seu queixo sujo.

Ele era incrivelmente doce.

Lauren a encarava, com as íris verde-neon arregaladas, não conseguindo acreditar no que havia acontecido. Mesmo zonza e vendo duas imagens à frente de si pela perda de fluidos, podia perceber que o demônio sem sentimentos sorria maleficamente.

Camila a atacou. Camila a mordera.

– Deliciosa, como sempre foi. – a latina ronronou, passando o polegar pelo próprio lábio inferior para capturar uma gota generosa de sangue e levá-la para o interior da boca. – Achei algo mais saboroso que o gozo em sua boceta.

Lauren ergueu uma sobrancelha, atônita com a energia e significado da frase.

* Music On * (Heaven's On Fire - KISS)

Quem era aquela mulher?!

Camila apenas deu uma piscadela para a licantropo caída e olhou ao redor, notando a aproximação das outras mulheres. Lucy já corria enraivecida em transformação quadruplete; Veronica e Normani erguiam suas armas na altura dos olhos; Allyson levantava as mãos energizadas após ter ajudado Dinah a ficar de pé.

Mas não importava o quão rápidas elas eram.

Camila podia correr na velocidade da luz.

Foram necessários apenas dez avos de segundo para que a silhueta da vampira se tornasse um borrão na medida em que se colocou a fugir, escapando por poucos centímetros do abraço predatório da lobisomem Beta e da flecha lançada pela Besta da caçadora. O vulto caliginoso se materializou em linha reta para a saída do bloco de estudos, que levava diretamente para a portaria do campus da Universidade de Miami que ainda se mantinha a festejar o Halloween.

Um banquete lotado de bolsas de sangue quente.

Maravilhosamente à sua disposição.

No entanto, o sorriso vitorioso de Camila morreu quando pela segunda vez em menos de cinco minutos ela foi golpeada de novo durante suas tentativas frustradas de aprender a se locomover. A pancada brutal veio de um soco que surgiu a partir de um segundo vulto, um segundo borrão extremamente mais veloz e ágil.

Em câmera lenta devido aos movimentos supersônicos, houve a inversão de direções. Camila foi novamente lançada para trás como uma bola de canhão e, antes mesmo que pudesse cair e rachar o cimento da viela vazia, o vulto caliginoso se materializou ao seu lado e a agarrou pelo pescoço para adicionar ainda mais força ao golpe contra o chão.

O barulho estrondoso repercutiu por todo o campus, aliado às lascas de poeira que voaram para cima.

Ao sentir seu pescoço ser liberado para a passagem de ar, uma Camila, que grunhia pela dor colossal em suas costas e coluna, abriu os olhos vermelhos enraivecidos e avistou uma Hailee — de veias pulsando abaixo dos olhos — dando passos para trás e se colocando em posição de ataque.

PARE! – a vampira mais velha gritou. – Eu não quero machucá-la! Você sabe que sou muito mais forte que você!

A latina mais nova grunhiu pelo desconforto da pancada e devagar ficou de pé, cambaleando na medida em que recobrava o equilíbrio e sentia os machucados sendo fechados pela regeneração mitótica. Um rosnado de ira escapou por sua boca suja, pois já estava sem paciência devido às tentativas falhas de escapar dali, todas elas interrompidas por aquelas desgraçadas sentimentais.

Sem dizer nada, Camila colocou-se em formato de vulto para correr na direção oposta, mas foi novamente bloqueada pelo borrão de Hailee que obviamente era mais rápida que ela.

A vampira, já regenerada pela pancada de Gavin, agarrou a latina pela cintura e abraçou com força, fechando-a em um aperto de aço inquebrável. Um grito de alerta resvalou por entre os dentes trincados de Camila, que trepidava como um raio descontrolado.

ME SOLTA! – ela vociferou, lutando e tentando abocanhá-la, os olhos ainda irracionais.

No entanto, o rosto divino de Hailee permanecia estranhamente complacente enquanto mantinha uma distância cautelosa das presas afiadas da latina, que batia os dentes a centímetros de sua face.

Lamento... mas, isso é para seu próprio bem.

CRACKER!

E pela terceira vez na noite tudo escureceu para Camila quando ela abruptamente sentiu as mãos de Hailee no seu rosto, girando-o bruscamente para a esquerda. O som da coluna vertebral se rompendo pela pressão no pescoço quebrado ecoou.

Comicamente parecido com o que ocorrera há menos de uma hora.

O corpo mole da vampira latina não atingiu o chão porque a sua semelhante a pegou de maneira gentil e rápida, passando as mãos pelo ombro e joelhos e a erguendo da superfície. De pé, com ela momentaneamente morta em seus braços, Hailee analisou o rosto sujo, mas sereno de Camila. Um suspiro de tristeza sibilou por seus lábios, arrependida por ter sido uma parte vital para que aquele infortúnio acontecesse.

Mais uma humana. Mais uma vítima, tão pura e bondosa... sua vizinha.

Mova-se um centímetro e essa flecha vai parar no seu olho direito. Solte-a, agora!

Hailee não se deu o trabalho de parar a análise da feição de Camila em imediato, pois sabia pelo cheiro e pela voz que se tratava de Veronica Iglesias apontando a Besta em sua direção, no centro da viela. Ainda gentilmente, ela soprou uma mecha de cabelo castanho que caía sobre a bochecha da latina desacordada e fez um afirmativo com a cabeça, terminando uma promessa interna que realizava a si mesma.

Travando o maxilar, Hailee ergueu o rosto e encarou o grupo parado à sua frente: formado por Veronica e Normani liderando com suas armas; Lauren e Lucy machucadas; Allyson com suas próprias dores; e Dinah mais atrás, amedrontada.

Acreditem ou não, eu estou aqui para ajudar. – a vampira mais velha, mais forte e mais experiente disse, sem diminuir o aperto ao redor do corpo latino em seus braços. – E eu sou a única pessoa que pode fazer isso por ela.

***

1 de Outubro

Compreender a realidade é uma tarefa difícil.

Aceitar uma mudança brusca no caminhar das coisas traz sempre um gosto amargo à boca.

A noite havia sido tão caótica, tão fora dos trilhos planejados, que Lauren precisou de alguns minutos sozinha para admitir que tudo aquilo estava de fato acontecendo.

O mesmo ocorreu com Dinah, Normani e Allyson, as quais permaneceram em silêncio nos bancos de passageiros do Lincoln Mark VII durante todo o trajeto que percorreram para levar uma Camila desacordada no porta-malas até um lugar seguro. Hailee o dirigia, engolindo seco a cada vez que olhava no retrovisor e via Veronica a encarando com nada mais que ódio nos olhos, mantendo a Besta bem encaixada e apertada entre os dedos brancos pela força que usava.

A quietude era incômoda e levemente cômica. Um carro com uma vampira acordada e outra momentaneamente morta, duas caçadoras, uma bruxa e uma humana?

Parecia o começo de uma piada ruim.

Ao chegarem em frente à residência dos Cabello's, Hailee puxou o freio de mão do Lincoln Mark VII. Novamente a vampira mirou suas íris vermelho-escuro pelo retrovisor, fazendo um breve afirmativo para Veronica apenas se certificando que tudo ainda estava em trégua... um momento de paz entre elas. A caçadora ladeou a cabeça, mas concordou, levando a mão em seguida na trava da porta e saindo da parte traseira do veículo.

Não havia sido exatamente fácil fazer todas consentirem com a ajuda de Hailee Steinfeld, especialmente a partir do voto negativo de Lauren e Lucy. As seis mulheres argumentaram no centro daquela viela vazia, onde o baile de Halloween ainda continuava a acontecer: Normani não queria mais seres impuros por perto — o que fez o estômago de Allyson doer, mas ela rapidamente pouco ligou para isso, estava em um limbo próprio de apenas observar o caos e não se dar o trabalho de interferir; Dinah murmurou que não sentia confiança no monstro culpado por boa parte do problema; Lucy Vives justificou que era contra as regras dos clãs e Lauren falou que bastava meia palavra para que ela mordesse a sanguessuga.

Mas, no fim, todas sabiam que apenas outra semelhante seria forte o suficiente para lidar com uma recém-transformada. A briga perdida há alguns minutos era uma prova disso.

Então, aceitando o gosto amargo na boca, as seis mulheres foram obrigadas a aceitar a ajuda de uma Hailee que ainda se mantinha segurando Camila nos braços... esperando a decisão.

E agora todas se encontravam no jardim da residência dos pais da vampira ainda momentaneamente morta. Lauren estava escorada à árvore de carvalho, em meio às penumbras, camuflada e protegida por Lucy perto da cerca que separava as casas vizinhas. As duas haviam se negado a compartilhar um espaço de metal pequeno com uma vampira, chegando até ali através da motocicleta da Beta.

Enquanto as outras saíam do interior do Lincoln Mark VII, Lauren continuou no mesmo lugar. Suas íris verde-neon perdidas em um ponto inespecífico no chão, sem brilho, sem quaisquer emoções que fossem além de angústia e tristeza. A sensação de impotência e inutilidade não a largavam, tal como uma maldição ou um chiclete grudado embaixo da sola do sapato. Aquele jardim havia sido um local de tantas lembranças boas, as quais vagavam desde sua versão criança de aparelho correndo atrás de Camila em brincadeiras infantis até as noites que jogavam um colchão na grama macia e ficavam contando estrelas ao som de Crazy Little Thing Called Love de Queen em fita cassete. Ali compartilharam lágrimas de despedida, risadas, olhares e promessas de um amor proibido, mas correspondido. Ali compartilharam o beijo que selou definitivamente a união de suas almas, no dia da viagem ao Texas em que Camila fora contra sua mãe e a escolheu. A escolheu como seu futuro.

O estômago de Lauren revirou quando girou o rosto o suficiente para assistir Hailee e Normani carregando o corpo latino envolvido em uma manta branca, ambas pisando com cuidado sobre as pedras brancas que formavam o caminho verde até a porta principal. A semelhança com um velório fez uma ânsia de vômito apertar a garganta da jovem licantropo.

Camila estava viva, apenas não da mesma forma que antes. Seus olhos lacrimejaram.

Ela não conseguiu salvá-la.

Dinah, que estava ao lado de Normani que delicadamente passava o corpo de Camila para o seu ombro, observava tristemente Lauren se aproximando devagar da porta principal, seguida por Lucy. De todas ali, ela sabia o quanto a licantropo deveria estar sofrendo, pois vira de perto o quanto as duas costumavam se amar. O buraco no coração dela deveria ser ainda maior do que aquele que habitava o seu próprio.

– O que está fazendo?! – Allyson perguntou assim que percebeu as mãos de Hailee livres e a mesma direcionando o polegar para apertar a campainha. – O que vamos falar para o Sr. e Sra. Cabello?! Está louca?!

*DING DONG*

– Simplesmente não podemos entrar com ela na residência. – Hailee explicou, sem olhar para trás e apenas encarando a madeira da porta vitoriana.

– O que... – Dinah balançou a cabeça.

– Eles tem que convidá-la a entrar. – Lauren murmurou, atraindo a atenção de todas para si. A mulher de semblante abatido colocou as mãos nos bolsos dianteiros da calça suja pelo sangue seco do seu pescoço já cicatrizado.

Nunca queira ver o que acontece com um vampiro colocado dentro de uma casa sem ser convidado. – Hailee completou, checando Lauren por cima do ombro apenas por breves segundos.

E antes mesmo que questionassem mais a vampira, a porta da residência foi aberta por uma Sinu contendo bobes nos cabelos e uma camisola listrada com cores neon. Ela ainda se encontrava sonolenta, bocejando em meio ao humor ranzinza por ter sido acordada às três horas da madrugada, no entanto, sua feição imediatamente mudou para uma assustada ao ver o estado das visitas. Algumas das "amigas" de sua filha e desconhecidas machucadas e com espirros vermelhos por todos os corpos e, principalmente, um corpo enrolado em uma manta branca e jogado sobre um ombro.

Hailee deu um passo à frente, passando pelo limite da porta por já ter sido convidada anteriormente, e afagou as bochechas da matriarca apenas para mantê-la imóvel enquanto fixava suas íris vermelhas-escuro dilatadas nas íris castanhas.

Me escute bem, Sra. Cabello... – a vampira bondosa começou em claro e bom tom, deixando que sua hipnose agisse. – Você não vai gritar, você vai se manter calma. Não há nada para se preocupar, não há nada de errado acontecendo. Você vai subir até o seu quarto e chamará pelo seu marido, ele também virá conversar comigo. Ambos ganharam uma viagem de graça por alguns dias para o Parque Nacional de Yosemite na Califórnia, vejam só! Não irão ligar para cá, apenas para quem precisa saber da ausência de ambos, e darão uma folga de quinze dias para a empregada, ela está proibida de aparecer aqui! Você e Alejandro não procurarão pela Camila, ela estará bem comigo! – ao terminar, Hailee suspirou. – Você entendeu tudo o que eu disse?!

Sinuhe, paralisada e compenetrada, apenas fez um afirmativo com a cabeça que lentamente criava uma rede de raciocínio que tornava tudo dito em uma Verdade Absoluta.

– Sim, eu entendi tudo. – ela concordou de forma mecânica.

– Agora preciso que diga o nome completo da sua filha e a convide a entrar na sua casa. – Hailee ordenou.

Sinu girou o rosto o suficiente para encarar a manta branca no ombro de Normani, incrivelmente deduzindo ser sua filha. Elas puderam jurar que viram lágrimas se acumulando nos olhos da mãe.

Karla Camila Cabello Estrabão, eu te convido a entrar na minha casa. – Sinuhe sussurrou.

A obediência da matriarca de bobes com a situação, através da mais pura hipnose, deixava as seis mulheres de fora da residência cada vez mais chocadas. Era assustador ver aquilo.

E assim que Hailee a soltou, Sinu se virou e começou a subir devagar os degraus que levavam ao segundo andar da casa vitorina, exatamente para o quarto onde Alejandro roncava a fim de acordá-lo.

A vampira de íris vermelho-escuro voltou-se para as outras silhuetas femininas atrás de si, notando seus olhares julgadores.

Camila estará segura aqui e assim teremos tempo suficiente para decidir o que fazer. Ninguém desconfiará dela em sua própria casa.

***

1 de Outubro

Casa dos Cabello's

Fazer com que as quatro espécies de seres sobrenaturais trabalhassem juntos parecia algo improvável e, senão, impossível.

Vampiros e Lobisomens não conviviam em harmonia, seus instintos próprios tornavam suas atitudes e respostas fisiológicas agressivas sempre que detectavam a presença um do outro. Caçadores e suas caças não haviam sido feitos para ter trégua, parecia uma anedota ruim aos ouvidos da Seleção Natural descrita por Darwin. Bruxas e seres impuros não eram amigos, estavam em lados opostos do jogo de tabuleiro. E humanos... eles eram apenas o efeito colateral daquela guerra sobrenatural.

* Music On * (Every Breath You Take - The Police)

Logo ter Camila Cabello, uma recém-transformada, desmaiada e amarrada fortemente em uma cadeira no centro da sala de estar habitada aos extremos do cômodo por Hailee Steinfeld, Lauren Jauregui, Normani Kordei, Allyson Brooke e Dinah Jane não estava nos planos de ninguém naquela manhã de Domingo, dia 01 de Outubro de 1987.

As mulheres não trocavam palavras cordiais, não conversaram além do necessário nas últimas horas desde a madrugada.

Algumas coisas haviam ocorrido e ocorreriam naquele meio tempo.

Hailee terminara sua hipnose com Alejandro e Sinuhe, dizendo-lhes que ganharam uma viagem totalmente paga para o Parque Nacional de Yosemite, instalados em um dos hotéis mais bonitos da região, The Ahwahnee, localizado na Califórnia e considerado patrimônio histórico nacional há poucos meses. Absortos, os dois ficaram animados e pensavam, enquanto arrumavam as malas e partiam em um táxi para o aeroporto, no que iam explorar dentre tantas possibilidades de aventuras.

Com os donos fora da residência, o grupo começou os preparativos para lacrar a casa do sol que nascia. Enquanto Dinah, Normani e Allyson ficaram encarregadas de tampar as janelas com tecidos opacos, Lauren e Hailee reforçaram a madeira da cadeira que usariam a fim de manter a latina por um tempo indeterminado. Veronica e Lucy — evitando a repulsa pela espécie em questão — foram em busca de Zendaya e pediram ajuda para arrumar a bagunça feita no campus da Universidade, pois o feitiço de Sarah logo se expiraria com o passar das horas de seu falecimento.

Ao chegarem ao apartamento de Zendaya, a lobisomem e a caçadora procuraram pelos cômodos até que a encontraram no final do corredor dos quartos. Ela estava no armário antes enfeitiçado, mas que já se encontrava aberto pelo fim do encanto, o que rapidamente fez a jovem concluir que sua irmã estava... morta. Deitada, ela abraçava as pernas e chorava, sem forças para sair do cubículo empoeirado. Veronica e Lucy se entreolharam em silêncio — em uma comunicação que se tornava cada vez mais comum entre elas — e se sentaram no corredor, cada qual de um lado, permitindo que Zendaya, ainda no mesmo lugar, continuasse a aceitar o luto doloroso.

Mas, eventualmente, os minutos se passaram, os soluços diminuíram, as lágrimas cessaram. A Bruxa ainda Pura se manteve encarando um ponto inespecífico do corredor penumbroso pelas janelas fechadas e pelo Sol da manhã quente até que simplesmente sussurrou: "Me digam no que posso ajudar para compensar tudo o que aconteceu".

Veronica e Lucia se entreolharam novamente e então a instruíram do que precisavam. No Fusca amarelo da caçadora, elas a levaram para o campus vazio e de aspecto sujo pós-festa da Universidade de Miami. Deram à Bruxa o tempo necessário para analisar todo o estrago dos prédios, das árvores e da terra levantada que lentamente perdiam o feitiço de camuflagem. "O que fizeram com o corpo dela?", Zendaya perguntou. "Nós enterramos", Lucy respondeu, apontando para onde os símbolos demoníacos e esfera de vidro ainda se encontravam no gramado no campo de futebol americano. A Druida engoliu o choro na garganta e apenas fez aceno positivo com a cabeça, "Fizeram bem em deixá-la no mesmo lugar, evita a disseminação de energias malignas", e foi isso que disse antes de fechar os olhos, erguer as mãos trêmulas e deixar que seus poderes fluíssem a partir das pontas dos seus dedos.

Obviamente seus Dons Puros não eram fortes o suficiente para erguer estruturas de cimento e metal, mas eram o suficiente para reconstituir o gramado, as árvores e retirar os símbolos demoníacos, apagando assim todos os resquícios de sobrenatural da cena de destruição. Para justificar o estado dos prédios dos blocos ao redor, Veronica e Lucy quebraram algumas tubulações de gás para simular estragos causados por uma explosão devido às falhas nos dutos. Com um isqueiro Zippo da lobisomem, elas geraram uma explosão controlada que eliminou o restante das provas, juntamente com o corpo de Gavin Leatherwood... ou que sobrara do mesmo. Após a fumaça começar a subir, as duas foram à sala onde estavam os corpos de Jae Yoon e a mulher loira desconhecida. O coreano e sua acompanhante já continham os corações arrancados, ação feita por Veronica no momento em que conseguiram neutralizar Camila horas atrás. Não podiam arriscar uma transformação, uma vez que haviam provavelmente ingerido do ponche "batizado" pelo desgraçado do Gavin.

Isso as fizeram concluir que precisariam manter-se atentas a todos os jovens que participaram do baile pelas próximas 24 horas até que o sangue saísse de seus sistemas. Bastasse que um morresse... fosse por acidente ou não... para que a população de vampiros mundial aumentasse mais um pouquinho.

Resmungando em conjunto, a dupla designada para limpar a bagunça pegou cada qual um dos corpos e os levou até as chamas do fogo da explosão do prédio vizinho, jogando-os em meio ao laranja que continha grandes labaredas. Elas bateram as mãos umas nas outras, limpando-as, e giraram os corpos para acompanhar Zendaya, que carregava consigo a esfera de vidro, para fora do campus que em questão de minutos estaria lotado por autoridades e ambulâncias para noticiar mais uma tragédia na Universidade de Miami.

E agora, no interior da residência dos Cabello's, o restante do grupo, que esperava as três chegarem, encaravam a figura desmaiada de Camila Cabello na cadeira reforçada. Horas haviam se passado, a tarde ensolarada já englobava uma Miami barulhenta e povoada às 13:47min.

Hailee havia bondosamente se disposto a fazer algo para que as demais almoçassem — visto que estavam há mais de 14 horas sem comer nada e ela havia dito que, ironicamente, era uma ótima cozinheira —, mas todas negaram prontamente. "Não vou arriscar você colocar a droga do seu sangue na minha comida", Normani rosnou enquanto passava pela vampira de mãos erguidas em sinal de rendição e começava a mexer nos utensílios da cozinha.

Hailee se sentou no extremo oposto da sala de estar, onde Lauren mantinha-se quieta na poltrona afastada. Allyson, no sofá, suspirou em dor e alheia aos problemas de terceiros, fez o feitiço de isolamento ao redor do perímetro da casa, que permitia uma conversa ou gritos sem que os vizinhos escutassem.

Dinah havia se voluntariado a ir às casas dos respectivos pais de cada uma ali, para comunicá-los que todas se encontravam bem e que estavam tendo um "final de semana das amigas" para justificar o sumiço por tanto tempo. Eram maiores de idade, donas de suas próprias vidas, mas não queriam seus familiares ligando ou às procurando por aí depois de tantas horas sem notícias.

Quando o relógio bateu 15 horas a porta principal foi aberta e Lauren mordia algumas coxas de frango oferecidas com desgosto por uma Normani que também terminava de servir um prato à Allyson. Hailee ficou de pé, cordialmente, para receber as figuras de Dinah Jane, Veronica Iglesias, Lucy Vives e Zendaya Coleman adentrando na sala de estar.

As mulheres se entreolharam, sem pronunciar nada, e moveram suas expressões cansadas para a vampira amarrada à cadeira no centro do cômodo. Continuava "morta".

Sem ter o que falar, as quatro recém-chegadas se colocaram a comer também. Não havia muito o que ser feito agora. Cada qual escolheu um local mais distante da sala de estar e da cozinha acoplada, evitando contatos maiores entre as espécies rivais. Da poltrona localizada em um ponto extremo da sala de estar, Lauren comia e observava atentamente uma Normani ainda escorada no balcão polindo a sua inseparável Colt Python 357 com uma pequena flanela. Era visível a devoção e conexão que a caçadora possuía com o revólver de prata pura, com runas azuis, que anteriormente pertencera a sua avó Barbara.

Pelo canto dos olhos, a mulher pegou em flagrante a Jauregui a observando com suas íris verdes néon... mais especificamente encarando a arma mortífera e extremamente tóxica em suas mãos. Com um sorriso desafiador nos lábios bem desenhados, a caçadora de lobisomens parou de polir o revólver e guardou a flanela no bolso da calça de couro. Seus movimentos automaticamente atiçaram os instintos de sobrevivência de Lauren, que se remexia em desconforto na poltrona, conforme a negra destravava o tambor e retirava de dentro uma das balas de prata, segurando-a na altura de seus olhos.

– Sempre fiquei curiosa para saber o porquê dos licantropos serem tão sensíveis a estas belezinhas. – ela falou, mexendo o projétil em uma cômica análise, atraindo bruscamente a atenção das demais integrantes. – "Quando Judas traiu Jesus... a sua recompensa foram 30 moedas de prata. Naquele momento, aquela prata se tornou um símbolo de traição a Deus. Do mal e do pecado. E a prata passou a ser uma maldição para os amaldiçoados." – recitou com a voz sombria, agora alternando a atenção para Lauren e Lucy. – A única coisa que Deus colocou fora do alcance de um lobisomem; a única coisa que ele jamais poderá possuir; a única coisa que o torna impotente.

Do sofá, a Beta, que chupava um osso de coxa de galinha para fora da boca, deu uma risada nasal enquanto esticava os pés para cima da mesa central.

– Bem bíblico. – Lucy se pronunciou em puro sarcasmo ácido, começando a brincar com o osso em movimentos semelhantes as da caçadora com a bala. – Porém, sou mais da teoria de que foi porque Dmitrei estava amarrado em correntes de prata durante o ritual para ressuscitá-lo. E que as madeiras de Sequoia vieram exatamente da cadeira em que Eda se sentou.

Antes que Normani pudesse retrucar, Veronica interviu:

– É sério que vocês vão começar com essas picuinhas novamente?! – falou em tom irritadiço e impaciente, se encontrava extremamente cansada. – Porra, dêem sossêgo por um momento, caralho! Tivemos perdas e uma madrugada de merda, tenham a porra do senso! Não precisamos de mais problemas!

A súbita explosão da mulher de mullet fez com que as demais erguessem as sobrancelhas, pasmas, e cessassem ali a discussão.

Alguns minutos se passaram, Camila ainda estava desacordada com a cabeça baixa tombada para direita, utilizando a fantasia de Chapeuzinho Vermelho manchada de sangue seco; as cordas enfeitiçadas que a prendiam contornavam seu busto enquanto que suas mãos e pernas estavam presas aos braços e pés da cadeira.

Constrangimento era o que definia aquela situação. Era tão ruim, como se não se conhecessem mais: eram quatro estranhas dividindo aquele peso do mundo sobrenatural, dividindo mais que pesos substanciais... como também lembranças dolorosas de uma vida simples que não voltaria.

Visto que aparentemente nenhuma outra ali tomaria iniciativa para uma conversa, Dinah pigarreou e resolveu então quebrar o silêncio sepulcral.

– Então... – ela começou, fazendo as sete a encararem em simultâneo. – Eu fui até minha casa e... Uau! Achava que não conseguiria sair de lá tão cedo. Me reencontrar com a minha família foi... incrível, para dizer o mínimo. – ela fingiu uma breve alegria, pois a tristeza pela perda da sua melhor amiga era visível em seus olhos. – Minha mãe ficou tão feliz quando me viu, me abraçou, me encheu de beijos, não parava de falar que sentia saudades e brigou comigo. – sorriu entre pequenos filetes de lágrimas que se acumulavam nos olhos. – Meus irmãos e meu pai quase me mataram sufocada. Regina e Seth estão enormes! Não são mais aqueles piticos que eu me lembrava.

As palavras da loira trouxeram momentaneamente pequenos e discretos sorrisos de Normani, Lauren, Allyson e Veronica.

Era incrível como em um ano as coisas haviam virado de ponta cabeça. Como momentos familiares ou meramente comuns pareciam tão fora da realidade... o que, infelizmente para elas, agora eram de fato: tudo e qualquer coisa que se aproximava da normalidade humana era incomum.

Como gostariam de jamais terem ido à viagem para o Texas, de nunca terem participado de uma estúpida e aparentemente inofensiva brincadeira que desencadearia toda a desgraça atual.

– Enfim, após conversarmos e lancharmos, recebi mais sermões dos meus pais em razão da minha falta de comunicação com eles. – Dinah explicou, revirando os bolsos da calça limpa que pegara em seu antigo guarda-roupa. – Minha mãe disse que eu não falava com eles o suficiente e que eu deveria respondê-los de imediato, então ela me deu isso.

O grupo observou o pequeno objeto retangular de cor preta com curiosidade, a tela verde continha alguns números e letras que apareciam e sumiam conforme Dinah apertava um dos botões.

– Que coisa é essa? – Normani questionou, alheia das modernidades do mundo humano.

– É um Pager. – a loira alta explicou. – É como um pequeno receptor de rádio portátil, onde cada usuário tem um código próprio, que as pessoas acionam para mandar-lhe uma mensagem na tela! É tipo, super atual!

*BIP* *BIP*

Um par de longos cílios tremulou em resposta ao som irritante que parecia ter origem a alguns metros à frente. Com o fim da cicatrização da sua coluna e retorno da consciência, Camila abriu os olhos lentamente revelando as íris vermelho-sangria que levemente escureciam ao redor da pupila. Meio grogue, ela logo compreendeu onde estava pelo cheiro e decorações barangas, avistando também as mulheres distraídas com a tecnologia incômoda nas mãos de Dinah.

E os breves sorrisos de todas as oito morreram quando o vibrar da gargalhada sarcástica ecoou pela sala de estar, advinda da vampira que balançava a cabeça ainda abaixada e continha um semblante de um incrédulo deboche enquanto usava daqueles instantes para acostumar os seus cinco sentidos aguçados.

Veronica, com a Besta presa às costas, cerrou os punhos para suprimir o desejo de cortar-lhe a garganta com seu punhal à cintura. Sim, ela conseguia ficar ao redor de vampiros, pois controlava seus instintos: era como ficar perto de um babaca que você não suporta, um idiota que deseja apenas socar-lhe a cara... é difícil, mas é possível, porque existe um desvio sentimental em relação às pessoas que se importavam e amavam o ser em questão.

Lauren e Dinah.

– Porra... como vocês são irritantes. – Camila anunciou com uma careta enquanto alongava o pescoço dolorido, pigarreando para limpar a garganta queimando. – Essa merda existe desde a década de 50, não sejam burras!

Ao erguer totalmente o rosto, a vampira presa à cadeira deixou que suas íris vermelho-sangria ficassem à vista, tal como seu semblante provocador banhado por um sorriso de lado nos lábios meramente limpos. Percebeu os olhares tristonhos e julgadores das demais "amigas", achando-os cômicos.

– Boa tarde para você também. – Zendaya murmurou, sem filtros. – É interessante a ausência de sentimentos advindos dos seus poros. – a Druida de luto, que possuía tais poderes medidores, ladeou a cabeça.

– Olá, bruxinha... – Camila se direcionou a ela sentada no sofá. – Veio procurar uma nova família já que a sua irmãzinha aleijada morreu? Ou... veio diversificar o meu cardápio?! – zombou e em seguida lançou um olharzinho presunçoso para Lauren, que se encontrava na poltrona mais afastada no outro lado da sala de estar.

Lamentações e grunhidos repercutiram pelo grupo disperso, horrorizadas com a nova personalidade que teriam de enfrentar. Lauren, no entanto, apenas suspirou e mirou a expressão magoada para outro ponto do cômodo a fim de não manter o doloroso contato visual.

– Ui, humores sensíveis. Já percebi que ainda não se acostumaram com a minha pessoa falando exatamente tudo o que guardei nos últimos anos da minha vida. – Camila deu de ombros, mas manteve a postura confiante. – Agora falem... o que estão fazendo, huh?! – franziu o cenho, analisando cada uma ao seu redor. Ela olhou para a cadeira em que seus punhos e tornozelos se encontravam amarrados. – Me manter aprisionada?! Okay, compreensível. Mas o que significa essa reuniãozinha toda?! Uma espécie de intervenção?!

– Queremos conversar com você. – Dinah respondeu na medida em que dava passos temerosos pelo cômodo e se sentava no sofá, ao lado de Allyson. – Queremos...

– Ai, que saco! – Camila revirou os olhos, olhando para o teto por alguns segundos antes de voltar a encará-las. – Não vão começar de novo o papo careta de que querem apenas me ajudar, não é?! Mudem o disco de vinil, porra! Já passou pela cabeça de vocês que eu não quero ajuda? Não sejam radioativas, Chernobyl aconteceu ano passado! – ela então mordeu os lábios, segurando a risadinha irônica. – Respeitem o meu "não"!

Mas o humor ácido não se estendeu ao resto das figuras femininas na sala de estar, que se mantiveram abatidas.

– E vocês não tiveram nem o bom gosto de trocar as minhas roupas?! Me dar um banho?! – Camila examinou os trapos da fantasia suja que ainda estava em si. Ela ergueu o rosto e sorriu para uma licantropo em específico que ainda estava olhando para outro ponto da sala de estar, evitando o contato visual. – Poderiam ter colocado a Lauren para me limpar, ela conhece bem esse corpinho aqui! Não é, baby?! – provocou. E assim que recebeu mais resmungos de repulsa das outras mulheres, ela apenas deu de ombros e completou com uma gargalhada. – Mas se qualquer uma de vocês quiserem me dar banho, não vou reclamar! Podem ser vadias burras, mas são todas muito gostosas!

Zendaya arqueou as sobrancelhas em sobressalto; Allyson e Dinah apenas balançaram as cabeças em negação e Lucy, Veronica, Normani e Lauren se mantiveram impassíveis.

– Chega! – Hailee ordenou, escorada à parede direita, perto de alguns eletrodomésticos. – Me escute...

– Sério, não entendo como me contentei com tanta mediocridade. – a vampira amarrada torceu os lábios, a ignorando. – Até em amizades fui uma pessoa mediana. Olhando pra mim agora, vejo que sou muito mais que qualquer outro... sugar a vitalidade de seres inferiores me enche de alegria e prazer! – um sorriso de satisfação enfeitou suas belas feições; queria machucá-las, e usando de seu antigo laço com elas... aquela era a melhor arma.

– Agora que se tornou uma maldita psicopata, isso te faz feliz e realizada?! – Normani perguntou. No fundo, sentia-se mal por deixar Camila se tornar aquilo.

– Claro! E você também não fica para trás, acha que essa vontade de matar esses cachorros te torna melhor que eu?! – Camila respondeu, estreitando os olhos, formando uma pequena ruga entre suas sobrancelhas. – Sei o quanto você sente prazer a cada vez que mata um lobisomem! Lauren era uma das suas melhores amigas... hoje em dia, se tornou seu alvo principal. A cada momento, você só pensa em modos diferentes de matá-la! Nem precisa ler mentes para saber disso, é só analisar o modo em que você olha, fala e se aproxima dela. Você acha que matando eles te torna melhor?! Sinto muito em dizer, mas, tsc, tsc, tsc... não te torna!

Por um segundo, o silêncio foi absoluto — um silêncio furioso, penetrante e constrangido, principalmente da parte de Normani.

– E o que falar sobre a Allyson, a minha "melhor amiga" que me deixou no momento em que mais precisei?! – continuou a vampira, notando a loira remexer-se desconfortável no sofá ao ouvir seu nome ser mencionado. – Vocês não fazem ideia do que eu passei: dormir em lugares fedorentos e barulhentos; passar fome; frio; trabalhar morrendo de sono em uma espelunca que pagava mal e me explorava de várias formas... Vocês não tem a menor noção de quantas vezes o porco imundo do meu chefe passou a mão em mim!

Camila inspirou fundo, acomodando-se melhor na cadeira por mais que as cordas enfeitiçadas estivessem apertando o seu busto. Estava, na verdade, muito calma com tudo aquilo. Por quê? Porque sabia que nenhuma delas teria de fato a coragem de matá-la ou machucá-la. A amavam demais para isso.

– Eu não tive amparo de ninguém, a pessoa que disse me amar intensamente e que nunca me abandonaria foi a primeira a virar as costas. – ela zombou com uma risadinha, ladeando a cabeça para uma Lauren que permanecia encarando outro ponto da sala de estar, mas que visivelmente tinha lágrimas nos olhos agora. O prato abandonado na mesa central. – Eu lembro de cada sensação dos pensamentos de autopiedade e agonia por não ter ninguém que se importasse o suficiente para ficar, pois a minha vida inteira eu só tenho lembranças de como as pessoas me deixaram de fora. – disse, em uma serenidade assustadora. – Nunca fui uma boa filha, fui traída e trocada! Sempre precisei me provar para, no fim, nunca ter o mínimo de reconhecimento! Preterida pela própria família! Amaldiçoada por gostar de garotas! Ainda recebi a culpa por isso, fui abandonada, fui ignorada pelas pessoas que me chamavam de amiga. Lembro-me de tudo!

Cada palavra era dita com tanta força e negatividade que até mesmo Allyson, que agora era uma Bruxa Impura, sentiu-se mal com o fervor da latina. Todas daquela sala — Hailee, Dinah, Normani, Zendaya, Veronica, Lucy — sentiram também, cada uma com sua própria culpa, a responsabilidade daquela transformação caindo em suas costas.

– Percebi agora que eu não estava com medo de virar uma vampira... eu estava com medo de morrer, com medo de sentir dor no processo. – Camila disse, tamborilando os dedos nos braços da cadeira em que seus pulsos se encontravam amarrados. – Agora que sou imortal e forte, vejo que nada melhor poderia ter me acontecido.

– É aí que você se engana. – Hailee se desencostou da parede, dando passos em direção da semelhante presa e se agachando para ficar ao mesmo nível de seu rosto. – Não há nada pior que essa condenação de falsa imortalidade. Talvez, a única coisa pior seja a dor que os lobisomens são obrigados a sentir em toda Lua Cheia.

Lauren, Lucy, Zendaya e Normani franziram os cenhos ao ouvirem a afirmação amigável para com a espécie rival.

– Você não é imortal, Cabello. – Hailee continuou, semicerrando os olhos vermelho-escuro. – Você só não envelhece.

– Basta abrir essas cortinas e deixar o sol entrar para que vire churrasquinho. – Veronica cruzou os braços à frente dos seios, provocando. – Ou basta uma simples estaca de Sequoia no seu coração!

– E quem vai fazer isso?! – Camila manteve-se com o mesmo ar de superioridade, erguendo uma sobrancelha para as demais mulheres. – Alguma de vocês?!

O silêncio se manteve por entre Lauren, Dinah, Normani, Allyson e Zendaya, que se martirizavam intensamente por dentro. Não teriam coragem para tal, pelo menos não ainda.

Opa, é para já! – Lucy, ao ver que ninguém se pronunciou, se levantou em supetão e caminhou em direção das flechas de madeira que permaneciam no suporte das costas de Veronica. A caçadora e sua arma estavam do outro lado do cômodo. – Fale aí em qual ventrículo você quer!

– Epa, epa! Vamos parar?! – Dinah imediatamente ficou de pé e entrou no caminho da licantropa, estagnando-a no centro da sala de estar. As duas se encararam, com os rostos a poucos centímetros de distância mesmo com a diferença de altura. – Aquieta a tua bunda naquele sofá, Vives!

A energia do ambiente mudou drasticamente para uma tensão palpável. Não era um embate realmente justo. A Beta arfou em admiração pela coragem da loira alta e então deu uma risadinha, apontando para a humana à sua frente.

– Gente, essa mundana é realmente doida! Continua viva nessas 72 horas por um milagre e ainda me faz isso! – ironizou, mas logo em seguida o seu sorriso falso diminuiu devido à raiva que começava a fervilhar e intensificar a ameaça em suas íris âmbar cintilantes. – Olhe ao seu redor, doçura! Sua espécie está em menor número!

– Talvez esteja dentro dessa casa... – Dinah engoliu o medo junto a bile, usando toda sua bravura para proteger uma Camila que agora não merecia, mas ainda assim faria, pois se responsabilizava por não ter feito isso antes de toda a desgraça. – Mas não esqueça que vocês vivem no nosso mundo! E lá fora somos massivamente mais numerosos! Quer que eu te delate?! Posso ser uma mundana frágil, mas sei das coisas! Os corredores de Roma tinham paredes finas... ouvi bastante sobre grupos humanos que caçam vocês!

Os lábios de Lucy se abriram em um visível sobressalto, tal como os de Lauren e Veronica que não acreditavam no que ouviram. Zendaya e Allyson arquearam as sobrancelhas. Hailee ainda agachada revirou os olhos em tédio, Camila deu uma risadinha pela discórdia. E Normani sorria orgulhosa, mas em instantes o seu semblante se fechou ao notar a licantropo Beta insinuar ir para cima de sua namorada.

– Sua baba-ovo ingrata do caralho! E pensar que eu te protegi ontem... – Lucy começou.

– Gente, sem briga, por favor! – Allyson suspirou em exaustão e própria dor interna, recebendo reforço de Zendaya ao seu lado.

– Fez isso só porque a sua Alfa mandou! – Normani disse entredentes, se aproximando até ficar às costas de Dinah que não havia se movido nenhum centímetro. – Então, Jauregui... - a caçadora inclinou a cabeça para a mulher sentada e ainda em silêncio. – Nos faça um favor e manda a sua cadelinha se sentar antes que eu e a Veronica comecemos a estabelecer uns equilíbrios aqui!

– Ah... cala a boca, Normani. – Lauren então de supetão latiu, finalmente girando o rosto que agora continha traços de puro ódio e mágoa nas íris verde-neon. – Se de fato fosse fazer alguma merda, já teria feito! Então pare com essas ameaças vazias! Estou cansada, porra!

– Ameaças vazias?! – a caçadora de lobisomens rosnou, ofendida.

Em um rápido movimento, Normani levou a mão direita até o coldre em sua cintura e sacou a Cold Phyton de prata e a ergueu ao nível dos olhos, com o dedo já no gatilho. Allyson e Zendaya tentaram se levantar e gritar para evitar a tragédia do caos que havia se instalado na casa, mas era tarde demais.

*BANG*

O projétil do elemento químico prateado puro rasgou o ar e atravessou o cômodo, atingindo em alta velocidade o ombro esquerdo de uma Lauren que berrou em dor e foi lançada com força contra o estofado da poltrona em que se encontrava. O músculo enrijeceu e começou a queimar devido à toxicidade da prata, que não atingiu nenhum órgão, mas deteriorava cada fibra da carne ao redor.

– Olha só! – Camila se surpreendeu e deu uma gargalhada alta, da cadeira.

Lucy Vives, bufando em ira, de imediato entrou em estado defensivo, dando passos para trás para proteger sua companheira de alcateia enquanto flexionava os joelhos e externalizava habilidosamente sua semi transformação: as unhas e caninos cresceram, testa crispou e músculos desenvolveram.

– Mas que merda?! – Veronica colocou as mãos na cabeça, mas logo avançou sobre a negra e a empurrou para o lado, entrando na frente do seu campo de visão que buscava mirar na Beta que ameaçava atacar. – NORMANI!

Allyson puxou Dinah do meio do caos, jogando-a sentada no sofá. Zendaya pulou à frente e ergueu as mãos carregadas, preparada para interferir antes que aquilo se tornasse algo maior que podiam suportar. Inspirando fundo, a Druida Pura se concentrou o suficiente para manifestar um feitiço aliado ao seu dom, o qual saiu por seus poros em uma espécie de energia vibrante que englobou todas as mulheres no cômodo. Quase instantaneamente as emoções, sensações e sentimentos antes à flor da pele e descontrolados começaram a reduzir a potência e se realinharem em pensamentos mais racionais.

Argh, que porra! – Lauren choramingava na medida em que enfiava o dedo indicador e polegar no buraco criado em seu ombro direito para retirar a bala de prata que queimava a carne. – Inferno! – bradou assim que conseguiu capturá-la e lançá-la longe, arrepiando por completo antes da mitose de cicatrização ter início. – EU VOU TE MATAR, KORDEI! – rosnou enraivecida ao mesmo tempo em que se colocava de pé, acompanhada por um brilho cintilante de suas íris verde-neon.

Veronica e Allyson tomaram partido e também se colocaram no meio dos polos criados no centro da sala de estar: a caçadora de vampiros empurrando Lucy e Lauren para a extremidade perto da lareira e Allyson e Zendaya tentando isolar Dinah e Normani na extremidade próxima da cozinha.

E Hailee continuava agachada diante da cadeira, observando tudo curiosamente, com a sua semelhante à sua frente do mesmo jeito.

Ah, nada melhor que a harmonia de uma "família unida". – Camila zombou, em um suspiro melodramático.

– Tá feliz com o que você causou?! – Hailee a lançou um olhar que continha a mistura de repreensão e risada contida.

– Eu não fiz nada, apenas falei a verdade. – a latina então deu de ombros.

– Ah... e resta para a minha pessoa ser a adulta da situação. – Hailee suspirou pesado. Fisicamente continha as mesmas expressões joviais de todas as outras que ainda discutiam das extremidades do cômodo, mas, suas experiências de 200 anos de vida eram demasiadamente superiores. – Tá bom, chega! – ela falou na medida em que se colocava de pé e girava-se para tumulto que acontecia. – Chega! CHEGA! CHEGA!

Sua voz agressiva fez com que o falatório entre as outras sete mulheres finalmente tivessem fim, restando apenas respirações erradas e semblantes de ódio.

– Lembrem-se da razão de estarmos todas nessa casa penumbrosa! Lembrem-se do porquê estamos indo contra as regras e unindo lobisomens, vampiros e bruxas em um único local! – Hailee abriu os braços, exasperada. – Estamos aqui para ajudá-la! – bradou, apontando para uma Camila que estava tranquilamente sentada na cadeira e observando tudo com divertimento. – Então parem! Respirem fundo e foquem, caramba!

– A culpa é principalmente sua por estarmos nessa situação! – Lauren rosnou entredentes para a vampira, empurrando rudemente a mão de Veronica que estava amigavelmente em seu ombro machucado para evitar que avançasse segundos atrás. Sua melhor amiga apenas a lançou um olhar aborrecido pelo ato. – Então não venha achar que tem alguma moral para nos dar ordens!

– Eu sei, Jauregui! Eu sei! – Hailee retrucou, travando o maxilar ao passo em que alternava o olhar entre elas. – E prometo dar o meu melhor para ajudar o máximo possível!

– Não quero promessas de uma sanguessuga! – a lobisomem Alfa disse em escárnio. – Só faça o que tem que fazer!

A vampira mais velha apenas fez um afirmativo com a cabeça e se colocou de joelhos outra vez, girando-se para uma Camila sentada que tombou a cabeça docemente para analisá-la. Assim, estudando o caos causado começando a se dissipar ao passo que todas se assentavam longe umas das outras, a latina sequer parecia ser um monstro calculista e cruel.

– Ouça... – Hailee engoliu seco, tentando criar alguma conexão real entre suas íris vermelho-escuro com as íris vermelho-sangria da mais nova. – Me desculpe... por tudo que fiz. Me perdoe por ter participado da destruição da sua vida.

As sobrancelhas de Camila franziram e sua expressão de deboche se desmanchou. Esperava mais ordens, não aquilo. Não sentia nada sobre, apenas a pegou desprevenida.

– Não sei se você sabe, mas podemos ligar nossa Humanidade. – Hailee continuou, com um tom instrucional. – É como um interruptor mental que podemos acionar com bastante vontade e impulso emocional. Eu acionei o meu cerca de... cinco anos depois que me transformei e eu nunca mais o desliguei de novo, porque, pessoalmente, gosto de sentir os meus sentimentos por mais retórico que pareça. – ofereceu um sorriso, mesmo recebendo nada mais que um semblante neutro da latina a sua frente. – Porém, nem sequer vou perder o meu tempo tentando fazer você ligar a sua Humanidade agora, porque nenhum vampiro recém-criado faria essa estupidez. Seria muita coisa para processar junto aos seus sentidos que já estão aguçados demais!

– E o que a faz pensar que irei acreditar em você? – Camila ladeou a cabeça outra vez. – Isso iria requerer sentimentos, minha cara.

Touché. – Hailee compartilhou o sorriso. – Mas estou sendo honesta, pergunte às lobinhas.

A vampira, sem mover o rosto, apenas direcionou as íris vermelhas para Lauren e Lucy sentadas perto da lareira. Não às perguntou, mas via o desgosto da verdade em suas expressões de insatisfação.

– Mas isso não significa que vamos permitir que continue matando inocentes. – Hailee prontamente recuperou sua atenção.

– Ah, qual é?! Eu apenas matei duas pessoas até agora! Nem foi tanto assim para esse drama todo! – Camila retrucou.

– Até agora. Acredite em mim, sua lista ainda vai aumentar muito!

– Está me incentivando?!

– Estou te alertando. – Hailee retrucou. – Somos monstros, Camila! Não bichinhos de estimação.

– Então o que recomenda, oh Senhora Sábia?! – Camila manteve o sorriso debochado, mas engoliu a queimação na garganta assim que o assunto foi tocado. – Aliás, eu estou morrendo de fome outra vez!

– Existem algumas opções de como podemos nos alimentar sem matar inocentes. – a mais velha forçou uma expiração de ar de seus pulmões que eram raramente usados. – A mais tradicional é "Comer e Apagar", que se resume em se alimentar diretamente do humano e parar antes que a perda de fluidos o mate! Então o compelir a esquecer aquilo que aconteceu. É o que eu faço!

– Ótimo! Já recebi o tutorial! Podem me soltar?! Quero ir comer! – Camila resmungou, forçando as cordas enfeitiçadas que envolviam seus pulsos, tornozelos e busto.

– E esse desespero é a principal razão pela qual você não vai conseguir esse método ainda! – Hailee a olhou com decepção. – Vampiros recém-criados não sabem quando parar de se alimentar, sempre matam a vítima! O frenesi consome, a fome não cessa! E isso então nos leva ao segundo método: bolsas de sangue.

– O quê?! – o timbre da latina se misturou com os semblantes confusos das demais mulheres que ouviam a conversa.

Zendaya mantinha as emoções de todas ainda controladas.

– Não podemos sair durante o dia... – Hailee hesitou. – Exceto com algumas poções que tem sempre tempo de duração e que podemos nos tornar resistentes. Então ir até os centros de hemoterapia dos hospitais para conseguir bolsas de sangue se torna uma missão um pouco complicada, mas não impossível se for durante a noite. Essa é a opção mais recomendada e segura no momento!

– Espera, vocês querem que eu sugue plástico?! Não, isso parece nojento! – Camila balançou a cabeça, começando a se irritar com a queimação que rasgava seus órgãos gelados. As lembranças dos instantes de prazer que sentiu enquanto se alimentava do coreano e da californiana voltavam à sua mente. – Eu quero sangue de verdade! AGORA!

Dinah se remexeu no sofá, incomodada com o desespero do que era apenas a casca de sua melhor amiga. Hailee fez um sinal com a mão para ela e as demais, dizendo para não interferirem.

A vampira mais velha lançou um olhar severo à latina, atraindo sua atenção — as íris cubanas brilhavam em um intenso vermelho vivo, em um desafio silencioso. Independentemente de estarem famintos ou não, os olhos de um vampiro recém-criado eram sempre mais rubros.

– Há também a opção de sangue de animais, e...

– Sangue de animais?! – a latina interrompeu em pura repulsa estampada. – Que tipo de vampiro demente seria louco o suficiente para viver com sangue de bichos?!

– Não chamaria isso exatamente de viver, mas sim de sobreviver... Um truque útil se ficar muitos dias em um local fechado, como dentro de um navio no mar, por exemplo. – Hailee explicou, com os nós dos dedos apoiados no joelho dobrado. – Conheci alguns vampiros que até tentaram aderir a esse estilo de vida "vegetariano", por assim dizer, mas nunca dava certo por muito tempo. Logo seus corpos exigiam que voltassem a sua dieta original; sua força, poderes e vitalidade eram fracos, comparados a de outros que se alimentavam de mundanos. Portanto, só há três motivos para um vampiro se alimentar de animais: discrição, sobrevivência e sadismo. Infelizmente, somos condenados a nos alimentar eternamente do sangue humano. Aliás... Nunca beba dos mortos que estão começando a entrar em estado de decomposição! Nem em casos de extremo desespero!

– O que acontece se eu beber?

– Você adoece, literalmente. Fica fraca e vulnerável, e isso, para um vampiro, é perigoso. Há caçadores para todo lado, lobisomens também são um risco por causa da mordida e da transformação total.

Uma olhada rápida foi lançada sobre Veronica, Lauren, Lucy e Normani, que não expressavam nada mais que soslaio.

Camila ponderou, buscando ser inteligente. Não conseguiria escapar dali, era um fato. Pelo menos não teria a mínima chance se continuasse com aquela fome que incomodava cada célula de seu ser. Enquanto o silêncio embaraçoso perdurava na casa penumbrosa, ela outra vez cogitou as suas opções e escolheu a mais vantajosa: ir na onda delas e conseguir comida.

– Okay, tudo bem. – a vampira fingiu condescendência. – Aceito o jeito de vocês. Então quer dizer que vou ganhar sangue agora, seja de plástico ou animal?!

– Não. – Hailee respondeu serena.

O semblante da latina se fechou, em uma mesclagem de irritabilidade e transtorno.

– Não vamos deixar que se alimente agora. – Hailee prosseguiu. – Nem mais tarde ou amanhã, ou semana que vem, ou nos próximos... meses. Digamos que entrará em uma dieta para que possa ficar mais tranquila durante o próximo um ano.

– ESPERA, o que?! – Camila bradou.

Notava-se que era uma decisão da sua companheira de espécie e não das outras mulheres confusas atrás.

– O quê?! Pensou que iríamos te soltar depois dessa pequena "intervenção"? – Hailee utilizava agora do tom sarcástico vampiresco, na mesma moeda. – Talvez não tenha prestado a atenção quando eu disse, mas demorei cinco anos para ligar a minha Humanidade... – ela torceu os lábios, fazendo um breve suspense. – E dois desses anos passei em um porão de um casarão sendo torturada pela minha melhor amiga que me ajudou a voltar.

– Não, não! Eu vou matar vocês! – Camila rosnou, com suas presas pontiagudas se desenvolvendo enquanto se debatia na cadeira enfeitiçada.

E sua tentativa de fuga apenas se intensificou quando suas íris vermelhas focaram em Hailee ficando de pé apenas o suficiente para retirar uma seringa tampada de dentro do bolso traseiro presente no jeans. Um líquido amarelado se mexia no interior do cilindro que continha uma agulha em sua extremidade. Lauren, Dinah, Allyson e Zendaya se surpreenderam mais que as outras, mas não interferiram.

– O que é isso?! – a loira humana perguntou.

– Verbena, uma erva que consegue nos enfraquecer e desmaiar. – Hailee murmurou e esticou uma das mãos para agarrar o braço direito de uma Camila que se debatia intensamente, desesperada. – Hora de tirar um cochilo, Cabello. Aproveite, porque não dormimos!

Arrancando a proteção da agulha com o polegar, a vampira mais velha posicionou a agulha sobre a pele gelada da latina e a penetrou, atingindo uma ramificação de artéria com sangue escuro. Abaixou o êmbolo apenas até a metade, pois, em instantâneo, os gritos ensurdecedores de Camila se intensificaram ainda mais ao passo que o líquido tóxico começou a percorrer sua corrente e vasos. Ela sentia que absolutamente tudo queimava, tudo ardia. O ar se tornou ácido, as veias escureceram em um azul-petróleo, os músculos pulsavam em agonia pela liquefação e enfraquecimento.

Camila se debateu até que, subitamente, apagou.

Com exceção de Lucy e Veronica, as outras cinco mulheres arfaram pela cena.

– Certo. – Hailee pigarreou, guardando a seringa no bolso. Ela se virou ao público, com as mãos na cintura. – Ela vai ficar assim por no mínimo umas doze horas antes de acordar com muita fome. Então continuarei fazendo isso ao longo da semana para enfraquecê-la o suficiente para conseguirmos transportá-la para fora de uma cidade tão lotada quanto Miami.

– Semana?! Como assim semana?! – Dinah imediatamente retrucou, preocupada. – Ela tem família e pessoas que vão sentir falta caso desapareça por tanto tempo e...

– Dinah, entenda, essa Camila morreu! – Hailee a interrompeu, já sem paciência. – Ela não vai voltar! Não importa se as pessoas vão sentir falta, ela nunca mais será a mesma! Vamos enfraquecê-la e levá-la para longe de grandes aglomerações! – ela concluiu o plano. – Vocês deveriam ir todas para suas respectivas casas descansar, ver seus familiares, aproveitar a vida antes que algo semelhante acabe acontecendo com eles!

O fato perturbador fez com que os semblantes de Allyson, Dinah e Normani caíssem em tristeza, principalmente após o suspiro em concordância de Zendaya. Não sabiam o dia de amanhã, não conseguiam prever quais merdas piores estavam por vir.

Precisavam aproveitar os pequenos momentos de paz.

Talvez eles fossem os únicos que teriam em um longo tempo.

As quatro mulheres se entreolharam e assentiram, aceitando o conselho de Hailee. Precisavam descansar e assimilar tudo o que aconteceu nas últimas horas.

Enquanto Allyson ajudava e guiava Zendaya para a porta principal, Normani envolveu um braço nos ombros esguios de Dinah e deixou um beijo em sua têmpora. Lauren as observou, e também à Lucy e Veronica mais distantes, oferecendo um espaço respeitoso, e tomou uma decisão.

– Eu vou ficar. – ela falou.

Hailee ergueu uma sobrancelha.

– Uma lobisomem que ironicamente é a ex dela?! – ela prontamente discordou. – Não, não! Você vai deixá-la agitada! O objetivo disso é acalmá-la!

Lauren, no entanto, não mudou a feição determinada. Não voltaria para seu pai e seu irmão, pois os dois permaneceriam mais seguros longe dela. Era melhor mantê-los ignorantes ao fato de que se encontrava na cidade.

– Não estou pedindo a sua permissão, sanguessuga. – replicou, com uma calma extremamente assustadora. – Eu vou ficar.

Hailee travou o maxilar, lutando contra o leve desejo de arrebentar-lhe a cara. Sabia se controlar perto da espécie inimiga devido aos anos de experiência, mas licantropos sempre a irritavam com uma incrível facilidade.

– Jauregui, tem certeza?! – Lucy Vives se prontificou. – Eu também ficarei com você.

– Não, você vai voltar. – Lauren olhou para a companheira de alcateia. Não quis mencionar o destino, mas se tornou simples deduzir que era o acampamento. – Precisa ter certeza que tudo está sob controle lá! Vero, você vai com ela! – completou, avistando Veronica se assustar com o pedido específico. – Não sabemos qual tipo de pessoa pode a seguir... – suas íris verde-neon se direcionaram à Normani e Hailee, que apenas reviraram os olhos. – E ela também pode te proteger, já que ainda está sendo perseguida por mercenários. Não é recomendado que fique tanto tempo em um mesmo lugar!

Lucy e Vero se entreolharam, mas nada disseram, apenas concordaram.

– Vá em sua motocicleta, cheque se tudo está bem lá e volte, talvez com mais lobisomens. – Lauren visivelmente alfinetou, olhando de novo uma Normani que a ignorava e saía da casa acompanhada de sua namorada.

Lá fora o dia estava quente e ensolarado, com a linda tarde abraçando uma Miami caótica. O completo oposto do interior penumbroso da casa dos Cabello's da qual cada uma das espécies se dispersavam para lidar com seus respectivos problemas: pais desesperados com mais uma tragédia na Universidade; lobisomens desamparados em um acampamento; e uma vampira faminta e apagada em uma cadeira enfeitiçada.

Tudo sob controle.

***

Casa dos Hernandez's

O som do clique da maçaneta indicava a chegada de uma nova pessoa na casa. Ao virar a chave na fechadura, trancando-a, Allyson soltou um suspiro exausto devido ao estado febril que consumia seu corpo debilitado. Um lento gotejar de suor pingou sobre seu ombro e umedecera as pontas dos cachos nos cabelos louros. O pescoço estava rígido; os ombros doíam. Ela ergueu o olhar, perplexa, para o relógio de carrilhão que marcava o fim da tarde e para as manchas de mofo que formavam padrões no papel de parede. Por um instante, sentiu-se desorientada por completo. Apoiando-se no batente para levantar-se, a Druida foi cambaleando até a torneira da cozinha e borrifou água no rosto. A maquiagem estava borrada, o batom manchando a bochecha enquanto o rímel espalhava-se pelo rosto. Havia um rasgo na alça da jardineira listrada, um lembrete vívido de todos eventos ocorridos na Universidade de Miami na noite anterior.

A luz solar do fim da tarde fluía, vinda da pequena janela acima da pia, fluxo este interrompido somente pelas sombras oscilantes formadas pela cortina que pendia acima dela.

– Argh! – Allyson resmungou, com os dedos na cortina para se equilibrar, arrancando três anéis da vara com seu peso. As têmporas latejavam.

Podia sentir a Magia Impura a consumindo lentamente.

O barulho estrondoso causado pelo impacto dos objetos na pia chamaram a atenção de Patricia que desceu correndo as escadas do corredor em direção à origem sonora. A mulher mais velha estancou no lugar e abaixou ambas as mãos ao reconhecer a silhueta da filha.

Allyson, meramente um pouco mais lúcida, virou-se ao sentir a presença de sua mãe há alguns metros atrás de si. Patricia, ainda sem perceber o estado debilitado da filha, caminhou até a mais nova com a intenção de dar-lhe um abraço... este que fora bruscamente recusado pela mais nova, optando por se afastar antes que a mãe pudesse tocá-la. Se ela a tocasse, rapidamente perceberia a mudança de energia em seu corpo.

Confusa com o estranho comportamento da filha, Patricia fitou-a confusa e preocupada.

– É que estou gripada... – Ally rapidamente explicou, dando um passo para trás e fingindo uma tosse. – Mas eu já tomei um remédio na casa de Dinah. Darei uma chance para meu sistema imunológico agir e caso eu não melhore até amanhã, tomo alguma poção ou vou ao hospital...

– Você some depois de um incêndio na Universidade e aparece assim dizendo estar gripada?! – a Druida mais velha semicerrou os olhos parada no vão da porta da cozinha. – Acha que sou estúpida, Allyson?! Você estava metida em problemas de novo, não é?!

– Mãe, não começa. – a loira grunhiu ao ser pega na mentira, sentindo as têmporas latejando. Ignorando a irritabilidade da outra, ela saiu da cozinha usando a conexão com a sala de estar. – Não estava metida em problema algum. Amanhã nos conversamos, okay?! Vou me deitar.

– Allyson, desde quando você começou a mentir para mim?! – Patricia a seguia pelos cômodos, buscando manter sua calmaria tão característica. – Você não é mais uma criança, mas ainda me deve satisfaç...

– Você tem razão! – Allyson então estagnou no centro das escadas rumo ao segundo andar, virando-se bruscamente para a mais velha que se assustou com a combinação de voz e semblante agressivos. – Não sou mais uma criança! Pare de me tratar como se fosse! Se eu disse que estou bem, é porque estou bem! Eu tenho minha própria vida, tenho meus amigos, um cara que me ama diferente de você que foi largada ainda grávida! – as palavras eram cuspidas pela loira, não se importando com a mágoa crescente nos olhos da mãe. – Então, só pare com essa preocupação excessiva, esses segredos desgraçados sempre escondidos de mim! Tudo isso está acontecendo porque você a expulsou! Porque você controlou a minha mente, porque você fez eu hesitar em protegê-las na hora certa! EU PERDI MINHAS AMIGAS POR SUA CULPA! Então, pare, ME DEIXE EM PAZ! Depois de tantos segredos aprendi a me virar sozinha e não vai ser agora que vou precisar de você!

Sem esperar por uma resposta da mulher paralisada na escada, Allyson disparou a correr em direção ao seu quarto. Trancou a porta atrás de si com um estrondo e, com as mãos na cabeça, vagou pelo quarto rosa segurando um choro que lhe apertava o peito. Estava enlouquecendo. O estômago revirava, a cabeça latejava como um sino, suas emoções e sentimentos giravam em um redemoinho dentro dos órgãos. O suor brotava na testa, mãos e barriga. O pulmão doía para trabalhar, as lágrimas acumulavam em seus olhos desesperados.

Era um ataque de ansiedade ou um infarto? Enjoo? Colapso?

Não tinha noção de quanto tempo passou, mas os segundos pareciam mais lentos que o normal. Necessitava de algo para se segurar, uma âncora. Algo para a trazer de volta à realidade.

Troy Ogletree.

Ela precisava conversar com Troy. Ouvir sua voz. Havia prometido ligar para ele.

Allyson cambaleou até o telefone de disco em cima da escrivaninha ao lado da cama, iluminada por um abajur aceso que criava sombras por todo o cômodo arrumado. Sua visão se encontrava dupla, as mãos tremiam, a bile voltava à glote.

E, antes mesmo que pudesse girar os números, as pernas falharam e a inconsciência a dominou.

O som da linha ecoou junto ao baque do corpo desacordado sobre o carpete felpudo.

***

Casa dos Hansen's

Um som alto de conversas paralelas acompanhadas de risadas foram ouvidos por Dinah Jane enquanto atravessava o jardim frontal. A loira alta ao parar em frente a casa, tentou ouvir um pouco do falatório, mas não conseguiu acompanhar devido às incessantes interrupções e atropelamentos dos membros da numerosa família. Desistindo de tentar entender o caos que era sua família, subiu o pequeno degrau rente a entrada e girou a maçaneta, abrindo a porta.

Deu uma breve olhada no hall iluminado em que havia alguns quadros e um abajur na estante. Atravessou o cômodo para que finalmente sua visão fosse preenchida pela silhueta de um jovem alto e musculoso, de vestes pretas, que estava de costas e rodeado por seus familiares tagarelas. Uma sobrancelha foi erguida e o queixo de Dinah caíra ao reconhecer a fisionomia que tanto amava, conforme o rapaz virou-se em sua direção.

Dinah?!

Era Kauvaka, seu irmão mais velho que estava estudando Turismo na Itália graças a uma bolsa de estudos. Infelizmente, nunca sequer tiveram a chance de se encontrar por conta das regras rígidas do Vaticano que proibia Dinah de sair dos limites da Igreja.

KAUV! – a loira gritou.

Dinah se atirara sobre ele em um grande abraço que quase o derrubou no chão.

Kauv! Você está aqui, você está aqui!

– Não ouvimos você chegar! Ah, como é que você vai? Está bem?! Ficou furiosa comigo?! Aposto que ficou, eu sei, as nossas cartas e telefonemas não serviam para nada... era tudo tão restrito. Ah, tenho tanta coisa para lhe contar e você tem coisas para me contar! – ainda sorridente, Kauv a rodopiou antes de afastar um pouco a cabeça para encarar a loira. – Mas adivinhe só?! Decidi pegar algumas férias e eu voltei!

As lágrimas de felicidade de Dinah umedeceram suas bochechas conforme encarava o irmão que parecia ter incrivelmente crescido vários centímetros durante os anos de separação, tornara-se mais alto, forte e desengonçado do que nunca, embora o nariz achatado e os cabelos bem escuros continuassem iguais.

Precisava daquilo, necessitava daqueles segundos de paz com um dos seres humanos que mais amava na face da Terra. Sua conexão com Kauv sempre foi indescritível, sofrera muito com a sua partida para a Europa.

As horas foram se passando em velocidade máxima enquanto os assuntos eram colocados em dia e os abraços e beijos eram trocados por cada membro da numerosa e barulhenta família que, pela primeira vez em anos, estava finalmente reunida. Deliciando-se da culinária polonesa, Dinah fugia de todas as perguntas referentes ao seu suposto mochilão, a sua suposta residência europeia, e sentia-se mal por perceber os olhares desconfiados de Milika e Gordon.

Kauv, que jogava pedaços de carne na boca, havia sido a primeira pessoa para qual havia falado sobre sua sexualidade, sobre estar apaixonada por Normani Kordei. O homem gigante e amoroso a protegeu e a incentivou a contar para o restante da família, prometendo que todos seriam amáveis e receptivos. Ele era seu irmão mais velho.

– O que acha de sairmos para a última sessão do cinema, maninha? Ou está muito cansada para nos atualizarmos de tudo que aconteceu? – Kauv inclinou-se para Dinah sentada ao lado e com um braço passado ao seu para facilitar a cabeça recostada no ombro musculoso. – Os cinemas da Europa são uma merda, não é?! Podemos fingir que estamos vendo o filme e jogar pipoca em idiotas.

Dinah deu uma risadinha fraca devido à exaustão emocional de tudo que ocorrera, mas verdadeira. Não havia ainda se deitado na cama e repassado tudo com calma.

Já era próximo das 22 horas, o jantar estava longe de terminar graças as cervejas abertas e dispersas na mesa repleta de panelas e pratos. A loira abriu a boca para negar o convite, prestes a estender para o dia seguinte, quando de repente o som do telefone de disco na sala de estar tocou... interrompendo as conversas de todos momentaneamente. Seth e Regina saltitaram até o cômodo após de auto intitularem os responsáveis por todas as chamadas do "troço barulhento" e foram necessários alguns segundos antes que os irmãos retornassem à mesa murmurando: "É a Normani, ela disse que quer falar com você algo muito urgente, Dinah."

Sentindo o coração apertar por pressentir mais uma tragédia, a loira encarou Kauv que a lançava um olhar quase misteriosamente indecifrável: talvez uma mistura de confusão com desconfiança. Dando o melhor sorriso de falsa tranquilidade que conseguiu, Dinah desculpou-se com o irmão e restante dos familiares antes de se levantar e caminhar a passos rápidos em direção do telefone fora do gancho repousado na mesinha ao lado do sofá. Apenas teve tempo de murmurar um "Bombonzinho?!" antes que a voz séria da negra surgisse do outro lado da linha:

Você precisa voltar aqui rápido! A Camila escapou! Hailee saiu para ir ao hemocentro e a deixou com Lauren! Não sei como ela acordou antes da hora, mas A LOBISOMEM DESGRAÇADA A AJUDOU A ESCAPAR! Hailee foi atrás dela, mas nós precisamos de ajuda para pegá-la! Tranque todos em casa e VENHA!

***

* Music On * (The Look - Roxette)

1 de Outubro, noite de Domingo

Overtown

Muito distante dali, Camila caminhava por uma viela escura em uma das áreas mais perigosas de Miami, extremamente evitada por turistas e pelos próprios habitantes devido à alta taxa de crimes violentos e assaltows. Desnecessário seria dizer que consideravam ser um lugar inseguro para mulheres jovens a esta hora da noite, o perigo espreitava em cada canto escuro.

Mas mal sabiam eles que o perigo maior era, agora, ela.

Soltando uma risadinha debochada pelos lábios bonitos, a latina gabava-se por conseguir, mais uma vez, escapar do grupo de mulheres gostosas e burras. Não sabia exatamente o porquê, mas o destino parecia estar a seu favor: as cordas enfeitiçadas que a prendiam na cadeira simplesmente perderam o seu efeito e passaram a ser cordas comuns que, facilmente, poderiam ser destruídas. Supôs que algo poderia ter acontecido com Allyson para que o feitiço se quebrasse.

Se tivesse sentimentos ligados, talvez se sentiria mal pelo o quê fez com Lauren para tirá-la de seu caminho. Despistar Hailee também não fora tão trabalhoso, a mulher a perdeu de vista quando a latina contornou todo o centro turístico e movimentado da cidade até que fizesse um desvio em direção a parte mais periférica e desconhecida da região praiana. Camila continha vantagem por conhecer tão bem cada detalhe das ruas de Miami. Apesar de ainda estar se acostumando com sua super velocidade... bastava uma série de gestos simples, apenas se movendo rápido demais para que um humano qualquer pudesse ver. Eles eram tão estupidamente alheios que nem saberiam o que os teria atingido, caso a latina decidisse atacar um deles por pura diversão.

A vampira passava pelo beco penumbroso ouvindo o chiar dos ratos; as gotas que caíam dos telhados; as garrafas arremessadas ao chão pelos bêbados; os cães de rua revirando as latas de lixo e os gatos brigando entre si por cima das telhas. Camila estava tão concentrada em escutar tudo ao seu alcance que pisou em uma poça de água, molhando o seu velho all star totalmente desgastado. Soltou um rosnado baixo ao analisar suas roupas, dando-se conta de que precisava trocar aquela fantasia ridícula e ensanguentada que ainda usava.

Teve, então, uma ideia insurgente ao avistar uma pequena loja de roupas no fim da rua. Ao parar logo à frente da vitrine, observou o manequim feminino seminu portando apenas um blazer preto que levava como detalhe uma longa corrente prateada, uma meia-calça furada e uma calcinha preta por baixo. Ao lado, outro manequim utilizava jaqueta preta em conjunto com jeans rasgados da mesma cor.

Sorrindo, usou de sua velocidade supersônica para chegar na porta lateral da entrada. As íris vermelhas analisaram brevemente a fechadura, não era algo difícil de arrombar, pegou o cadeado envolto por grossas correntes e o partiu com as mãos, jogando o objeto destruído ao chão junto às correntes. Afastando-se um pouco da porta, para tomar impulso, virou o corpo a fim de concentrar sua força no ombro direito. Assim que se chocou com a porta, a madeira estraçalhou pelo impacto e voou para o outro lado da loja levando algumas prateleiras e araras junto. Olhou para o seu ombro se vangloriando de sua força.

Entrando na loja foi direto à vitrine, onde viu a roupa que desejava.

Pegou o blazer preto sentindo o cheiro de novo. Adorava, ainda mais agora, e por isso pegou o conjunto de corrente e meia-calça arrastão e tirou a fantasia suja ali mesmo. Notou que também precisaria de um banho, então foi ao banheiro da loja e se lavou com tranquilidade enquanto cantarolava uma música de Roxette. Assim que ficou mais limpa, vestiu a jaqueta ainda com o corpo nu molhado e caminhou pela loja à procura de roupas íntimas que lhe agradassem.

Pegou uma calcinha de cetim e em seguida a meia-calça, fazendo o tecido abraçar perfeitamente suas curvas antes de parar rente à barriga definida. Olhou-se no espelho grande que tinha perto dos provadores e pegou uma tesoura retirando mechas da franja tradicional que antes usava. Ao fim, bagunçou mais os cabelos molhados a fim de deixá-los rebeldes, nem sequer precisava de maquiagem. Sentia-se sexy.

Camila, meu amor, você é uma grande gostosa. – não sentia mais frio e nem calor, logo, não necessitava de uma blusa, a jaqueta aberta que lhe cobria apenas os seios livres bastava.

Virou-se para sair do estabelecimento, mas logo se distraiu olhando ao redor. Faltava algo para o cenário ficar perfeito. Pegou os pedaços de madeira da porta e jogou nos vidros da vitrine, que explodiu em milhares de cacos. Começou a quebrar tudo o que via pela frente: máquina de café, galão de água, prateleiras, arrancando araras e chutando os manequins.

Saiu da loja com um sorriso satisfeito, parando de andar no centro da rua para se localizar. Era uma avenida menos movimentada, mas as luzes dos anúncios eram cintilantes, os carros barulhentos. Estava pronta para procurar um lugar para beber e dançar, quando ouviu um gemido vindo do beco adjacente. Seus sentidos aguçaram, os instintos predatórios se afloraram tão rapidamente quanto sua movimentação até o local do ruído.

* Music On * (Enjoy the Silence - Depeche Mode)

Sentia cheiro de sangue. E com ele, a fome.

O apetite que acordou. A abstinência de quase 24 horas sem alimento. A queimação na garganta.

Um homem fedorento e maltrapilho dormia encostado a uma lata de lixo. Estava torto e gemia sofregamente, podia ser de fome ou estava ferido, mas Camila não quis saber. Aproximou-se silenciosamente, flexionando os joelhos, preparada para o bote. Avistou seu lábio cortado e algumas marcas roxas no rosto, provavelmente de brigas.

Inspirou forte a centímetros do rosto do homem que acordou imediatamente assustado. Pensou ser mais um dos que o agrediram, mas viu um rosto angelical de uma moça e quase, quase, sentiu alívio. No entanto, essa sensação durou apenas alguns segundos até que...

A face de Camila se transformasse na personificação de um demônio: as veias ao redor dos olhos saltaram; seus globos oculares enegreceram; as íris ganharam um tom mais cintilante de vermelho e os caninos pontiagudos se desenvolveram a partir da gengiva.

O grito de socorro estagnou na garganta do mendigo uma vez que logo suas cordas vocais foram rasgadas pelos dentes em uma mordida violenta e desleixada. Camila agarrou seus braços desesperados e sua cabeça com uma força excessiva, tentando mantê-lo parado para que conseguisse administrar o fluxo de sangue arterial que espirrava no fundo da boca. Era delicioso, quente, denso. O vício tomava conta de si.

Devagar a vida se esvaiu do homem que nunca vira nada do tipo, duvidava da existência de um ser divino, mas ao ver aquela face gostaria que existisse, o medo correndo por suas veias, cada célula de seu corpo gritando em alerta até que sucumbiu. Seus braços amoleceram e o fluxo em seus vasos cessou, obrigando Camila a retirar a boca do pescoço já pálido.

O sangue escorria pelo queixo da vampira, que se deliciava a passar a língua pelo líquido viscoso acumulado nos dentes e lábios. Soltou o corpo do morto, deixando-o escorrer pela parede de tijolos e cair torto sobre dois colchões e bugigangas só agora notados. Ergueu uma sobrancelha ao perceber que ele provavelmente não estava sozinho.

E isso prontamente se afirmou ao ouvir sons de passos no beco, em meio às fumaças das tubulações de gás. Outro homem um pouco mais apresentável, mas com características de moribundo vinha com uma marmita, completamente feliz por conseguir uma refeição para a noite.

Seu semblante então mudou quando seus olhos arregalados se fixaram na figura do amigo falecido e na mulher de pé ao lado, com sangue pingando do queixo, olhos e rosto fantasmagóricos. Ele parou, congelado, arfando de medo.

Mas Camila, no entanto, apenas sorriu com os dentes vermelhos. Quase imediatamente o atacou como fizera com o colega instantes atrás, mas lembrou-se dos ensinamentos de Hailee, aquela otária foi boa para algumas coisas. Então respirou fundo e tentou se controlar, materializando-se em frente ao segundo homem para encarar-lhe os olhos assustados.

– Fique quieto, incline seu pescoço e não faça barulho.

Ele a olhou estranhamente, choramingando e não entendendo por que ela falava daquele jeito. Camila bufou irritada. Olhou outra vez em suas pupilas, concentrada, esperou que ele focasse em suas íris rubras. E então, ao se mergulhar na hipnose do ser predatório, o humano sentiu-se leve, poderia até flutuar, mas a voz de Camila roubou-lhe a atenção. Era autoritária, forte e incisiva, ele queria obedecê-la e o faria, com certeza.

– Vamos mais uma vez, senão serei obrigada a te matar mais devagar do que pretendo. E não queremos isso, certo? – o mendigo balançou a cabeça em confirmação. – Agora, mova seu pescoço me expondo o necessário e não faça barulho! Bico fechado, okay?!

O homem hipnotizado concordou e fez o que lhe foi ordenado. Satisfeita, Camila se aproximou do pescoço exposto deixando suas presas saírem da gengiva e o mordeu mais cuidadosamente para controlar o jato de sangue. Sugou por uns 3 minutos, com pausas respiradas, para se controlar. Quando sentiu o corpo grande do homem ficar mole, parou.

O olhou com curiosidade, ele estava grogue, mas vivo e consciente. Um pequeno filete de sangue escorria por seu pescoço, nada muito chamativo ou preocupante. Sua fome ainda estava ali, mas racionalmente poderia guardá-la para a próxima vítima da longa noite. Pegou o queixo masculino e o fez encarar seus olhos com atenção.

Você irá se lembrar o que houve aqui, então todas as vezes que dormir nesse buraco imundo de novo, lembre-se que posso voltar e te matar, hum... Nunca fale o que houve, mas guarde na memória que poderei voltar e desfigurar esse rostinho sujo!

Camila empurrou o homem moribundo, dando um sorrisinho vermelho quando viu o brilho de seu olhar sumir quando despencou desmaiado no chão do beco pela fraqueza. Sentia o júbilo da dominância correndo pelo seu corpo, o prazer de controlar tudo ao seu redor, a sensação de superioridade. Era como se sugasse as almas, gostava da ideia de roubar as essências de alguém, sentia-se um verdadeiro demônio.

O que, de fato, ela era.

Ela continha autocontrole... mas, exatamente por isso, escolheria não utilizá-lo.

Matar era prazeroso.


############

[Wolf] VOCÊS NÃO ESTÃO PREPARADOS PARA ESSA NOVA CAMILA, EU AVISEI! E nem imaginam o que vem por aí...

Deixem seus comentários, ideias e teorias! Além de claro, uns mimos para as autoras famintas.

Até a próxima atualização, Duskers.

Continue Reading

You'll Also Like

246K 17.3K 96
"To ficando 𝘃𝗶𝗰𝗶𝗮𝗱𝗼 nesse beijo teu" - 𝗟𝗲𝗻𝗻𝗼𝗻 lembro quando nós nem tava junto, mas se falava direto geral dizendo que nós combina muito...
65.1K 8.5K 31
A vida de Harry muda depois que sua tia se viu obrigada a o escrever em uma atividade extra curricular aos 6 anos de idade. Olhando as opções ela esc...
634K 47.4K 101
Min Yoongi é um mafioso possessivo, arrogante e convencido Lia é uma jovem de 19 anos pobre e mestiça, metade coreana e metade brasileira, com uma pe...
3.9M 237K 106
📍𝐂𝐨𝐦𝐩𝐥𝐞𝐱𝐨 𝐝𝐨 𝐀𝐥𝐞𝐦ã𝐨, 𝐑𝐢𝐨 𝐝𝐞 𝐉𝐚𝐧𝐞𝐢𝐫𝐨, 𝐁𝐫𝐚𝐬𝐢𝐥 +16| Victoria mora desde dos três anos de idade no alemão, ela sempre...