Otelo - De William Shakespeare

Pqna_Panda

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Este livro não é de minha autoria. Eu apenas amo esta história e como não achei nenhuma outra resolvi publica... Еще

Personagens
ATO II Cena I
Cena II
Cena III
ATO III Cena I
Cena II
Cena III
Cena IV
ATO IV Cena I
Cena II
Cena III
ATO V Cena I
Cena II

ATO I Cena I

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Pqna_Panda

Veneza. Uma rua. Entram Rodrigo e Iago.

RODRIGO - Cala-te! Não me fales. Aborrece-me demais verificar que justamente tu, Iago, que dispunhas à vontade de minha bolsa, como se teus fossem seus cordões, conhecesses isso tudo...

IAGO - Mas escuta-me, ao menos! Se eu já sonhei alguma vez com isso, podes abominar-me.

RODRIGO - Dito me havias que lhe tinhas ódio.

IAGO - Despreza-me, se não for assim mesmo. Três pessoas de grande influência aqui vieram falar-lhe, chapéu na mão, com humildade, para que fizesse de mim o seu tenente. E por minha fé de homem, tenho plena consciência do que valho; não mereço posto menor do que esse. Ele, no entanto, consultando somente o orgulho e os próprios interesses, furtou-se com fraseado bombástico, recheado só de epítetos de guerra. Em conclusão: não entendeu aos meus intercessores. "Pois já escolhi meu oficial", lhes disse. E quem é ele? Ora, por minha fé, um matemático, um tal Micael Cássio, um florentino, um tipo quase pelo próprio inferno fadado a ser uma mulher bonita, que nunca comandou nenhum soldado em campo de batalha e que conhece tanto de guerra como uma fiandeira; erudição de livros, simplesmente, sobre o que podem dissertar com a mesma proficiência que a dele os nossos cônsules togados; palavrório sem sentido, carecente de prática: eis sua arte. No entanto, meu senhor, foi o escolhido; ao passo que eu, que aos próprios olhos dele provas cabais já dera em Chipre e Rodes e em muitos outros pontos habitados por cristãos e pagãos, terei de, agora, ficar a sota-vento e calmaria, só por causa do dever-e-haver de um simples calculista, que - oh tempos! - vai tornar-se tenente, enquanto que eu - Deus me perdoe! - continuarei sendo do Mouro o alferes.

RODRIGO - Pelo céu, preferira ficar sendo carrasco dele.

IAGO - Já não há remédio. É a maldição do ofício: as promoções se obtêm só por pedidos e amizades, não pelos velhos meios em que herdava sempre o segundo o posto do primeiro. Ora, senhor, ajuizai vós mesmos se razões tenho para amar o Mouro.

RODRIGO - Assim, eu não ficara sob suas ordens.

IAGO - Ó senhor, acalmai-vos. Se me ponho sob suas ordens é só em proveito próprio. Mestres nem todos podem ser, nem todos os mestres podem ter bons servidores. Já tereis visto por aí bastantes sujeitos obsequiosos, de flexíveis joelhos que, apaixonados pela própria escravidão, o tempo todo gastam como o asno do amo, só pela comida; e, quando ficam velhos: despedidos. Chicote nessa gente muito honesta! Outros há que sabendo a forma externa revelar do dever, as feições próprias, o coração conservam sempre atentos no proveito pessoal; enquanto aos amos dispensam mostras de serviço, apenas, prosperam muito bem, e, ao mesmo tempo que os casacos lhes forram, a si próprios prestam boa homenagem. Esses tipos têm alguma alma, e entre eles eu me incluo, posso afiançar-vos. Pois senhor, tão certo como serdes Rodrigo, se em verdade eu fosse o Mouro, não queria um Iago sob minhas ordens, pois seguindo-o, apenas sigo a mim próprio. O céu é testemunha: não me move o dever nem a amizade, mas, sem o revelar, só o interesse. Se as mostras exteriores de meus atos me traduzissem os motivos próprios do coração em traços manifestos, carregaria o coração na manga, para atirá-lo às gralhas. Ficai certo: não sou o que sou.

RODRIGO - Que sorte a desse tipo de lábios grossos, se puder, realmente, levar isso até ao fim.

IAGO - Chama o pai dela; desperta-o; corre atrás do Mouro, põe-lhe veneno na alegria; o nome dele proclama pelas ruas, os parentes dela deixa excitados, e ainda que ele more em clima adorável, atormenta-o com praga de mosquitos. Muito embora sua alegria seja verdadeira, com tais contrariedades o persegue, que a cor a perder venha.

RODRIGO - Fica aqui mesmo a casa do pai dela; vou chamar em voz alta.

IAGO - Mas com vozes de medo e uivos terríveis, como quando por negligência, à noite, o fogo estala num burgo populoso.

RODRIGO - Olá, Brabâncio! Senhor Brabâncio, olá!

IAGO - Ladrões! Brabâncio! Brabâncio, despertai! Ladrões! Ladrões! Cuidai de vossa casa, vossa filha, de vossos cofres! Acordai! Ladrões!
(Brabâncio aparece na janela.)

BRABÂNCIO - Qual é o motivo de tão grande bulha? Que aconteceu?

RODRIGO - Senhor, tendes aí dentro toda vossa família?

IAGO - Vossos quartos estão fechados?

BRABÂNCIO - Ora, qual a causa de perguntardes isso?

IAGO - Com mil diabos, senhor, fostes roubado; por vergonha, ide vestir a toga; arrebentado tendes o coração; metade da alma já vos foi alienada. Agora mesmo, neste momento, um velho bode negro está cobrindo vossa ovelha branca. Tocai o sino, para que despertem os cidadãos que roncam; do contrário, o diabo vos fará ficar avô. Despertai! É o que eu digo.

BRABÂNCIO - Mas que é isso! Perdestes o juízo?

RODRIGO - Venerável senhor, reconheceis-me pela voz?

BRABÂNCIO - Não; mas quem sois?

RODRIGO - Rodrigo; assim me chamo.

BRABÂNCIO - Pior nome não podias revelar-me. Não te proibi de me rondar a casa? Não me ouviste dizer, com leal franqueza, que para ti não era minha filha? Por que me vens agora, transtornado pela ceia e os vapores da bebida, com tua tratantagem maliciosa perturbar-me o repouso?

RODRIGO - Meu senhor, senhor, senhor...

BRABÂNCIO - Mas podes ficar certo de que minha coragem e meu posto na república têm poder bastante para fazer-te amargurar por isso.

RODRIGO - Paciência, bom senhor.

BRABÂNCIO - Por que me falas em roubo? Estamos em Veneza; minha casa não é uma granja.

RODRIGO - Venerável senhor, vim procurar-vos com lisura.

IAGO - Ora, senhor! Sois uma dessas pessoas que se negariam a servir a Deus, se fosse o diabo que lhes ordenasse. Por que viemos prestar-vos um serviço e nos tendes na conta de velhacos, quereis que vossa filha seja coberta por um cavalo berbere e que vossos netos relinchem atrás de vós? Quereis ter cordeis como primos e ginetes como parentes?

BRABÂNCIO - Quem és tu, miserável licencioso?

IAGO - Sou um homem, senhor, que vim revelar-vos que vossa filha e o Mouro se acham no ponto de fazer o animal de duas costas

BRABÂNCIO - Sois um vilão.
IAGO - E vós... um senador.

BRABÂNCIO - Vais pagar-me. Conheço-te, Rodrigo.

RODRIGO - Responderei por tudo. Mas pergunto-vos, senhor, se foi com vosso assentimento, vosso sábio conselho - como quase fico a pensar - que vossa linda filha, na calada de noite tão escura, saiu em companhia de um sujeito nem melhor nem pior do que um velhaco por qualquer alugado, num gondoleiro, para aos abraços torpes entregar-se de um Mouro luxurioso; se, realmente, sabeis de tudo e concordais com isso, bem: nesse caso é certo vos fazermos inominável e atrevida ofensa. Mas se desconheceis o que se passa, ensina-me o costume que não tendes razão de censurar-nos desse modo. Não creiais que tão falho eu me revele de cortesia, para vir agora zombar de vossa grande reverência. Vossa filha - de novo vos declaro - se não lhe destes permissão, mui grave pecado cometeu, unindo o espírito, a beleza, o dever e seus haveres a um estrangeiro andejo e desgarrado daqui e de toda parte. Convencei-vos neste momento: se no quarto dela fordes achá-la, ou mesmo em toda casa, entregai-me à justiça da república por vos ter enganado desse modo.

BRABÂNCIO - Acendei fogo! Olá! Dai-me uma vela! Despertai todo mundo. Este incidente não destoa dos sonhos que já tive. Só de pensar em tal, me sinto opresso. Luz, repito! Um vela!
(Retira-se da janela.)

IAGO - Adeus; não posso ficar mais tempo aqui. Não é prudente - dado o meu posto - nem recomendável ser chamado a juízo contra o Mouro, o que aconteceria se eu ficasse. Pois sei-o bem: o Estado, muito embora venha a afligi-lo com alguma crítica, não pode dispensar-lhe os bons serviços sem correr grande risco. Com tão fortes razões o encarregaram da campanha contra os chipriotas - que ora se acha em curso - que para a vida assegurar de todos não encontram ninguém de igual calibre capaz de dirigir esse negócio. Por isso, muito embora lhe vote ódio como às penas do inferno, sou forçado pelas necessidades do presente a arvorar a bandeira da amizade que não passa de simples aparência. Para terdes certeza de encontrá-lo, encaminhai na direção do albergue do Sagitário os que hão de procurá-lo. Lá, como ele estarei. E agora, adeus. (Sai.)
(Entram Brabâncio e criados, com tochas.)

BRABÂNCIO - Minha infelicidade é mais que certa. Fugiu mesmo. Do tempo desprezível que me resta de vida não espero senão tão-só tristezas. Onde a viste, Rodrigo? - Oh! que menina sem juízo! - Junto com o Mouro, foi o que disseste? - Quem quisera ser pai! - Por quais indícios vieste a reconhecê-la? Oh! Iludiu-me de modo inconcebível. Que te disse? - Olá! Trazei mais velas! Despertai todos os meus parentes! - Acreditas que se tenham casado?

RODRIGO - É o que parece, para vos ser sincero.

BRABÂNCIO - Oh céus! Que meios ela encontrou para sair de casa? Oh! que traição do sangue! Doravante, pais, não confieis no espírito das filhas só por suas ações. Não há feitiços capazes de alterar as qualidades das virgens inocentes? Nunca lestes, Rodrigo, qualquer coisa a esse respeito?

RODRIGO - Em verdade, senhor, li qualquer coisa.

BRABÂNCIO - Ide chamar o mano. - Oh! se a tivésseis desposado! - Cada um vá por um lado. - Sabeis onde podemos apanhá-la juntamente com o Mouro?

RODRIGO - Estou bem certo de poder encontrá-los, se quiserdes dar-me uma boa escolta e vir comigo.

BRABÂNCIO - Servi de guia. Baterei em todas as casas; meu poder é muito grande. - Trazei armas, olá! Fazei que venha logo a ronda! - Sigamos, bom Rodrigo; hei de saber vos ser agradecido.
(Saem.)

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