Catarina Narrando
📍Barra da Tijuca, Rio de Janeiro.
🗓Sexta-feira, 24 de dezembro, 2021.
Desci do uber e agradeci o motorista que sorriu simpático e me desejou feliz natal, agradeci e desejei boas festas pra ele também que saiu cantando pneu.
Encarei a casa da minha mãe que estava toda enfeitada assim como todos os anos, minha família leva a sério as comemorações de final de ano.
Entrei em casa e fechei os olhos sentindo o cheirinho de comida natalina da minha avó e abri um sorriso enorme.
Apesar de todo natal com essa família ser péssimo, alguma coisa tinha que salvar e essa coisa era a comida, minha família tinha cozinheiros de mãos cheias e isso não tenho do que reclamar.
— Catarina por aqui — o Caio falou enquanto desci as escadas acompanhado da Nathalia — só o natal pra você vir aqui em casa né? — sorriu ironicamente e revirei os olhos.
O inconveniente da família, chamado Caio é meu irmão mais novo e a Nathalia que diria que roubou toda a beleza da família pra ela, é a irmã do meio.
— é um prazer te ver também, Caio — sorri falsa.
— não trouxe ninguém com você? — a Nathalia perguntou se aproximando.
— você tá vendo alguém comigo?
Eu simplesmente não aguentava mais essa pergunta todos os anos em todas as comemorações em família, qual é o problema de ser solteira há 7 anos?
— grossa
— cadê a mãe?
— na cozinha com a vovó
Larguei minhas coisas no sofá e caminhei até a cozinha vendo minha mãe, minha avó e uma tia preparando as coisas para a ceia.
— oi Catarina, querida — minha avó falou simpática e sorri — como vai?
— bem e a senhora?
— tô bem também, vai me apresentar um namoradinho hoje?
— não, vó — revirei os olhos.
— não sei porque você ainda pergunta, mãe — minha mãe falou rindo — todo ano a Nina passa sozinha
— vocês precisam de ajuda? — perguntei ignorando totalmente a fala da minha mãe.
— não, meu bem, obrigada.
📍Barra da Tijuca, Rio de Janeiro.
🗓Sexta-feira, 25 de dezembro, 2021.
— vê se para de ser chata, Nina — minha mãe resmungou — senta com a gente
— não, valeu — sorri — prefiro a mesa dos solteiros
— por que você tá sentada aqui com a gente? — minha prima de 5 anos perguntou após dar um gole no seu suco.
— não tem espaço pra uma solteira na mesa dos adultos — resmunguei enquanto encarava todos da mesa acompanhados, inclusive meu irmão mais novo.
O único lugar que me restou foi a mesa das crianças que não paravam de falar como seriam as férias delas e quis me jogar dentro de um buraco.
— por que você não tem namorado?
— porque homem não presta
— namora uma mulher, então
— você tem quantos anos, mesmo?
Não é possível essa criança ter só 5 anos.
— 5, vou fazer 6 mês que vem — sorriu.
— tá na hora de abrir os presentes — minha mãe falou animada.
A parte que eu odiava no natal, abrir presentes, o meu sempre era algo que eu não gosto ou algo totalmente inútil ou as duas coisas.
Caminhamos até a sala e me sentei no sofá com a maior cara de tédio e observei todos abrirem seus presentes com sorrisos no rosto.
Até parece que todos gostaram dos presentes que receberam.
— esse aqui é seu, Nina — minha mãe me entregou uma bolsa da Louis Vuitton.
Abri o embrulho e sorri ao ver um vestido minúsculo que se eu vestisse era capaz de mostrar meu útero e meus peitos pularem pra fora.
— gostou? eu achei sua cara
— se você acha que eu tenho cara de prostituta com certeza é a minha cara
— Catarina — minha avó me repreendeu.
—vó, olha o tamanho disso
— talvez isso te ajude a conquistar um homem
— aí meu Deus — me levantei — parem de resumir tudo a homem
Caminhei até a mesa de jantar e peguei um pedaço de pavê.
— galera, presta atenção — o Caio falou ao se levantar e revirei os olhos.
— quem quer pavê? — perguntei.
— é pavê ou pra comer? — meu tio fez a piada de todo natal e revirei os olhos.
Meu irmão mais novo puxou a mão da garota que o acompanhou a noite inteira, eles caminharam para o meio da sala e cruzei os braços observando os dois.
— eu sei que eu não sou um cara perfeito e que as vezes eu piso na bola, mas de uma coisa eu tenho certeza, eu quero passar o resto da minha vida contigo
— puta merda — resmunguei — não seja o que eu estou pensando
Ele se ajoelhou e tirou uma caixinha do bolso abrindo revelando um anel de diamante e arregalei os olhos.
— você aceita se casar comigo?
— sim — ela respondeu animada.
Toda a família começou a parabenizar os dois e voltei a comer o meu pavê enquanto encarava aquela cena.
— que legal — sorri — meu irmãozinho vai casar e eu nem namorado tenho
📍Barra Shopping, Rio de Janeiro.
🗓Segunda-feira, 27 de dezembro, 2021.
Entrei na Louis Vuitton pisando fundo e passei os olhos pela loja que estranhamente estava cheia, caminhei até o caixa e sorri falsa pra vendedora que me encarou da cabeça aos pés.
— eu vim devolver esse vestido — entreguei a embalagem pra ela.
— tem a nota fiscal?
— foi um presente
— desculpa — me encarou com deboche. Qual o problema dessas vendedoras de loja de rico que acham que são ricas também? — somente com a nota fiscal
— se foi um presente, é óbvio que eu não tenho a nota fiscal — falei sem paciência.
— eu vou verificar
Ela saiu do meu campo de visão e voltou uns minutos depois com o vestido e sua cara de morta me fazendo revirar os olhos.
— realmente não tem como fazer a devolução sem a nota fiscal
— gente, que absurdo — respirei fundo — claramente é um produto da loja
— mano — alguém falou atrás de mim — será que tem como tu andar um pouco mais rápido? eu tô atrasado
Me virei lentamente e encarei o garoto com a postura totalmente largada atrás de mim que segurava uma bolsa da Louis Vuitton com uma mão e o celular na outra.
Ele vestia uma camisa preta justa e uma calça também preta com um cinto da Louis Vuitton e nos pés um chinelo também da marca.
Ele é o que? garoto propaganda da marca?
— não querido — sorri — não tem como eu andar mais rápido e se você tivesse mesmo atrasado estaria fazendo o que tem que fazer e não em uma loja no shopping
— você me conhece? — passou a língua nos lábios e endireitou a postura me encarando em seguida.
— deveria?
Deveria sim, até porque qualquer carioca em sã consciência conhece o cara mais bombado do momento, até quem não é ligado no mundo do rap conhece o L7.
Torci o lábio ignorando ele completamente e me virei pra vendedora que nos encarava.
— eu só quero meu dinheiro e ir embora daqui, meu natal foi péssimo, não faz o pós dele ser péssimo também
— se te conforta — o garoto voltou a falar — o meu também foi péssimo
— eu passei meu natal sentada na mesa das crianças porque sou a única solteira da família e meu irmão mais novo vai casar — sorri falsa — não tem como ter sido pior que isso
A moça me explicou novamente que eu não poderia fazer a devolução e agradeci com um sorriso falso no rosto e puta da vida.
Me virei e quase esbarrei no garoto que continuava me encarado com a maior cara deslavada do mundo.
Magro, cabelo perfeitamente cortado, um bigode bem fininho, lábios grossos e bem molhados como quem tinha acabado de beber água.
— eu sai em páginas de fofoca porque minha ex não para de tentar vincular a imagem dela com a minha e tive que justificar o término do nosso namoro em público porque ela é surtada e não aceita que acabou
— pelo menos você tinha uma namorada — cruzei os braços.
— você deve tá pensando que eu sou um cafajeste e que eu não valho nada né?
— na verdade não — fiz um bico e neguei com a cabeça.
— é que normalmente as mulheres se unem nessa hora
— não gosto de mulheres — estalei a língua no céu da boca — e você é famoso — o olhei de cima abaixo. Até que é bonitinho — e tem dinheiro e o que mais tem no mundo são pessoas interesseiras o que parece ser o caso da sua ex, então, relaxa — dei um sorriso.
— Lennon — estendeu a mão.
— é sério isso?
— tô sendo educado
— Catarina — peguei sua mão e ele deu um sorriso soltando minha mão em seguida.
— qual o lance da sua família?
— eles pegam no meu pé porque eu sou a única solteira da família — torci o lábio — isso é tão ridículo
— tu tem quantos anos?
— não se pergunta isso pra uma mulher — me fiz de ofendida e ele riu — eu tenho 25 e você?
— 27 — passou a língua nos lábios e encarei eles voltando o olhar para seus olhos em seguida — qual o problema de ser solteira com 25?
— eu tô solteira há 7 anos — mordi o lábio.
— nossa
— nossa mesmo — ri fraco e enfiei minhas mãos no bolso da minha calça — então você tem noção do quão merda foi meu natal? aliás todos os meus natais
— certeza que tu já teve um natal bom
— quando eu tinha 10 anos e ganhei uma casa da barbie? — ele riu.
— o meu melhor natal eu devia ter uns 12 e ganhei um skate
— isso explica sua postura torta — estalei a língua no céu da boca e ele me encarou — eu preciso ir — apontei pra saída da loja — foi um prazer
Caminhei pra fora da loja sentindo o calor bater no meu corpo, o ar daquela loja realmente estava no máximo ou o Rio de Janeiro está prestes a derreter.
— Catarina — me virei pra trás vendo o Lennon e franzi a testa.
— algum problema?
— tive uma ideia
— certeza que é péssima — voltei a andar sendo seguida por ele.
— aonde você vai passar o ano novo?
— provavelmente trancada no quarto assistindo alguma comédia romântica
— isso não parece nada da hora — riu — pô, podíamos passar juntos
— não vai rolar
— qual foi? não temos nada a perder
— e também nada a ganhar
— tua família vai achar que você tem alguém e minha ex vai parar de tentar associar a imagem dela a minha — me encarou — vai ser bom pra mim e pra você
— e sair em página de fofoca como affair de um cantor de rap? — ri — sem chance
— pelo menos pensa na ideia — me entregou um papel com seu número.
— já pensei e a resposta é não — sorri e me virei saindo do seu campo de visão.
Amassei o papel colocando no meu bolso e caminhei pra fora do shopping afim de achar um táxi e ir até a casa da minha mãe buscar as coisas que esqueci.
📍Barra da Tijuca, Rio de Janeiro.
🗓Segunda-feira, 27 de dezembro, 2021.
— Nina, querida — minha mãe me chamou assim que terminei de descer as escadas.
— que foi? — caminhei até ela e sorri pro tio Rafael que tomava seu inseparável chá de maracujá.
— viu nosso vizinho novo? acabou de se mudar
— e daí?
— e daí que ele é um gato — o Rafael falou sorrindo.
O Tio Rafa carrega o fardo de ter sido o primeiro LGBT da família a se assumir e ter aguentado preconceito de alguns parentes, depois que ele se assumiu abriu portas para os outros também se assumirem.
Ele é um amor, tão carinhoso e atencioso que as vezes me pergunto se ele faz mesmo parte dessa família.
— põem gato nisso — minha mãe concordou — você podia investir nele e chamar pra ir para Búzios com a gente
— tá louca? — torci a cara.
— vai que ele é o cara com quem você vai se casar — o Rafa voltou a falar e gargalhei.
— casar?
— casar também não, Rafael — minha mãe falou incrédula — a vida é muito curta pra montar no mesmo cavalo
— mas no caso da Catarina ela não tá montando em nenhum
— gente — arregalei os olhos — eu ainda tô aqui tá?
— Catarina, há quanto tempo você não transa?
Cocei a cabeça e olhei ao redor da sala tentando fugir dessa pergunta ridícula ou achar uma maneira de mentir.
Tinha um ano que eu não transava e nem eu sei como estava aguentando sobreviver apenas dos vibradores que eu ganhava de presente da minha irmã mais nova.
— eu transei com um carinha na semana passada
Menti, menti mesmo e na maior cara do pau do mundo. Eu só queria que eles parecem de me tratar como uma tia encalhada, qual é? eu só tenho 25 anos.
— que carinha? — minha mãe me olhou curiosa — é bonito? qual o nome?
— Lennon
Eu falei mesmo isso? puta que pariu, Catarina Ferreira.
— vamos passar o ano novo juntos — menti novamente e até eu estava caindo na minha própria mentira.
Eu espero que esse garoto não tenha mudado de ideia se não minha falsa vida sexual ativa vai por água abaixo.
— finalmente, Catarina — minha mãe falou alegre e bateu palmas.
— achei que tava criando teias nessa xoxota — o tio Rafa falou rindo e neguei com a cabeça.
Antes que eles começassem o interrogatório sobre quem é Lennon e como a gente se conheceu, eu inventei uma desculpa qualquer para poder ir embora.
Dei boa tarde para o uber que seguiu o caminho até minha casa e peguei o papel amassado dentro do meu bolso começando a discar o número do Lennon e no quarto toque ele atendeu.
— alô?
— aonde você vai passar o ano novo? — perguntei e pude escutar sua risada.
E saiu "amor com data marcada". ❤️
Catarina me representando nas festas de família.
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