ESSÊNCIA (Jikook ABO)

By LuneInfinie

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[CONCLUÍDA] Em uma sociedade desigual, Ômegas são marginalizados e culpados pela Vicissitude, uma doença crôn... More

🍁🍂AVISOS🍂🍁
🍂Trailer/Personagens/Playlist🍂
🍂 PRÓLOGO 🍂
Capítulo 01🍂
Capítulo 02 🍂
Capítulo 03 🍂
Capítulo 04 🍂
Capítulo 06 🍂
Capítulo 07 🍂
Capítulo 08 🍂
Capítulo 09 🍂
Capítulo 10 🍂
Capítulo 11 🍂
Capítulo 12 🍂
Capítulo 13 🍂
Capítulo 14 🍂
Capítulo 15 🍂
Capítulo 16 🍂
Capítulo 17 🍂
Capítulo 18 🍂
Capítulo 19 🍂
Capítulo 20 🍂
Capítulo 21 🍂
Capítulo 22 🍂
Capítulo 23 🍂
Capítulo 24 🍂
Capítulo 25 🍂
Capítulo 26 🍂
Capítulo 27 🍂
Capítulo 28 🍂
Capítulo 29 🍂
Capítulo 30 🍂
Capítulo 31 🍂
Epílogo 🍂

Capítulo 05 🍂

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By LuneInfinie

Tutu pom, nenéns? Como vcs estão? Vossa autora está com saudades!

Esse capítulo tem um pouco mais de 13k de palavras, então leiam cada cena com calma, sem precisar correr, tá? Curtam a leitura, espero que deem boas risadas, pq eu já escrevo pensando nos comentários de vcs.

Obs 1: Tem partes q precisam de atenção. Tem história q é tão explicadinha, né? Q nos tornamos leitores preguiçosos às vezes, e nossa mente precisa de constantes desafios e aprendizagens. Vcs sabem q não sou de fazer *flashback on/off* , pra n deixar vcs mal acostumados. Então fiquem atentos às mudanças.

Obs 2: Quero estimular vcs a perceberem tbm quando o Ankor toma o controle e qndo o controle é do Jk. Isso só com a escrita, sem precisar explicar. Tô explicando agr pq é a primeira vez q vcs vão presenciar isso numa cena aqui, mas trabalhem a atenção de vcs, tá meus nenéns?!

Obs 3: Toda e qqr música citada no capítulo, fora ou no corpo do texto, está na playlist da fic 🧡

BOA LEITURA! 🍂🍁🍂


As pessoas não amam o amor de verdade, amam a ideia do amor.

Você começa um relacionamento acreditando que finalmente encontrou a pessoa ideal e joga nela, ainda que de forma inconsciente, o poder de te deixar feliz ou triste. Se ela manda mensagem você fica feliz, se ela some no dia seguinte você se frustra.

Quando percebe que aquela pessoa não age conforme você espera ㅡ porque ninguém é obrigado a atender expectativas alheias, nem agir como o outro agiria ㅡ, você sofre.

Sofre porque ama; ama mas não gosta de sofrer. Então você deseja a ideia do amor, não ele de verdade. Afinal, a partir do momento em que ele se concretiza e te faz sofrer, você não o quer mais.

E é isso que eu quero evitar: Sofrer por um modelo ideal de amor que não existe.

Tenho outra esquentação de cabeça para me preocupar no momento.

ㅡ Jisoo, por que você não avisou que vinha? ㅡ falo com a beta, enquanto tento tirá-la do meu colo de forma que não a machuque.

ㅡ Eu só queria te visitar, Jungkook. Você não me procurou mais. É difícil ter que cobrar o mínimo de atenção. ㅡ Ela se arrasta em minhas pernas, fazendo sua saia subir, enquanto tenta me beijar. ㅡ Mas eu esqueço isso se você disser que nós estamos bem.

Ter uma conversa dessa no sofá da minha sala, com uma visita inesperada em plena manhã de quinta-feira, não é o que eu gostaria de estar fazendo agora.

Nós? Jisoo, não existe nós, você sabe. ㅡ Seguro seus pulsos, evitando encarar o olhar magoado que certamente ela me lança. Estava sendo legal até minha ficante querer mais do que o combinado.

ㅡ Mas, Jungkook, você até ajudou a escolher o nome do meu cachorro. ㅡ O que isso tem a ver? ㅡ Eu achei que você se importava, que também estava se apaixonando.

"Também?" Eu suspiro resignado, quando ela sai do meu colo e se senta ao meu lado, com o corpo curvado para frente, e o rosto escondido nas mãos.

ㅡ Não dá pra continuar assim, Jisoo... foi legal, mas se você está sentindo isso, é melhor pararmos por aqui. ㅡ Atrevo-me a esconder uma mecha loira atrás da sua orelha. ㅡ Você é uma mulher incrível, não merece viver de migalhas, e se nós continuarmos o que eu tenho a te oferecer são migalhas comparado ao que você quer.

ㅡ Por que você é tão contra o amor? ㅡ Ela resmunga magoada, afastando a minha mão, quando volta a me encarar sob os cílios longos.

ㅡ Eu não sou contra o amor, Jisoo.

O amor é a coisa mais linda do mundo, e eu acredito nele. Amo a minha irmã, meu amigo Namjoon, amo lecionar, cantar, amo a música. Mas o amor romântico eu dispenso.

ㅡ Então por que você não tenta se permitir?

Existem tantos motivos, mas uso o mais forte e o que mais vai fazer sentido para ela.

ㅡ Você sabe eu não sou um homem de criar raízes, tenho planos de sair do país. Eu vou para onde as oportunidades me levarem.

ㅡ Já parou pra pensar que nem tudo se resume à vida profissional? ㅡ Kim Jisoo se levanta e volta a calçar o sapato que trou quando resolveu pular no meu colo. ㅡ Que pensando assim você pode estar perdendo a oportunidade de construir uma família? E eu nem estou falando de mim.

ㅡ Eu entendo que esse seja o seu sonho, mas não é o meu. ㅡ Fico de pé também, de frente para ela. ㅡ Essa discussão não vai dar em nada. É melhor você ir... por favor.

ㅡ Ok, eu vou te dar uma semana pra pensar bem, tá? Porque eu sou idiota o suficiente pra criar esperança sozinha. ㅡ Abro a boca para interrompê-la, mas ela é mais rápida. ㅡ Mas se eu te procurar e a sua resposta for a mesma, juro que esqueço o nosso envolvimento.

Penso em dizê-la que fazer isso é perder tempo, mas talvez sua forma de aceitar a realidade seja aos poucos. Então vou guardar a resposta definitiva para quando ela estiver pronta para ouvir. Daqui a uma semana espero vê-la partindo para outra.

ㅡ Jisoo... você não é idiota. Você é linda e incrível.

A beta sorri triste, aproxima-se de mim, e me abraça, deixando minha camisa com o cheiro do seu perfume artificialmente adocicado. Não sei porquê mas hoje seu contato físico me incomoda. É como se Ankor a repelisse.

ㅡ Até outro dia, Jungkook. Aproveite o café.

E ela vai embora, deixando na mesa de centro da sala a cesta de café da manhã surpresa que trouxe para mim. Sinto-me um pouco culpado por ter estragado tudo o que ela preparou para vir me ver, depois de uma semana sem nos falarmos direito.

Da cesta cheia de pequenos sanduíches de presunto com queijo, café, suco, bolo e alguns doces, pego somente um suco de caixinha.

Está tão apaixonada mas não sabe que nós não podemos comer a metade do que tem nessa cesta.

ㅡ Ankor, você é cruel. ㅡ Sozinho em casa, não me preocupo de pensar em voz alta. Aliás, ultimamente estou fazendo isso com uma frequência terrivelmente absurda.

Eu quero ver ele...

Não sei mais o que fazer para calar a boca desse lobo. Desde ontem quando vi aquele alfa na sala com o meu aluno, tocando nele, Ankor despertou de qualquer calmante de uma forma dolorosa e irritadiça.

Fecho os olhos e mergulho na lembrança como se fosse agora.

A empregada chamada Rosé, dá a autorização para que eu suba, e assim faço, sem esperar ver Jimin com a camisa parcialmente aberta e seu amigo acariciando seu peito. Uma raiva terrivelmente irracional se apodera de mim, e Ankor só dificulta mais ainda minha capacidade de me manter calmo, quando diz:

Esse alfa quer o nosso lobo. Mate ele!

Nosso? Ah, mas é muita esquentação de cabeça.

Em seguida o alfa roça a bochecha na do Jimin, como se ele fosse um ômega. Eu definitivamente não entendo, e compreendo menos ainda o porquê disso me irritar tanto. Na verdade, é o Ankor bagunçando meus sentidos, tento manter o mínimo de razão para não arrancar a cabeça do amigo de Jimin aqui mesmo. Porém, devo ter falhado, porque quando ele passa por mim eu quase rosno ao cumprimentá-lo com um "boa tarde".

Aperto minhas mãos em punho, sentindo que se eu cravasse mais as garras na carne elas iriam rasgar minhas palmas. O tornado de sensações negativas dentro de mim é tão grande, que tudo se desregula, tudo se torna confuso e carregado demais. E, quando oscilo dessa forma, abro uma brecha para que meu lobo assuma o controle.

É o que acontece.

A sós com Jimin, percebo-me em minha forma mais primitiva; animalesca da pele que habito às pernas humanas, pés, mãos, garras escondidas, olhos ferozes e olfato apurado.

Corro meu olhar por seu torso, porém ele é rápido em voltar a abotoar a camisa. E já não importa se o Jeon Jungkook é professor, ou se o aluno que está na minha frente também é um alfa. Inclusive, tenho minhas dúvidas. Concentro-me apenas em ser Ankor, minha essência lupina, sentindo cada membro desse corpo humano tenso por causa do cheiro de outro na pele daquele que eu desejo de forma mais crua e profunda.

Mesmo tenso, ficar perto assim provoca em mim um desejo irrefreável de tocá-lo, de rasgar sua epiderme com um contato desesperado que Jungkook e eu queremos. Nesse momento em que sinto seu aroma tão perto, junto do calor que emana do seu corpo, não existe confusão, apenas desejos reprimidos.

Aquele alfa deixou o cheiro dele em você. ㅡ O corpo de Jimin estremece ao som da minha voz. Parece ser algo novo e atordoante para ele, minha intenção nunca foi deixá-lo desconfortável.

Não tenha medo ㅡ asseguro. Sua respiração é dificultosa, ele ainda treme mas não parece incomodado, apenas tenso com a presença do seu Alfa.

ㅡ Professor... por favor... ㅡ Ergue uma mão, num pedido para que eu me afaste. Para não assustá-lo, decido deixar o controle somente com o Jungkook agora, enquanto alongo o pescoço e me permito sentir um pouco de satisfação por afetar esse lobo desconhecido.

O piscar confuso das minhas pálpebras me faz aperceber que agora sou o Jungkook novamente, em minha forma humana de comportamento.

Nunca foi tão difícil administrar pensamentos e sentimentos conflitantes como tem sido desde que eu conheci Jimin. Em um minuto eu estou quase avançando nele, e em outro quero desesperadamente me afastar.

Isso é terrivelmente contraditório.

ㅡ Jungkook... ㅡ Após alguns minutos de aula, quando um riso inevitável moldura meu rosto, no momento em que brinco sobre o meu lobo se coçar para opinar em tudo, Jimin me olha e comenta com expectativa contida na voz. ㅡ Aposto que os seus alunos não conhecem essa sua risada descontraída.

Agora até o meu riso está frouxo perto dele, está tudo indo terrivelmente de mal a pior.

A realidade me vem à mente. Não posso deixar um aluno me conhecer como se fôssemos amigos. Ainda que a culpa seja do meu lobo, Jimin faz eu me sentir vulnerável e isso não é bom. Não sou assim, sempre sei o que quero e preciso. E eu não preciso desse tipo de drama na minha vida.

ㅡ É, não conhecem, e eu não faço questão de mostrar. Não quero nenhum aluno achando que tem tratamento especial. ㅡ Tento ser cuidadoso com as palavras, mas elas falam por si só. Ele segura o sobretudo que agora tem em mãos e se afasta de mim em silêncio.

Está satisfeito? Você deixou ele triste.

Ankor me acusa e eu odeio cada segundo em que preciso analisar demais minhas ações para que elas se mostrem coerentes.

Todavia, no cenário em que me encontro, tudo tem sido terrivelmente incoerente.

Essa afirmação se prova verdadeira quando tenho a ótima péssima ideia de ajudar Jimin com um exercício de respiração e fico perto demais enquanto toco em sua barriga. Tenho vontade de morrer por estar gostando desse contato e não querer que ele se encerre tão cedo.

Como eu desejo sentir o calor dele por baixo do tecido.

Pare, Ankor...

Eu sou a porra do professor dele! E que minha consciência não me ouça xingando, porque palavrões são indícios de descontrole e mente fraca. O incongruente é que me sinto exatamente assim, descontrolado e com a mente fraca.

Em dado momento nos encaramos com os rostos perto demais, posso sentir o calor e o aroma de pimenta rosa ficando mais forte que o de flor de cerejeira. Eu sei o que significa, mas preferia não saber agora.

Sentir seu cheiro, seus músculos abdominais, os pelinhos do seu braço eriçando sob o meu toque é tão convidativo para que eu continue tocando-o dessa forma, que sem calcular meus movimentos, faço uma sutil e leve carícia por cima do tecido.

Ainda bem que o próprio Jimin me faz voltar à ciência do que estou fazendo, quando pergunta se eu toco assim nos meus outros alunos.

Não toco.

Evito contatos desnecessários e devo evitar com ele também. Não posso passar tanto tempo assim pensando num aluno.

ㅡ Desculpe... não quis ser invasivo. ㅡ Tento afastar a mão, mas ele a retém, quando repousa a sua sobre a minha.

ㅡ Não foi uma reclamação.

Será que o lobo de Jimin, agora que está se mesclando ao corpo humano, também se sente afetado pelo Ankor? Nem quero imaginar algo assim acontecendo. Não quero que aconteça.

Kim Namjoon me disse que a vontade de um lobo não é suprema, o ser humano tem livre arbítrio para aceitar ou não uma conexão, um imprinting, ou seja lá o que as pessoas gostam de chamar de destino.

E eu odeio a forma como essa palavra é tratada pelas pessoas. É como se eu não tivesse poder de escolha, apenas devesse aceitar algo porque uma força maior que eu assim decidiu. Eu faço o meu destino. Eu decido com quem vou me envolver, assim como decido o que estudo, ou que carreira seguirei.

Respirando fundo, empurro a lembrança de toda a confusão que me inseri nesses três últimos dias para uma gavetinha no fundo da minha consciência, e retomo o controle quando, aqui em minha casa, tomo um comprimido inibidor com ajuda de um copo de água. Isso é uma dosagem a mais do que está prescrito, então deve ser o suficiente para passar essa terrível dor de cabeça, quase crônica, que tem me tirado a paz.

Diferente do calmante, o inibidor não adormece o Ankor, mas me ajuda a não sofrer tanto com sensações que não quero ter, causadas pela sensibilidade do meu lobo. Sejam elas físicas ou emocionais.

Por sorte, Jisoo veio cedo tentar me fazer a surpresa falida de tomar café da manhã ao seu lado, portanto, quando ela foi embora, ainda era cedo. Não vou chegar atrasado no campus.

Quando me preparo para sair de casa, minha irmã abre a porta da frente, cheia de sacolas do mercado. Ela saiu bem cedo e, o tempo em que esteve fora, foi o suficiente para a cena deplorável da minha ficante cobrando um compromisso que eu nunca firmei, se desenrolar na nossa sala.

ㅡ Ei, ei! Já ia sair sem comer? ㅡ Lisa pergunta, entregando-me as sacolas quando vou até ela. ㅡ Que cesta é essa? Quanta comida, se eu soubesse nem tinha comprado tanta coisa.

ㅡ Eu bem que queria comer o salame. ㅡ Faço uma careta de desagrado, e caminho até a cozinha, passando pela parede que a separa da sala. Assim que ponho as sacolas sobre o balcão, viro na direção da minha irmã que está ao meu encalço. ㅡ Foi a Jisoo...

ㅡ Mas que merda, falei pra ela não fazer isso...

ㅡ Lisa, olha a boca.

ㅡ Eu sei, eu sei. Não estou xingando, porra, só estou impressionada pra caralho. Não achei que ela chegaria a tanto. ㅡ Ela passa as mãos no rosto pálido e quadrado como o meu.

ㅡ É sua amiga, você deve imaginar do que ela é capaz, mas esquece, já passou. ㅡ Uma lufada de ar pesada me escapa quando refaço meu caminho para sair de casa, mas quando passo por minha irmã que segura meu braço.

ㅡ Não vai agora, faz uma refeição em família comigo. Beba pelo menos um daqueles chás sem graça que você gosta. ㅡ Ela me puxa novamente até o centro da cozinha, onde começa a retirar os produtos das sacolas sobre o balcão.

ㅡ Se eu pudesse pelo menos comer salame. ㅡ Lisa sabe que não posso comer certos alimentos, e me vê constantemente fugindo das tentações.

ㅡ Então come, só hoje. Vive a vida perigosamente pelo menos uma vez. ㅡ Ela morde uma fatia de queijo, com uma expressão travessa estampada no rosto de olhos em tom de azul cintilante.

ㅡ Eu já vivo a vida perigosamente, irmãzinha, só respiro e o perigo já está na minha porta.

ㅡ Então... ? O que é um peido pra quem já está cagado?

ㅡ Pelo amor de Deus! ㅡ Reviro os olhos furiosamente, mas minha indignação parece até falsa por causa da risada que não consigo conter. ㅡ Você e essa sua boca suja não têm jeito.

ㅡ Eu sei, mas você não vai embora, vamos comer antes. Olha o salame piscando pra você. ㅡ Lisa ergue a bandeja e o cheiro já me atiça.

Rendido, eu faço uma refeição terrivelmente calórica com a minha irmã terrivelmente insistente.

🍂🍁🍂

ㅡ Eu não tenho muito tempo, lá no ambulatório tem apenas eu de médico. ㅡ Namjoon confere as horas em seu relógio. ㅡ Mas você nunca me chama antes da sua primeira aula... qual é o problema?

Já são quase 10 horas, eu terei mesmo que iniciar uma aula daqui a pouco, mas não consigo deixar de pensar no que aconteceu ontem na casa do meu aluno. Por essa razão, estamos aqui na sala de música, vazia, sentados frente a frente, enquanto crio coragem para contá-lo. Ou não.

ㅡ Vamos usar um exemplo hipotético, ok? ㅡ Atento, meu médico arqueia uma sobrancelha, tão branca quanto os fios do seu cabelo, para mim. ㅡ Vamos dizer que, hipoteticamente, uma pessoa vê um alfa perto de alguém que ela se sente estranhamente afetada, e começa a se incomodar só com a presença do alfa perto desse alguém.

ㅡ E que tipo de vínculo esses alfas têm com esse alguém?

ㅡ Um é amigo, o outro é... hipoteticamente professor.

ㅡ Hipoteticamente professor? ㅡ Ele cruza os braços fortes na altura do peito coberto pela blusa preta de gola alta, e se recosta na cadeira, com o queixo inclinado de forma inquisitiva.

ㅡ É... hipoteticamente. ㅡ Esclareço com um pigarro desajeitado.

ㅡ Certo, prossiga.

ㅡ Hipoteticamente, um comportamento desse pode indicar algum tipo de desvio, ou descontrole psicológico? ㅡ Concluo a dúvida contraindo o rosto.

ㅡ Você teve sintomas de irritabilidade, pensamentos agressivos, vontade de atacar o outro alfa? ㅡ questiona paciente, enquanto cruza uma perna na outra sob a calça preta de alfaiataria.

ㅡ Hipoteticamente? ㅡ Ofereço-lhe um sorriso carregado de culpa.

ㅡ É, hipoteticamente.

ㅡ Não... ㅡ respondo e o vejo respirar aliviado por um momento antes de eu terminar. ㅡ ...Mas o meu lobo hipotético sim.

Namjoon suspira diante do meu olhar ansioso, e massageia os olhos fechados com as pontas dos dedos, por dentro da armação dos óculos redondos. Por fim, olha-me com a sua característica expressão de quem sabe mais do que deixa transparecer.

ㅡ Para mim está óbvio que isso é uma crise ciúmes. ㅡ E declara antes de erguer ambas as sobrancelhas num gesto sugestivo. ㅡ Hipoteticamente, é claro.

Eu abro a boca, tão horrorizado que palavra alguma sai dela. Diante da minha falta de ação, Namjoon se levanta e se posiciona atrás da minha cadeira. Tempo no qual sinto o frio que a presença do seu lobo imprime, junto do aroma de conhaque e rosas brancas que ele orgulhosamente exala. Ele dá duas batidinhas em meu ombro, antes de se inclinar o suficiente para cochichar em meu ouvido.

ㅡ O Alasca acha que você está hipoteticamente fodido.

E sai da sala. Eu continuo estático até os primeiros alunos entrarem para a aula. Recuso-me a acreditar que meu lobo teve uma reação de ciúmes por alguém que eu não conheço.

O que eu sei sobre Jimin além do seu sonho de aprender a cantar e sua vontade de se conectar com seu lobo? Ele é só um jovem adulto, ora orgulhoso, ora tímido, ora espontâneo. Dono de um rosto com traços singulares, usa roupas tão frouxas que caberiam dois dele dentro delas. Não sei sobre sua filosofia de vida, seus valores e princípios. Ele mesmo parece não saber.

Não temos nada em comum. Sou seu professor e ele é meu aluno, apenas isso. Algo a mais nem cogitaria passar pela minha cabeça se não fosse o emocionado do Ankor me impulsionando a isso. Minha vida é regrada, ajustada, tenho dores de cabeça o suficiente para permitir que mais uma se instale dessa forma.

As pessoas criticam quem vive de forma programada, acham triste. Não é. Quando se tem controle do que você faz, existe pouca margem para surpresas desagradáveis acontecerem.

Eu não quero correr o risco de me afetar mais do que já tem acontecido por causa de como Ankor reage a Jimin. Ele representa bagunça demais pra minha vida ajustada.

E isso não é um discurso anti-amor. Quem quiser pode se envolver, apaixonar-se, amar, não tenho qualquer problema com quem gosta dos assuntos do coração. É legal, é bonito de verdade, mas tenho meus planos terrivelmente magníficos e eles não incluem nada disso. Eu apenas não quero. Dá pra respeitar?

Provavelmente continuar dando aulas para Jimin seja uma ótima péssima ideia; preciso do dinheiro, no entanto.

Quando a primeira aula acaba, eu fico aqui sentado no banco próximo ao piano do professor Gong Yoo. Toco no diamante que carrego no peito, levo o pingente aos ĺábios, e deixo um beijo singelo nele. "Me protejam", é o que rogo aos meus pais.

Quando o devolvo para dentro da camisa, ouço passos de alguém entrando na sala. É um ômega, posso perceber pelo aroma adocicado de mel, escondido sob uma camada de perfume amadeirado. É um cheiro tão doce que me dá um embrulho no estômago. Com certeza se trata de um ômega albino.

Confirmo minha suspeita quando me viro na direção da porta e vejo um rapaz franzino de cabelos sem pigmento algum, íris vermelhas e sorriso mínimo nos lábios. Ele está acompanhado de um professor alfa, mas foquei tanto em seu cheiro enjoativo que só noto o outro agora que o vejo.

Pelo visto o comprimido inibidor está fazendo um bom trabalho em amenizar minhas sensações e impressões, ou eu teria me concentrado e captado a presença dos dois facilmente.

Levanto-me e caminho até estar de frente para eles, com minha expressão endurecida, impedindo-os de adentrar mais à sala e deixá-la com esse odor adocicado.

ㅡ Bom dia, professor Jeon. Tudo bem? ㅡ É o professor Lee Dong Wook quem me cumprimenta, uma mão está sobre o ombro do ômega, dando-lhe algum apoio. A outra ele estende para mim, mas eu não aperto. Com a ausência do cumprimento, ele leva a mesma mão ao cabelo, fingindo penteá-lo com os dedos. ㅡ Eu trouxe um aluno para tentar uma vaga no grupo que vai participar das regionais.

ㅡ Estamos com todas as vagas preenchidas. ㅡ Olho para o ômega, intimidando-o com minha nítida aversão por sua presença. ㅡ Lamento. ㅡ Ele parece abalado com a presença que imponho, abaixa a cabeça, mas só até ouvir meu tom enviesado, então ele volta a me olhar e, mesmo com dificuldade me encara. Corajoso.

ㅡ Com todo respeito professor, mas o professor Dong Wook olhou no sistema da universidade agora há pouco, e conferiu que faltam duas vagas a serem preenchidas. Eu estou interessado numa delas, e tenho o direito de fazer o teste. ㅡ O garoto me desafia, e eu só não respiro fundo porque vou ser obrigado a inalar seu odor se o fizer.

Dou um passo para frente, obrigando-o a recuar com outro, em contrapartida, ele espeta o nariz no ar tentando manter a postura.

ㅡ E-espera colega, deixe que eu falo, sim? ㅡ Dong Wook pede ao aluno. ㅡ O professor Jeon não está acostumado com tantas gírias e a malandragem das ruas.

O garoto suspira resignado e esconde as mãos nos bolsos, à espera das palavras do seu professor.

ㅡ Jeon, o que o Félix quis dizer é que está cansado da base cultural vulgar de onde ele vive. Como cotista, ele quer agarrar a oportunidade de fazer o teste. ㅡ E dá um tapa nas costas do aluno, talvez forte demais, que faz o corpo magro alavancar para frente. ㅡ Pode ser agora mesmo, rapidinho?

Infelizmente eles estão respaldados pelas normas da universidade, o que me obriga a ter que fazer um teste com o ômega. O que não significa que a decisão final não seja minha. É. E eu não vou facilitar para esse aluno.

ㅡ Ok. ㅡ Recuo com dois passos antes de me virar de costas para eles. Sento-me em uma das cadeiras vazias espalhadas pela sala, e vejo o aluno se posicionando na minha frente, enquanto o Dong Wook toma um lugar ao meu lado. ㅡ Não sei como você suporta esse cheiro doce ㅡ comento para Wook ouvir ao meu lado.

ㅡ Eu só sinto o perfume amadeirado dele. Félix deve tomar supressores, assim como todo mundo, professor Jeon.

Esqueci que Lee Dong Wook não é harmônico, muito menos lúpus, portanto, não sente o aroma como eu e não se incomoda com ele.

ㅡ Cante ㅡ ordeno com um rosnado, enquanto olho para o ômega albino.

Eu deveria estar acostumado a ter que tolerar certas coisas e situações que não posso mudar, todavia me vejo indignado diante do beco sem saída que estou agora.

O que acontece é que quando o aluno canta, torna-se impossível negar que a voz dele chega muito próximo do que eu considero perfeito. O grave dele brilha, a voz é potente, as técnicas que usa são na medida, tem apenas um pouco de vício no vibrato, mas isso é algo perfeitamente corrigível.

Vejo-me diante de um impasse cruel. Tenho poder para dizer a esse garoto que ele não está apto a fazer parte do meu grupo, e assim garantir que não vou precisar olhar para o focinho de um ômega com frequência. E tenho a opção, terrivelmente mais justa, de aceitá-lo por causa do seu talento.

O que fazer quando o que acreditamos de repente está em conflito com o que também é justo?

Felizmente, para ele, sou dolorosamente justo no que julgo correto.

ㅡ Venha participar dos encontros na próxima semana, os dias e horários estão no portal da universidade. ㅡ Levanto-me e, mesmo diante do sorriso dele, permaneço frio. ㅡ Se você atrasar um dia sequer está fora, não tolero indisciplina.

ㅡ Obrigado pela oportunidade. ㅡ Seu sorriso não se abala, ele não está mesmo se importando se vai ter um professor carrasco ou não. Digo novamente: Corajoso.

ㅡ Não se preocupe, professor, o povo do Félix tem o histórico de levantar com o canto do galo para trabalhar.

ㅡ Ok. ㅡ Gesticulo para a porta da sala, não querendo que eles fiquem aqui mais do que o necessário. ㅡ Se me derem licença, preciso fechar a sala para o meu horário de almoço.

Assim que professor e aluno saem, evito todo tipo de pensamentos que possam me chatear para me permitir ficar feliz por uma razão: Falta apenas uma voz para meu grupo estar completo.

Dou um passo para desligar as luzes e sair da sala, e uma fraqueza me atinge, levando-me a usar a parede como amparo. Penso que deve ser porque ainda não almocei, então espero apenas a tontura passar para ir ao refeitório.

Mas quando volto e vou lavar as mãos no banheiro do corredor próximo da coordenação, puxo as mangas da camisa de tom vinho, e vejo que as veias dos meus antebraços ganharam um leve aspecto arroxeado. Tento ficar calmo e decido procurar Namjoon novamente para entender o que está acontecendo.

Pelo menos, quando chego ao ambulatório do campus, ele está vazio e não demora para que meu médico e amigo tenha tempo para mim.

Ele sempre tem tempo para mim. Temos uma amizade forte desde que nos conhecemos no ensino médio. Um laço que não enfraqueceu mesmo quando Namjoon se mudou para cursar medicina em Daelim, enquanto eu ainda morava em Porto das Flores.

ㅡ Estou começando a achar que você está usando desculpas pra vir me ver. ㅡ Ele brinca assim que entro na sua sala.

ㅡ Quem dera fosse esse o motivo. ㅡ Suspiro cansado e exibo as veias para que ele saiba do que se trata.

ㅡ Tira a camisa e senta na maca.

ㅡ Tão carinhoso... ㅡ ironizo, obedecendo-o, ao pegar na barra da camisa para retirá-la do corpo. ㅡ É por isso que está solteiro.

ㅡ Você não faz ideia de quantas pessoas gostariam de estar recebendo ordens minhas.

Ele vem até mim, quando estou sentado na maca e analisa o meu torso com as orbes nevadas, em busca de outras veias de coloração acentuada, porém não encontra.

ㅡ O que mais você sentiu?

ㅡ As dores de cabeça aumentaram e hoje senti uma tontura moderada.

É atípico, ainda está no início do mês, nem faz uma semana que tive a sessão de terapia mensal. Geralmente quando tenho uma crise, onde começo a sentir alguns sintomas da Vicissitude 5, é somente na terceira ou quarta semana.

ㅡ Suas veias só escureceram assim uma vez, quando teve um alto nível de estresse por causa da preocupação com sua irmã. ㅡ Namjoon avalia minhas veias no antebraço com o cenho franzido. ㅡ É como se fosse uma reação do seu corpo, tentando combater uma descarga de adrenalina e outros hormônios.

ㅡ Eu não entendo...

ㅡ Você tem ficado agitado esses dias?

Ah, agora entendo.

ㅡ Meu lobo tem se agitado... ㅡ Começo mas ele não me deixa concluir.

ㅡ A doença não atinge o seu lobo, por mais que ele tenha interferência direta nos seus sentidos, não é o suficiente para alterar seus hormônios. A não ser que ele também esteja se infectando... Você teve contato com um ômega?

ㅡ Claro que não. ㅡ Disparo ultrajado. ㅡ Eu nem converso com ômegas.

A não ser por hoje na sala de música, mas aquilo nem pode ser considerado uma conversa. É também um contato insuficiente, eu precisaria ter algum envolvimento emocional.

ㅡ Vamos fazer um hemograma. ㅡ Ele se afasta de mim e pega o próprio celular, depois digita algo e o leva à orelha. ㅡ Vou chamar o Seokjin, ele vai coletar seu sangue.

Para total falta de surpresa de Namjoon, minha cara de desagrado não se faz porque vou ser furado mais uma vez, e sim porque será feito por um ômega.

ㅡ Ok... aguardo... ㅡ Assim que encerra a ligação, ele me olha. ㅡ Nem adianta fazer essa cara, você não está em condições de reclamar.

ㅡ Você pelo menos trancou a porta quando eu entrei? ㅡ questiono ciente de que ainda estou sem camisa.

ㅡ Relaxa, o enfermeiro não entraria sem bater...

ㅡ Good afternoon, guys ㅡ cumprimenta o enfermeiro-que-não-entraria-sem-bater, já entrando sem bater, com uma bandeja na mão, seringa, agulha e tubos de coleta. ㅡ Belas tatuagens, Jeon ㅡ diz observando os desenhos em tinta do meu braço esquerdo.

ㅡ Você deveria ter batido na porta, pelo menos... ㅡ resmungo mal humorado.

ㅡ Eu hein, look de hoje: Convencido. ㅡ O ômega de cabelo roxo e azul põe a bandeja na maca ao meu lado, e sem cerimônia comenta: ㅡ Calma honey, não tem como bater na porta com my hands ocupadas. E i'm acostumado a ver peitoral de alfa gostoso, o seu no is the first.

ㅡ Seokjin... ㅡ Namjoon chama paciente, antes que eu responda o ômega de inglês fajuto. ㅡ O resultado da coleta fica pronto ainda hoje?

Yes, que quer dizer sim.

ㅡ Antes das 17 horas?

No, que quer dizer não.

ㅡ Acho que só vou poder te dar o resultado de noite então, Jungkook. ㅡ Namjoon responde, indo se sentar em sua cadeira branca assim como o restante da sala, enquanto o enfermeiro punciona minha veia. Já estou tão acostumado que nem sinto a agulha calibrosa me furando.

ㅡ Não tem problema, Namjoon.

ㅡ Stop, então quer dizer que enquanto we estivermos no nosso encontro tonight, you vai ligar para ele? ㅡ O ômega olha com falso ressentimento para Namjoon.

ㅡ Que encontro, Kim? Quem disse que vamos sair?

ㅡ I'm estou dizendo, now. ㅡ Após encher alguns tubinhos com sangue, ele adere, com certa brutalidade, um adesivo em cima de onde realizou a punção. Eu faço uma careta para o enfermeiro, e ele responde com outra debochada.

ㅡ Não vou sair com você, Seokjin.

ㅡ Ok, então you no vai se importar se eu sair com o Harry, né? Pelo menos the name dele is international.

A expressão de Namjoon não vacila, afinal, ele é Kim Namjoon, o lobo branco de Daelim, mas um simples desviar de olhar para mexer nos prontuários sobre a mesa, dá-me algum indício sobre sua insatisfação.

ㅡ Kim, eu não quero saber da sua vida pessoal.

ㅡ I know. You quer estar in my life pessoal.

ㅡ Por favor, se já coletou pode ir. Pare de tentar me enlouquecer.

ㅡ Enlouquecer? "A" de adoro. Bye bye.

Seokjin movimenta o jaleco branco de detalhes vermelhos quando abre passadas até a porta. Instante no qual, propositalmente, aromatiza o ambiente com um refrescante e doce cheiro de lavanda em sua forma mais suave. Se eu pudesse visualizar esse aroma, ele estaria em forma de óleo essencial, delicado e calmo.

No entanto, não há nada de calma na forma como Namjoon, após acompanhar a saída do enfermeiro com sua face inexpressiva, fecha os olhos numa piscada demorada, e abaixa a cabeça até encostá-la nas mãos juntas sobre a mesa.

ㅡ Puta que pariu... ㅡ Ouço ele sussurrar. Eu me coço para repreendê-lo, mas algo me diz que esse não é o melhor momento, a menos que eu queira ficar sem a cabeça.

ㅡ É... tudo bem aí, Namjoon? ㅡ Desço da maca e volto a vestir minha camisa de mangas longas, passando meus braços por dentro do tecido.

O aroma de lavanda segue intenso e impregnado na sala.

ㅡ Você já pode ir, Jungkook, mais tarde eu ligo. ㅡ Sua voz soa abafada e arrastada.

ㅡ Está tudo bem mesmo? ㅡ insisto na dúvida que ele ignorou.

Sua cabeça se ergue, e seus olhos, agora com as pupilas dilatadas, transparecem a mais pura derrota. Esta que ele comprova com suas palavras seguintes.

ㅡ Não. Não está tudo bem, eu estou preso numa ereção muito inoportuna, e só quero um pouco de privacidade agora. ㅡ Suas narinas expandem quando ele inala com a força do ódio.

Ah.

ㅡ Tudo bem... força aí.

Dando a privacidade que ele precisa, eu saio do ambulatório e volto à minha sala, para a aula da tarde.

Quando finalmente vou para casa, abro a porta e fico surpreso com a cena que vejo. Minha irmã está sentada no sofá com sua amiga Jennie, uma beta policial assim como a Lisa. Elas não me percebem aqui na entrada, não costumo fazer barulho com a porta quando chego em casa.

ㅡ Foi ele? ㅡ Lisa pergunta com uma preocupação genuína despontada na face. Ela analisa uma mancha roxa, que parece ter sido causada por algum machucado, no braço da amiga.

Jennie nega de cabeça baixa, e puxa a manga da blusa de tecido crepe. Seus ombros pendem para frente, assim como a coluna curvada, o queixo treme e a voz oscila quando ela murmura um "não" fraco e inseguro.

Lisa afasta uma mecha do cabelo pintado de rosa dela, e a beija demoradamente na bochecha, momento no qual sinto seu cheiro de café torrado, semelhante ao meu, mas com o adicional de um aroma de canela, espalhando-se pelo ar. Ainda que Jennie possa sentir cheiros, eles não a afetam. Mesmo assim, minha irmã faz isso talvez, inconscientemente, tentando passar algum conforto a ela.

Sem pressa alguma nesse momento, Lalisa abraça a colega de trabalho. Também vejo sua mão deslizando pelo braço dela quando esta deita a cabeça em seu ombro. Ao fazer isso, Jennie tem a visão da entrada da porta, por isso me vê aqui. E a percepção de que são observadas faz a beta de cabelo rosa se desfazer do abraço.

Ela parece envergonhada quando se levanta do sofá e cobre melhor seu braço com a manga da roupa, sendo acompanhada por Lisa que se põe de pé ao seu lado. Nós nos conhecemos e, apesar de não sermos tão próximos, tenho o costume de vê-la quando passo no batalhão para ver minha irmã.

ㅡ Oi Jennie... ㅡ Penso em perguntar se está tudo bem, mas é óbvio que não está. Quero poupá-la de se forçar a dar uma resposta falsa.

ㅡ E aí, Jungkook...? ㅡ Ela olha para Lalisa após me cumprimentar de volta. ㅡ Eu já vou.

ㅡ Espera... ㅡ Minha irmã a chama, seguindo seus passos apressados até a porta.

Ambas passam por mim, mas eu continuo meu trajeto até a cozinha a fim de beber água e lhes dar alguma privacidade. Após alguns minutos depois de ouvir a porta sendo batida, quando Lisa acompanhou Jennie até o lado de fora da casa, ouço-a novamente sendo aberta, e alguns segundos depois minha irmã aparece na cozinha, em seu aspecto mais cansado.

ㅡ Posso saber o que aconteceu? ㅡ indago cauteloso apesar de não termos segredos, sentindo o frescor da água que bebo nesse instante.

ㅡ Eu suspeito que a Jennie está sendo agredida pelo marido. ㅡ Ela bufa frustrada, depois de esfregar as mãos no rosto maqueado. ㅡ O pior é que ela tem uma filha criancinha ainda, não vai deixar o marido tão fácil.

ㅡ Por que não? Ela tem uma profissão, independência financeira, sabe reconhecer violência doméstica, tem conhecimento disso, trabalha com isso. Por que ela não pode simplesmente deixar ele? ㅡ questiono ao depositar o copo na bancada.

Minha irmã que até então destinava sua atenção ao cômodo, pousa os olhos de águia em mim, como se eu tivesse dito a maior barbaridade do mundo.

ㅡ Dependência financeira, apesar de ser o motivo número um nos casos que vemos na delegacia, não é o único que deixa uma pessoa presa ao agressor. Antes de ser agredida fisicamente, a vítima já vem sendo violentada psicologicamente há tempo suficiente pra deixar o emocional fodido.

Antes que eu reclame do palavrão ela continua.

ㅡ É fácil eu te mandar se levantar de uma queda quando vejo apenas um arranhão na sua perna mas não enxergo seu osso quebrado. ㅡ E cruza os braços com um olhar inquisitivo. ㅡ Você vai se levantar só porque eu acho fácil?

ㅡ Não... ㅡ Entendo o que ela quer dizer, e concordo.

ㅡ Resposta certa.

Não vejo a dor de Jennie, não sei o que ela passa, logo não tenho o direito de dizer se é fácil ou não para ela deixar alguém, mesmo que essa pessoa a faça mal.

Enquanto ainda percebo o olhar da minha irmã com resquícios de chateação, não consigo evitar um pensamento que passa pela minha cabeça.

ㅡ Lisa... você gosta da Jennie?

Minha irmã é policial, tal profissão associada à sua personalidade dominante, torna-a mais durona que eu e o Namjoon juntos. O que não quer dizer que não seja carinhosa. Lisa é muito carinhosa, eu a tenho como exemplo de força. Por tudo isso, não me surpreende que sua expressão não entregue seus sentimentos.

ㅡ Jennie é uma amiga, eu me preocupo com ela. É só isso...

ㅡ Tudo bem. De qualquer forma, se você fosse ligada a alguém aqui seria difícil sair desse país quando eu precisar fazer minha pós-graduação na Eufloria. E trabalhar lá, é claro. ㅡ Dou a volta no balcão até estar de frente para ela.

ㅡ Lá vem você com essa conversa de novo...

Lalisa ainda é meio relutante em sair do país, mas eu não. Desde muito cedo somos apenas nós dois no mundo, um pelo outro, andando de lugar em lugar, sem criar raízes, seja em cidade ou bairro. Todavia, outro país parece demais para ela.

ㅡ Se eu for contratado pela Eufloria, você nem vai mais precisar trabalhar, Lisa. Vai deixar esse emprego que só te oferece perigoso e, consequentemente, deixar seu irmão mais tranquilo. ㅡ Busco suas mãos com as minhas e ela não nega o contato, mas não suaviza a expressão contrariada, que deixa suas íris azuis com um brilho desafiador.

ㅡ Você acha mesmo que eu vou largar o meu trabalho só porque você supostamente vai ganhar bem? Eu não estou na polícia porque ganho bem, é a minha carreira. Inclusive estou estudando pra passar na federal. ㅡ Ela solta minhas mãos e cruza os braços com um sorriso enviesado. ㅡ Não vou ser sustentada pelo meu irmãozinho caçula.

ㅡ Que caçula o quê... não inventa. ㅡ Fecho a cara, Lisa sabe que consegue me provocar me chamando de caçula. Prova disso é que ela gargalha com força. ㅡ Eu vou descansar um pouco antes de dar minha aula particular.

ㅡ Beleza. Nas próximas semanas vou estar lotada de serviço por causa desse toque de recolher... você vai ficar bem sozinho quando eu não puder voltar pra casa?

ㅡ Claro. ㅡ Levo minhas mãos aos bolsos. ㅡ Não é como se fosse a primeira vez que você faz isso.

ㅡ É mas... você sabe que não gosto de alarmar, só que dessa vez a coisa está um pouco mais perigosa. Tem gangues "protestando" ㅡ faz aspas com os dedos ㅡ, até aqui no Porto das Almas, em Vila Lobos onde você dá a sua aula também, o que não era comum antes.

ㅡ É, nossos bairros já foram seguros...

ㅡ Quando der o toque de recolher esteja em casa, não saia por nada, está perigoso de verdade, todo dia temos confronto agora e eu não quero você na rua num momento assim.

ㅡ Calma. ㅡ Beijo sua testa e aperto suas bochechas. ㅡ Vou sobreviver, então sobreviva também, cuidado.

ㅡ Pode deixar, maninho. ㅡ Ela devolve o beijo na minha testa, depois bagunça meu cabelo. Como eu odeio isso. ㅡ Vai lá descansar. ㅡ E ri diante da minha cara emburrada.

🍂🍁🍂

Meu descanso não rende muito, logo preciso dar a última e mais complicada aula do dia. Espero que o inibidor não me abandone como o calmante do Namjoon.

Eu sou um alfa lúpus, acha mesmo que consegue me barrar fácil?

Um alfa lúpus, não o Hulk.

Quando chego na casa do meu aluno, torço para não ver alguma cena indevida enquanto ando pelo espaço preenchido de paredes e móveis em tons pastel. Tudo na casa de Jimin é claro, ao contrário da minha.

A cena que vejo assim que subo as escadas e paro diante da porta de estudos aberta, é definitivamente muito melhor que a de ontem. Uma música do Robin Williams está tocando, enquanto Jimin bagunça a mesa larga de estudos, de costas para mim. Ele parece distraído cantando a letra da canção selecionada no celular.

"Eu amo minha vida. Eu sou poderoso, eu sou bonito, estou livre. Eu amo minha vida. Eu sou maravilhoso, eu sou mágico, eu sou eu. Eu amo minha vida..."

Ele dança, movendo a cabeça, o pescoço, quadris, pés, enquanto se vira gradualmente ao ritmo da música, em minha direção, revelando uma régua que representa o seu microfone imaginário. E eu que permaneço olhando a perfeita combinação da sua voz com os movimentos sincronizados do seu corpo, noto o quanto estou preso à sua imagem quando ele me nota e eu ao menos mexo meus pés para sair da entrada da sala.

O corpo estreito dele é perfeitamente proporcional ao seu.

ㅡ Cala a boca, caralho ㅡ sussurro, mas percebo que Jimin ouviu, porque sua expressão de surpresa vai à divertida.

ㅡ Sabia que xingamentos são indícios de descontrole e mente fraca? ㅡ Ele usa as minhas palavras. ㅡ Deixa eu adivinhar, estava falando com o seu lobo?

ㅡ É, mas não costumo falar assim com ele. ㅡ Jimin gesticula para que eu entre na sala, pausando a faixa que toca em seu celular. ㅡ Com licença.

ㅡ Você é tão educadinho, nem dá pra acreditar que também fala palavrão. ㅡ Seu sorriso travesso é acompanhado do gesto de suas mãos quando puxam as mangas da blusa jeans desbotada e larga demais.

ㅡ Não falo palavrões, foi só um momento. ㅡ Suspiro chateado comigo mesmo pelo descontrole, e me sento no banco atrás do teclado que deixei aqui no dia anterior.

ㅡ Jungkook... ㅡ Ouço o chamado receoso no momento em que estou ajustando o teclado no suporte, por isso volto a olhar para Jimin. ㅡ Sobre o que aconteceu ontem, eu... de verdade, não sei o que me deu na cabeça pra te falar aquelas coisas.

Ele parece envergonhado. Jimin parece mesmo envergonhado. Suas mãos se cruzam sobre o colo, ao tempo em que o olhar acuado foge do meu.

ㅡ Eu não costumo fazer isso. E não quero que pareça uma desculpa pra justificar meu comportamento impulsivo, mas é a única forma que eu encontrei de explicar.

Penso em lhe dizer que talvez seja culpa do seu lobo, até porque eu mesmo também agi de forma estranha e acabei não me justificando. Contudo, acho melhor não falar que nossos comportamentos impulsivos um com o outro são obras dos nossos lobos, e fazer parecer que temos algum tipo de ligação.

ㅡ Eu sei que você trata todos os seus alunos de forma igual. ㅡ Pela minha falta de resposta, ele continua tentando se explicar. ㅡ Não quis insinuar que eu tenho um tratamento diferente nem nada do tipo, e também...

ㅡ Está tudo bem. Eu também agi de forma estranha ontem, então... ㅡ Levo minhas mãos ao cabelo, apenas para prendê-lo num rabo de cavalo, enquanto tento lidar com o constrangimento dessa conversa. ㅡ Vamos esquecer as coisas que não deveriam ter acontecido ontem.

ㅡ Jungkook, foi o seu lobo que falou comigo ontem? Ou foi você com sua voz de alfa? Ou é a mesma coisa? Eu não entendo.

Ele está confuso, é claro que estaria cheio de dúvidas depois de começar a tentar entender os lobos, eu deveria ter previsto. E agora me pergunto se não foi precipitado ter me comprometido a ensiná-lo a se conectar com sua alma lupina. Se nossos lobos estiverem buscando algum tipo de conexão, Jimin vai querer explicações, e não sei se vou querer entender também.

Viu? Ele me reconhece.

ㅡ Mais ou menos... ㅡ Jimin franze o cenho em estranhamento à minha resposta. ㅡ Tem coisas que nem eu entendo, ok? Estou sendo sincero, não sei porque o Ankor falou com você daquele jeito, mas não vai se repetir, não se preocupe.

Ankor?

Um calafrio imediato percorre a minha coluna, quando ouço o nome do meu lobo sendo proferido por seus lábios.

ㅡ É o nome do seu lobo?

Eu mesmo, o alfa lúpus, insuperável, o mais temido nos quatro cantos da terra, aquele que vai abalar o seu coração.

Emocionado.

Sinto como se eu tivesse um cão de guarda que não põe medo em ninguém.

ㅡ É sim, o nome dele.

ㅡ É um nome muito bonito.

Park Jimin é melhor parar ou o Ankor vai se empolgar mais ainda.

ㅡ Vamos começar a aula? Hoje você ficou de cantar uma música aplicando as técnicas que aprendeu até agora. Qual você escolheu? ㅡ Volto a me sentar no banco, de frente para o teclado, apenas para observá-lo cantar à capela para que eu observe bem sua voz.

ㅡ Se chama BDI, de uma banda chamada Stalgia.

ㅡ Ok, quando se sentir pronto.

Ele se levanta da cadeira ergonômica e fica perto da grande mesa, que está sempre bagunçada. Sinto uma vontade quase incontrolável de arrumá-la, preciso desviar a atenção dela para não fazer isso.

E Jimin começa a cantar. Como professor, não é difícil perceber que Jimin escolheu uma música confortável para a sua voz. Sei que sua extensão vocal abrange muito mais notas do que se propôs a fazer agora. No entanto, dou-lhe liberdade para me mostrar o que aprendeu da forma que preferir.

E, mais do que as técnicas que ele aplica na voz, outra coisa me chama atenção, alguns trechos da música.

"Às vezes eu sonho com coisas que não devia. Foram proibidas e escondidas dentro de mim. Eu os empurro de volta enquanto me arranham."
"Os ritmos do meu corpo se alimentam do seu. Com cada olhar que você me dá minha chuva continua caindo."

E tem mais, à medida que ele canta, sinto-me inquieto porque Jimin canta olhando para mim. É claro que quer saber se está indo bem de acordo com as minhas expressões, mas não entrego nada do que estou pensando com elas.

Não deixo que ele termine a música inteira, apesar de não ter cantado tão descontraído como quando o vi cantarolando assim que cheguei, é notável como Jimin se empenhou em usar as técnicas que aprendeu e trabalhou bem o ar em seus pulmões.

ㅡ Estou orgulhoso ㅡ digo e acho meio covarde o sorriso bonito que ele exibe ao ouvir o elogio.

ㅡ Obrigado.

No restante da aula fazemos exercícios, onde corrijo suas pequenas falhas e proponho trabalharmos numa nova música, para que ele pegue o hábito de sempre estudar as músicas que quiser cantar.

Quando mais de uma hora se passa, encerramos as atividades de hoje.

ㅡ Jungkook... deve ser algo natural na sua sala de aula, mas eu nunca te ouvi cantar uma música, só ouço sua voz nos exercícios que fazemos.

ㅡ Quer me ouvir cantar? ㅡ Dedilho no teclado ao tempo em que ele assente. ㅡ Tudo bem...

Começo a cantar Beautiful Moment, uma música de um dorama que eu gosto muito. Do início ao fim canto de olhos fechados, a canção já é romântica demais para que eu olhe para meu aluno. Ao fim, quando volto a encará-lo, Jimin parece maravilhado, mas também atordoado. E é ao seu desconforto que dou atenção.

ㅡ Você está bem? ㅡ Levanto-me, vou até ele, evitando tocá-lo. ㅡ O que aconteceu?

Jimin se senta na cadeira, e leva uma mão à testa enquanto me encara como se a resposta estivesse em meu rosto.

ㅡ Eu não sei. É uma tontura... ㅡ pondera, em seguida se corrige. ㅡ Não. É mais como se eu estivesse sendo sacudido.

Conheço bem essa sensação. O lobo dele está agitado.

Deixe que o nosso cheiro acalme ele...

Não, Ankor.

ㅡ Quer que eu pegue água?

ㅡ Não precisa, deve ter sido uma queda de pressão. ㅡ Ele passa as mãos pelo rosto sempre tão corado, mas que agora ganharam um tom empalidecido. ㅡ Você pode abrir a janela?

ㅡ Claro.

Enquanto abro passadas até a janela, paro para pensar na situação. Jimin está começando a sentir os efeitos da conexão com o seu lobo e pode ficar cada vez mais confuso sem uma orientação. Em contraposição, essas descobertas também têm relação com como seu lobo percebe o meu. Ao deixar Jimin descobrir isso, também estarei abrindo uma porta para que ele se aproxime mais. Se está querendo entender a sua alma lupina, logo vai querer saber que tipo de relação ou ligação ela tem com a minha.

Acontece que nem eu mesmo sei, e não quero saber. Isso me assusta.

De igual forma, não me passa despercebido o fato de que Jimin progride nas aulas de forma impressionante, e se continuar assim, tem grandes chances de participar do grupo que vai competir nas Regionais, caso ele queira. E tê-lo mais perto ainda do que apenas nas nossas aulas particulares pode ser terrivelmente perigoso.

Mas se eu não impedi um ômega de entrar no grupo, por que eu impediria um aluno inofensivo?

Aqui, na janela que dá vista para a rua, vejo seus pais caminhando no pequeno gramado da entrada da casa, e volto para ver como Jimin está.

ㅡ Seus pais chegaram mais cedo hoje. Acabei de ver eles. ㅡ Observo-o com atenção, notando seu esforço para se levantar novamente.

ㅡ Que coisa boa, quer descer comigo e receber eles? Minha mãe quer muito te conhecer.

ㅡ Claro, vai ser um prazer. ㅡ Saímos da sala e, quando chegamos na parte das escadas, pergunto: ㅡ Precisa de ajuda para descer?

Jimin olha para as minhas mãos, parece ponderar algo, por fim, decide:

ㅡ Não, obrigado.

Descemos num silêncio terrivelmente desconfortável e tenso. Quando chegamos na sala de estar, também é o momento em que seus pais estão entrando.

ㅡ Professor, que bom vê-lo aqui ainda. ㅡ Park Seungwoo me cumprimenta com um aperto de mão, enquanto sua esposa abraça o filho.

ㅡ Rainha, esse aqui é o professor Jungkook. ㅡ Jimin me apresenta à mãe. ㅡ Jungkook, essa é Park Youngae.

ㅡ É um prazer finalmente conhecê-la, senhora. ㅡ Curvo-me em cumprimento, mas ela sorri e inesperadamente me abraça.

ㅡ O prazer é meu, querido. Por que não fica para jantar conosco? Meu príncipe já te convidou? Eu pedi que ele convidasse qualquer dia desses.

Olho para Jimin, e para o sorriso culpado que ele me oferece.

ㅡ Esqueci, rainha, mas o convite está feito agora. Você pode ficar, Jungkook? ㅡ E me pergunta com expectativa demonstrada nos lábios que se pressionam, e nas mãos que se apertam uma na outra.

Provavelmente, aceitar jantar com essa família é uma ótima péssima ideia.

ㅡ Eu fico. ㅡ Conquanto, acabo aceitando.

Conversar com os pais de Jimin é agradável e leve assim como conversar com ele, fazemos isso por mais de 1 hora até que o jantar fique pronto. E tal afirmação se prova ser mais verídica ainda quando eles me inserem nas suas conversas cotidianas e perguntam sobre assuntos do meu interesse, no momento em que estamos jantando.

ㅡ Eu não como carne vermelha, obrigado. ㅡ Recuso a travessa com os filés que a senhora Park me oferece. Ela está ao lado do filho, e ambos de frente para Seungwoo e eu.

ㅡ Achei que alfas harmônicos não se importassem com essas lendas antigas que falam que carne atiça os lobos, já que vocês são melhores amigos. ㅡ Seungwoo comenta em tom brincalhão.

ㅡ Não é por esse motivo, eu amo carne inclusive. É por recomendação médica ㅡ explico, e vejo o cenho franzido deles. Sem abertura o suficiente para perguntarem o motivo, ficam calados.

Não gosto de falar da Vicissitude. Todos sabem que não é transmissível, mas geralmente quando descobrem que eu tenho, sou alvo de perguntas desgastantes. Prefiro me poupar.

ㅡ Vou pedir à Rosé que prepare outra coisa para você. ㅡ Youngae oferece; eu nego.

ㅡ Estou bem com o omelete de legumes e a salada de verduras, senhora Park, obrigado.

ㅡ Você assistiu o programa Arte Alfa hoje, filho? ㅡ Seungwoo indaga animado, penso que ele está falando com Jimin, porém seu olhar se dirige a mim, assim como o chamamento carinhoso. ㅡ Nós estávamos lá falando da nova linha da Império Divino.

ㅡ Deixa de ser exibido, pai. ㅡ Jimin, que até então comia em silêncio, brinca com o pai, fazendo-o rir.

Não entendo porque Jimin acha que precisa cursar numa área que não gosta, quando sua relação com os pais parece ser tão leve. Não que eu esteja me preocupando com a vida pessoal de um aluno, é só uma observação.

ㅡ Sinto ter que dizer que não vi. Na televisão lá de casa só passa programa policial, mas ouvi falar de um colega que a sua entrevista foi muito interessante, e o seu perfume ajuda na autoconfiança de muitos alfas.

ㅡ Sim, a linha foi muito bem aceita, até o nosso filho gosta de usar o extrato de Essência de Alfa. ㅡ Ele se gaba, sorrindo novamente para Jimin. ㅡ Nossa vizinha é também a nossa perfumista, e fez a fragrância conforme pedimos.

ㅡ Jimin usa o extrato? ㅡ questiono em confusão.

ㅡ Sim. ㅡ É a senhora Park quem confirma. ㅡ Eau de Parfum é a versão mais diluída, o perfume é um pouco mais forte, e o extrato é a versão mais concentrada da essência.

Quero perguntar porque Jimin usa uma fragrância tão forte, mas acho que seria muito invasivo da minha parte. Se o seu cheiro já é gostoso de sentir sob essa camada de perfume agressivo e artificial, não consigo imaginar como seria se não usasse. E acho que nem devo.

Conversamos sobre como alguns bairros de Daelim estão cada vez mais perigosos, depois Jimin fala de sua amizade antiga com seus vizinhos e seus pais contam como cada um deles também se insere na empresa da família: Kim Taehyung, o qual eu ainda não vi, como garoto propaganda da marca, e Min Yoongi, que tive o desprazer de ver com Jimin, como perfumista estagiário da própria mãe.

Quando o jantar acaba e a sobremesa é servida, já estou tão imerso nos assuntos da família, que não percebo que já passou ㅡ e muito ㅡ das 20 horas.

ㅡ O toque de recolher... ㅡ murmuro desacreditando no quanto fui descuidado em não me atentar ao horário de ir para casa.

ㅡ Você pode dormir aqui, filho, está perigoso para voltar a essa hora. ㅡ Seungwoo me convida. ㅡ O quarto de hóspedes está ocupado com a Rosé, durante a medida ela tem dormido aqui, mas você pode colocar um colchão no quarto do Jimin, ou dormir no sofá da sala. É muito confortável, eu juro.

Deixo escapar uma risada sem graça que denuncia como estou desconfortável com a situação. Jimin também parece tenso com a ideia, não quero deixá-lo incomodado com a minha presença.

ㅡ Não quero dar esse trabalho a vocês.

ㅡ E você vai sair e correr o risco de se machucar num confronto entre a polícia e ômegas arruaceiros? ㅡ Ele continua, e noto que a mãe de Jimin parece um pouco tensa ao lado do marido.

ㅡ Ontem, lá perto da nossa loja, uma mulher tomou um tiro de bala perdida porque estava voltando para casa tarde da noite. ㅡ Youngae comenta uma informação que eu não queria receber agora.

ㅡ Minha irmã é da polícia, conheço vários colegas de trabalho dela, eles não me deixariam no meio de uma confusão assim.

ㅡ Pior ainda, surgiu um grupo de vândalos que tem a ficha da polícia e parentes, se sabem que você é uma dessas pessoas, fazem picadinho de você. ㅡ Acho que Seungwoo está tentando me fazer aceitar seu convite à base do medo.

ㅡ Eu já tomei ciência desse grupo também. Eles se intitulam como Os Renegados, minha irmã disse que todos os membros do grupo têm o cabelo descolorido, é como se fosse uma marca deles.

ㅡ Ou uma seita, vai saber. Mas então, não nos importamos que você passe uma noite aqui, somos todos alfas afinal. ㅡ Seungwoo insiste no assunto, enquanto sua esposa pressiona os lábios e batuca com o dedo indicador na mesa de forma frenética.

ㅡ Tudo bem por você, Jimin? ㅡ pergunto, afinal ele é o meu aluno, sua opinião é importante. Se achar que eu dormir em sua casa por uma noite é ultrapassar os limites, não vou aceitar.

ㅡ Sim. Meus amigos dormem aqui algumas vezes, principalmente o Gui, já tem até um colchão lá no meu quarto, roupas extras e produtos de higiene.

É totalmente desnecessária a informação de que aquele Gui dorme em seu quarto. Pelo menos dorme em um colchão separado.

ㅡ Na verdade, o Yoongi nem usa o colchão, né príncipe, ele dorme na sua cama com você quando vem aqui. ㅡ A mãe ri da lembrança. ㅡ Desde crianças fazem isso.

Ótimo, muito bom mesmo, perfeito, terrivelmente magnífico.

Agora estou com vontade de ir para a rua e correr o risco de ser pego por um dos Renegados, para não ter que ficar aqui e lidar com essa sensação embolada que surge na boca do meu estômago.

Tudo culpa do Ankor.

ㅡ Fica, Jungkook... ㅡ Mas então Jimin pede com alguma súplica contida no fundo da sua voz, o que me faz questionar se isso é influência do seu lobo. E é o bastante para que a minha respiração desarranje e meus pensamentos se tornem fumaça.

Porque, de repente, se ele pede assim eu quero atender.

ㅡ Fico.

🍂🍁🍂


Saio do banheiro do quarto de Jimin, após um banho, vestido com um pijama que ele me emprestou, e encontro-o, também de pijama, amarelo, arrumando uma coberta e alguns travesseiros sobre a cama bagunçada assim como o resto do quarto e, talvez, tudo o que seja dele. Como alguém consegue ser tão desorganizado assim?

Assim que me olha ele esboça uma expressão surpresa com as sobrancelhas levemente arqueadas.

ㅡ Minhas roupas são tão frouxas, não imaginei que ficariam tão justas em você. ㅡ Observa o conjunto cor de canela, com mangas e pernas longas, que visto. ㅡ Você é muito grande.

ㅡ Somos quase da mesma altura.

ㅡ É, mas você é todo fortão e tudo mais... ㅡ Ele desvia o olhar e se atrapalha ao tentar dobrar a coberta que tem em mãos.

Ele gosta do nosso porte, Jungkook...

ㅡ Por que você usa roupas tão frouxas? ㅡ Aproveito minha dúvida para evitar me embaraçar com os comentários fora de hora do Ankor.

ㅡ Acho que é pra tentar disfarçar um pouco a falta dos músculos. ㅡ Jimin ri, enquanto afofa dois travesseiros. Parece tentar fazer da confissão sincera algo engraçado, quando talvez para ele não seja um motivo para risadas.

ㅡ Não vejo problema algum em não ser musculoso. ㅡ Dou de ombros para o meu próprio comentário sincero.

》You Are The Reason - Calum Scott ft Leona Lewis《

Jimin me encara com atenção, seus olhos percorrem o meu corpo, até voltarem aos meus. Ele parece ponderar algo quando leva o indicador e o polegar ao queixo, enquanto seu cotovelo esquerdo se apoia no antebraço direito dobrado.

ㅡ Você não parece um professor agora.

ㅡ Mas é claro que não, eu estou vestindo a sua roupa. ㅡ Tento conter o riso, mas falho, então apenas escondo algumas mechas detrás das orelhas, para disfarçar a risada incontida.

ㅡ Não tem a ver com a roupa, é porque agora você parece bem mais despreocupado e... comum.

E no restante do tempo, como eu me pareço para ele?

ㅡ Eu sou comum, Jimin. ㅡ Abro minimamente os braços, como se o gesto pudesse me revelar a ele. ㅡ Sou só um professor recém-formado que quer ser reconhecido pelo que faz e que ama música.

ㅡ Você poderia viver da música como cantor também. ㅡ Seus olhos carregam um brilho intenso, quando ele completa sua fala, suas mãos param de afofar os travesseiros. ㅡ Sua voz é linda.

Eu definitivamente não sei o que acontece quando meu olhar se prolonga no seu. Parece que essa atmosfera que nos cerca ganha forma, e me impele a ficar exatamente assim, estático, sem força alguma para sair de perto. Nem mesmo consigo esconder o quão afetado fico ao encarar essas orbes que parecem carregar o calor do fogo.

Sei que é o Ankor fazendo eu me sentir assim, tem que ser ele. O efeito do inibidor deve ter acabado, é isso. Não estou pronto para admitir que tenho culpa também dessa vulnerabilidade que sinto à beleza de Park Jimin, a ponto de parecer um garotinho impressionado. Eu não sou assim.

Estou sendo terrivelmente influenciado pelo meu lobo. Ponto.

ㅡ Eu vou dormir no sofá da sala. ㅡ Decido o que acho melhor agora.

ㅡ O colchão está logo atrás de você, tem certeza que não quer dormir aqui?

ㅡ Lá embaixo é mais ventilado. ㅡ Cruzo as mãos atrás do corpo, olhando para o ar condicionado, e endireito minha postura enquanto Jimin devolve os travesseiros à cama. ㅡ Não gosto muito de ar condicionado.

ㅡ Posso desligar. ㅡ Sugere tentando simplificar o que eu estou fazendo questão de complicar.

ㅡ Não precisa. ㅡ Sou rápido ao responder, já inclinando-me para pegar a coberta que ele separou. Em seguida, também recebo os travesseiros que ele me entrega.

ㅡ Você costuma dormir com um travesseiro entre as pernas? ㅡ indago porque ele me deu dois travesseiros de forma tão natural, como se fosse óbvio dormir assim.

ㅡ Sim... Como você adivinhou? ㅡ Jimin arregala os olhos, impressionado como uma criança que vê um truque de mágica.

ㅡ Eu também faço isso ㅡ respondo com uma risada que engatilha a sua.

Ótimo, já estou rindo com meu aluno de novo.

ㅡ Então eu já vou... ㅡ Com um pigarro e um movimento desajeitado eu me viro e caminho até a porta, mas não saio antes de dizer: ㅡ Obrigado, Jimin. Boa noite.

O sofá da família Park é retrátil e tem um conforto inegável, portanto ele não é responsável pela minha súbita insônia quando já são 2 horas da madrugada. Nem eu sei dizer, apenas me sinto agitado demais para dormir.

Mentira, eu sei bem a causa da minha insônia. É difícil pegar no sono quando imagens do Jimin cantando tão despreocupado invadem minha mente sem permissão.

E eu odeio como todos os nossos encontros parecem carregar uma tensão que foge à compreensão do que é considerado normal.

》Dirty Mind - Boy Epic《

Meus pensamentos evaporam quando ouço passos na escada. Meu olfato não se engana, sei que é Jimin, apesar de o perfume artificial ainda estar tão impregnado em sua pele.

E estou certo. Ele caminha lentamente até parar no último degrau que se finda onde começa a sala de jantar, senta e me encara por longos segundos. A sala de estar, onde estou, conecta-se à sala de jantar, permitindo que eu o veja.

Quando percebe que eu o notei, Jimin se levanta e caminha descalço em minha direção. Engulo saliva com dificuldade, percebendo-o cada vez mais perto. Até que, quando chega onde estou, sento-me no sofá, jogando meus cabelos para trás enquanto o encaro sob a iluminação fraca da luminária de chão próxima do sofá largo.

ㅡ Está sem sono? ㅡ pergunto. Jimin leva as mãos ao quadril estreito antes de responder.

ㅡ Eu só desci pra beber água.

ㅡ Tem uma jarra de água no seu quarto. Eu vi quando fui me trocar. ㅡ Lembro o que ele parece ter esquecido ao dar sua desculpa.

ㅡ Ok, você me pegou... Eu não vim beber água.

ㅡ Então por que você desceu?

Jimin sabe que não precisa responder, a casa é sua, afinal. Em contrapartida, ele se senta em pose de índio sobre o tapete do chão da sala, próximo da mesinha de centro, ficando dessa forma de frente para mim. Antes de responder qualquer coisa, ele brinca com a barra da calça do pijama amarelo e respira fundo sem me olhar.

ㅡ Eu tive um pesadelo... ㅡ Uma linha aparece entre suas sobrancelhas quando ele hesita antes de continuar. ㅡ Pra ser mais preciso, essa é a terceira noite seguida que eu tenho o mesmo pesadelo.

ㅡ Você teve mais um desse pesadelo agora, antes de descer? ㅡ Meus olhos disparam em surpresa, afasto a coberta que recobre minhas pernas e puxo minhas pernas, ficando também em pose de índio.

ㅡ Sim...

ㅡ E você quer me contar? ㅡ indago o que parece ser a opção mais válida, já que ele veio até mim.

ㅡ É sempre de noite e eu estou correndo pelas ruas de uma lugar iluminado por uns postes... e um lobo me ataca... Ele parece bravo.

ㅡ Como assim ele te ataca?

ㅡ Ele me derruba e me arranha no peito, então eu acordo. ㅡ Jimin leva uma mão ao peito, seus dedos amassam o tecido do pijama. ㅡ Acontece sempre do mesmo jeito, mas no primeiro sonho, eu estava arranhado de verdade quando acordei...

Meus olhos disparam com horror, logo sendo levados à região coberta do seu peito, como se eu pudesse constatar algo. Não sei se minha confusão é evidente demais, mas Jimin continua explicando.

ㅡ Não sangrou mas ainda está aqui, a marca de três garras. ㅡ Suas pálpebras tremem sob os cílios, ele parece querer afastar a lembrança assustadora. ㅡ Será que era o meu lobo? Será que ele está com raiva de mim? Eu não sei o que pensar, Jungkook, não sei porque isso está acontecendo.

》Love In The Dark - Adele《

Impelido pelo seu semblante angustiado, desço do sofá e me sento na sua frente, controlando a vontade que sinto de pegar suas mãos. Em vez disso, repouso as minhas sobre minhas coxas. De alguma forma, vê-lo abalado me deixa aturdido.

ㅡ Calma, tá? Parece estranho mesmo, e eu entendo a sua preocupação, mas seu lobo se trata da sua alma, Jimin, se fosse ele nesse pesadelo você não teria dúvida, saberia que é ele.

ㅡ Mas e se eu não for bom nisso? Sei lá, não sou bom em muita coisa, pode ser que nem o meu lobo eu reconheça. ㅡ Mesmo aqui na sua frente, ele evita me olhar. Penteio o cabelo para trás com os dedos de uma mão, e respiro fundo, procurando a melhor forma de explicá-lo algumas coisas.

ㅡ Foi o ser humano quem afastou os lobos, não o contrário. Assim como você quer conhecer seu lobo, ele também quer te conhecer, Jimin, só estava esperando sua abertura para que ele se mostrasse a você, e está fazendo isso agora.

Ergo minha mão até que ela paire rente à sua face, sem tocá-la. Como se fosse guiado por meu gesto, seu rosto se ergue, o castanho das suas orbes encontra o azul das minhas e seus cílios batem lentamente.

Jimin percorre meu rosto com atenção, parecendo analisar cada traço meu, enquanto espero pacientemente que seu olhar venha ao meu novamente. Quando o faz, preciso pôr mais força em meus pulmões, sustentando o peito que sobe e desce devagar e o coração que começa a martelar em batidas frenéticas dentro de mim.

Jimin parece compartilhar das mesmas sensações que eu. Suas narinas se expandem em busca de ar, a mão que aperta o pijama se abre e enfraquece até repousar em seu colo.

Quando ele olha para a minha palma perto da sua face, sinto o peso do meu gesto. Não consigo acreditar no quanto essa terrível mão quer tocá-lo, é quase como se ela tivesse vontade própria. Fecho os olhos por instantes nos quais eu busco toda a minha racionalidade para me recompor e recolher minha mão.

ㅡ Obrigado, Jungkook, mas... se não foi meu lobo, que lobo era aquele? Se é que ele representa alguma coisa mesmo.

ㅡ Isso eu não sei, mas nós vamos descobrir.

ㅡ Vamos? ㅡ Sua testa se franze quando ele indaga.

ㅡ Sim, eu te meti nessa, não foi? Então vou te ajudar a resolver.

Ele ri fraquinho e sua cabeça tomba para frente, fazendo seu cabelo ondulado escorregar por sua testa e seu cheiro natural se mesclar ao aroma artificial amadeirado do extrato de Essência de Alfa.

ㅡ Jimin. Você passa perfume até na hora de dormir? ㅡ questiono mais como uma constatação divertida, porque é um fato engraçado uma pessoa se perfumar para dormir. Sua risada acompanha a minha.

ㅡ Minha mãe pede tanto pra eu usar que é mais difícil eu lembrar de não passar o perfume.

ㅡ Seus amigos sentem seu cheiro além do perfume?

ㅡ Bem, nós somos amigos desde sempre então eles conhecem o meu cheiro ㅡ responde simplista sem parecer se incomodar com a minha curiosidade. ㅡ Mas desde a puberdade, com o uso dos supressores que inibem o cio e o uso do perfume, eles não sentem mais, só lembram como é. Poucas pessoas conseguem sentir hoje em dia.

ㅡ Entendo...

Eu quero sentir o cheiro dele sem essa água fedorenta que ele passa no corpo.

Ankor, deixe de ser ridículo.

ㅡ Acho melhor dormirmos agora ㅡ sugiro antes que meu lobo se meta mais no assunto. ㅡ Você está melhor?

ㅡ Estou. ㅡ Com um sorriso ele assegura, em seguida se levanta e acena com um gesto desajeitado quando também me ergo do chão. ㅡ Obrigado pela conversa...

ㅡ Durma bem, Jimin. ㅡ Cruzo as mãos atrás do corpo e aceno com a cabeça, ignorando minha respiração dificultosa pela sua proximidade e a vontade que sinto agora de me despedir com um abraço.

ㅡ Durma bem também, Jungkook.

Meu corpo é impelido a ficar perto do seu, por essa razão, quando Jimin se afasta e começa a subir nos degraus, uma sensação esmagadora aperta meu peito de forma quase instantânea.

ㅡ Ankor... ㅡ sussurro com a voz fragilizada. ㅡ Por favor, não faça eu me sentir assim.

Dessa vez eu não fiz nada, Jungkook.

É melhor eu dormir para não pensar no que isso significa.

Quando me deito, gasto um tempo terrivelmente longo até conseguir dormir, e acordo pela manhã sendo chamado pelo senhor Park Seungwoo, enquanto ele cutuca meu ombro.

ㅡ Acorde filho, acorde. Eu deixei tudo o que você pode precisar para tomar um banho e se trocar no banheiro de baixo. Às 8 horas meu filho vai para a faculdade então o banheiro dele vai estar ocupado. ㅡ Pisco os olhos com dificuldade devido a claridade e assinto enquanto pego o meu celular na mesinha lateral ao sofá. Vejo então que são 7 horas.

ㅡ Eu já estou indo para casa, senhor Park ㅡ respondo com a voz rouca pelo desuso, sentindo uma pontada em minha cabeça como venho sentindo há uns dias.

ㅡ Pode me chamar de Seungwoo, e não precisa ter pressa, filho, a Rosé faz um café para você.

Penso em dizer que não tomo café, mas sua esposa lhe apressa para saírem de casa logo. Ela acena para mim, junto de um sorriso bonito e os dois saem do meu campo de visão. Ao escutar o barulho da porta da entrada, depois, o do carro dando partida, percebo que estou somente com Jimin e a empregada na casa.

O incômodo discreto que sinto na cabeça aumenta quando me levanto e sigo até o banheiro do andar de baixo da casa. Tomo um banho rápido, assim que entro, mas quando saio do box para escovar os dentes e observo meu corpo, tenho uma surpresa.

Ontem apenas as veias mais calibrosas dos meus braços estavam levemente arroxeadas, agora as do abdômen também estão. Mesmo confuso, prefiro analisar isso melhor quando eu estiver na minha casa, assim sendo, escovo os dentes, visto minha roupa e volto à sala.

Vejo Jimin arrumado com uma calça e blusa cinzas, como sempre largas demais, e um casaco rosa seco. Sua mão vai ao cabelo molhado pelo banho recente ao tempo em que sua boca se curva num sorriso miúdo quando ele me vê indo em direção à sala de jantar onde está.

ㅡ Bom dia... ㅡ E me cumprimenta, parecendo sem jeito.

ㅡ Bom dia, Jimin. ㅡ Escondo uma mecha de cabelo solta do rabo de cavalo que fiz, atrás da orelha.

ㅡ Rosé teve que sair mais cedo hoje, acordou atrasada pra uma prova de vestibular e não fez o café. A comida que eu faço é meio bosta mas posso tentar preparar algo que não precise ir ao fogo.

Como ele consegue usar as palavras "comida" e "bosta" na mesma frase?

ㅡ Não precisa, eu como em casa.

ㅡ Ah não, né? Já está aqui, vai ser rapidinho. Nem é bom sair sem comer assim, você até está um pouco pálido. ㅡ Jimin aponta para o próprio rosto, fazendo movimentos circulares com o indicador.

ㅡ O quê? ㅡ pergunto diante da sua audácia.

ㅡ Também vou comer antes de ir pra aula, você pode me fazer companhia. Senta aí, não demoro. ㅡ Ele aponta agora desleixadamente para uma das cadeiras e some da minha frente, dirigindo-se à cozinha, e me deixando de boca aberta.

Agora consigo perceber algumas nuances da personalidade de Jimin. Ele é um pouco orgulhoso, tímido quando se trata de suas inseguranças e ousado quando faz algo que se sente confortável ou está num território favorável a ele. Jimin é terrivelmente imprevisível quando se trata de suas nuances.

Quando alguns minutos se passam, ele volta com dois pratos, empurra um deles para mim, contendo dois sanduíches de presunto, queijo e tomate. Não costumo comer presunto e queijo, são gordurosos, então procuro a melhor forma de dizer isso a ele.

ㅡ Será que você não tem uma salada?

Quando já se preparava para dar a primeira mordida em seu sanduíche, ele para o movimento das mãos no meio do trajeto e arqueia as sobrancelhas, como se eu estivesse lhe pedindo uma refeição cinco estrelas.

ㅡ Sim, professor, tem salada de tomate, ela está aí entre o queijo, o presunto e duas fatias de pão. ㅡ Sorri de uma forma ameaçadoramente amigável, e começa a comer.

ㅡ Obrigado. ㅡ Suspiro vencido.

Já que estou aqui, o que me resta é comer.

ㅡ Você não toma café, né, quer suco?

Ele lembra que você não toma café.

ㅡ Não, obrigado. Não é legal beber durante a refeição.

ㅡ Você é todo certinho até com comida.

Durante a refeição trocamos alguns olhares acidentais que não se prolongam, mas o silêncio não é desconfortável. Assim que terminamos, levanto-me da cadeira me sentindo um pouco enjoado, mas sem entender o motivo.

ㅡ Eu vou ao banheiro, com licença. ㅡ Aviso, mesmo que ele esteja a caminho da cozinha novamente, e talvez nem me ouça.

Quando abro a porta do banheiro, apresso-me até a pia onde apoio minhas palmas e sinto meu peito se agitar. Sem controle algum, acabo vomitando tudo o que comi no café da manhã. Ergo os olhos até o meu reflexo no espelho e vejo que, como Jimin disse, estou pálido.

Eu só preciso ir para casa descansar.

Enquanto escovo os dentes novamente, ouço batidas na porta, e Jimin falando comigo posteriormente.

ㅡ Jungkook, você está aí? ㅡ Termino minha escovação antes de abrir a porta. Ao fazer isso, vejo-o na minha frente de cabeça baixa, enquanto mexe em sua mochila. ㅡ Eu tenho que ir para a aula, então... ㅡ Assim que ergue a cabeça e me nota, estranheza e preocupação despontam em sua face. ㅡ Você está bem?

ㅡ Sim, e estou indo pra casa. ㅡ Passo por ele, no entanto ouço meus passos sendo seguidos quando sigo em direção à sala de estar da casa. ㅡ Agradeça aos seus pais por mim, Jimin.

ㅡ Ei... ㅡ Sinto sua mão envolvendo meu pulso, por isso paro e me viro para olhá-lo, mas num gesto um tanto abrupto eu me desvencilho. Parece que seu toque agora tem uma alta voltagem.

ㅡ Desculpe, Jimin ㅡ peço sob seus olhos confusos. ㅡ Eu não quis... Tem uma terrível dor de cabeça que está me matando, só quero ir logo pra casa.

ㅡ Tudo bem, nós temos o seu número aqui em casa, então eu quero deixar o meu com você também. ㅡ Ele estende um pequeno papel dobrado em minha direção. ㅡ Só para o caso de a gente precisar se falar.

ㅡ Ah... ok, obrigado. ㅡ Acho melhor receber, porque se eu continuar mal assim não poderei vir dar a aula dele nessa sexta-feira.

ㅡ Obrigado mais uma vez, por terem me deixado passar a noite aqui. ㅡ Repiro assim que sou acompanhado até a porta. ㅡ Até mais, Jimin.

ㅡ Até, Jungkook, volte com cuidado.

Aceno com a cabeça para evitar qualquer tipo de contato físico, e me viro para sair daqui. Quando ouço a porta sendo fechada e me dirijo à calçada, vejo os dois vizinhos e amigos de Jimin caminhando em direção à casa dele.

ㅡ Bom dia professor Jeon. ㅡ Um loiro de pele bronzeada e olhos verdes como esmeraldas me cumprimenta de forma respeitosa e simpática, apesar de parecer surpreso por me flagrar saindo da casa do seu amigo a essa hora.

Eu me preparo para respondê-lo, todavia, meu olhar migra para o alfa de cabelo preto e olhos cor de café que vi ontem com Jimin, e agora sei que dorme em sua cama de vez em quando.

E, mais uma vez, fico tenso por me sentir tão irritado com a presença dele. É totalmente irracional. Travo a mandíbula tentando não rosnar e denunciar o quanto sua presença me abala de uma forma terrivelmente insuportável.

Por que você ainda não matou esse Alfa, Jungkook? Ou pelo menos fez ele se curvar?

Calma aí, não estamos numa matilha, não sou um primitivo. Nós vivemos em sociedade, lembra?

É muita esquentação de cabeça para o início de uma manhã.

ㅡ Bom dia ㅡ respondo e me apresso para chegar logo até o meu carro estacionado do outro lado da rua.

Ainda bem que Vila Lobos é o melhor bairro de Daelim, ou o meu carro já teria sido mexido durante a noite com os protestos. Isso se não levassem o próprio carro, como acontece na periferia.

Sentado no banco do motorista, pego o meu celular para armazenar o número de Jimin, e percebo o erro que cometi por não ter visto a ligação e a mensagem do Namjoon pedindo para que eu o retornasse ontem. Por isso, a primeira coisa que faço é ligar para ele, enquanto coloco o cinto de segurança e dou partida no carro em seguida.

Oi, Jungkook. Você está bem?

Kim Namjoon, não é do tipo que faz drama se ficar sem resposta. Ele não diz coisas do tipo "lembrou que tem amigo?". É uma das suas melhores qualidades, zero drama.

ㅡ Estou sim. ㅡ Corto as explicações do porque não vi sua ligação, e vou direto ao ponto. ㅡ Você já está com o resultado do meu hemograma?

Sim, e não tenho as melhores notícias.

ㅡ Tudo bem, pode falar. ㅡ Respiro fundo tentando me preparar para o que ele quer dizer.

Seus sintomas estão surgindo com mais rapidez, não é?

ㅡ Como você sabe? O que está acontecendo?

É a sua doença, Jungkook. Ela está piorando.

Gostaro?

O que vcs estão achando até agr? O q acham q vai acontecer, e o q vcs esperam?

Eu agradeço demais a companhia de vcs, e peço que movimentem o Twitter com a tag #perfumedelobo pra deixar a autora feliz 🧡 pq eu sou mto boiolinha por vcs.

E importante: Vou começar o processo de adaptar 88°ANDAR pra obra original, e isso dá mto trabalho, ent peço a paciência de vcs. Mas já quero tranquilizar vcs de que NÃO VOU ABANDONAR ESSÊNCIA. Ela vai ser escrita até o fim pq foi mto planejada pra eu abandonar e todo esse planejamento eu fiz por mim e por vcs.

Até a próxima att nenéns! Pra quem sentiu falta, um beijooo e um tapa na bunda! 🧡

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