Os homens que oferecem o sangue, trabalho, lágrimas e suor conseguem sempre realizar o que desejam e se tornam os próprios heróis de sua jornada. Porém, aquele que ultrapassa seus próprios limites e começa agir de uma maneira incorreta para a realização de seus objetivos, acaba desperdiçando o sangue em uma guerra. Era isso que Fai Chen pensava ao ver a cena de traição à sua frente. Wei Huli deixou-se levar pela vingança e não conseguiu analisar as maldições que cobriam suas costas.
"Merda... Por todo esse tempo... Era isso que você estava planejando?", ele tentou perguntar, mas sua voz estava extremamente fraca e baixa, deixando sua ira bem mais difícil de ser revelada.
Como resposta, Wei Qiang mostrou a língua e soltou uma risadinha.
"Você é uma raposa. Achei que fosse mais inteligente no quesito manipulação! É tão inocente!", ela respondeu, atravessando cada vez mais a pele do jovem preso às suas mãos. "Vamos, pense um pouquinho! Realmente não pensou nessa possibilidade?"
O jovem de cabelos acinzentados apenas negou com a cabeça, cuspindo mais um pouco de sangue.
"Sério? Nadinha? Caramba... Eu até brinquei um pouco com todo seu plano!"
"O que disse?", Wei Huli arqueou uma de suas sobrancelhas, mostrando uma certa dúvida sobre aquelas palavras.
"Lembra do caos do Campeonato dos Peões e como, do nada, a garota bonita notou algo diferente sobre quem estava controlando o costureiro bobinho? Então! Ha Ha Ha! Eu estava por trás disso! Certos yaomos, para persuadir uma presa, costumam optar por uma breve telepatia, a fim de confundir o cérebro da mesma. Por mais que seja fraco, usei esse poder! No caso, levei um recado à mente da garota bonita dizendo que deveria descobrir o verdadeiro dono da marionete! E ela quase descobriu! Aquilo foi bem emocionante!", Qiang mostrava uma empolgação genuína. Nem parecia que ela estava prestes a tirar uma vida. "Eu já preparava traí-lo a partir do momento que me salvou daquela cela infernal do clã Fai. Então, como primeiro passo, lhe prometi uma confiança completamente falsa! Os humanos podem jurar algo pois eles têm medo das consequências que os deuses possam atribuir às suas vidas quando não cumprem seus devidos juramentos. No meu caso, não há o porquê eu ter esse sentimento. Eu já estou morta!"
A jiangshi caiu em gargalhadas com o final de seu discurso. Em compensação, Wei Huli estava sério e não expressando uma única reação àquelas palavras.
"Por que? Eu sequer te conhecia antes daquele dia. Não tinha nenhum motivo aparente para me trair e..."
"Claro que tinha, Huli! O motivo está tão óbvio!", ela abriu um enorme sorriso e com os olhos fechados, continuou: "Eu sou uma criatura de Diyu! Não há justificativas para uma, que transborda a maldade, realizar algo bom a qualquer outra! Acha que há alguma leal?"
Wei Huli inclinou o rosto, pensando que aquela frase fosse algum tipo de piada de mal gosto, pois tanto ela quanto ele sabiam que, por mais que houvesse trilhões de yaomos, há alguns que desejam ser salvos e mostram-se leal a seus companheiros ou até mestres. Era o que aconteceu com Laozhu BingWen, uma hulijing que conseguiu criar um vínculo forte tanto com outras raposas quanto com humanos.
"Você não tem nenhuma justificativa para me trair e apenas fez? Isso é ridículo. Eu não... Acredito em você...", ele respondeu, sentindo algumas fisgadas bem mais dolorosas, o que dificultou sua fala. "Nós temos que ter motivos ou..."
"Isso é um clássico pensamento bobo de humanos, Huli! Passou tanto tempo ao lado deles que esqueceu de suas origens?", Wei Qiang retrucou, passando a língua por seus lábios, que pareciam ansiosos para degustar do sangue que passava pelos dedos de suas mãos enquanto devorava a energia de Wei Huli. "Existe a crueldade pura nesse mundo e nós, criaturas de Diyu, estamos justamente pisando nesses solos para continuar com esse legado. Mostrar aos humanos que, não importa o que aconteça, sempre haverá o lado bom e o lado mau em tudo que os cercam."
Ao ouvir aquelas palavras, Fai Chen lembrou-se rapidamente de uma passagem que viu nas memórias do Jovem Mestre Wei. A qual mostrava um mera conversa entre ele e sua irmã mais nova. Nesse diálogo, ambos refletiram sobre sua verdadeira imagem e a energia que percorriam em suas veias. Por serem criaturas de Diyu, possuem uma energia pesada e fatal aos outros, como se estivesse lá para lhes causar o pavor. Entretanto, para Wei Huli, isso poderia ser amenizado caso não consumisse o qi de humanos.
E ele só optou por esse caminho depois de tanto sofrimento que justamente certos humanos lhe causaram.
"Você está errada, Qiang. Tantos os humanos quanto yaomos tem seus motivos para serem quem são. Não há algo totalmente puro ou algo totalmente impuro. Sempre há...", Wei Huli retomou a dizer, trazendo uma atenção especial de Fai Chen por ele. "Um equilíbrio entre eles."
Aqueles eram justamente os possíveis pensamentos que BingWen, o grande líder das hulijings, tinha antes de todas aquelas desgraças e Wei Huli, por mais que seu coração queimasse pela vingança e agisse totalmente contrário àqueles ideais, os entendia e guardava-os em sua mente.
Fai Chen não perdoaria Wei Huli pelo que fez. Mas, sentiu que aquilo não estava certo. Não era correto deixar Wei Qiang tratá-lo de tal forma e ainda por cima sabendo de tudo que ele passou durante anos.
O cultivador, ansioso para fazer algo a respeito, soltou a perna de Hu Long e tentou levantar do chão. Entretanto, antes que pudesse tomar partido, o mais novo se abaixou e segurou seus ombros, os pressionando para que não pudesse forçar algum novo movimento.
"Fai Chen... Assim como os humanos, os yaomos têm seus destinos selados e nada poderá impedi-lo", o assassino disse calmamente olhando para o amado, que demonstrava uma tremenda angústia por realmente não poder fazer mais nada para mudar o percurso do final dessa história.
Ainda persistindo, tentou mais uma vez se levantar. Mas, novamente foi paralisado por Hu Long. Ele estava pensando na saúde física de Fai Chen e não gostaria de vê-lo sofrer mais pelas mãos de uma criatura que, por mais que tivesse seu passado, tanto o perturbou.
Nada poderia ser justificável, apenas compreensível e ambos sabiam disso. Agora, Wei Huli estava colhendo o que plantou. A traição, a confiança destruída, a manipulação reversa e a perda de um grande poder que cultivou.
"Ah... Estou cansada de ver esse rostinho triste...", Wei Qiang voltou a dizer. "Posso finalizar? Eu quero ver sua expressão final, Huli!"
Wei Huli trincou os dentes e tentou acertar a jiangshi com sua mão direita, mas falhou miseravelmente quando sequer seu corpo respondia aos comandos de seu cérebro. Ele estava impossibilitado de resistir e isso era algo que odiava com todas as forças.
Ser fraco ao ponto de apenas abaixar a cabeça e aceitar aquele momento tão inesperado.
"Eu certamente voltarei como um cadáver vingativo. Farei questão de estrangulá-la e dessa vez, acabarei com esse seu corpo podre e asqueroso", ele comentou, com um sorriso maldoso no rosto. Fai Chen não estava acostumado a ouvir tantas barbaridades saindo dos lábios de Wei Huli. Sempre esteve acostumado com aquela figura plena e educada. Parecendo uma divindade. "Matarei você com as minhas próprias mãos, Qiang. Lembre-se desse meu juramento."
Wei Qiang, sem mais respostas, apenas se concentrou e tirou mais uma grande parte de energia do corpo da hulijng que, ao ser desestruturada daquela forma, não aguentou e soltou um grito alto e inesquecível. Após tal reação, a jiangshi tirou brutalmente suas mãos do peitoral de seu alvo e o jogou de qualquer forma no chão, não se importando em como morreria.
Ela olhou para os dois jovens que observavam tudo de longe. Fai Chen estava com um certo receio de qualquer ação daquela criatura perversa e pegou fortemente a mão de Hu Long. O assassino retribuiu o aperto e tomou todos os cuidados possíveis para não agir impulsivamente.
Mas, na verdade, Qiang não queria mais lutar. Ela apenas apontou para o corpo detonado da raposa branca e disse:
"Huli certamente conseguiria matá-los. Eu fiz um favor a vocês. Se um dia nos vermos novamente, tenham certeza que eu os cobrarei por isso", a jiangshi virou-se de costas e sem mais inclusão com os humanos, pulou para bem longe deles e desapareceu no meio de toda aquela fumaça constante.
A partir daquilo, Fai Chen e Hu Long olharam automaticamente para o corpo de Wei Huli. Eles não tinham certeza se ainda estava vivo e antes que pudesse verificar, escutaram alguns passos vindo em direção à eles. Por conta daquela grande fumaça os cercando, não conseguiram, de imediato, realizar uma identificação. Porém, pelos passos, era realmente uma única pessoa e pelo jeito que corria conseguiram distinguir que estava mancando, automaticamente deixando evidente um possível machucado no corpo.
"Huli... Onde você está... Eu preciso conversar..."
De repente, esse certo murmúrio foi escutado.
Fai Chen arregalou os olhos.
Por mais que estivesse fraca, ele reconheceu essa voz e Hu Long, com certeza, também a distinguiu. O mais novo, com uma enorme esperança em seu peito, olhou para o horizonte, esperando que estivesse correto.
Então, quando a pessoa finalmente chegou justamente onde estavam, Hu Long, com os olhos encharcados de sangue, deixou lágrimas descerem freneticamente por suas bochechas manchadas.
Era Hong Shaoran.
Ele estava com os cabelos soltos e bagunçados; os olhos mel esverdeados pareciam cansados. Os tecidos da parte central de seu peito foram rasgados, graças àquela perfuração anterior de Wei Huli. Já, o machucado, por alguma razão, não estava mais tão profundo quanto antes. Parecia estar se curando aos poucos.
O Jovem Mestre Hong olhou perdidamente para Hu Long e Fai Chen.
E só bastou esse único olhar para que o cultivador sentisse todas as emoções daquela alma destruída.
Com uma expressão melancólica, o mais alto perguntou, com uma voz fraca e sensível:
"Onde está, Huli? Eu preciso dele... Eu preciso...", antes que fosse respondido, os olhos de Hong Shaoran mudaram de direção e rapidamente encontraram o corpo de Wei Huli encharcado de sangue e imóvel. "Não... Não... Não..."
Sem esperar, seguiu até onde estava o jovem de cabelos acinzentados. Para ele, cada passo que dava simbolizava uma proximidade da maior angústia de todas. E Fai Chen, por ter conseguido ver o que se passava por detrás de todo aquele olhar de Hong Shaoran, mordeu os lábios até não aguentar mais e, sem mais forças, soltou também suas lágrimas em um choro doloroso.
"Não... Você não pode simplesmente me deixar... Idiota...", assim que Hong Shaoran chegou perto de Wei Huli, caiu de joelhos e o pegou nos braços. "Volte para mim. Está me ouvindo? Nós não terminamos ainda. Nós..."
O Jovem Mestre Hong parou de falar e olhou para aquele rosto que tanto admirava. Apreciava cada detalhe, podendo passar horas olhando e não se enjoaria. Então, sem se contentar mais em guardar todos seus sentimentos, decidiu agir com o coração depois de tantos anos usando uma armadura indispensável para a realização de suas ações.
Ele aproximou o corpo do Jovem Mestre Wei em seu peito e, daquela forma, o abraçou do jeito mais caloroso possível para que seu espírito despedaçado descansasse em paz.
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- ale yang on -
O motivo da traição de Wei Qiang era realmente apenas voltado a sua "maldade" pura. Quando pensei sobre essa personagem, quis deixar o mais evidente possível a falta de empatia e a inexistência de bondade dentro dela. Ela sempre esteve, na minha mente, como uma personagem naturalmente maldosa e não precisaria de motivos para agir de tal maneira. Wei Qiang só desejava causar a dor para os demais e é isso! O que acharam? HeHeHe.
Agora, falando sobre o final desse capítulo: Caramba. Foi realmente um dos momentos mais tristes que escrevi durante a novel toda. Eu não quis passar uma imagem de que Fai Chen "perdoasse" Wei Huli e muito menos de "justificar suas ações". O que eu desejei mostrar foi a compreensão de sua história e seus verdadeiros motivos para agir de tal maneira. Acredito que, todos os personagens como Wei Huli, se forem bem desenvolvidos, podem ser compreendidos e analisados da melhor forma possível. E para mim, isso é uma grande arte!
O próximo capítulo também será triste. Mas, eu não serei tão maldosa assim... Eu acho... Bom! Boa sorte, queridos leitores!
Obrigada por todo o apoio!
Até domingo!