SEMPRE QUE EU ABRIA OS OLHOS PARA A LUZ DA MANHÃ e percebia que sobrevivera a outra noite, era uma surpresa. Passada a surpresa, meu coração começava a disparar e a palma das mãos suava; eu não conseguia respirar até que me levantasse e checasse se Charlie e Bella também sobreviveram.
Eu sabia que eles estavam preocupados — vendo-me saltar a qualquer ruído alto, ou meu rosto de repente ficar lívido por nenhum motivo que eles pudessem distinguir. A preocupação devorava um buraco no meu estômago.
Eu estava impossível; na terça, instalei um sistema de alarme na casa.
Na quarta, fui ao posto de gasolina mais próximo e comprei um galão — queimar e dilacerar, Edward me disse uma vez.
Na quinta eu segui Isa durante o dia todo, e visitei Charlie umas três vezes em seu trabalho.
Na tarde de sexta feira eu estava exausta e mesmo assim passei a noite em claro esperando...
Eu queria ver o Jacob contar para ele sobre a minha situação atual, mas se fizesse isso arriscaria dar a Victoria e Laurent a oportunidade de me encontrar junto a ele. E eu não podia por mais alguém em perigo.
Uma semana havia passado e nenhum vampiro apareceu para mim. Uma semana era tempo mais do que suficiente para terem voltado, então eu não devia ser prioridade para eles. O mais provável, como concluíra antes, seria eles virem atrás de mim à noite.
Na manhã de domingo, quando eu seguia Charlie, de repente eu entendi.
Eu não estava prestando atenção na conhecida rua, deixando que o som do motor amortece-se meu cérebro e silenciasse as preocupações, quando meu subconsciente deu um veredicto que devia estar sendo forjado havia algum tempo sem que eu me desse conta.
Assim que pensei a respeito, senti-me uma completa idiota por não ter entendido antes. É claro que havia muita coisa na minha cabeça — vampiros obcecados com vingança, um buraco dilacerado no meio do meu peito que estava cicatrizando —, mas, quando segui as evidências, ficou constrangedoramente óbvio.
Meu Deus, eu sabia exatamente o que estava acontecendo com Jacob.
Jacob me evitando…. As respostas vagas e inúteis de Billy...
Dirigi até La Push decidida a esperar. Se fosse necessário, ficaria sentada na frente da casa dele a noite inteira. Eu ia faltar à aula na manhã seguinte. Em algum momento Jake ia ter de falar comigo.
Eu estava tão preocupada que a viagem que me apavorava pareceu durar só alguns segundos. Antes que me desse conta, o bosque começou a ficar mais esparso e eu sabia que logo veria as primeiras casinhas da reserva.
Seguindo a pé, pelo acostamento esquerdo da estrada, havia um menino alto, com um boné de beisebol.
Minha respiração parou por um momento na garganta, na esperança de que dessa vez a sorte estivesse comigo e eu encontrasse Jacob sem precisar me esforçar. Mas o menino era largo demais e o cabelo sob o boné era curto. Mesmo de costas, tive certeza de que era Quil, embora ele parecesse maior do que da última vez que o vira. Será que ele seria o próximo?
Passei para a contramão a fim de parar perto dele. Ele olhou quando minha moto se aproximou.
A expressão de Quil me assustou mais do que me surpreendeu. Seu rosto era triste, pensativo.
– Ah, oi, Kris – ele me cumprimentou, de um jeito apático.
– Oi, Quil... Está tudo bem?
Ele me fitou de mau humor.
– Tudo.
– Quer uma carona para algum lugar? – ofereci.
– Claro, acho que sim – murmurou. Ele se arrastou para trás da moto e o ouvi sentar atrás de mim.
– Tem um capacete na minha mochila – falei e ele pegou – Para onde ? – perguntei.
– Minha casa fica no lado norte, bem atrás da loja... – disse ele colocando o capacete.
– Tem visto Jacob? – a pergunta explodiu de mim quase antes que ele terminasse de falar.
Olhei para o Quil com ansiedade, esperando pela resposta.
– De longe – disse por fim.
– De longe? – repeti.
– Tentei segui-los... Ele estava com Embry. – sua voz era baixa. – Sei que me viram. Mas eles se viraram e simplesmente sumiram no bosque. Não acho que estivessem sozinhos... Acho que Sam e seu pessoal podiam estar com eles. Fiquei zanzando pelo bosque por uma hora, gritando por eles. Eu tinha acabado de achar a estrada de novo quando você passou.
– Então Sam o pegou. – As palavras saíram meio distorcidas, meus dentes estavam trincados.
Dei partida na moto e logo estávamos acelerando pela estrada.
Já estávamos em La Push. Eu podia ver a única loja da aldeia não muito à frente.
– Vou descer agora – disse Quil. – Minha casa fica ali, à direita. – ele gesticulou para o pequeno retângulo de madeira atrás da loja. Parei no acostamento e ele saiu.
– Vou esperar Jacob – disse a ele numa voz séria.
– Boa sorte. – Ele guardou meu capacete na mochila e se arrastou pela estrada, de cabeça baixa e ombros caídos.
A expressão no rosto de Quil me assombrou enquanto eu fazia um retorno e ia para a casa dos Black.
Parei na frente da casa de Jacob, desci da moto e me encostei nela, jogando a mochila no chão.
Um movimento lampejou em minha visão periférica — virei-me e vi Billy me olhando pela janela da frente com uma expressão confusa. Acenei uma vez e dei um sorriso rígido, mas fiquei onde estava.
Os olhos dele se estreitaram; ele baixou a cortina na vidraça.
Estava preparada para ficar pelo tempo que fosse necessário, mas desejei ter alguma atividade. Peguei uma caneta e comecei a rabiscar minha mão.
Só tive tempo de desenhar uma fila de losangos quando ouvi a voz dele.
– O que você está fazendo aqui, Kris? – grunhiu Jacob.
Jacob mudou radicalmente nas últimas semanas desde que eu o vi. O primeiro detalhe que percebi foi seu cabelo — seu lindo cabelo se fora, cortado bem curto, cobrindo a cabeça como um cetim preto, muito escuro. As maçãs do rosto pareciam ter enrijecido discretamente. O pescoço e os ombros também estavam diferentes, de algum modo mais largos. As mãos,eram enormes, com os tendões e as veias mais pronunciados sob a pele avermelhada. Mas a mudança física era insignificante.
Era a expressão que o deixava quase irreconhecível por completo. O sorriso aberto e franco sumira como o cabelo, o calor em seus olhos escuros se transformara num ressentimento taciturno que era imediatamente perturbador. Havia trevas em Jacob. Como se meu sol tivesse implodido.
– Jacob? – sussurrei.
Ele se limitou a me encarar, os olhos tensos e raivosos.
Percebi que não estávamos sozinhos. Atrás dele havia outros quatro; todos altos e de pele vermelha, o cabelo preto curto como o de Jacob.
Cada par, exceto um. Anos mais velho, Sam estava ao fundo, a expressão serena e segura.
– O que você quer? – perguntou Jacob, a expressão tornando-se mais ressentida à medida que ele via as emoções passando por meu rosto.
– Quero conversar com você – respondi.
– Pode falar – sibilou ele entre os dentes.
Seu olhar era violento. Eu nunca o vi olhar para ninguém daquele jeito, e muito menos para mim. Isso me magoou com uma intensidade surpreendente; uma dor física, uma facada na cabeça.
– A sós! – Sibilei, e minha voz saiu mais alta do que eu esperava.
Ele olhou para trás e eu sabia para onde iam seus olhos. Cada um dos garotos se virou para ver a reação de Sam.
Sam assentiu uma vez, a expressão impassível. Fez um breve comentário numa língua desconhecida e fluida — eu só tinha certeza de que não era francês nem espanhol, mas imaginei que fosse quileute. Ele se virou e foi para a casa de Jacob. Os outros, Paul, Jared e Embry o seguiram.
– Tudo bem. – Jacob parecia um pouco menos furioso depois que os outros partiram. Seu rosto estava mais calmo, mas também mais desamparado. A boca parecia permanentemente repuxada nos cantos.
Respirei fundo.
– Por que não me ligou? – perguntei, exasperada – Por que não deu notícias? Você tem ideia do quanto eu fiquei preocupada com você?
– Kris – ele falou com cuidado e me olhou com amargura.
Retribuí o olhar e o silêncio se prolongou. A dor em seu rosto me enervava. Senti um bolo começando a se formar em minha garganta.
– Eu estou passando por uma transformação difícil.
– Tô vendo ! Você cortou o cabelo Jake! – percebi que estava gritando – Desde quando Jacob Black tem o cabelo curto?
– Foi necessário!
Eu fechei os meus olhos com força antes de encará-lo.
– Eu sei o que você é.
– Vá embora, Kris. Aqui não é lugar para termos essa conversa!
– Então é verdade ? – minha voz saiu fraca.
O olhar triste de Jacob respondeu a minha pergunta.
O mundo oscilou, inclinando-se do jeito errado em seu eixo.
Que tipo de lugar era esse? Poderia realmente existir um mundo onde lendas antigas ficavam vagando pelos limites de cidadezinhas mínimas e insignificantes, enfrentando monstros míticos? Isso queria dizer que todo conto de fadas impossível era baseado em alguma verdade absoluta? Havia, afinal, alguma coisa racional ou normal, ou tudo era magia e histórias de fantasmas?
Olhei para a casa de Billy, vi Sam e os outros nos encarando com olhares furiosos.
– Você tem razão – falei, pegando a minha mochila – Preciso ir embora.
Jake concordou com a cabeça.
Enquanto eu dirigia para casa na chuva, uma palavra vagava pela minha mente: Lobisomens.
Uma matilha de cinco lobisomens perturbadoramente gigantescos e multicores.