Caos | Jaywon

By waywonderIand

101K 5.9K 71.7K

Ser um baterista homossexual em uma banda de garotos heterossexuais costumava ser o maior dos problemas de Ja... More

Fita 1, lado A: The Cult Of Dionysus
Fita 2, Lado A: Heaven Knows
Fita 2, lado B: Thanks, I HATE IT
Fita 3, Lado A: Crazy = Genius
Fita 3, Lado B: Sex
Fita 4, Lado A: Gypsy Woman
Fita 4, Lado B: Dream Boy
Fita 5, Lado A: Drugs & Candy
Fita 5, Lado B: I Guess I'm In Love
Fita 6, Lado A: Tear In My Heart
Fita 6, Lado B: C'est La Vie
Fita 7, Lado A: Partners In Crime
Fita 7, Lado B: Little White Lies
Fita Única: The Butterlfly Effect

Fita 1, lado B: Teenagers

11.1K 625 7.6K
By waywonderIand


Sanbyeon, Coréia do Sul.

Dias atuais.

— O Heeseung 'tá esquisito.

Olho para Jake e espero que ele continue o seu pensamento, mas ele não diz mais nada. Não sei se ele espera que eu o responda para só então me explicar sobre o assunto, só sei que eu odiava quem fazia aquilo. Odeio rodeios, se você tem algo a dizer, então só diz.

— Como assim? — pergunto.

Jake dá uma tragada no seu cigarro de maconha e o estica para mim. Eu o pego tomando cuidado para não queimar meus dedos e trago um pouco enquanto espero ele me responder.

— Ele veio com uma conversa sobre não aguentar mais o jeito que a banda 'tá levando as coisas e que queria fazer mudanças — seu olhar estava distante — Acho que isso não é um bom sinal.

Nego com a cabeça enquanto lhe devolvo o cigarro, ele fuma mais uma vez e solta a fumaça lentamente. Heeseung também havia dito algo assim para mim umas semanas atrás, mas eu não levava a sério, porque sei que ele não estava com a cabeça muito no lugar nos últimos tempos. — embora eu suspeitasse que ela nunca esteve.

— Ele 'tá estressado, é só isso — eu respondo — Algumas coisas a gente tem que relevar e não levar a sério.

— Não sei, mano — Jake mordica o lábio inferior — A banda anda brigando um bocado ultimamente. Tenho um pressentimento ruim.

Levo uma mão até seu ombro e aperto suavemente. Noto pelo modo que aquela parte do seu corpo está tensa que talvez ele estivesse realmente muito preocupado. Jake não era um cara de ter preocupações, ele sempre era o mais de boa entre nós quatro.

— É, a gente realmente não 'tá no momento mais em paz da banda, mas isso vai passar, Jake — minha voz sai serena — Relaxa, ok? É mais provável algum monitor pegar a gente fumando aqui do que acontecer alguma coisa com a COSMOS.

— Se você diz... — ele tragou mais uma vez.

Nós estávamos em uma parte escondida da escola. Poucos alunos sabiam que havia uma saída na parte de trás do prédio para colocarem o lixo para fora. Como só faziam aquilo em uma hora e dia específicos, qualquer momento fora daquele horário era o melhor canto para fazer algo proibido. Como fumar um baseado.

Eu estava tentando diminuir as drogas que eu costumava consumir. Percebi que lentamente estava as usando mais do que o normal e isso não me fazia nem um pouco bem. Eu sabia que aquela era uma reação do meu corpo as merdas que vieram acontecendo desde aquele maldito boato que começou um ano antes, e eu não ia deixar que isso me consumisse mais do que já havia consumido.

Já não bastava eu ser perturbado da cabeça durante a maior parte do tempo, eu não iria querer ser um viciado também. Se aquela maldição dos grandes artistas da música morrerem aos 27 anos for real, não vou querer apressar as coisas, ainda faltam dez anos para isso. Kurt Cobain, me aguarde, seja lá onde você estiver.

Mas às vezes era difícil negar, porque ao mesmo tempo que eu não queria consolar minhas preocupações com narcóticos, eu almejava para que eles me acalmassem. Eu odiava contradições e o que eu mais vinha sendo ultimamente era um cara contraditório. Estou me odiando.

— A gente vai ter um show grande amanhã, não é? — Jake volta a falar, mas parece desanimado.

— E você não parece muito feliz — eu observo — É o primeiro show da banda em um bar reconhecido, mano.

— Eu não sei, Jay. Não sei mesmo — ele negava veementemente com a cabeça — Eu sei que 'tô soando paranoico 'pra caralho, mas...

— Jake, quanto mais você pensa, pior fica.

— E como faz 'pra parar de pensar?

— Não faço ideia.

— Bela ajuda.

Dou de ombros. Não sei o que ele quer que eu faça, infelizmente não posso abrir a cabeça dele e tirar de lá todo e qualquer pensamento ruim que ele esteja tendo no momento. E honestamente, ultimamente eu não tenho saco para lidar diretamente com o problema dos outros quando a minha cabeça já está cheia com os meus próprios.

Apoio minha cabeça no muro atrás de mim e fecho os olhos, respirando um pouco de ar puro (misturado com maconha), enquanto tentava não pensar em nada e fingir que eu não tinha nada problemático acontecendo na minha vida, — eu era ótimo fazendo aquilo e estava cada vez melhor.

Porém, antes mesmo que eu pudesse começar a me sentir mais calmo, meu celular vibrou em minha mão. No momento em que eu visualizei pela tela de bloqueio as mensagens, já senti minha mão se fechar com força ao redor do aparelho. Deixei que a tela desligasse sozinha, porque me recusava a responder aquela pessoa.

Mas o telefone não parou de vibrar. As mensagens encheram a minha tela inicial e logo viraram ligações que eu não atendia, mas que logo retornavam, tudo isso em questão de poucos minutos. Eu estava prestes a jogar meu celular na parede e pisar nele até que virasse pó.

— Mano, você 'tá devendo 'pra agiota? — Jake pergunta.

— Não — faço uma careta de confusão.

— Então atende esse pobre coitado que 'tá te ligando — ele aponta para o meu celular — Ou bota no silencioso, sei lá. Mas acho melhor atender, porque ninguém merece ser ignorado desse jeito.

— É o Minjun.

A expressão de incomodo de Jake foi se transformando rapidamente em uma debochada, para então se tornar raivosa. Ele riu sem humor e disse com raiva:

— Ah então ignora mesmo, ele merece sim — ele balançava a cabeça fortemente — Quer saber? Responde ele. Manda ele ir se foder... NÃO! Melhor! Eu vou mandar ele ir se foder — tentou pegar o celular.

Eu puxei o aparelho para mim, o colocando contra meu peito, para que meu amigo não o alcançasse. Eu acabei soltando uma risada de nervoso, porque Jake parecia possuído e estava me dando medo.

— Se acalma, cara — eu digo — O ex-namorado dele sou eu, então eu que tenho que sentir essa raiva toda.

— Você é o meu melhor amigo, a sua raiva passa 'pra mim por osmose.

— Jake, eu nem sei o que é osmose.

Jake me olha com uma feição de descrença e eu dou uma risadinha. Na verdade eu sabia o que era, mas implicar com ele era muito mais divertido, além de surtir um efeito muito bom em mim que fez com que eu me acalmasse no mesmo instante.

Meu celular toca mais uma vez e Jake estica o braço, mas eu nego com a cabeça enquanto deslizo o dedo pela tela e atendo a chamada. Eu precisava encarar aquilo de uma só vez, a minha péssima mania de ignorar um problema precisava acabar, nem que fosse só daquela vez.

— Fala — digo ao colocar o aparelho na orelha.

Por que não me atendeu? — sua voz demonstrava o quanto ele estava irritado, o que me faz revirar os olhos.

— Porque eu não quis.

Ele bufa do outro lado da linha e eu começo a dar pequenos passos para longe de Jake, porque ele me olhava com muita curiosidade e raiva. Por mais que eu confiasse no meu amigo e ele soubesse boa parte do que rolou no meu namoro com Minjun, ele não sabia de tudo.

Honestamente, algumas partes da minha vida eu preferia guardar apenas para mim, eu achava íntimo demais e gostava de ter segredos.

Você não cansa de ser um babaca?

— Eu podia perguntar a mesma coisa 'pra você — ironizo.

Vai a merda!

— Foi 'pra isso que você me ligou? 'Pra me xingar?

Sinto minha paciência se esvaindo lentamente do meu corpo e estou prestes a perder toda a minha educação para começar a usar palavras realmente baixas com Minjun.

Não, embora essa seja a minha maior vontade.

— Poupa o seu tempo e só me fala logo o que você quer — suspiro irritado e alto, fazendo questão que ele escutasse.

Preciso pegar as minhas coisas na sua casa e de preferência em um momento onde você não esteja lá. Não quero trombar com você por aí, me recuso.

Reviro os olhos com tanta força que dói um pouco. Ele age como se só ele não quisesse me ver, quando eu mesmo pagaria para nunca mais ver a cara dele na minha frente de novo.

— Você pode ir lá agora — respondo — 'Tô na aula.

Eu também, não posso ir agora.

— Problema seu.

A linha fica silenciosa por um instante e eu afasto o celular apenas para ver se a chamada ainda está em andamento, ela estava. Volto a colocar o aparelho na orelha e posso escutar fortes respirações do outro lado, percebo que Minjun estava respirando fundo várias vezes, uma mania que ele tinha sempre que ficava irritado.

Sendo bem sincero, eu ficava bastante satisfeito em saber que estava conseguindo o tirar do sério. Era o mínimo que ele me devia depois de tudo o que ele me fez passar naquele último ano com o nosso namoro completamente fracassado que terminou de forma mais fracassada ainda algumas semanas atrás.

Você não vai ter ensaio com a sua bandinha? — ele voltou a falar tentando controlar a sua voz irritada — Eu posso ir nesse horário.

— Eu tenho ensaio hoje à tarde, mas... — minha voz foi morrendo — Os meus pais vão estar em casa.

E daí? A sua mãe me ama, tenho certeza que ela vai adorar me ver.

Eu não o respondo, mas um sorriso cruel começa a crescer em meu rosto e acabo soltando uma risadinha audível enquanto uma sensação de vingança aquece meu coração. Talvez eu tenha levantado suspeitas, pois ele volta a falar quase sussurrando:

O que você fez?

— Eu? — me fiz de desentendido — Não fiz nada, meu bem.

Argh! Não me chama assim! — ele quase gritou — Eu escutei você rindo, para de se fazer de sonso, eu sei que você fez alguma coisa.

— Ah, não foi nada demais — dei de ombros mesmo que ele não pudesse ver — Eu só contei umas verdades para a minha mãe.

Dessa vez foi ele que ficou em silêncio, a sua respiração foi ficando mais pesada a cada respirada, me seguro muito para não soltar uma risada. Jake olha de longe para mim com julgamento, pois deve estar me achando um completo louco sorrindo assim.

Jay, o que você disse para ela? — ele perguntou quase pausadamente.

— A verdade.

Que verdade?

— A minha verdade sobre o nosso relacionamento e sobre você. Talvez ela meio que odeie você agora, uma pena — finjo tristeza em minha voz.

Ele solta uma risada forçada e sem humor do outro lado da linha, reviro os olhos mais uma vez pelo teatrinho. Consigo até mesmo imaginar o quanto ele estava dramatizando naquele momento, sempre odiei seus dramas. Não sei como suportei por tanto tempo.

Não existe a sua verdade, Jay — ele não mais esconde a raiva na voz — Você é a porra de um mentiroso, um traidor! Essa é a única verdade sobre nosso relacionamento.

— Não é como se eu fosse o único traidor de nós dois — minha mandíbula cerra e meus punhos se fecham.

EU NUNCA TRAÍ VOCÊ!

— Essa mentira só você acredita.

Ele começou a gritar, provavelmente eu havia ultrapassado o limite, mas não podia ligar menos para aquilo. Afasto o celular da orelha porque não sou obrigado a ficar escutando aquele monte de mentiras e xingamentos em cima de mim.

Eu não queria que fosse daquele jeito, não queria o odiar o tanto que eu odeio agora. Eu amava ele de verdade, nutria um carinho profundo, sei que não fui nenhum santo, mas ele pediu por aquilo muitas vezes, ele se esforçou para que eu tivesse esses sentimentos ruins por ele.

Quando percebo que ele parou de berrar, volto a colocar o celular na orelha e espero alguns segundos até ter a certeza que ele não iria voltar a me xingar. Felizmente eu só conseguia escutar o som da sua respiração desregulada, então voltei a falar:

— Já acabou? — espero uma resposta, mas ela não vem — Certo. Amanhã à noite eu tenho um show e os meus pais vão voltar para Seul, então a casa vai estar vazia.

A senha ainda é a mesma?

— Claro, por que a gente mudaria? — franzo o cenho — Enfim, vou deixar a Sra. Han avisada.

Ótimo.

— Mais alguma coisa? — pergunto com tédio.

Não, só quero que você vá se foder.

— É reciproco.

A chamada foi encerrada por ele. Inconscientemente, fiquei olhando para a tela do aparelho, que ainda brilhava mostrando aqueles minutos que havia durado a ligação, até que ela se apagasse. Suspirei cansado quando visualizei meu reflexo no vidro e percebi como eu parecia mais abatido que o normal.

Odiei me ver daquele jeito, parecia que Minjun estava sugando todo e qualquer sinal de vitalidade que eu já tive algum dia. Toda a configuração de um namoro se tornando um término era desgastante para um caralho e eu só queria que a gente nunca tivesse se conhecido.

Ou talvez eu só devesse ter paciência, — o que é bem difícil porque estamos falando sobre mim — e esperar pelo dia que nós dois finalmente não fossemos mais nada além de estranhos novamente. Eu estava disposto a fazer aquilo e esperava que Minjun estivesse se esforçando para fazer o mesmo, para o bem de nós dois.

Sempre me disseram que namoros eram complicados, mas términos podiam ser mais ainda. Em um namoro você tinha o desgaste de sempre tentar manter aquele relacionamento em bons termos, mas no término só existiam os maus termos que fodiam com sua saúde mental. Do carinho que você sentia, só lhe restava o arrependimento.

Por toda a minha curta vida eu detestei relacionamentos, não sei onde estava com a cabeça quando resolvi começar um e ainda com alguém tão complicado e manipulador.

O sinal para o início do horário de almoço toca enquanto estou andando de volta para perto de Jake. Posso ver pelo modo inquieto que ele balança o corpo que ele está se mordendo de curiosidade para fazer perguntas sobre a ligação, — também sei que ele não tem coragem de perguntar, porque eu não vou responder e ele sabe disso.

Em silêncio, começamos a sair dali para pegar nosso almoço e ir para algum lugar mais tranquilo do que o refeitório. Porém, eu precisava passar em um outro lugar antes disso.

— Ei, vai na frente, eu te encontro lá daqui a pouco — digo quando chegamos no corredor.

Eu vou para o lado oposto do refeitório, então dou pequenos passos para a esquerda do corredor, enquanto Jake está indo para a direita. Quando ele me escuta, acaba parando e colocando uma mão sob os quadris, depois me observa com atenção e dúvida.

— 'Pra onde você vai? — ele arqueia uma sobrancelha.

— Tenho uma coisa 'pra resolver — minha voz sai sem emoção, prefiro fingir que não era nada demais para evitar questionamentos.

— E é mais importante que o almoço?

— Eu ainda vou comer, cara — reviro os olhos — Só vou demorar uns minutinhos.

— Você não acha que anda demorando muitos minutinhos 'pra várias coisas ultimamente?

Franzo o cenho por não entender o que ele quis dizer com aquilo. Às vezes eu suspeitava o Jake não pensava nas frases que ele dizia antes de realmente dizer, então tudo saia muito confuso.

— Como assim? — pergunto.

— É que não é a primeira vez que você faz isso. Você anda saindo mais cedo ou mais tarde das aulas, pulando o almoço... É suspeito.

— E daí?

— E daí que eu quero saber o que você tanto faz pela escola quando some desse jeito — ele estreita os olhos.

— Não é nada demais, eu só fico muito ocupado cuidando da minha vida — dou de ombros enquanto um sorrisinho sarcástico surge em minha boca — Você devia fazer o mesmo.

Ele revira os olhos e suas mãos caem ao lado de seu corpo. Fico surpreso por ele ter ignorado a tentação de perguntar sobre Minjun, mas me perguntar sobre o que eu ando fazendo quando ninguém está olhando. Como se eu fosse contar...

— Um dia os seus segredinhos vão ser demais 'pra você suportar sozinho, Jay — ele diz com tédio.

— Uau, quem ensinou essa grande frase de coach a você? Jesus? — ironizo.

— Isso mesmo, continue sendo sarcástico, quero ver até onde você vai aguentar isso aí sozinho — ele faz uma pausa — Seja lá o que for.

— Me pergunto se você fica realmente preocupado comigo ou com raiva por não poder fofocar sobre isso com o Heeseung — falo de forma implicante.

Ele abre a boca e faz uma expressão caricata de ofensa, tento manter o meu sarcasmo, mas acabo dando uma risadinha genuína, porque Jake é engraçado mesmo quando não quer ser.

— Eu me importo com você de verdade, seu bostinha. Você é meu melhor amigo, um dos únicos que eu tenho na verdade — ele fica pensativo — E eu também sou um pouco fofoqueiro, mas não tem nada de errado em ser assim — ele demonstra culpa em sua voz.

— Claro que não — reviro os olhos enquanto ainda dou risada de sua sinceridade culposa.

— A gente vive em uma cidade de 50 mil habitantes, todo mundo aqui é fofoqueiro. Isso é uma regra de cidades pequenas, você entende isso, não é? Não pode me julgar.

— E eu não julgo — dou de ombros — Mas eu já tive fofocas demais sobre mim correndo por aí e não quero outras, é por isso que eu mantenho segredos — dou uma piscada com um olho para ele e lhe dou as costas, seguindo o meu rumo.

Eu sei que aquela havia sido uma ótima cartada para encerrar o assunto e finalmente me ver livre das perguntas inconvenientes de Jake. Se tinha um assunto que guardávamos a sete palmos da terra, esse assunto eram as fofocas sobre minha sexualidade que aconteceram um ano atrás. E eu preferia que isso continuasse assim.

Nunca ia confessar em voz alta, mas aquilo havia me afetado mais do que deveria. Tive que aprender a realmente manter segredos até mesmo dos meus amigos, porque eu sempre pensava que um dia eu ia acordar e a minha vida estaria exposta em todas as redes sociais como foi o que aconteceu antes.

Meus passos são largos e rápidos porque o corredor é muito comprido e eu não queria dar nenhuma margem para que Jake tentasse me perturbar de novo com seus argumentos furados, — ou pior, me seguir para tentar descobrir para onde eu estava indo.

Para a minha felicidade, ele não faz isso, mas chega a fazer algo (um pouco) pior do que aquilo. Quando eu estou a uns bons metros de distância, posso ouvir sua voz novamente:

— Ok, então — ele grita e sua voz ecoa no corredor vazio — Só saiba que ninguém mais liga para aquela fofoca ridícula sobre você ser gay. Você é muito mais que isso.

— 'Tá bom — grito de volta com tédio. Não olho para ele e também não paro de andar. Espero que ninguém apareça de surpresa nesse corredor e escute Jake dizendo essa bobagem.

— Você é mais livre agora do que antes — ele continua gritando cada vez mais alto, ao longo que nossa distancia aumenta — Não se esqueça disso, Jay! Você é o nosso orgulho.

— Certo — meus punhos se fecham.

— Amamos você!

— Eu sei.

— SAIR DO ÁRMARIO É UM GRITO DE RESISTÊNCIA!

Eu perco a paciência. Estou a um passo de virar a esquina para o próximo corredor, mas não posso evitar a vontade gritante que tomou conta da minha boca e me fez perguntar em um grito nada discreto:

— Então quando que você vai sair do seu? GRITE TAMBÉM, JAKE!

Não posso evitar de parar na esquina e dar uma boa olhada na expressão de choque que toma conta de seu rosto, — é tão forte que posso ver com clareza mesmo a distância. — Não me sinto culpado, apenas sinto alívio por ter calado, finalmente, a sua boca.

Honestamente, eu não sou do tipo que deduz a sexualidade de alguém, mas o Jake me era suspeito. Muito. E eu sabia que ele nunca ia dizer isso em voz alta, por causa de suas crenças e por medo, o que era uma pena. Mas eu notava bastante as olhadas que ele dava sempre que o Heeseung trocava de roupa na nossa frente.

Gay com certeza ele não era, porque ele realmente gostava de garotas, mas talvez a bissexualidade estivesse por ali em algum lugar, ele só precisava encontrar.

Balanço a cabeça para dispersar meus pensamentos e focar no que eu estava prestes a fazer. Eu tinha pouquíssimos minutos para fazer o que eu estava planejando, que consistia em: chegar na sala de aula do segundo ano, escrever algo em um post-it e o deixar no caderno de desenhos de um dos alunos antes que ele chegasse.

Ajo como um espião de filme norte-americano quando chego na porta da sala de aula, olhando para os dois lados com atenção para ter a certeza de que não tem ninguém por ali. Eu já havia feito aquilo algumas vezes e mesmo assim não tinha nenhuma desculpa para caso acabassem me pegando por ali.

Ando até a terceira cadeira da fileira da janela, a única onde tinha um caderno de desenhos e uma mochila laranja, — o mesmo laranja que ele estava vestindo quando eu o conheci. — Eu acabo dando um meio sorriso olhando para a cor, porque nada mais era tão ele quanto as cores vibrantes que estavam em suas roupas, objetos e desenhos.

Tiro do meu bolso um pequeno bloco de post-its que estava quase no fim e uma caneta preta. Arranco o papel de cima e o coloco na capa do seu caderno de desenhos, onde sempre costumava colocar. Com cuidado, eu escrevo no post-it:

"Se metade de você ainda estivesse comigo, eu não estaria tão vazio."

Esse é um trecho da música Half Moon do DEAN. Eu não era um grande fã desse estilo musical, sou um garoto do rock, mas Yang Jungwon era um garoto do R&B. Eu fazia pequenos esforços por ele, mesmo que eu não entendesse exatamente o porquê.

Coloco meu pulso sobre o papel e esfrego levemente, apenas para que meu perfume ficasse ali. Era um gesto um pouco provocador, mas eu gostava de ser quando se tratava de Jungwon, porque não bastava que ele soubesse que eu havia feito aquilo, eu queria que ele sentisse.

Meu trabalho por ali estava feito, então caminho em direção a saída, mas assim que chego em uma das portas da sala de aula, posso ver alguém entrando pela outra. Me apresso em sair dali antes que a pessoa me veja, mas ela está andando enquanto encara o chão e eu imediatamente percebo que se trata de Jungwon.

Eu preciso sair dali, não quero que ele me veja, mas não consigo resistir à tentação de o observar. Fico estático entre a porta e a janela, usando aquele pequeno vão para que ele não me visse, mas que eu pudesse o enxergar.

Ele parece triste, seu rosto ainda está voltado para o chão e ele caminha lentamente, quase como se fosse um zumbi. Sinto um incômodo em meu âmago ao ver ele daquele jeito, mas infelizmente era como eu sempre o via, porque ele sempre estava assim.

Jungwon era um garoto triste constantemente e o meio que eu encontrei de o ajudar de alguma forma, havia sido por meio daqueles bilhetinhos. Eu já fazia aquilo há um bom tempo e não era segredo para ele quem estava por trás daquilo, porque eu nunca escondi dele, apenas dos outros. Era o nosso pequeno segredo.

Observo o momento em que ele chega até a sua mesa e nota o post-it, o vejo lendo e dando um sorriso trêmulo de boca fechada, — parecia que ele lutava contra a vontade de sorrir abertamente. — Então ele pega o caderno e o leva até perto de seu rosto, onde cheira com os olhos fechados onde eu havia esfregado o meu pulso.

Aquilo fez com que o meu peito se aquecesse e eu não conseguia simplesmente ignorar e apenas assistir como se não fosse nada demais. Meus pés agem antes que eu perceba e eu saio do meu esconderijo, entrando novamente na sala de aula.

— Fico feliz que tenha gostado do meu bilhete — eu digo com um sorriso galanteador no meu rosto — e do meu perfume.

Jungwon dá um pequeno pulo de susto e se vira completamente para mim com os olhos arregalados. Em um ato impulsivo, ele joga seu caderno de qualquer jeito em cima da mesa e ajeita seu uniforme para disfarçar o que estava fazendo. Eu dou uma risada, ele é adorável.

— O-o que... — ele pigarra — O que você 'tá fazendo aqui?

— Vim ver você — dou de ombros — E também vim deixar o seu presentinho de sempre, sei que você gosta de receber.

Ele não olha nos meus olhos, pois eles andam por toda a sala de aula até que param em seus pés. Ele comprime os lábios de maneira inquieta e eu aguardo para esperar pelo que ele iria falar.

— Você não devia fazer isso — ele diz e sua voz em tom baixo mostra como ele está envergonhado.

Era engraçado como ele parecia tão acanhado naquele momento, mas parecia tão selvagem quando nos encontramos pela primeira vez naquele beco onde dividimos um cigarro e alguns beijos quentes.

Eu amava me lembrar daquilo. A lembrança de um Yang Jungwon caótico e suspirando por mim me fazia querer derreter; principalmente porque ele era tão diferente em seu cotidiano que fazia eu me sentir especial por poder presenciar aquele seu momento único.

— Eu não devia vir ver você? — pergunto enquanto mantenho um pequeno sorriso no rosto.

— Também — ele engole em seco — Mas principalmente eu acho que você não devia escrever essas coisas para mim — apontou para o seu caderno jogado.

— Por que não? Você parece gostar bastante disso — caminho lentamente para mais perto dele e noto que ele fica em alerta.

— Você sabe muito bem o porquê que não deve fazer essas coisas.

Finjo ficar pensativo, sem parar de caminhar em sua direção. Quando chego perto o suficiente para que seus olhos me encarem na altura do meu peito, eu pergunto com ironia:

— Por que? Você acha que desse jeito vai acabar se apaixonando por mim? — rio sem humor — Deve estar sendo tão difícil 'pra você manter todo esse autocontrole.

Ele fecha os olhos com força e respira fundo, vejo que seus punhos se fecham e eu fico curioso com a reação, ao mesmo tempo que acho bonitinho. Então ele me encara pela primeira vez nos olhos, tão forte que pareceu que ele sabia de todos os meus piores pecados e me julgasse por cada um deles.

— Não, Jay — sua voz é firme e seca — Você não deve fazer isso porque eu namoro com o seu melhor amigo.

Aquilo me atinge com força.

Não sei porque me ainda me sentia daquele jeito, já que não era nenhuma novidade, pois eu sabia daquilo há longos meses. Mas creio que a culpa por desejar alguém que pertence a outra pessoa, — e essa pessoa ser meu melhor amigo — batia em minha consciência às vezes.

Era errado, nojento e até mesmo escroto. Eu sabia disso, realmente sabia, mas eu não sei o porquê de ignorar todo a parte boa do meu caráter quando se tratava de Jungwon. Ele só parecia bonito demais, gentil demais e bom demais em todos os sentidos para aquele babaca que eu chamava de amigo. Ele não merecia Jungwon.

— Isso não parece importar muito 'pra você, Wonnie — sorrio arteiro — Afinal, você nunca me pediu 'pra parar.

— E por acaso você pararia se eu pedisse? — riu sem humor.

— Claro que sim. Eu nunca faria algo que fosse contra a sua vontade, isso vai contra os meus princípios.

Ele solta uma risada bem humorada, mas sarcástica e então rebate:

— Isso é contra seus princípios, mas dar em cima do namorado do seu melhor amigo não? Que tipo de princípios são esses? — ironiza.

— O princípio de que eu sei que você é bom demais 'pra ele — eu falo com seriedade e me aproximo mais ainda, quase colando nossos corpos — E você sabe disso.

— E quem seria bom para mim? Você? — ele dá um sorriso sarcástico de lado.

— Talvez.

Ele solta outra risada.

— Você teve a sua chance, Jay. E você perdeu.

Sinto uma raiva crescer e fecho os olhos momentaneamente para controlar as minhas expressões. Essa raiva era de mim mesmo, porque eu sabia que isso era verdade e não existia um dia que eu não me arrependesse da minha estupidez.

Não tinha um dia que eu não olhasse para Jungwon e não pensasse que seria diferente se eu não tivesse agido como um babaca depois daquele maldito beijo. Eu não teria que ter lidado com um relacionamento de merda e ele não estaria em namoro horrível com meu amigo.

— Eu ter perdido a minha chance não faz com que seu namoradinho seja bom o suficiente 'pra você.

— E você opinar no meu namoro não vai fazer o tempo voltar e isso aqui — apontou para nós dois — acontecer. Então, você precisa parar com esses bilhetes, não só pelo meu namoro, mas pelo seu também...

— A gente terminou — eu o interrompo.

De início eu não entendi o porquê da necessidade de lhe contar aquilo. Porém, algo me dizia que eu queria lhe contar para que ele, talvez, reconsiderasse a nossa atual situação agora que Minjun estava fora.

— Uau, parabéns — ele diz com sarcasmo — O Minjun era terrível, você se livrou de um problema. Embora eu ache que você também não seja lá o melhor namorado do mundo, não é?

— Eu era um ótimo namorado 'pra ele, o melhor que pude ser — minha voz ficou firme — Eu fiz muito por ele e no final fui retribuído com uma bela traição.

Jungwon ri. Não tinha mais sarcasmo ou ironia, ele realmente riu abertamente, de curvar seu corpo e se movimentar por inteiro, os ombros subindo e descendo. Eu fico o encarando sem entender nada.

Honestamente, sempre que alguém me dizia que eu não era um bom namorado, isso me deixava com raiva. Eu sei que cometi erros com Minjun, alguns que ele talvez nunca nem saiba, mas ele que armou toda uma situação para que a gente começasse a namorar e eu aceitei.

Deixei de lado muito do meu lado individualista para fazer com que aquilo desse certo, mesmo que meu coração gritasse pela minha liberdade de volta. Eu me esforcei muito para não o magoar, para fazer aquele namoro funcionar como deveria, por mais que eu odiasse estar nele, e no final isso tudo acabou por parte dele. Era injusto.

— Ai, você é realmente engraçado — Jungwon diz encerrando as risadas e limpando uma lágrima que se acumulava em seu olho — Reclamando de traição quando você mesmo fez o mesmo... uma verdadeira piada pronta, Jay.

— É diferente — cerro minha mandíbula.

— Claro que é — ele nega com a cabeça, um sorrisinho ainda pairando em seu rosto bonito — A diferença é que você podia trair ele, mas ele não podia fazer o mesmo, não é?

— A diferença é que eu me esforcei por nós dois, mesmo com alguns erros e...

— Você acha que essa porra é uma justificativa? — ele parece incrédulo — Cara, você é louco. Ainda bem que eu me livrei dessa.

— Tem certeza? — pergunto com raiva — Você acha mesmo que o seu namoradinho mantém a porra do relacionamento de vocês em segredo e não sai por aí se aproveitando disso? Acho que nós dois temos algo em comum, e não é só essa tensão sexual entre a gente.

O seu sorriso morre e ele empurra o meu peito, me afastando dele. Sua expressão é raivosa e isso faz eu me sentir um pouco vitorioso, eu adorava ganhar em argumentos e Jungwon sabia que eu estava certo. Porém, eu duvidava muito que ele fosse admitir.

— Se você acha que inventar mentiras sobre o meu namoro vai me fazer terminar com ele 'pra ficar com você, então você 'tá muito enganado — ele cerrou sua mandíbula — E não existe essa merda de tensão entre a gente, Jay. Isso é ridículo.

Ele é lindo, esse é o único pensamento que está em minha cabeça. Não consigo o rebater de imediato porque o desejo de o beijar é mais forte do que as minhas palavras. Parecia que aquela fúria dele me engatilhava de volta para aquela maldita noite no beco, onde ele estava exatamente daquele jeito, com aquela expressão.

Jungwon me encara enquanto me espera o responder, mas não tenho nada a falar. Segundo depois, quando meu cérebro volta a funcionar decentemente e eu consigo achar uma resposta, uma ideia melhor surge. Eu dou um sorriso maldoso.

Com passos longos e rápidos, eu volto a me aproximar dele, o que o faz fazer uma expressão de alerta. Toco em sua cintura e antes que Jungwon possa tentar se soltar, eu ando com seu corpo até a parede, onde o mantenho entra ela e o meu corpo colado ao seu.

— O que você 'tá fazendo? — ele tinha os olhos arregalados.

— Provando a você que existe sim uma tensão entre nós dois.

— Você é muito babaca — ele tentava manter a voz firme, mas ela estava começando a ficar trêmula.

Aproximo meu rosto do seu lentamente, mas quando os nossos narizes se tocam, ele vira o pescoço e me impede de seguir até onde eu queria. Solto uma risadinha e resolvo aproveitar o espaço que ele havia me dado, então desço meu rosto até o seu pescoço e sinto sua temperatura quente com os meus lábios, roçando de levinho por toda a extensão.

Sua pele se arrepia e eu uso daquele momento para deixar um beijo molhado ali, seguido de outro e mais outro. A cada toque em seu pescoço eu podia o escutar suspirar baixinho e seu corpo amolecer, eu me sentia ganhando um prêmio com suas reações.

— Você é tão bom, Wonnie — eu sussurro em seu ouvido e deixo um beijo um pouco abaixo da sua orelha — Tão, tão bom.

Subo uma mão para o seu pescoço, onde dou um leve aperto e então subo mais um pouco e alcanço o seu queixo, o forçando a virar seu rosto para mim de novo. Com a nossa diferença de altura, ele precisa olhar para cima e eu me sinto querer desmanchar o vendo daquele ângulo, parecendo tão desejável e vulnerável.

Quero beijar ele, sinto essa ânsia crescer dentro de mim tão fortemente que parece doloroso conter aquilo, mas eu não vou, porque eu sei que ele vai se arrepender. Se for para o ter, que seja por inteiro, sem remorsos. E eu seria o mais paciente possível quanto aquilo.

Pressiono meu dedo contra seus lábios e o arrasto por ali, sentindo a maciez deles, tentando relembrar a sensação que é ter eles contra os meus. Eu estava prestes a enlouquecer, eu o desejava tanto e saber que ele sentia o mesmo, embora não dissesse nada, me fazia o desejar mais ainda. Havia algo prazeroso e doloroso em sentimentos não-falados.

— Para... — ele sussurra e me afasta lentamente — E-eu não posso... quer dizer, eu não quero — balança a cabeça.

Eu dou alguns passos para trás e fico longe dele, admirando de longe o modo com ele tenta retomar o seu fôlego, — e eu não havia feito nada demais, mas serviu para provar o meu ponto, o que amaciava o meu ego.

— Eu disse, Wonnie — volto a falar — Nós temos uma tensão.

— Vai 'pro inferno — ele revira os olhos.

Eu estava pronto para o responder com alguma piadinha, mas nós ouvimos passos no corredor que se aproximavam da porta e Jungwon se desesperou de repente. Ele acabou soltando um palavrão e se apressou em enfiar seu caderno de desenhos de qualquer jeito em sua mochila enquanto olhava várias vezes em direção a porta.

Acabei ficando estático e sem entender o porquê de tanto desespero repentino. Embora eu também não quisesse que ninguém me visse ali, Jungwon estava parecendo um traficante escondendo drogas da polícia, era até engraçadinho, mas levemente preocupante.

De repente ele olha para mim e arregala os olhos como se tivesse se esquecido de algo importante. Antes que eu questione qualquer coisa, sinto meu corpo ser empurrado com brutalidade por ele até um dos armários que ficavam na parte de trás das sala de aula. Sem mais nem menos, e com a delicadeza de um jumento, Jungwon tentou me colocar ali.

— Jungwon, que porra é essa? — eu pergunto tentando sair, enquanto ele me impedia segurando meu corpo.

— Você precisa ficar aí dentro, por favor — pediu suplicante.

— Eu não vou ficar dentro desse armário, Jungwon!

— Só espera um pouco, daqui a pouco você sai — ele olhava para mim e para a porta várias vezes — Por favor, ele não pode ver nós dois juntos. Por favor, por favor, por favor.

Meu cérebro trabalha mais rápido e eu entendo o que estava acontecendo ali, sentindo um pequeno desespero também crescer em mim. Então deixo que ele me coloque dentro do armário e feche a porta quase que por completo, deixando apenas uma fresta aberta, onde eu podia ver o que estava acontecendo do lado de fora.

Estávamos em uma situação complicada. Aguardo todo o desenrolar da cena em silêncio, sentindo até mesmo medo de respirar e ser pego. Vejo Jungwon ajeitando seus cabelos e seu uniforme enquanto se afastava de onde estou, seus ombros estão tensos e o escuto respirar fundo.

Meu corpo acaba se tensionando também ao perceber que não estávamos mais sozinhos na sala de aula, porque a presença egocêntrica, narcisista e elegante de Park Sunghoon entra no local. Minha mandíbula se cerra ao ver seus caninos salientes serem mostrados através de um sorriso para Jungwon.

Sunghoon era chamativo até mesmo fazendo algo simples como andar, aquilo me irritava em todos os sentidos. Não sei ao certo em que ponto comecei a me sentir tão enojado por cada coisa que ele fazia, mas agora eu o achava insuportável ao ponto de querer negar todos os nossos anos de amizade.

Eu apenas sabia que já fazia um tempo que eu havia perdido todo e qualquer carinho que um dia já havia tido por ele. Nossa amizade havia se desgastado tanto ao longo do tempo que não restava nada além da pura raiva de ter que conviver com ele e não poder socar a sua cara.

O fim da nossa amizade não estava surgindo do nada. Aquele fim vinha do fato de Sunghoon ser um completo imbecil a maior parte do tempo, com seus comentários maldosos, preconceitos enraizado e a falta de comprometimento com a banda e com a nossa amizade. Eu estava cada vez mais farto daquilo.

Mas, se eu fosse ser realmente sincero, não era apenas isso que fazia um ódio crescer dentro de mim sempre que eu tinha que conviver com Sunghoon. Um dos motivos, — o principal deles, creio eu — pelo qual eu soltei sua mão de vez, era porque eu odiava ver ele com Jungwon.

— Você demorou, achei que não vinha mais — Jungwon diz.

— Tive que inventar uma desculpa, o Jake não parava de encher o meu saco — ele revirou os olhos — Por um segundo eu achei que ele fosse vir atrás de mim 'pra ver o que eu ia fazer sem ele.

— Você acha que ele pode ter vindo?

— Não, ele ficou com o Heeseung pegando o meu almoço e o do Jay. Ele comentou alguma coisa sobre o Jay estar fugindo pela escola — deu um sorriso de lado — Acho que não sou só eu que tenho uns segredinhos por aí.

Jungwon da uma risadinha e eu sinto seu nervosismo naquele gesto, mas Sunghoon parece não perceber, já que apenas ri de volta o acompanhando.

— Não acha que é meio perigoso vir me encontrar logo aqui? Qualquer um pode entrar ou passar no corredor e ver nós dois — Jungwon diz — Não quer ir para algum lugar mais, sei lá... discreto?

Sunghoon se aproxima de Jungwon e toca em seus cabelos, os colocando para trás de sua orelha. Os ombros tensos de Jungwon caem, como se aquele carinho o fizesse se acalmar, me sinto enjoado de notar aquilo. Sinto vontade de chutar esse armário e arrancar as mãos de Sunghoon de cima de Jungwon.

— Você sempre reclama que a gente só se encontra no banheiro, eu quis ver você em um lugar mais confortável. A gente não precisa ficar de casal aqui, podemos só ficar de boa, não é nada demais — Sunghoon diz — Mas se você quiser, a gente pode ir para outro canto, porque ficar com você e não poder te beijar é como um inferno na terra.

Jungwon abaixa a cabeça e eu fico imaginando como estava sendo a sua reação, se ele estava envergonhado ou sorrindo, se suas bochechas ficavam vermelhas... Sunghoon não merecia nenhuma daquelas reações, elas deveriam ser minhas, eu quem deveria causar elas.

— Eu vou para onde você quiser, Hoon. Mas se for difícil demais para resistir, saiba que não tem ninguém por perto agora.

Sunghoon coloca suas mãos nas bochechas de Jungwon e aproxima o seu rosto do rosto alheio. Fecho os olhos com força porque sei que eles estão se beijando e sou capaz de cometer loucuras se eu ver algo como aquilo. Meus punhos se fecham com tanta força que posso sentir as minhas unhas contra as palmas, marcando-as rudemente.

Mesmo sem enxergar, ainda posso escutar os sons dos estalos e a imagem se forma em minha cabeça, balanço ela várias vezes para tentar expulsá-las. Eu odeio imaginar aquilo contra a minha vontade, odeio o sentimento de impotência que me invade e odeio Park Sunghoon por ter o garoto que eu faria qualquer coisa para ter só para mim. Um garoto que ele não merecia.

Quando aquele tormento finalmente termina, não abro os olhos, apenas ouço eles sussurrando algo inaudível um para o outro e então seus passos ficam cada vez mais distantes. Me sinto seguro para então abrir os meus olhos e percebo que estou novamente sozinho naquela sala de aula. Empurro a porta do armário e saio de lá me sentindo humilhado, derrotado e fracassado.

Eu era o único que sabia do namoro do Sunghoon com Jungwon, descobri antes mesmo deles se tornarem oficiais. Era óbvio que Sunghoon jamais iria contar para ninguém sobre aquilo, porque isso iria acabar com a reputação perfeita que ele tinha. 

A pior parte de todo aquele caos, era porque Sunghoon não mantinha apenas a sua sexualidade e seu namoro em segredo, mas também fazia questão de ser a merda de um preconceituoso o tempo todo para disfarçar quem ele era. E embora eu fosse contra tirar as pessoas do armário, eu faria aquilo com Sunghoon sem nem pensar duas vezes, porque ele merecia.

O principal ponto que me impedia de fazer aquilo era Jungwon. Eu não entendia o porquê dele insistir naquele namoro mesmo Sunghoon tendo feito coisas muito ruins com ele, além de o esconder do resto do mundo. Infelizmente eu sabia que tudo o que eu fizesse contra o Park iria afetar Jungwon também, e eu mesmo já havia feito estragos demais em sua vida. Não queria ser o responsável por fazer outro.

Enquanto minha cabeça pesa com tantos pensamentos, caminho em direção ao refeitório com três certezas: a primeira é que eu, definitivamente, odeio Park Sunghoon, a segunda é que e eu preciso tirar Jungwon dele antes que ele se machucasse mais do que já era machucado e a última era que eu jamais deixaria que Jungwon fosse um segredo.

Não havia algo tão repugnante nesse mundo quanto a minivan de Lee Heeseung. Um dia, quando pertencia a mãe dele, eu não duvidava que fosse um carro maneiro, porque a mãe dele era super maneira, mas agora não passava de um carro velho com um cheiro duvidoso e sujeira permanente no carpete, — era extremamente nojento e eu tentava não pensar muito sobre.

Eu tentava não reclamar muito, — só quando eu acabava sentando por engano em algum mofo esquisito no estofado — porque era o que levava a gente para todos os shows da COSMOS. E embora Heeseung dirigisse ilegalmente, até que ele era um motorista decente, então realmente não tinha muito o que reclamar além das procedências higiênicas duvidosas.

Era cotidiano que a banda percorresse toda a costa praiana de Sanbyeon em direção ao Centro para tocar em um sábado a noite. Porém, naquela noite em específico, eu sentia algo de diferente no ar e não sabia dizer o que era, mas soava como um pressentimento ruim. Odiava não ter certeza do que eu estava sentindo, era agoniante e me deixava pensando demais.

Vez ou outra eu cantava junto dos meninos a música que tocava na rádio, mas na verdade eu estava mais focado em fuzilar Park Sunghoon com os olhos. Ele estava sentado no banco da frente, ao lado do Heeseung que estava de motorista, e eu podia ver as inúmeras mensagens enviadas por Jungwon e que ele apenas arrastava para o lado e ignorava para rolar pelo Twitter.

As únicas vezes em que meu momento de matar Sunghoon com meus olhos era interrompido, era quando eu notava as pernas inquietas de Jake se tremendo e quando eu ouvia o irmão postiço de Heeseung, o Riki, mastigando as balas de ursinho no porta-malas, — ele ajudava a banda a descarregar os instrumentos já tinha uns meses, desde o casamento do pai do Lee com a mãe do garoto. Ele era quieto, mas era legal, eu gostava do moleque.

— Sunghoon, você pode fazer o favor de tirar sua bota imunda do painel da van? — Heeseung gritou de repente, me fazendo tirar os olhos da nuca do Park — e para de comer esse salgadinho nojento, você 'tá sujando todo o banco, eu mandei limpar ele não tem nem uma semana.

Pensei em soltar alguma piadinha sobre a empresa de limpeza ter dado um golpe em Heeseung, porque a van continuava imunda, mas preferi me conter. O Lee estava estressado já tinha dias, parecia um vulcão em constante erupção, eu é que não ia atiçar ele mais ainda.

Porém, se eu estava consciente daquilo, Sunghoon claramente não estava. Ele simplesmente ignorou o grito de Heeseung e continuou na mesma posição, rolando pelo seu Twitter como se ninguém tivesse falado com ele. Eu e Jake trocamos um olhar e a perna do meu amigo começou a tremer com mais intensidade. Suspeitava que Jake estava ansioso de um jeito ruim.

Acho que meu olhar serviu como uma espécie de telepatia com Jake, porque ambos começamos a cantar ainda mais alto a música do rádio, como se aquilo fosse tirar a atenção de Heeseung para uma possível briga. Infelizmente o plano falhou, pois alguns poucos minutos depois o som foi abaixado e eu e Jake fizemos sons de reprovação. Eu já podia sentir a briga se aproximando.

— Eu 'tô falando sério — Heeseung disse.

— E eu estou te ignorando — ele afundou no banco e soltou um suspiro de puro tédio, Heeseung grunhiu baixinho.

Sinto Riki se mexer atrás de mim e pelo canto de olho noto que ele estava bastante atento a aquela pequena discussão. Devia ser engraçado para ele ver uma briga alheia acontecer em sua frente, eu também estaria aproveitando se aqueles não fossem o meu melhor amigo e o meu outro (não tão) amigo.

Heeseung ia realmente começar uma discussão, eu conhecia cada movimento seu que antecedia algo que ele ia fazer. Sunghoon também sabia, logo estava fazendo de propósito, eu tinha certeza, queria poder o fazer parar porque aquela era uma zona perigosa de se mexer.

Aquele estava sendo um péssimo ano para Heeseung, ele não estava lidando muito bem com o novo casamento de seu pai e com a nova vida em família que envolvia um "irmão" mais novo. Qualquer mísera bobagem era o suficiente para que ele explodisse e estava bem perto agora.

— Será que você pode parar de ser assim por um mísero dia? — Heeseung falava entredentes, como se tentasse se controlar — Seria bom a gente fazer um show sem eu entrar no palco querendo socar sua cara.

— E você seria capaz de estragar nossa melhor arma? — Sunghoon enfiou na boca os salgadinhos que estava comendo — O meu rosto é o que faz nosso show não ficar vazio, já que as garotas sempre vão para me ver cantar.

Eu reviro os olhos e vejo que Jake faz uma cara de descrença, Riki está com expressão de nojo, — eu quis rir daquilo. — Sunghoon era a porra de um narcisista do caralho e parecia que cada vez mais aquilo piorava. Ele não perdia uma oportunidade de tentar parecer superior a nós três.

— As garotas não vão só 'pra isso, seu narcisistinha — Heeseung voltou a falar — Elas vão porque somos uma banda com um som maneiro.

— A gente canta covers, Heeseung — Sunghoon deu uma risadinha debochada — Não somos a porra do Queen, poderíamos ser até uma One Direction, mas fica difícil quando apenas um de nós tem a aparência 'pra isso.

Ele estava começando a me irritar bastante a partir daquele momento. Sei que sou uma pessoa suspeita para sentir aquilo, já que a minha irritação por ele na real já havia vindo de fatos anteriores, mas ele desmerecer nossa beleza é uma coisa, agora ofender o talento e potencial da banda como um todo era outra. Ele estava começando a passar dos limites.

A perna de Jake não para de balançar e ele tem o lábio inferior preso entre os dentes, ele está o mordiscando. Eu entendia que estávamos entrando em um momento de tensão, mas Jake estava prestes a ter um surto ou algo assim. Fico olhando para o meu amigo, mas ele não me olha de volta, estando muito vidrado na cena para olhar para outro canto.

— Eu poderia socar sua cara e expulsar você da banda agora mesmo. — Heeseung falou entredentes.

— Você não tem coragem, HeeHee. Não arriscaria perder seu vocalista, quem iria cantar no meu lugar? O seu irmão japonês? — debocha.

Meus punhos se fecham com força, aquilo havia sido uma ultrapassada muito grande dos limites para mim. Não era a primeira vez que Sunghoon fazia comentários xenófobos ou debochava sobre Riki vim do Japão, e eu também era estrangeiro, eu vivi alguns daqueles comentários por outras pessoas e sei como dói. Eu havia me acostumado, mas aquilo era algo novo para Riki.

Tenho a certeza sobre seu desconforto quando o sinto se mexer mais uma vez, dessa vez abaixando a cabeça e parando, pela primeira vez, de assistir a cena. Não ia aceitar alguém ser diminuído logo pelo Sunghoon, um cara tão asqueroso que nem tinha o direito de magoar alguém, então resolvi me meter:

— Não liga 'pra ele, é só um idiota — quase sussurrei, queria que só nós dois ouvíssemos.

— Eu não ligo — ele respondeu.

Sei que ele está mentindo e não o julgo, era um método de defesa. Tento forçar o canto dos meus lábios para lhe oferecer um sorriso aconchegante, pois não queria lhe deixar ainda mais desconfortável.

— Você seria um vocalista muito melhor que ele — estico uma mão e bagunço seus cabelos loiros com carinho.

Me viro logo em seguida, mas pelo canto do olho posso ver que ele sorriu e meu peito se aquece, eu acredito que fiz um bom trabalho. O que eu disse não era mentira, embora eu nem soubesse se Riki sabia cantar afinado ou não, mas ele me parecia ter mais caráter que Sunghoon, então isso já contava.

Por um curto momento a minha mente viaja observando Riki e nem percebo que ainda estávamos em um campo minado. Porém, a voz trêmula e nervosa de Jake preenche o ambiente do carro:

— Não vale a pena discutir, Hee. Sunghoon 'tá sendo o Sunghoon, nada de novo.

Inconscientemente eu assinto com a cabeça, porque concordo com aquela afirmação. Percebo que Sunghoon me observa com os olhos estreitados pelo retrovisor e paro de assentir, o encarando de volta do jeito mais ameaçador que eu conseguia.

Como duas crianças, ficamos nos encarando para ver quem iria desistir primeiro. Nem ao menos entendia o porquê de estarmos agindo tão infantilmente, mas para mim era uma questão de orgulho, eu não ia desviar os meus olhos do dele. Isso se encerrou quando ouvi Heeseung responder:

— O problema é que "ser ele" — fez aspas com uma mão — implica em ter que aturar uma pessoa babaca, imbecil, narcisista e sem a menor noção de como agir em sociedade ou com a própria banda. E eu 'tô exausto dessa merda — ele quase gritou a última frase.

Um tenso silêncio se instalou na van. Era como se a bomba tivesse explodido na nossa frente, o vulcão finalmente havia entrado em erupção, Heeseung ultrapassou o limite. Pela cara de indignação de Sunghoon, ele também estava prestes a ultrapassar mais um limite.

— Uau, Heeseung. Sério, uau. — Sunghoon disse desacreditado — Você quer seguir por esse caminho? Você também não é um exemplo de perfeição, não é mesmo? Nenhum de vocês, na verdade.

— Cuidado com o que fala, Park... — Heeseung usou seu tom de ameaça.

— O quê? Ninguém aqui é santo, e você acha que pode dizer merda 'pra mim de graça desse jeito? — deu uma risada sem humor — Não sou eu que fumo maconha atrás da igreja enquanto minha mãe reza por mim, esse é o Jake. E não fui eu que trai meu namorado com caras mais velhos e não tive coragem de terminar, esse foi o Jay...

Eu paraliso, meu queixo cai minimamente, sinto minha respiração ficar presa. Como que ele sabia daquilo? Ninguém sabia, só o Heeseung.

— Park Sunghoon! Chega.

— Não, Heeseung, você não queria falar? Então eu vou falar.

— Se você disser mais alguma coisa...

— Não sou eu que odeio tanto o fato do meu pai ter se casado de novo que fugi da cerimônia com uma garrafa de whisky e fiz a polícia ir atrás de mim, esse é você. E não adiantou, não é? Você ganhou um novo irmãozinho japonês e uma nova mãe para compensar a outra que te abandonou.

Aquilo havia sido cruel, baixo e venenoso, mas eu não consegui sentir nada. Em qualquer outra ocasião eu teria gritado e defendido Heeseung com unhas e dentes, mas tudo o que se passava em minha cabeça era: Sunghoon sabia que eu traia o Minjun, Sunghoon usou isso para me afetar, Sunghoon não deveria nunca e em hipótese nenhuma saber disso.

Exatamente pelo motivo dele ter acabado de jogar um fato triste na cara de Heeseung era uma das razões para que eu não querer que ele soubesse. Não era só usar aquilo para magoar, mas Sunghoon podia usar daquilo a qualquer momento e espalhar por aí. De repente me surgiu o pensamento de que talvez Jungwon até mesmo já soubesse e por isso estava sendo tão arisco comigo.

De repente meus pensamentos foram interrompidos por um movimento perigoso da van. Heeseung havia girado o volante repentinamente e nós quase voamos, derrapando na pista. Ouço o barulho dos instrumentos no banco de trás sendo jogados de um lado para o outro, depois ouço barulho de vidro.

Quando meu corpo parece voltar aos eixos por causa do cinto de segurança, o carro para de repente e sou levemente arremessado para frente por causa da freada brusca. Minha cabeça está rodando e fico feliz que estou com o cinto, senão meu corpo poderia estar no vidro da frente nesse momento.

Passo a mão pelo meu tronco apenas para ter certeza que estou inteiro, depois olho para Jake e noto que ele tem a mão contra a testa avermelhada. Suspeito que o barulho do vidro havia sido a sua cabeça se chocando contra a janela. Começo a desafivelar o cinto para ajudar o meu amigo, mas a voz de Heeseung interrompe os meus atos:

— Sai do carro.

— O quê?

— Você 'tá fora — olha para Sunghoon com raiva.

Meu primeiro pensamento é achar que estou delirando e que eu não ouvi o que eu realmente havia ouvido. Era uma alternativa válida já que eu ainda me sentia tonto e estava mais preocupado com Jake do que com qualquer tipo de briguinha que acontecesse entre Heeseung e Sunghoon.

Aquela não era a primeira vez que Heeseung tentava expulsar um de nós depois de uma discussão. E embora eu soubesse que os dois, — principalmente Sunghoon — havia ultrapassado os limites, aquilo ia ser uma medida drástica demais e Heeseung tinha noção daquilo.

Eu detestava Sunghoon, ele beijava a boca que eu mais desejava em toda essa cidade, mas mesmo com nossa amizade desgastada, ele ainda era um ótimo vocalista. A COSMOS foi fundada por nós quatro e ia continuar com nós quatro, duvido que nenhum parceiro de banda não quisesse transar com o namorado do outro. Isso era normal e nunca afetou ninguém na indústria.

— Você não vai me chutar, HeeHee. Você precisa de mim, todos vocês precisam, mais do que eu de vocês, sendo sincero. — deu um suspiro — Ninguém vai querer cantar na bandinha de vocês além de mim, não quando tem outras muito melhores por aí, como a do Choi Beomgyu.

— Ótimo, então corra e peça 'pra ele uma vaga na banda. Soube que eles 'tão precisando. — Heeseung se virou completamente para o outro — Porque nessa aqui você não fica mais nenhum segundo.

A expressão brincalhona de Sunghoon vai morrendo aos poucos, enquanto a de Heeseung vai ficando mais raivosa e confiante. Eu olho para eles com tédio, porque parecia uma guerra silenciosa de masculinidade frágil, — algo que Sunghoon tinha bastante — eu só queria que aquilo acabasse logo para a gente fazer o show e eu tomar uma aspirina porque minha cabeça estava começando a doer consideravelmente.

— Você não pode fazer isso, eu fundei essa merda junto com vocês. Estamos juntos tem quase dois anos, tem que ser uma decisão de todos, não só sua. — ele se vira para olhar para mim e para Jake.

Forço mais ainda uma cara de tédio para que ele entendesse que aquilo tudo estava sendo ridículo para mim, até mesmo fecho os meus punhos para parecer mais ameaçador. Acho que não funciona, pois ele apenas volta a se sentar no banco com as costas eretas e solta um suspiro baixo.

Mais uma vez todos ficam em silêncio e eu espero pelo primeiro que vai dizer para esquecerem aquilo e deixar que a gente fosse até o local do show. E quando Sunghoon voltou a falar, eu esperei por aquilo, mas recebi algo que não estava no meu roteiro mental:

— Me parece uma decisão unânime. Boa sorte, otários.

Contrariando qualquer expectativa, ele abriu a porta, colocou a mochila nos ombros e saiu do carro batendo a porta com força, fazendo Heeseung xingar baixinho. Comecei a cogitar que aquele drama estava indo longe demais, mas eu esperei que ele voltasse para a van, esperei que Heeseung chamasse por ele ou qualquer coisa assim.

Para a minha surpresa, de novo, Heeseung simplesmente deu ré com a van, sem dizer uma palavra, apenas se afastando rapidamente daquele beco esquisito e deixando Sunghoon a própria sorte. Ele meio que merecia aquele castigo por ter sido um babaca, então entendi que Heeseung estava lhe dando um pequeno troco pelo que ele havia dito.

A van voltou a entrar na rua principal e eu olho para Jake, esse que está com a cara fechada parecida com a de Heeseung, parecendo muito irritado com alguma coisa. Era estranho ver ele assim, porque Jake quase nunca ficava com raiva, aquele era o meu papel e o de Heeseung.

— Heeseung, cuidado! — Riki gritou.

Me viro com o grito, a van joga meu corpo para a frente pois ela freia com força novamente e vejo o exato momento em que o vidro de trás da van é atingido com tudo por um objeto desconhecido. O barulho faz com que eu feche meus olhos pelo susto e eu escuto meus amigos dizerem algo que não consigo entender.

Volto a abrir os olhos e desafivelo o cinto com pressa, pois logo me vem a cabeça que Riki podia ter sido atingido e estava machucado.

— Riki, você 'tá bem? Se machucou? — Pergunto em desespero, puxando os braços do garoto, na tentativa de ver seu rosto.

Assim como eu havia feito antes, Riki começou a checar seu próprio corpo e eu suspirei de alívio ao notar que, pelo menos superficialmente, ele estava sem nenhum machucado.

— 'Tô bem, eu acho — ele responde.

— Que bom. — eu solto mais um suspiro — Seu irmão 'tá bem, Seung.

Eu não sei exatamente o porquê de ter avisado aquilo a Heeseung, já que ele dificilmente se importaria, — por ele, Riki poderia pular da van que ele nem se importaria. — além de que ele estava mais preocupado em olhar para trás apenas para entender o que estava acontecendo.

Percebo que Jake ainda estava com a testa avermelhada, mas olha inquietamente para fora do carro. Eu resolvo começar a olhar ao redor também para poder entender o que havia acontecido, então noto que o vidro de trás da van não estava completamente quebrado, apenas trincado.

— Ele jogou uma pedra. — Jake constata com a cabeça para fora da janela — Nossa, foi uma pedrona. Imagina se pega na cabeça de alguém?

— Desgraçado, o vidro trincou inteiro. VAI SE FODER, PARK SUNGHOON! — Heeseung gritou com a cabeça também para fora.

Continuo olhando para trás e vejo quando Sunghoon levanta os dois dedos do meio enquanto sorri diabolicamente. Naquele momento eu percebo: talvez ele não volte para a banda. Mesmo se Heeseung não estivesse realmente cogitando aquilo, agora era uma certeza.

O carro volta a andar, Jake ainda alisa sua testa machucada, Riki está paralisado e Heeseung dirige a toda velocidade, eu estou tentando digerir os últimos minutos dentro daquela van. A minha cabeça ainda está rodando, então parecia difícil entender qualquer coisa, mas começo a perceber que talvez eu tivesse interpretado errado tudo naquela noite.

Voltando algumas horas atrás, eu tinha notado o clima tenso entre Sunghoon e Heeseung assim que cheguei na casa dos Lee. Eu ignorei, porque os dois viviam em uma tensão há muito tempo, na real a banda era tensa com o Sunghoon, nada de novo.

Lembrei também da minha conversa com Jake ontem de manhã na escola, ele me dizendo sobre como estava preocupado com algo, dizendo que Heeseung estava esquisito e eu apenas ignorei. Tinha algo acontecendo com a banda já tinha um tempo, e eu fiquei tão preso nos meus próprios problemas que não vi isso acontecer até chegar onde havia chegado agora.

Noto ainda mais que estava completamente alheio a tudo quando lembro que Sunghoon sabia sobre o principal problema do meu namoro com Minjun, sendo que era algo que eu escondia muito bem. Queria entender o que diabos eu havia perdido para que ele tivesse aquelas informações.

— Aquele filho da puta falou da minha ervinha, mas sempre que eu fumava perto dele, ele me pedia um pouco. — Jake fala de repente — Inclusive ele fez isso durante a missa, e a mãe dele também 'tava lá. Babaca hipócrita.

Aquilo era verdade, Sunghoon fumava tanto quanto qualquer um de nós, — o que não era um motivo para se orgulhar — Ou seja, ele não tinha direito nenhum de jogar aquilo na cara de Jake. Mas pensando bem, ele também não tinha o direito de falar sobre traição comigo quando eu já havia visto ele flertando com várias garotas enquanto namora com Jungwon.

— Não acredito que ele usou o Minjun para me atingir. — eu falo — Nem foram tantas traições, aconteceu umas três vezes, e não era como se ele não me traísse de volta — faço uma pausa — E como ele sabe disso? Eu nunca contei 'pra ele, só 'pro Heeseung.

Olho para meu amigo que olha para Jake, eles claramente ficam desconfortáveis e eu semicerro os olhos. Eles estavam me escondendo alguma coisa que eu com certeza deveria saber, até mesmo endireitei as minhas costas para esperar pela bomba que ia receber.

— Você ficou com um dos amigos dele, de uma outra escola. — Heeseung disse primeiro — Ele perguntou para mim se eu sabia algo sobre isso, eu tentei mudar de assunto, mas ele já sabia. Essas notícias correm.

Ele havia contado para Jungwon, foi a primeira coisa que pensei. Por isso que ele há via dito com tanta certeza que eu tinha traído Minjun ontem, e se ele sabia, então mais gente também devia estar sabendo.

Passo as mãos furiosamente pelo meu rosto ao constatar que não havia servido de nada manter aquela merda em segredo, já que todos sabiam. Olho para Jake porque espero que ele me explique como que ele tinha descoberto, já que aquela troca de olhares com Heeseung havia o entregado.

— Ah, cara... Essa cidade é pequena, né? Todo mundo acaba sabendo. — Jake confessa, falando rapidamente. — Mas no caso eu soube pelo Heeseung mesmo.

— Não me olha assim, sabe que eu não consigo segurar as coisas 'pra mim. Eu fiquei chocado demais. — Heeseung disse rapidamente após receber um olhar mortal de mim.

Minha cabeça está rodando, rodando e rodando. Aquilo é um pesadelo, estou no inferno, não podia acreditar que eu havia perdido o controle e havia caído novamente em uma fofoca, — o pior é que a fofoca não tinha chegado a mim até aquele exato momento e talvez eu nunca soubesse.

— Quem mais sabe? — eu pergunto.

— Muita gente — Heeseung responde.

— Das pessoas que eu conheço, quem sabe?

— Nós... O Sunghoon... O Minjun obviamente, já que ele terminou com você, né? — Jake ficou pensativo — E agora o Riki. — apontou para o porta-malas.

Me viro para trás tão rapidamente que me sinto como a garota do O Exorcista. No meio dos meus pensamentos acabei não lembrando da presença de Riki e isso realmente me preocupa, porque ele nem ao menos sabia que eu era gay. E aquela maldita fofoca não parava de crescer, eu esperava que ele não fosse o tipo de pessoa que saia espalhando essas coisas por aí.

— Eu nem estou prestando atenção direito, juro. — se apressou em dizer — Também posso fingir que nunca escutei nada.

Honestamente, eu não sabia se podia confiar nele, porque só o conhecia dentro do mundinho dele sendo o ajudante da banda e irmão postiço de Heeseung. Eu não sabia sobre suas amizades ou o seu passado, então nada do que ele fosse me dizer ia me deixar mais tranquilo.

— É bom que nada o que foi falado aqui saia daqui, ouviu, pirralho? — Heeseung disse o encarando pelo retrovisor.

— Eu não sou esse tipo de pessoa, eu guardo segredos. — ele se encolhe.

Vendo seu jeito desconfortável, decido lhe dar o benefício da dúvida, ele parecia inofensivo demais. E Heeseung também era um chato e insuportável com esse moleque, se ele fosse uma pessoa ruim, já teria dado um chute no Lee só para que ele fosse menos babaca.

— Pare de ser um pé no saco com o garoto, Heeseung. — digo — Só dirija mais rápido, o showzinho com o Sunghoon atrasou a gente. Nossa banda se apresenta em 30 minutos e ainda temos que descarregar os instrumentos.

Eu afundo de volta no banco e evito os olhares dos meus amigos, eles parecem entender porque tudo fica silencioso e ninguém ousa dizer mais nada. A rádio ainda toca uma música que eu gosto, mas não sinto vontade de cantar, na real a minha única vontade é voltar no tempo e impedir tudo o que tinha acabado de acontecer.

Odiar Sunghoon não me fazia querer que ele fosse chutado, eu não conseguia parar de pensar que aquela havia sido uma situação muito impulsiva e imatura. O pior é que eu não podia dizer nada naquele instante porque Heeseung estava claramente puto de ódio, — e Sunghoon não ajudou em nada quebrando a porcaria do vidro.

Não conseguia entender o porquê de a ideia de não ter mais o Sunghoon com a gente era tão incômodo. Eu detestava mudanças bruscas, principalmente quando havia sido mudado algo de anos, não era só a saída dele da banda, era uma confirmação de que talvez nem a nossa amizade fosse ser mantida.

Mas pensar nisso me deixava ainda mais confuso porque eu não queria manter uma amizade com Sunghoon. Eu o odiava. Não queria ser seu amigo.

Começo a sentir uma tontura de novo e percebo que ficar remoendo aquilo não ia me levar a lugar nenhum. Para espairecer, puxo minhas baquetas do bolso da minha mochila e começo a batucá-las nas minhas coxas no ritmo da música que tocava no rádio. Tudo pareceu calmo por uns instantes.

Minha mente ficou tão focada naquilo que nem me toquei que já estávamos nos aproximando do Centro de Música e Cultura de Sanbyeon até que as luzes multicoloridas estivessem bem na minha frente. O fluxo de pessoas ia aumentando cada vez mais ao longo que entravamos nas ruas estreitas e feitas de pedregulhos. Eu amava a vibe daquele lugar, eu me sentia em casa.

Os cantos dos meu lábios ameaçaram abrir um sorriso quando eu visualizei o bar onde íamos tocar não muito longe de onde estávamos. Bastava Heeseung achar um bom lugar para estacionar e eu já podia sonhar em descontar todas as minhas frustrações na minha tão querida bateria.

— Gente... — Jake quebrou o silêncio de repente — Por que a gente 'tá indo até o show se não tem como a banda se apresentar sem um vocalista?

Heeseung freou bruscamente mais uma vez, minha testa quase bateu no encosto do bando do motorista, pois eu estava sem cinto. Eu nem ao menos consegui me preocupar com isso, pois eu tinha os olhos arregalados em descrença, assim como Jake e Heeseung. A gente se encarava sem dizer uma palavra, mas com um desespero crescente ao nosso redor.

Carros buzinavam loucamente atrás de nós, porque estávamos parados no meio de uma rua movimentada, mas ninguém conseguia se mover. Aquilo era um pesadelo, aquilo não estava acontecendo, não podia estar! A gente lutou por meses para conseguir uma vaga naquele bar, ia ser um puta show foda para a COSMOS, mas Heeseung havia estragado tudo.

— Eu não vou receber nada hoje, né? — Riki perguntou aleatoriamente.

— Cala a boca, Riki. — Heeseung respondeu entredentes.

Eu ia matar Lee Heeseung por ser tão impulsivo, eu ia matar Park Sunghoon por ser um babaca de merda, também ia matar o Jake por não ter feito nada e depois eu ia me matar, porque eu também não fiz nada. Agora estávamos igual a três patetas olhando um para a cara do outro enquanto tinha um filho do capitalismo no porta-malas preocupado com o dinheiro dele.

Heeseung então começa a surtar, colocando as duas mãos no rosto e gritando de forma quase animalesca, para logo depois bater várias vezes as mãos contra o volante. Jake está assustado ao meu lado, mas eu estou puto com o Lee, então apenas observo a cena com deboche.

— Grita mesmo, isso é culpa sua — eu digo.

— Jay... — Jake me repreende.

O Lee lentamente tira suas mãos do volante e vira seu corpo para mim, sua expressão é confusa, mas uma de suas sobrancelhas está arqueada. Ele parece me analisar e eu o analiso de volta. Depois de um bom tempo encarando um ao outro, Heeseung fala:

— Minha culpa?! A culpa é do Sunghoon e daquelas merdas que ele disse.

— O Sunghoon diz merda o tempo todo e a gente nunca expulsou ele — dou de ombros — Todo mundo aqui fala merda e isso nunca foi um problema.

Heeseung abre e fecha a boca algumas vezes, talvez estivesse buscando as palavras para me responder e não estava conseguindo. Sinto meu ego comemorando por ter deixado ele sem palavras.

— Que porra você 'tá dizendo, Jay? Você é o que mais deveria querer que ele saísse, você odeia ele e nem disfarça — Jake se intromete.

— Odiar ele não me faz querer que ele saia da banda, né? Uma coisa não tem nada a ver com a outra.

— Claro que tem — Heeseung falou alto e fino — Eu não sou obrigado a aguentar um idiota como vocalista só pela banda.

— Você não é obrigado, mas isso não é sobre você, é sobre nós — eu rebato.

— Ótimo, então vamos falar sobre nós — Heeseung parecia prestes a explodir — A maioria queria que ele saísse.

— Que maioria? — arqueio uma sobrancelha.

— Eu e o Jake.

— A banda tem quatro integrantes, como que caralhos vocês são a maioria? — eu falo com deboche, Heeseung estava se fazendo de burro, só pode.

— Nós somos em três agora.

— Na hora da expulsão a gente era quatro.

Heeseung fechou sua mão com força e comprimiu os lábios. E sabia que aquela era uma zona de perigo e que ele estava prestes a explodir de tanta raiva, mas eu não ia deixar minha opinião de lado por ele.

— Todo mundo aqui queria ele fora da COSMOS, inclusive você — Heeseung voltou a falar.

— Eu nunca disse isso.

— Você parecia querer!

— Nem tudo o que parece realmente é — eu digo quase cuspindo as palavras.

— Filosofou. O verdadeiro herdeiro de Platão — Jake diz.

Jake sempre soltava frases esquisitas quando estava nervoso, — quando estava normal também, mas era pior em momentos de tensão. — com o tempo, eu e os outros apenas aprendemos a ignorar e seguir com a briga.

— Eu não vou adivinhar o que você sente se você não me disser, Jay — Heeseung falou cerrando a mandíbula — Você nunca diz nada e quando abre a boca é só 'pra reclamar do Sunghoon. Eu não sou uma bruxa, não vou pegar uma bola de cristal e ver o que se passa na sua cabeça.

— Você não precisa ser uma bruxa, só precisa ser um líder decente.

Eu calo a minha boca no mesmo instante que a frase se encerra. Eu ultrapassei o limite, eu me fodi para um caralho. Jake paralisa e por um segundo penso que ele parou de respirar, — e eu também começo a sentir minha respiração falhando, já que puxo ela com dificuldade agora.

Uma das regras primordiais, e um pouco tóxica, da COSMOS é: Nunca, jamais, em hipótese NENHUMA, fale mal da liderança de Lee Heeseung. Não apenas porque ele dá a vida pela banda, e nem porque ele que fundou ou por ele ser o dono do nosso transporte, mas porque o soco dele é o mais forte entre o de todos nós. E ninguém quer sentir o soco do Heeseung.

— Eu vou... — Heeseung piscou os olhos com força — Matar você, SEU MERDINHA!

— HEESEUNG, NÃO! — Jake gritou.

Eu tento me arrastar pelo banco para impedir que o punho de Heeseung acerte a lateral do meu rosto, eu consigo desviar e sinto apenas o vento passando por mim. Aproveito o seu descuido para segurar sua mão e o impedir de dar outro golpe, mas ele tenta usar a sua mão esquerda e dessa vez ele consegue acertar a minha clavícula, eu solto um xingamento pela dor.

— HEESEUNG, SAI DE CIMA DELE! — Jake grita mais uma vez.

Essa é a última coisa que Jake diz antes de se jogar em cima de Heeseung, tentando empurrar o corpo dele de volta para o banco do motorista. Eu continuo tentando desviar dos seus golpes enquanto seguro uma de suas mãos, estou fugindo tanto do seu punho que já estou deitado no banco.

As minhas costas provavelmente estavam se esfregando na mancha amarelada e nojenta do estofado, o que me fazia querer vomitar. A minha meta, além de evitar que Heeseung machucasse o meu rostinho bonito, era não tocar meu corpo naquele carpete, porque aquilo seria demais para mim.

Para a minha infelicidade, Heeseung acaba dando uma cotovelada em Jake que o faz cair para trás e me vejo obrigado a me jogar naquele chão imundo para que ele não me socasse. Eu sinto a ânsia de vomito subir pelo meu esôfago, posso sentir o cheiro asqueroso daquele carpete e desejo esfolar a cara do Heeseung ali por me fazer passar por aquilo.

— Parou, parou — eu imploro — Eu não aguento ficar na droga desse carpete nojento, Jake me ajuda.

— Eu tentei e levei uma cotovelada na boca.

— Eu só vou parar quando você retirar o que disse — Heeseung diz tentando arranhar o meu rosto.

— EU RETIRO! VOCÊ É UM ÓTIMO LÍDER, O MEU MELHOR AMIGO E EU AMO VOCÊ! AGORA ME TIRA DAQUI, EU VOU VOMITAR!

— Muito homossexual — Heeseung faz uma cara de nojo — Mas eu aceito.

Ele para de tentar me atacar e estica a mão para me ajudar a levantar. Engolindo a minha ânsia, me apoio em sua mão e levanto do chão, me sentando de volta no banco enquanto meu corpo se arrepiava de nojo.

Tento me recompor respirando fundo e fecho os olhos, então sinto uma forte pancada na maçã do meu rosto e abro os olhos em choque. Levo uma mão até o local e sinto a região latejar fortemente, além da dor aguda se intensificar a cada segundo. Heeseung está sorrindo triunfante quando diz:

— Eu menti, agora sim eu aceito.

Não era a primeira vez que eu recebia um soco do Heeseung, geralmente a gente resolvia os nossos problemas na base da agressão física mesmo, — a gente concordava que era melhor do que a psicológica. — Mas ele tinha sido um covarde, esperando eu abaixar a minha guarda para me atacar.

Eu aceitaria um soco sem perder a amizade na boa, mas covardia me deixava puto de ódio. Quero tirar aquele sorrisinho do rosto dele e é isso o que eu faço, fechando o meu punho e socando sua bochecha com tanta rapidez que ele nem tempo para se preparar.

— Seu filho da puta! — ele resmunga colocando a mão onde eu havia socado.

Ele tenta partir para cima de mim de novo, mas Jake simplesmente se joga entre nós dois, apertando nossos pescoços com os braços em um abraço sufocante. Minha bochecha está sendo espremida pela sua e eu aposto que a de Heeseung também está do mesmo jeito.

Me debato tentando me soltar daquele afeto nada hetéro que Jake estava nos forçando, mas ele aperta com tanta força que parece que vou morrer sem ar com o mínimo de movimento.

— Eu amo tanto vocês — Jake diz — Vocês são a seda da minha erva, sabiam?

Eu não entendo nada do que ele está tentando fazer, mas a sua voz é calma como a de uma mãe e ele começa a acariciar nossos cabelos. Jake é esquisito, muito esquisito.

— Não vamos brigar, ok? — ele volta a falar — Sei que o Sunghoon era importante para você, Jay. Mesmo que você morra dizendo que odeia ele, amizades de infância são difíceis de superar...

— Eu 'tô pouco me fodendo 'pra ele — eu o interrompo.

— Shhhh, fica quietinho — ele coloca a mão na minha boca — Continuando, sei que é difícil e que você perde muitas coisas porque vive demais no seu mundinho, mas o Sunghoon 'tava fazendo muito mal 'pra gente. Não é a primeira vez que ele fala merda da mãe do Hee ou alguma bobagem sobre todo mundo da banda. Então acredite, essa foi a melhor decisão.

— Sei que agi por impulso, mas isso é algo que eu penso há um tempo. A gente consegue alguém melhor que ele, Jay — Heeseung diz suavemente — Ele não é o único bom cantor dessa cidade, a gente vai conseguir achar alguém com talento e caráter.

Lentamente Jake tira a sua mão da minha boca e espera pela minha resposta, eu apenas assinto e eles parecem satisfeitos por hora. Jake deixa um beijo na lateral da minha cabeça e na bochecha de Heeseung antes de soltar nós dois.

Sendo sincero, eu ainda não me sinto completamente satisfeito com essa decisão e talvez Jake esteja certo e a nostalgia da nossa amizade esteja dificultando a minha aceitação. Porém, Sunghoon era um vocalista bom para um caralho, além de carismático e bom... era o nosso amigo. É difícil viver em uma COSMOS onde ele não esteja sendo um idiota.

Eu não iria atrás do Sunghoon, porque não ia mudar nada e ele era orgulhoso. Além de que, Heeseung não ia voltar atrás e eu não podia argumentar, era uma batalha perdida. Acho que foi assim que o One Direction se sentiu quando o Zayn deixou a banda.

— Com licença — uma voz no porta-malas faz a gente olhar rapidamente para trás — Eu não quero atrapalhar, mas é que vocês causaram um engarrafamento e estão ameaçando chamar a polícia.

Riki falava baixinho, mas fez com que a gente percebesse que havia uma confusão generalizada do lado de fora da van. Os carros buzinavam e havia xingamento vindo de todos os lados, a policia provavelmente ia chegar em pouco tempo e íamos ter grandes problemas, — principalmente pelo nosso motorista ser um menor de idade com ódio no coração.

Não foi preciso mais um segundo para que Heeseung reagisse e ligasse a van novamente, os pneus cantando pela rua. Era até perigoso que aquela lata-velha tivesse tantas emoções como no dia de hoje, porque ela parecia que ia desmontar a qualquer momento depois de tantas freadas e brigas.

E então eu paro para refletir: se aquela maldita van toda acabada podia superar alguns baques e continuar andando a toda velocidade, então eu também poderia seguir em frente. Que se foda o maldito Park Sunghoon.

Entro em casa segurando uma bolsa de gelo contra o meu rosto. Eu havia comprado para nós três na volta e aproveitei para comprar um picolé para Riki, já que ele merecia depois de assistir todo aquele espetáculo de horrores.

Por já ser tarde, todos os funcionários já haviam saído e tudo o que restava era o cheiro de lavanda que saia dos pisos brilhantes da sala principal. Ando no escuro porque não quero ter o trabalho de acender as luzes por nada, já estou tão acostumado a ficar sozinho que nem me incomodo com o silêncio e o breu que toma conta daquela casa enorme.

Tateio cegamente para não bater nos móveis e quando acabo me segurando em um sofá, meu celular vibra no bolso da minha calça. Eu solto um xingamento e puxo ele de qualquer jeito, quase o derrubando no chão, meu coração acelera de imediato ao ver o nome de Jungwon brilhar na tela.

Posso contar nos dedos de uma mão quantas vezes eu recebi uma ligação dele, era tão raro quanto o ver fora da escola. Os dedos da minha mão estão suados quando eu deslizo pela tela e atendo a chamada.

Você expulsou o Sunghoon da sua bandinha? — ele diz.

— Na verdade foi o Heeseung — eu digo meio incerto, não posso acreditar que ele me ligou para falar sobre isso.

Eu não acredito nessa merda — ele faz uma pausa — Você realmente é tão infantil ao ponto de fazer isso com ele apenas por minha causa?

Ele não pode ver minha expressão agora, mas eu lentamente transformo minha feição de confusão em uma de deboche. Não consigo acreditar que ele realmente acha que tem algum poder sobre isso.

— Wonnie, não me leve a mal — dou uma risadinha — Você é gato, gostosinho e gente boa, mas não o suficiente 'pra acabar com uma banda.

Gostosinho?! Sério?! — ele parece ofendido.

— E como eu disse antes, essa decisão não foi minha, foi do Heeseung.

Ele não faria nada sem a sua opinião.

— Ah, ele faria sim — rio sem humor — Ele me socaria apenas para decretar uma decisão que fosse só dele. Eu não queria que ele saísse, Wonnie.

Eu não acredito em você.

— Isso é um problema seu — dou de ombros mesmo que ele não esteja vendo — Se 'tá tão incomodado, então vai lá lutar pelo seu namoradinho de merda, fala com o Heeseung... Mas eu duvido muito que ele saiba quem você é.

Isso não vai me afetar, Jay. Eu sei que você fez isso por uma vingança infantil, mas saiba que isso não é o suficiente para fazer a gente ficar juntos — ele falava com raiva na voz — Eu não quero nunca mais ver você na minha frente, entendeu bem?

— Ah, Jungwon... Você já disse isso uma vez, meses atrás, lembra? Não deu meia hora e você estava me beijando e implorando por...

ISSO FOI UM ERRO! A PORRA DE UM ERRO! NUNCA MAIS VAI ACONTECER!

— Eu não acredito em você — repito as suas palavras.

A linha fica quieta, apenas ouço a sua respiração conturbada do outro lado e abro um sorriso convencido. Queria muito que ele estivesse na minha frente agora, eu ia fazer aquela respiração irritada se transformar em um outro tipo bem rapidinho que ele nem ia perceber.

Acabou essa sua brincadeirinha estúpida comigo. É sério.

— Como quiser, príncipe.

E eu espero que o Sunghoon acabe com a droga dessa banda.

— Não se preocupa, ele vai acabar com você primeiro.

Ele finaliza a chamada, eu me considero vitorioso por tê-lo deixado sem nenhum argumento. Óbvio que eu não desejava que Sunghoon o magoasse, mas eu sabia que ele iria em algum momento e já tentei avisar a Jungwon diversas vezes. Infelizmente ele nunca quis me escutar.

Eu rolo a barra de notificações apenas para ver se alguém tinha falado comigo e me deparo com a notificação de Sunghoon deixando o grupo da banda. Cada vez mais aquilo tudo fica real, eu só desejo me jogar na cama e fingir que essa noite não existiu, nem que fosse por algumas horas.

Dou alguns passos em cego pela sala, ainda olhando para o celular quando de repente as luzes da sala se acendem e eu dou um pulo de susto. Olho ao redor assustado e fico mais ainda quando vejo Minjun parado ao lado dos interruptores me encarando.

— Que porra é essa, Kim Minjun? — eu pergunto com a mão no peito.

— Belo hematoma, foi o Sunghoon? Ele descobriu que você fode com o namoradinho dele por aí? — ele arqueia uma sobrancelha e ri com deboche.

— Eu não faço isso com o Jungwon — cerro minha mandíbula — E isso não é dá sua conta.

— Você pode não fazer fisicamente, mas sei que faz mentalmente — ele dá passos para mais perto de mim — Tanto que você gemia algumas vezes o nome dele enquanto estava comigo, não é?

Eu engulo em seco. Aquilo era verdade e eu não me orgulhava nem um pouco, eu sentia a humilhação nos olhos de Minjun quando aquilo acontecia e era uma das poucas coisas do nosso namoro que eu realmente sinto culpa.

— Não quero falar sobre isso, só me diz o que você 'tá fazendo aqui — cruzo os braços contra o peito.

— Eu vim pegar as minhas coisas, achei que você ia estar no seu showzinho — ele apontou para a mochila em seu ombro — Mas achei interessante a conversa que você 'tava tendo com o seu "Wonnie" — afinou a voz para debochar.

— O show não aconteceu. Enfim, já que pegou suas coisas, já pode ir embora.

— Eu vou, mas antes eu queria perguntar uma coisa para você.

Reviro os olhos, não estou nem um pouco afim de responder porra nenhuma para ele. Infelizmente eu sabia que Minjun não desistia das coisas que queria, então era muito mais fácil apenas acatar logo qualquer merda que ele quisesse, assim ele ia me deixar em paz mais rápido.

Ergo o queixo em sua direção, um pedido mudo para que ele faça a pergunta. Ele ajeita a mochila no ombro e fica pensativo por alguns segundos, ele adorava fazer um teatrinho até mesmo em diálogos triviais, eu estava tirando paciência de onde não restava mais nada.

— Sabe, depois que a gente terminou, uma coisa passou pela minha cabeça...

— Deve ser uma grande besteira — sorrio com ironia.

— Na verdade é sobre o seu querido "Wonnie" — afinou a voz mais uma vez — Eu lembrei de antes do nosso namoro e então eu me peguei pensando: Yang Jungwon sabe sobre a minha aposta com o Jay?

Eu paraliso por um segundo, tentando raciocinar aquelas palavras. Minha respiração se acelera e eu sinto um pequeno pânico crescer apenas por Minjun citar aquela hipótese. Eu tento falar, mas ele fala antes de mim:

— Deve ser tão confuso para ele — ele ri como se fosse uma grande piada — Ele deve refletir todas as noite o porquê da sua obsessão estranha por ele tempos depois de ignorar e humilhar ele.

— Eu não humilhei ele — eu quase sussurro.

— Ah, verdade, desculpa. Você só deixou que os outros humilhassem ele.

— Não foi bem assim... — minha voz treme.

— Foi exatamente assim, meu bem. Você quis se livrar de uma fofoca sua e conseguiu, deu todos os holofotes para o Jungwon, depois correu para ele por uma aposta idiota comigo — ele deu de ombros — E então a pergunta é: Como será que Yang Jungwon se sentiria se soubesse disso tudo?

— Ele nunca vai saber — minha voz mal sai.

— Tem certeza? — ironiza — Eu só preciso de uma ligação.

— Ele não vai acreditar em você, ele te odeia.

— Ele não, mas o Sunghoon...

A bomba-relógio da minha paciência havia explodido naquele momento, eu estava prestes a pegar aquele filho da puta pelos cabelos e o arrastar dali. Pelo último fio de consideração que eu ainda tinha por ele, eu resolvi respirar fundo e dizer com toda a seriedade que eu conseguia:

— Sai da minha casa agora, Kim Minjun.

— Você não respondeu a minha pergunta, meu bem. O que você acha? — se fez de inocente, fazendo um biquinho debochado.

— Eu acho que se você falar qualquer merda para o Jungwon, eu vou acabar com você — digo entredentes.

— Você já acabou comigo, Jay — deu uma risada triste — Não tem nada nesse mundo que compense a dor que você me causou. E eu só acho que você deveria tomar cuidado, porque eu posso muito bem querer causar essa mesma dor em você.

Eu não o respondo, não acho necessário e ele não me dá tempo para isso, pois apenas sai porta a fora e me deixa sozinho. Minhas pernas estão tão pesadas do nada que não consigo subir as escadas, então decido me jogar de qualquer jeito no sofá e encaro o gesso branco do teto e seus leds.

Eu sou um grande filho da puta, mas Minjun também. Ele me culpa pelo fim do nosso namoro, quando ele que buscou por tudo o que a gente passou, então a culpa era dele. Se ele estava querendo acabar comigo ou com qualquer chance que eu tenho com Jungwon, ele está muito enganado, porque eu não vou deixar. Jungwon é algo que eu nunca vou abrir mão.

Não larguei o meu menino nem por um dos meus melhores amigos, não vai ser meu ex-namorado imbecil e narcisista que vai conseguir fazer isso. Yang Jungwon valia cada mínimo esforço por ele.

Queria entender em que momento a minha vida virou um grande dramalhão mexicano, mas com certeza não foi por minha culpa. Eu sempre estive de boa na minha, mas claro que tinha que surgir problemas para acabar com a minha sagrada paz.

Levanto do sofá disposto a tomar um banho e dormir, porque amanhã é outro dia e com certeza vão ter novos filhos da puta para me importunar. 

[♫] OLÁ MEUS PEQUENOS CAÓTICOS!! Desculpa a demora, aconteceu taaaanta coisa essas semanas :( Levei o hate de sempre no Twitter e tive que mudar meu user, minha irmã passou mal de repente e fez uma cirurgia, ninguém tava esperando então foi super complicado... MAS ELA TÁ BEM, JÁ TÁ EM CASA E SE RECUPERANDO LINDAMENTE <3

[♫] OBRIGADA POR TODA A EXCELENTE REPERCUSSÃO QUE ESSA HISTÓRIA TEVE, VOCÊS SÃO MUITO QUERIDOS, AMO TODOS <3  

[♫] Twitter: jshuanoir (USER NOVO)

[♫] Vejo vocês próxima semana (eu espero).

Continue Reading

You'll Also Like

165K 6.2K 48
sn é uma menina de poucas condições,sua mãe morreu sn tinha 5 anos,ela ficou com seu pai que também acabou partindo, então foi morar com uma tia, che...
83.3K 11.3K 27
» A primeira pessoa a entrar na sala foi a próxima vítima de Jay para fazê-los se apaixonar por ele. O que acontece quando essa pessoa é Yang Jungwon...
23.8M 1.4M 75
Maya Ferreira mora na California e tem a vida simples de uma adolescente de 17 anos sem emoção nenhuma, até que uma fofoca que mais parecia irrelevan...
8K 1.2K 27
Hueningkai é apaixonado por Beomgyu desde que entrou no ensino médio; mas logo teve seu coração partido quando Beomgyu começou a namorar Choi Yeonjun...