— Não sei se poderia dizer alguma coisa, sei que não merecia passar pelo que houve mais cedo, peço desculpas pelo comportamento inapropriado da minha mãe, minha senhora.
— Entendo sua preocupação, fique tranquilo, o que eu tinha de dizer, disse para ela e está resolvido, meu senhor.
Virgo se senta ao meu lado no colchão, depois que nossos pais partiram fiquei por alguns momentos no banheiro, chorei um pouco, confrontei tudo o que estava pensando e respirei fundo dizendo para eu mesma que em algum momento algo de ruim aconteceria em relação a família do ministro.
Acho que tive muito medo das palavras que ela falou porque nunca as ouvi de ninguém.
— Dispenso a formalidade — ele fala pensativo.
— Ela sempre transgrede as pessoas dessa forma? — pergunto confusa.
— Mamãe mudou muito depois que papai foi embora, ela é uma excelente mãe, mas foi tomada por um senso de superioridade enorme quando teve que assumir nossa criação sozinha.
— Seu avô não parece arrogante.
— Porque ele não é.
— Tantas palavras feias para se referirem a mim, talvez eu seja a única filha que ela tenha para cuidar dela em sua velhice, me senti pequena.
— Sinto muito que você sofra com isso.
É evidente que ele está constrangido e desconfortável com a situação inclusive achei que ele iria embora com ela, que ficaria só para pensar sobre tudo, mas ele não foi, acredito que esteja tão zangado com ela que não queira conversar.
— É isso o que vocês pensam a respeito das mulheres daqui? É assim que nos veem?
— Não posso falar pelos outros, Mic, mas sim, muitas pessoas têm uma visão deturpada em relação a outras, é algo que combatemos muito junto do Estado.
— Eu não posso mudar nada, sinto muito Virgo, talvez merecesse sua Clarissa.
— Era Lívia.
— Se serve de consolo, são todos nomes parecidos.
Ele sorri, estende a mão e segura a minha, limpei meu rosto, acredito que o Virgo no final das contas não estava mais suportando a presença da mãe aqui, eles comeram e partiram.
— É uma forma muito feia de se ver as pessoas — confesso incerta.
— Não há forma mais bela de se ver alguém se não por quem ela é e você é uma moça muito pura e forte, sua mãe te ensinou o direito de resposta?
— Mamãe teme muito mais que eu seja castigada do que tudo, ela não quer que eu responda ninguém porque sabe que a licença poética ultrapassa os limites às vezes.
— Estou orgulhoso de você.
— Não deve, não queria que houvesse acontecido isso.
— Mas aconteceu.
Virgo passa o braço envolta do meu corpo e fico parada olhando para o canto vazio da minha sala, então a noite chega ao fim e agora acredito que tenhamos que dormir.
— Melhor dormir — falo um pouco triste.
— Não gosto de te ver assim, perdeu o brilho nos olhos, ela não virá mais te perturbar, garanto — ele se inclina e coloca um beijo na minha testa.
— Sinto muito que não seja a mais adequada para ser sua esposa — falo, porque desde o início me preocupei mais com o fato dele não ser adequado para mim.
Nem me passou pela cabeça que talvez ele se sentisse na mesma intensidade fora do encaixe em relação a mim.
— Olhei para minhas necessidades, hoje percebo que para você é algo difícil, podemos procurar a Anciã e ver se há alguma forma de desfazer isso, talvez ela nomeie a sua Lívia como a escolhida, podemos dar um jeito nisto.
— Eu não posso negar que seria uma oferta muito charmosa, Hielena, mas não posso me comprometer ao ponto de dizer que concordaria porque não é algo do qual seja minha prioridade, mamãe sempre faz parecer que nada nem ninguém é suficiente para nós porque quando meu pai foi embora ela ignorou a rejeição e transformou isso em uma coisa superestimada, ela sempre fala essas coisas como se nós fossemos bons demais para qualquer um, sinto que sempre repita isso como se quisesse dizer que somos bons demais para o meu pai quando na verdade ele não nos quis, ele preferiu ir para um deserto e ser condenado a morte do que continuar com uma família indesejada.
Isso é muito forte.
— Acredite, nem Lívias ou Clarissas poderiam deter a vontade da minha mãe de nos tornar "especiais" aos olhos alheios, os selecionados que qualquer pessoa cobiçaria, como se estivéssemos no topo de Navie a espera de sermos alcançados, inatingíveis, mas não é assim, por baixo daquela carcaça dura há uma mulher gentil e de enorme coração que talvez só tenha medo de ser rejeitada de novo.
— Você quer fazer o que é certo, mesmo que isso decepcione a sua mãe? A pessoa que mais estima?
— O certo sempre será o certo, estando eu aqui ou não, obedecendo ou não, mamãe e eu um dia descansaremos e o certo ainda existirá, sempre existiu, não é um capricho, é o que se deve ser feito, ela não está zangada com você e sim com a possibilidade de que em algum momento você me rejeite, contei para ela sobre nossos atritos iniciais.
— Meus pais sabem que detesto a ideia de me casar, mas quando começo a bufar e reclamar, eles fingem que não existo.
— É jovem, sagaz, quando eu tinha a sua idade também pensava da mesma forma, queria que Navie me ouvisse, que entendesse meus propósitos, mas percebi muito cedo que meu papel é de servidão.
Todas as coisas que ele me fala me fazem refletir sobre a minha posição até aqui.
— Não me importo com todo o resto desde que você e o nosso filho estejam bem, posso enfrentar qualquer coisa.
Sorrio.
— É engraçado que já nos referimos a ele como nosso filho.
— Seu pai disse que eu deveria ter cuidado, que se tivermos relações que sejam seguras.
Coro.
— Sua mãe deixou alguns preservativos e medicamentos, a Anciã a aconselhou e disse que quanto mais cedo tivermos relações melhor.
— Não entendi nada.
— Talvez eles estivessem vindo para te explicar sobre sexo, mas mamãe os tenha encontrado e arruinou os planos deles.
— Faz sentido já que eu liguei mais cedo e mamãe disse que estariam ocupados com meus sobrinhos, talvez só quisessem vir para cá ou desviar do assunto.
— Você já viu vídeos sobre relações?
— Sim, na universidade, na primeira infância nas aulas de educação sexual também as instrutoras explicam como é a relação, não sou ingênua Virgo.
— Sei.
Me desvencilho de seu braço e me deito na cama no meu canto, ele vem e abraça.
— Se eu tiver que escolher, será você. — ele fala baixinho.
— É bom saber disso.
Ótimo na verdade.