Chegar ao aeroporto foi fácil, difícil mesmo foi encarar Sarah depois de tudo. Ela estava sentada em uma das poltronas tão conhecidas por mim e que me recordava a um passado não tão distante onde nossa única preocupação era aproveitar os momentos longe da Pocah. Seus olhos vidrados no computador, ela como sempre impecável, os cabelos perfeitamente arrumados, um ar fresco pós banho, esbanjando beleza, estava sexy, insuportavelmente sexy. Camilla também estava lá, cumprindo com o seu papel e exercendo uma posição que antes era minha, ela apenas aguardava e segurava duas pastas que provavelmente eram os contratos e mais alguns documentos que a nossa chefe certamente precisaria.
Rodolffo se limitou a me cumprimentar com um bom dia e voltou a sua atenção para o celular, ele ainda não havia me perdoado por tramar contra a sua irmã, mesmo sabendo que era necessário. Eu mal sabia qual seria a minha participação naquela viagem. Suspeitava que o real motivo da minha presença era simplesmente o fato de Sarah me querer por perto, sorri sentindo meu corpo aquecer. Bill passou à frente, levando todos os seus equipamentos para continuar monitorando de perto os passos de cada um dos nossos inimigos. Sarah apenas nos observou entrar sem nada dizer, sentamos e nos acomodamos, ela continuou em silêncio.
– Vitoria embarcou mais cedo, conseguimos captar a mensagem que Pocah recebeu avisando que ela estaria nesta viagem, até agora nada relevante com que nos preocupar.
– Certo – Sarah não desviou os olhos da tela do seu computador. – Conversei com Vitoria antes dela embarcar e com Pocah agora a pouco, pelo que parece tudo está dando certo nos nossos planos.
– Que ótimo! – tentei parecer empolgada e chamar a sua atenção para mim. – Recebeu meu relatório?
– Claro! – foi só o que ela disse e isso sem me olhar diretamente.
Camilla me encarou e sorriu, balançando um pouco a cabeça como se quisesse dizer "não é nada de mais, fique tranquila", mas eu não fiquei. Estava nervosa e ansiosa demais para ser ignorada pela minha amante.
– E o que achou?
– Excelente, como sempre.
A comissária entrou levando dois copos de uísque, não consegui evitar minha cara de desagrado, era cedo demais para consumir álcool. Outra vez troquei um olhar cheio de significado com Camilla, que ergueu uma sobrancelha e fez uma cara de "o que podemos fazer? Ela é a chefe". Sarah a olhou com um sorriso educado e aceitou o copo bebendo do seu líquido no mesmo instante, o outro era para Rodolffo, que aceitou sem nada acrescentar.
– Vamos decolar em vinte minutos. – nos informa. – Por favor, coloquem seus pertences nos compartimentos.
– E Lourival? – Sarah perguntou diretamente a Bill, fiquei incrivelmente incomodada. Por que porra ela estava me tratando daquela forma?
– Estamos com tudo sob controle, Projota já te passou o que concluímos?
– Sim e estou apostando nesta possibilidade – eu apenas ouvia a conversa deles dois, olhando para fora e tentando não me importar tanto com o que ela estava fazendo comigo, era impossível.
– Também acredito que este seja o plano de Pocah – Camilla começou a participar da conversa.
Rodolffo fechou os olhos e engoliu em seco, ele também já sabia. – Ela sabe que desestruturaria Juliette se conseguisse de alguma forma alcançar a sua família, mas realmente duvido muito que se desse ao trabalho de manter um caso com Lourival só para lhe causar dor.
Lembrei do quanto realmente doeu quando ele me disse o nome da mulher com quem estava se relacionando, saber que não era a Pocah que povoava meus pesadelos, quem estava se relacionando com o meu pai, me deixava um pouco aliviada, no entanto ainda existia uma pessoa que o enganava, manipulava e fazia o jogo da minha inimiga apenas para me atingir, o que era o suficiente para me fazer continuar tensa e temerosa.
– O que você acha disso, Juliette? – olhei para minha amante sem saber em que pé aquela conversa estava, ela fez uma careta intrigante. – O contrato com o governo – quanto tempo eu passei presa em meus pensamentos?
– Ah, sim, claro! É importante manter o acordo, foi um imenso passo para o grupo e os investimentos são incríveis, o governo da Tailândia tem muito interesse em melhorar a saúde pública, por isso dar andamento ao processo é de fundamental importância.
– Eu não estava falando sobre isso – ela me sondou com olhos instigantes, fiquei constrangida. Onde estavam os meus pensamentos? – Pelo visto você não conseguiu se recuperar em seu passeio – abri a boca um milhão de vezes sem saber ao certo o que responder, Bill desviou o olhar deixando-me sozinha em meu impasse.
– Está sendo um dia complicado, Sarah!
– Para todo mundo, eu acredito – ela rebateu sem me dar a importância que eu desejava. – Camilla, pode me passar a pasta?
– Claro! – ela a entregou uma pasta preta, mas antes me lançou outro olhar que encarei como um "o que está acontecendo?" Encostei na poltrona e descansei o corpo, sentindo que em minha mente um tsunami se aproximava.
O piloto nos deu as boas-vindas, avisando que estávamos prestes a decolar. Nos acomodamos e ficamos em silêncio aguardando o momento em que estaríamos liberados para transitar livremente, pensei em toda a minha situação e não entendi como ainda conseguia continuar com esse jogo absurdo. Pocah estava destruindo toda a minha sanidade e Sarah ainda achava que eu não deveria me encontrar com Fiuk, quando este seria o passo mais importante para aquela batalha. Eu precisava encerrar a guerra e terminar minha gravidez em paz, no entanto, pelo que parecia, meu relacionamento estava por um fio e este não era um dos objetivos de Pocah?
– Juliette? – Bill chamou tirando-me do meu transe, só então vi a mulher parada ao meu lado me encarando com certa ironia.
– Desculpe!
– Deseja alguma coisa, bebida, amendoins, revista?
– Ah! Acho que uma água, por favor! – ela serviu a água em um copo de vidro e me entregou. – Obrigada!
– Está tudo bem? – Bill levantou puxando a sua poltrona em minha direção, ele estava tão familiarizado que despertou a minha atenção. Como ele poderia saber que aquelas poltronas possuíam trilhos?
– Sim, só estou um pouco sonolenta, deve ser o remédio.
– Que remédio? – estremeci, Sarah não fazia ideia do que me acontecia e era lógico que mencionar um remédio chamaria a sua atenção.
– Senti muita dor de cabeça mais cedo quando voltei ao apartamento, então tomei um remédio, provavelmente o alívio está me causando sono – ela concordou.
Parecia querer dizer algo mas não o fez, achei estranho Sarah continuar na poltrona, normalmente ficávamos sozinhas em sua cabine. Discutíamos o trabalho, namorávamos... Lembrei de como era nossa vida antes da minha volta e o que estava sendo agora. Onde estava o nosso relacionamento? Por que estávamos deixando acabar? O que estava acontecendo?
– Acho que vou deitar um pouco – levantei sem encarar meus amigos, muito menos me dei ao trabalho de olhar para minha amante.
Minha única vontade era não ser fraca em sua frente e poder chorar sozinha sem precisar me justificar pelos meus medos e escolhas. Conhecendo muito bem o caminho, não demorei muito para entrar naquele mesmo quarto que tantas outras vezes me fez tão feliz. Ficar ali sem ela, e sob aquelas circunstâncias, me fez sentir um buraco no peito, estávamos distantes e eu sabia que o que nos separava não eram apenas as duas portas que existiam entre a poltrona que ela ocupava e o ambiente em que eu me encontrava. Havia uma lacuna, um rasgo em nossa bolha que parecia que nunca mais se recuperaria, subi na cama sem tirar os sapatos. Podia vê-la me alcançando, tirando a roupa, me abraçando ali mesmo, naquele lugar, mas eram apenas a lembranças do passado. Sarah estava magoada demais para me buscar e eu ferida o suficiente para desejar a solidão, sem ter vontade de me conter deixei as lágrimas escorrerem. Não sei quanto tempo se passou, nem quando exatamente ela entrou no quarto, mas em um determinado momento, nossos olhares se encontraram.
Nenhuma das duas tomou a iniciativa, apenas ficamos nos encarando, ela em pé, próxima a porta e eu na cama, encolhida, abraçando minhas pernas e com o rosto marcado pelas lágrimas e então ela se aproximou.
Ela se moveu, um passo tímido ser saber ao certo o que e como fazer. Soltei minhas pernas, Sarah sentou na minha frente. Nossos olhos não desviavam. Parece loucura, mas eu sentia que alguma coisa mudaria com aquele encontro, como se de repente, algumas peças começassem a se movimentar, se acomodando em seus devidos lugares e fazendo com que a máquina, que era o nosso relacionamento, voltasse a funcionar. Ela arrastou a mão sobre a coberta e alcançou a minha, seu aperto de confiança foi o que faltava para que eu abrisse a porta dos meus sentimentos, fechei os olhos.
– Nós estamos nos perdendo – ouvi sua respiração ficar pesada e sem olhá-la eu soube que ela concordava comigo. – Quando eu aceitei entrar na sua vida... Quando aceitei lutar pelo nosso amor, não pensei em nenhum momento que daríamos a Pocah o que ela desejava, brigando, discordando e nos afastando, tudo porque não conseguimos um equilíbrio para agirmos juntas.
– Eu sei – sua voz baixa indicava que era difícil para ela também admitir aquela sensação.
– Eu não entendo porque permitimos que seja assim, o que aconteceu, Sarah?
– Não sei, Juliette! – seus dedos se apertaram ainda mais aos meus.
Uma pontada de tristeza se fez presente em meu peito, aquele era o momento, nossa chance de consertar o nosso relacionamento. Era uma conversa delicada, mas necessária.
– Você não é mais a mesma pessoa que eu conheci... a Juliette que há alguns meses eu vi sofrendo por ser obrigada a partir. – começa a desabafar. – Vi uma mulher amedrontada sair pela minha porta e outra completamente diferente voltar pra minha vida. Não que eu preferisse que você continuasse frágil, o fato de você ser forte facilita muito para mim, mas eu amava a sua necessidade de mim... Pareço ridícula admitindo isso em voz alta eu sei, mas era a forma como eu me sentia importante em cuidar de você. – ela suspira. – Era ótimo saber que eu estaria ali para fazer por você, mas veja só, você voltou forte, independente.
– E você não ama esta mulher que eu sou hoje – afirmei tentando amenizar o seu sofrimento por me dizer aquelas palavras.
– Eu amo! – ela soltou o ar preso nos pulmões. – Eu amo, Ju! Só não sei ainda como lidar com tudo isso... Com tudo o que a minha vida fez você se tornar.
– Não fala assim, eu ainda sou a mesma pessoa! Ainda te amo com a mesma intensidade e ainda desejo tudo o que planejamos, só que agora... Agora nós temos uma pedra imensa em nosso caminho e precisamos eliminá-la e não simplesmente removê-la, Sarah... – coloquei minha outra mão sobre a sua. – Eu era uma mulher que mal sabia da vida, eu simplesmente acordava, trabalhava, fazia tudo o que uma pessoa normal podia fazer para a vida seguir sem precisar de muitos esforços, você ter entrado na minha vida como um furacão não foi a causa desta mudança. Existia em mim um desejo de mudar, de fazer melhor do que eu fazia, e isso eu descobri ao seu lado, com o seu amor. Não foi o fato de você me escolher como amante, mas por Pocah ser a pessoa que é, e por fazer você passar pelo que passou... você merece mais do que sobreviver Sarah, você merece ser feliz, é para te proteger da mente doentia dela.
– Eu também errei, eu também fiz coisas ruins e mereço a minha punição.
– Você já foi punida – eu podia enxergar a sua dor, eu sabia que por mais que Sarah tivesse o direito de recomeçar, aquela dor a acompanharia para sempre e que a sua alma já estava marcada para toda a eternidade, ela fez uma careta. – Qual é o problema? Eu estou aqui, lutando ao seu lado, ansiosa para pôr um fim nisso tudo, por que você simplesmente não acredita em mim? Por que não me dá um voto de confiança? – outra vez ela fez uma careta e desviou o olhar.
– Eu não quero que você se envolva ainda mais nesta loucura! Não acho justo que seja sacrificada com toda esta sujeira, Ju. Entenda! – ela avançou puxando minhas mãos para si. – Você é luz, vida, alegria, desde que voltou eu não consigo enxergar estas características, simplesmente porque está tão envolvida e motivada em destruir Pocah que não deixa espaço para ser o que realmente você é! Não sei se vou conseguir expressar corretamente o que eu sinto, mas todos os dias eu acordo e espero encontrar a minha Juliette, a mulher que tira o meu juízo e que a única preocupação era se fazer reconhecida pela qualidade profissional. – murmura. – Eu não sei o que dizer desta Juliette que eu preciso encarar todos os dias, não é ruim e não é uma pessoa que eu não amaria, mas é... Estranho, é como se nossos papéis estivessem invertidos porque eu sou a mulher confusa e insegura, que não sabe como agir, que tem medo de fazer qualquer merda e acabar te tirando de vez da minha vida, porque eu sei que você é forte o suficiente para fazer isso, mas e eu? Eu sou? Neste meio que criamos não existe espaço para duas forças que se chocam o tempo inteiro, então ou sou eu ou é você, e eu não quero que seja você!
– Por quê?
– Porque eu já estou quebrada, Juliette! Eu sou o monstro que vai destruir Pocah, mesmo que isso me cause mais pesadelos, porque não posso aceitar que a sua vida seja manchada por essa dor que eu acostumei a conviver, que eu vejo todas as vezes que preciso me encarar, não quero essa seja a sua realidade. Não quero uma Juliette sofrida pelas escolhas que precisará fazer, se alguém tiver que se machucar nesta história, este alguém sou eu.
Não consegui sentir nada além de tristeza e compaixão. Uma Sarah desprovida de vaidade, de arrogância, de forças, estava a minha frente, indefesa e insegura. Aquela era a minha Sarah, a mulher que eu amava, que seria capaz de tudo para manter a integridade daqueles que amava. A sinceridade das suas palavras alcançou meu coração. Sorri entre as lágrimas e me aproximei ainda mais dela. Sarah encostou a cabeça em meu pescoço e se escondeu como uma criança assustada.
– Você precisa entender que se você se machucar, eu me machuco também! A sua doe é a minha, Sarah! Nós podemos fazer isso juntas, não precisamos ser duas forças contrárias, podemos ser uma única força com um único objetivo. Só precisamos realinhar o plano, organizar o que sentimos e confiarmos uma na outra. Você me pediu para confiar em você e foi só o que eu fiz desde então, vamos trabalhar juntas amor, e acabar de uma vez por todas com este sofrimento – ela respirou fundo e depois concordou com a cabeça.
Eu não quero te perder! Eu tenho medo, Ju! Tenho muito medo! E tenho tanta raiva de ter medo que não consigo conter a fúria dentro de mim, todas as vezes que perco o controle sobre você, me desespero, todas as vezes que sei que só poderei respirar se te impedir de agir... Droga! Eu me sinto uma merda por precisar fazer isso, mas as vezes é impossível.
– Confia em mim! – apertei meu abraço, deixando-a colada ao meu corpo. – Só preciso deste voto de confiança.
– E se acontecer alguma coisa?
– Você vai estar lá por mim. – afirmo. – Vamos fazer isso juntas, Sarah! Vamos pegar o Fiuk, depois a Pocah e viver a nossa vida, eu vou voltar a ser a sua Juliette e você não precisará mais ser esta Sarah. Será apenas a minha esposa, minha amiga, minha companheira, não vamos mais ter medo do que pode acontecer. E seremos uma família.
Ela me fechou com seus braços e me prendeu como se com isso pudesse me proteger de qualquer problema que poderíamos encontrar pela frente. Continuamos assim, sem querer desfazer nosso abraço, dali para frente, seríamos mais fortes e voltaríamos a ser uma só.