𝗳𝗿𝗮𝗴𝗺𝗲𝗻𝘁𝗮𝗱𝗼𝘀

By starswithdreamsss

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Nos anos 90, a cidade tranquila de Millburn sofre com casos misteriosos de desaparecimentos. Enquanto isso, u... More

Observações e Personagens
Epígrafe
Insolúvel
1 - A criança sai da toca.
2 - No inferno, todos são iguais.
3 - Uma nova conhecida.
5 - Intercalados
6 - As coisas estão para acontecer.
7 - A cidade que nunca dorme.

4 - Justiça.

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By starswithdreamsss


Naquela tarde, de humor realçado, pegou-se no fim da aula colhendo seus materiais do armário azul da escola, desde que não confiava em manter nada por lá para os abutres. Para o seu azar, o conhecido de estatura alta lhe aguardava tranquilamente no corredor. Digeriu tardiamente sua presença, no momento em que experimentou um repuxado nos fios retilíneos que moveu sua cabeça para o lado em questão. Eleanor grunhiu raivosamente e tentou ignorá-lo, sendo seguida.

— Para onde vai, porcelana?

Pelo bem de Deus! — Sussurrou áspera para si, abrindo trêmula o armário quando, novamente, sobressaltou ante o murro que Zane Todd deu no metal para fechá-lo.

Deu passos para trás sem encará-lo, pronta para correr. Não tinha mais tanta certeza de que não seria agredida.

— Nós não terminamos. Você foi embora.

As pupilas minúsculas de medo voltaram-se para ele, sua expressão de desonra, manchas arroxeadas pelas sobrancelhas grossas e maxilar marcado.

— James está bem pior, acredite. — Mudou imediatamente a visão para algum lugar menos subversivo. Uma pena que para o seu massacre psicológico havia uma pichação bem em cima de onde Todd agora estava. Dizia: Virgem. E Muda Pretensiosa com outra caligrafia e de outra cor. — Alguma ideia de quem possa ter escrito isso? — Ele parecia estar acompanhando os seus raciocínios, nem precisou dizer nada. — Juro que não fui eu, isso é ato de covarde. Estou bem na sua frente, não estou?

— P-posso... — Se cortou, com raiva do balbucio — Po-posso abrir o me-u armário? — fechou os olhos, enraivecida e mortificada consigo mesma.

Falar pra dentro? Isso só atrairá aproveitadores, sádicos, narcisistas e todo o tipo de escória. Eles adoram uma submissa como você.

Malditamente correta.

Quando voltou a encará-lo, a satisfação no seu rosto era transparente, que sorria e se afastava com falsa educação. Ele escorou ao seu lado enquanto assistia o seu constrangimento. Colhia alguns materiais de desenho, livros de disciplinas e romances. Poucas coisas para poucos dias.

— Corar cai bem em você.

Maldição.

Eleanor não lhe olhou mais, se recusou a dispersar os sentimentos que Elizabeth lhe trouxe de ter uma vida normal. Não deixaria o dia ser estragado por um da laia de Todd. Saber que a estava encarando incessante era ainda pior. Por que não conseguia revidar? Não conseguia mover-se, sequer respirar com aquela assombração por perto.

Impotência.

— Posso ir?

Franziu o rosto em reação à gargalhada borbulhante que ele deu.

— Para onde vai? Te dou uma carona.

— Não, obrigada. Minha tia está me esperando.

E partiu com alguma mínima força que lhe restou, apressando os passos para sumir de sua vista o mais depressa possível. Zane absorvia todos os seus sentimentos bons, como se soubesse o que estava pensando quando olhava pra ele, não havia bondade nem mesmo na superfície. Só falsa modéstia, falsa honra e educação. Era um sádico. Daqueles que consomem as energias dos bons, que sugam até não restar mais vida ou individualidade.

Eleanor não foi embora com sua tia nem com seus primos, escolheu caminhar a pé pela rua Duisburg até a São Lourenço onde morava. A cidade onde estava agora era fria e espessa, como se o azul, o nevoeiro a sufocasse pelos pulmões limpos. Era arborizada e suas folhas amarelas corriam pelos seus sapatos junto com alguns sacos plásticos da mercearia da doze com a quinta. Comia pela manhã por lá, quando, nas noites, vagueava descalça pela floresta atrás da mansão de Gertrudes e corria o resto da madrugada pela praça principal da zona privilegiada e o parque das crianças vazio. Ótimos lugares para contos de terror. Mas assim preferiu, o vazio, o nada, o "ninguém" eram-lhe confortáveis. Ter primos ou uma figura materna parecia-lhe uma desonra, deveria viver na miséria para compensar ter sobrevivido. O luto deveria ser priorizado e...

Aquele som... esteve pensando por tanto tempo que esquecera de sua prisão, seu corpo. Parou um instante, ouviu gritos finos femininos e uma música agitada. Uma festa.

Que horas eram?

Olhou o relógio de pulso: 10:45.

Caminhei a tarde inteira e não me lembro. Mas meus pés estão cansados.

Podia desperdiçar horas apenas admirando espaços vazios e imaginando uma vida perfeita, com os relacionamentos perfeitos, na cidade perfeita e assim no emprego. Costumava fazer isso até demais; devanear. Se perguntassem diria que era uma doença, uma que não a permitia prestar atenção em seus professores ou em conversas compridas. Estava sempre se perdendo e se encontrando no meio de explicações. Eleanor pensava: "Eu passei todo esse maldito tempo o encarando e não consigo lembrar de uma sequer palavra que o filho da mãe disse".

Às dez e quarenta e cinco de uma noite de terça feira, a juventude se reunia diante da piscina azul e transparente, adiantados em fazer-se confortáveis manejavam copos vermelhos preenchidos de líquidos esfumaçantes. A morena compreendia, enquanto chutava pedras e possuía ampla visão e audição dos tremores musicais que estrondavam por aquelas bandas, que aquela era uma péssima ideia. As mãos se apoiaram na própria cintura com intenção de acalmar os nervos e não se perder do corpo outra vez, semicerrando os cílios límpidos em curiosidade. Os tênis limpos se apressaram a seguir o som, dando-se com a entrada, o chafariz e os bêbados. Adiante, por entre os pilares de gesso, arbustos e árvores delineadas contemplou uma piscina e gritos e risadas ainda mais estridentes.

Sua atenção foi roubada, embora seus tímpanos parecessem sobrecarregados com as batidas de uma música que a levava para fora da realidade, todos ali. Waldorf viu Carmen Von Dietrva saindo com um desses loucos atléticos do time de futebol ou de luta livre.

A acanhada moça ainda passou por um grupo de moleques bebendo como loucos e um círculo de outros que lutavam até cair mortos, atentados à provarem vossas masculinidades ou pelo simples prazer de quebrar alguns dentes.

— Entre no maldito carro, Carmen! — Berrou o temido e odiado Billy Hicks, sendo seguido por uma luta angustiante da loira atrevida.

— A é? e vai fazer o que? me esmurrar!? — Segurou-se na porta do veículo antigo.

Waldorf costumava admirar Carmen em sua essência; a rebeldia, confiança e convicção que nunca teria. Não era capaz de subverter a repreensão que seus traumas sobrepujam no consciente. Repreendida em casa quando ainda lhe restavam parentes, por qualquer argumentação ou senso crítico para qualquer coisa, escravizada por regras exacerbadas que não eram usadas nem mesmo no mundo real. Inferno, ela pensou, estar aqui já é um ato de rebeldia. Rosnou com a conclusão de estar se identificando com os filmes adolescentes. Os suburbanos que fazem exatamente tudo que os outros da mesma idade fazem e pensam estar se rebelando ou agindo diferentemente, sentindo-se especiais em sua pequena casca de egocentrismo.

Uma tristeza maçante pôs alguma umidade em seus olhos de lápis lazuli, uma que se foi em algumas piscadas.

Carmen era tudo que Eleanor jamais poderia ser, primeiramente pela falta de empenho em converter-se à rebeldia, segundo que um lado sensato ainda reconhecia que não faria nenhum bem começar a se comportar de tal modo e sair com psicopatas como Billy Hicks ou Zane Todd, e que rebeldia, confiança e convicção era um prato cheio para o equívoco, admirando-se mais da observação e meditação. Do pensar antes de agir e da compreensão pelas convicções do outro, não permitindo que a confiança maculasse a lucidez ou que a rebeldia fosse por motivos vãos. Mas, como estampavam em todos os lugares e em canais para o público jovem, a adolescência é fase de experimentação. Acreditam que se há um momento para rebelar-se é ele e, tipicamente, visto de fora parece muito mais perfeito do que é realmente. Afinal, na opinião de Eleanor Waldorf não existia tal coisa de se comprometer na juventude, são os anos de formação de caráter, que tipo de adulto sairá disto obtendo consciência de seus atos voluntários?

Tanto pessoas de renome quanto anônimas costumam unanimemente expressar o quanto suas experiências fizeram o que são atualmente, Eleanor ficava confusa.

Eu estou falando fodidamente sério... — O loiro parecia sofrer de algum mal quando sussurrou aquelas palavras cortantes.

VÁ PRO INFERNO! — Berrou já pouco se importando com as ameaças.

Eleanor que, costumeiramente estava parada solitariamente no relento, olhando fixamente a interação regozijada de interesse elucidativo pelas tragédias humanas e natureza psicológica dos ditos cujos, foi notada.

— O que tá olhando?! — Indagou rispidamente o grande rapaz, ele trajava de uma jaqueta de couro por cima da camiseta úmida de cerveja. Mais um daqueles estereótipos imponentes e infantis, só que meio punk, que repuxa garotos pelas cuecas e os intimida contra armários. Não havia inveja de alguém como Hicks, presumivelmente, a vergonha enlaçou, por ele.

Ela não o respondeu, seu olhar permanecia fixo demais na loira de feições lúdicas.

— É a bonequinha. — Zombou Carmen a moldar os fios cacheados para trás. Ela me conhece? A menina sentiu os fios da nuca se eriçarem com o reconhecimento de sua fatídica essência.

Você me conhece? — Muito baixo.

— Quem?

— A sobrinha estranha da gerenciadora do hotel. Waldorf, não é? — A pergunta foi dirigida para a quieta de feições desconfiadas. Como?

— É... — Por fora sequer parecia estar respirando, somente o olhar de inteligência sorrateira movia-se por ambos. — C-como você sabe quem eu sou? — Encostou um único dedo no peito enquanto dizia isso.

Carmen soltou um bufo sardônico.

— Você é a nova popstar... Conversando com a vadia da Elizabeth Marshall, defendendo nerds nos corredores, incitando brigas... Eu devo te alertar que Zane Todd adora foder na bunda e que Harden é um sociopata. Todo mundo diz isso. — Pronunciou para o lado de Hicks, que pareceu imergir na história e esquecer do motivo da briga — O que está fazendo aqui? Por que nos agracia com a sua presença?

O tom jocoso e teatral entregava a falsidade descarada. Havia muita distorção, deu-lhe preguiça de se explicar. Primeiro de que não havia interesse algum em Zane, e que dele não haveria de ter algum interesse além de lhe dar traumas, que Harden não parecia um sociopata e que ela não tentou defender ou incitou absolutamente nada. Mas isso saiu, piscando rapidamente no fim:

Nada. Eu já estava de saída. — Não saberia dizer porquê estava trocando mais de duas palavras com os dois mais repudiados do ambiente estudantil. Waldorf conseguiu apenas permanecer quase estática e desconfortável quando a risada da loira ressoou divertidamente.

— Você é engraçada, Waldorf...

— Não realmente. — Praticamente murmurou para si enquanto continuavam a discussão e sua existência era esquecida.




Os circulares olhos azuis de Eleanor pairaram por todos os grupos da imensa casa de Zane Todd; ouviu alguns dizerem que era a casa dele. O recipiente gelado de refrigerante era apoiado pelos dedos frios enquanto pensava. Apenas pensava... como um amante de filosofia que tenta até o seu último custo, filosofar.

Deleitava-se sem o contato caloroso humano transitado por palavras ou afago, deleitava-se apenas em analisá-los em seus mundos e vidas. Como poderiam pessoas de sua mesma idade ou um pouco mais velhos possuírem tão divergentes vivências. Até mesmo os nerds que definitivamente eram execrados possuíam seus grupos. Como um alienígena solitário, os observava e analisava todos os dias; como funcionavam os relacionamentos humanos longe dos filmes. Já fazia muito tempo desde que interagiu com seres humanos normais, longe dos abutres de Tanner Hell.

Naquela mesma noite, quando os pássaros cantaram para acordar o transe da entorpecida em pensamentos, ela se pegou sentada no balanço da região mais isolada do Jardim, reverberando pelos ouvidos pelados o toque bélico da guerra defronte dos seus olhos, onde amontoavam os primatas revoltosos e competitivos da especie humana e do sexo masculino.

MAS VOCÊ TEM MUITA CORAGEM, VIADO! DE APARECER AQUI!

Levantou-se instantaneamente para observar, foi como se o som viesse de dentro de seu ouvido. Carregavam aquele mesmo garoto de cabelos escuros e olhos puxados, porém branco - Uma daquelas misturas esquisitas que chegavam a relaxar os olhos com a estética - até perto da piscina, onde o largaram de joelhos e começaram a tirar a sua roupa. Seu físico não era de um ectomorfo, possuía músculos medianos e estrutura grande, porém uma luta não seria proveitosa e muito menos justa. Cercado covardemente, os olhos exibiam uma escuridão - não de cor - de sentimentos indistinguíveis. Respirava como um animal; as narinas piscando a cada lufada por oxigênio de seu furor de ódio.

Um maior, loiro, tentou retirar a sua camisa à força pelas costas largas. O vitimado tinha retirado o casaco logo antes, mas para continuar precisava ser forçado.

ARRGH! — Rosnou James a estapear a mão grossa do bronzeado. Eleanor temeu, com olhos fixos e pernas paralisadas. Temeu que seus sonhos fossem ilusões. Não. Aquele lugar não era muito melhor do que Tanner Hall. O mundo estava maculado. O mundo era ruim. A crueldade era intrínseca, fúngica na raíz da natureza do homem. Quis morrer, se afogou na desgraça mental de figuras de tormento, de ser afogada nos banheiros imundos, de ser esmurrada até sair sangue. Pedaços e pedaços de carne espalhados. Eleanor tremia no meio da multidão calorosa como uma viciada em ópio passando pelo processo de desintoxicação. Iria explodir uma hora ou outra.

— Puta merda! — A voz de Zane Todd afinou em sua zombaria, fixando-se e apontando enojado para cicatrizes e queimaduras pelas costelas e costas do moleque sentado na grama aparada. Viu somente de relance quando levantou pela pele alva. — Mas você é mesmo uma pequena puta! Vejam como ele é absolutamente NOJENTO! Tirem isso!

Sensação de desconforto predominou no peito gélido de Waldorf, que deu alguns passos para trás numa torpe tentativa de fugir da humilhação e crueldade. Eles gargalhavam, amassavam copos de cerveja nas mãos e usavam de qualquer desculpa que fosse para encostar e provocar o solitário no terreno de folhas. O principal deles, que reconheceu como Zane, se agachou de frente para o adolescente, abriu um canivete de lâmina audível para o seu queixo e, após sorrir com excitação, percorreu o caminho até a boca fechada do moreno que encarava-o silenciosamente revoltado.

— Bicha de merda, eu vou arrancar a porra do seu dente fora. Então, para que eu não faça isso, por que não faz um striptease para nós? — Risadas trovejaram em seus ouvidos, resultando num distanciamento mental leve que observava os acontecimentos pela perspectiva de um espírito, atrás de si mesmo. — Ouvi dizer que você possui muita história nesse corpinho magricela.

O jovem abatido cuspiu algo entredentes, através da respiração desbalanceada e acelerada.

— O que foi, Harden? — Zombou, rindo venenosamente enquanto agarrava por suas crinas negras e macias com a lâmina pressionada no canto de seus lábios. — O bocetinha tá afim de compartilhar conosco algum pensamento?

Eu... — E o coro de ovações silenciou por um segundo — Eu vou te matar. — Assobios passaram pelos seus ouvidos, a balbúrdia a ponto de nada mais ser ouvido além das risadas, aplausos e vaias. Os abutres aguardavam uma reação do platinado perante a afronta e petulância de alguém que deveria estar se mijando. Zane Todd compartilhou um sorriso azedo e sem graça, de frieza espectral nos olhos azuis. Franziu as sobrancelhas e agarrou-o gritando:

VAMOS! — O latido estridente roeu pela coluna de Eleanor — Tirem a roupinha desse chupa-pau! Eu sei que ele gosta...

A face pálida do adolescente colidiu com o chão, amassando enquanto rosnava palavrões indistinguíveis e enfurecidos. Ameaças de morte cuspidas com banalidade, semelhantes conversas fiadas nos feriados festivos de fim de ano, e o sentimento crescente de humilhação e desumanidade. Sentiu o tecido se desvencilhando da pele exposta à friagem da noite por muitas mãos ao mesmo tempo. Alguns dos que estavam presentes, assistiam estagnados e com receio, seguindo pela brincadeira sem culpabilidade, afinal era normal aterrorizar as párias como Isaac.

No tecido branco da epiderme se revelava manchas demoníacas de abuso, no meio das costas pela protuberância da coluna, um grande círculo imperfeito de amarelo e verde e, descendo pelas costelas mais altas um roxo ferino. Isaac não chorou, não implorou, suportou reprimidamente a humilhação. Viu na aglomeração um rosto familiar, daquela coisa muda que lhe provocou as reações mais cedo e no mesmo dia. Assumiria para si mesmo depois que se tratava de seu orgulho, quis demonstrar que nem mesmo Todd conseguiria destruir a sua identidade e que mesmo alguém de alto poder hierárquico poderia levar umas boas porradas de vez em quando. A menina não chorava, tinha sobrancelhas franzidas e lábios enrugados. A manifestação de desgosto e repúdio fulgia na expressão que deixava a sua aparência um pouco irreconhecível.

Com seu corpo movendo-se como fantoche por tantas mãos que lhe feriam e riscavam, escreviam frases degradantes, assistiu aqueles olhos azuis brilhosos e fixos até terminarem.

"Como foi na escola, Eleanor?" Perguntaria Gertrudes, mais tarde. E ela responderia "O que é de se esperar." Naquela década e naquela cidade, coisas ruins aconteciam e eram de conhecimento geral. Ninguém comentava sobre o que seus pequenos filhos demoníacos faziam nas escolas. Diziam que sofrer bullying deveria ser resolvido melhorando os aspectos físicos para poder revidar, batiam em seus filhos por se permitirem sofrer. Isso, é claro, em casos extremos. Ainda haviam pessoas normais, lúcidas e gentis; Eleanor só não deu a sorte de conhecer nenhuma delas.

Diante da injustiça e fuga psicológica, largado deitado na grama seca do jardim, com Vitamin C de CAN tocando ao fundo, contemplou o céu de estrelas da noite fatídica, vestindo suas roupas que foram despidas de maneira tão covarde. Levantou encolhido e entrou na casa silenciosamente, captando os sussurros e risos na direção de sua figura mediana. Para um megalomaníaco, não havia coisa mais intolerável no mundo do que sofrer atentado à sua honra, humilhação e subestimação. Encarou nos rostos sorridentes de vadias e canalhas, os que sequer disfarçavam o desprezo pela sua figuração. Subiu as escadas inexpressivamente, se dando com gemidos abafados oriundos de alguns quartos e esbarrando com provocações quanto à sua aparência. Imundos.

Adentrou um quarto de luz débil, testemunhou fotos de família, móveis de luxo que não conseguiria pagar em um ano de trabalho esforçado, obviamente não podendo-se comparar com adultos de vida feita que vinham de lares dissemelhantes e não tão destrutivos quanto o seu. Sentou-se na cama macia que o fazia desejar deitar-se, fechou os olhos retesados e sanguíneos de lágrimas reprimidas, franziu os lábios dolorosamente, dominado por tristeza e cólera ferozes desenrolando-se venosamente até o coração palpitante.

Reprima.

Não chore, seu merda.

Queria explodir a porra da casa em chamas, decaptar as cabeças burlescas e esfaquear multiplamente Zane Todd até a morte.

Reprima.

A respiração disforme, que ardia, machucava, feria, vergado pelos desvarios sanguinários com corpos mutilados aos seus pés. Mataria a porra da família inteira. Olhou para o retrato sorridente do merdinha e lhe ocorreu uma ideia profana, demorando um minuto exato para repensar. Foda-se! Abriu a braguilha da calça jeans e empurrou o falo ereto para a friagem do ambiente. Selou as pálpebras, respirando fundo e concentradamente, fazendo-se confortável até que as rajadas de urina dispersassem pelos lençóis e travesseiros do aposento imaculado. Era muito organizado para alguém como Todd, possuía uma coleção vasta de vinis de boa qualidade, desde Led Zeppelin, Creedence Clearwater Revival, à porra do Johnny Cash. Esmagou-os nas próprias mãos, os discos reluzentes e impecáveis, partiu-os ao meio. Derrubou a escrivaninha apoiando o pé esquerdo na parede, rasgou tralhas do guarda roupa, quebrou perfumes e jogou jóias preciosas pela descarga da suíte. Esmurrou o vidro do banheiro, chutou o vaso sanitário, paredes e armário de remédios, enquanto berrava alucinado no isolamento das portas fechadas e música estridente.

Naqueles minutos de exaltação, as paredes eram rostos sorridentes, e Isaac era dono do mundo.

Salivante, derramando pelo queixo a seiva do cão cansado, se permitiu escorregar na cerâmica, sentar e descansar no canto da parede encarando os próprios tênis. Passou-se sabe-se lá quanto tempo, o rosto eufônico da desconhecida tendia a reviver do fundo das memórias. Seria um espírito? não... Zane Todd interagiu com ela. Pensamento burro. Por que ficou lá parada? por que não falou nada e porquê o olhava fixamente? Dizem que olhares prolongados tornam tudo mais especial, e se conectar através deles é a melhor maneira de saber das emoções do outro. Aquela coisa lhe assemelhava inefável, uma ofensa ou blasfêmia à sua caricatura vil. Pensou em Eleanor como algo impoluto e genuíno, desconhecia de onde viera e dos seus demônios.

Retornando à realidade, para o seu desprazer, cogitar garotas era um devaneio utópico. Para ele ou para o amigo Mark Manners. Podiam, é claro, tentar entrar em alguma daquelas panelas conhecidas. Diziam que Elizabeth Marshall fazia um ritual de iniciação baseado em Orgia. Pensar sobre isso como a única maneira de perder a virgindade o deixou enjoado. Embora degustar Tonya Blanchard e a esquisitíssima Allison Barber não soasse tão ruim.

Agora estava ruminando sobre o traseiro de Elizabeth Marshall, e se o corpo dela condizia com seus pensamentos. Se era mesmo doida para conseguir liderar e por na linha seus pares de testosterona. O tal do Joshua possuía problemas de raiva e pavio curto, perguntou-se se já trocaram muitos murros por poder. E antes que pudesse pensar mais sobre o assunto, a porta do quarto se abriu adjunto risos baixos e sussurros. Harden, com frio na coluna, ergueu-se velozmente, pondo-se atrás da porta do banheiro.

— Não, não. Você é muito cruel. — Disse a voz feminina em tom de brincadeira.

— Serei se não me deixar ver aquela tatuagem.

Mais risadas histéricas da menina e a voz conhecida de Zane Todd. Contudo, ele não estava em seu juízo perfeito, um embargo insistente sobressaía nas sílabas e tonicidades. James ouviu as molas da cama rangerem e se encolheu de medo, apesar de aquele sentimento lhe trazer uma comicidade absurda. Não ri não, porra.

Argh, que cheiro de mijo! — Gemeu a menina ao se apoiar com os cotovelos no tecido úmido.

— Que papo é esse... — Grunhiu, farejando. Estava muito recente para deixar pistas claras no olfato.

— Você mija na cama, Zane Todd? — Se aproveitou no momento errado a ingênua, pensando que não lhe irritaria certa atribuição embaraçosa.

— O quê?! Mas que porra é essa? — Ergueu-se ele sobressaltado, mas tão bêbado que tropeçou no abajur e perdeu a força de uma das pernas, colidindo o traseiro no tapete de plumas. — CARALHO! — xingou de dor — NUNCA me acuse de algo assim!

— Eu tô falando sério Zane, isso aqui tá imundo... tem certeza de que é o seu quarto?

Entre os dois bêbados, era a mais lúcida. E conseguiu enxergar no breu os pertences quebrados.

— Meu Deus, Zane! Alguém fez isso de propósito!

— Porra... — Suspirou tocando a cara lívida e alisando os cabelos loiros para trás. — Tenho sorte que os velhos voltam daqui há três dias. Tenho tempo de arrumar.

— Eu te disse que não deveria fazer festas em casa, mas é tão insistente! Tenho certeza de que foi para aquela garota lesada aparecer.

— Garota lesada? — A sua expressão era estranhíssima.

— A de olhos azuis.

— Eleanor Waldorf? por que acha essa maluquice?

— Viu? você sabe até o nome dela. — Todd revirou os olhos sutilmente.

— Pelo amor de deus, não vamos começar uma porra de discussão por ciúmes agora, Eve. Minha cabeça dói pra caralho.

— Não é ciúmes, esclarecemos qual tipo de relacionamento temos. Eu só fiquei sabendo de sua insistência em...

— Então porque não transamos ao invés de trazer Eleanor Waldorf!

— URGH! SUA CAMA TÁ MIJADA, TODD! Algum bêbado veio aqui. E pare de falar o nome dessa estúpida! — Incomum, o rosnado de Todd trouxe estranheza.

— Eu odeio quando você grita. Perco o tesão.

— Não há tesão nessa imundície! — Bateu o sapato no assoalho, ressoando alguns cacos de vidro — Se quiser trepar nesse montante de excreção, chame uma puta! — E virou-se em direção à porta batendo-a grosseiramente. Ela ignorou também os seus chamados de "Evie".

A porta do banheiro rangeu minimamente, os sentidos extenuados traindo a percepção de Zane Todd que, de costas, levantou-se e arrastou o edredom fétido de onde era o seu local de sono abespinhado da carranca usual de nojo. Os coturnos de James davam um passo de cada vez, se apropinquando da estrutura mais alta e mais musculosa com um pedaço de vidro do espelho do banheiro em mãos. Ninguém gostaria de contemplar as mazelas e sentenças que a mente enferma proferia aos berros. Saíra do confronto covarde de anteriormente com sua visão saturada. Cores vivas e fortes lhe davam náuseas e o sentimento abjeto não lhe permitiu racionalidade. James não era do tipo que ficava racional em momentos de estresse, mas que tomava a impulsividade e violência como doutrina filosófica.

O corpo de Todd foi jogado para frente quando o peso do mais baixo se pressionou contra o dele, seguido pela perfuração de um lado do ombro pelo objeto pontiagudo. Ele gritou, mas de choque, lançou aquela porcaria, vulgo Harden, por cima do ombro até a ponta do outro lado da cama, onde bateu e rolou. Para a sorte de Isaac, a falta de iluminação era-lhe vantajosa, e pelos sentidos deturpados do platinado, a vitória caminhava iminente. Subiu pelo colchão com as botas areentas e empunhou outra vez o pedaço brilhoso de sangue, resultando no desvio mudo de Zane, o qual esmurrou a barriga rígida do magricela. Harden procurou por ar, tomando um momento para se ajoelhar e tossir antes que fosse levantado pelos ombros e, novamente, como um pedaço de pano, atirado contra o guarda roupas bagunçado. Chegou aos ouvidos de Zane Todd o som de vidro que não havia percebido antes das pisadas de Eveline, isso e as queixas de dor da sombra contenciosa. Ao aproximar-se, uma pressão súbita o pôs de joelhos, era o chute violento de James nas canelas despreparadas, ele agarrou-o no pescoço, uivando à esmurrar suas costelas.

Largue a porra do vidro! — Tossiu Zane, esperneando para lados distintos em que o mundo girava ao seu redor, pensava em chutar para o lado, mas findava chutando reto. O vidro, no entanto, já havia se perdido das mãos do asiático branco que tateia na escuridão por migalhas de porta retratos e, por não encontrar, fecha as mãos doloridas cada vez mais forte para lhe castigar nas costelas.

As garras enevoadas do loiro tentaram alcançar o colarinho da camisa suada do desconhecido, levando mais pancadas inebriantes nos ossos da face que adquiriram cores monocromáticas. A visão borrada não lhe era de nenhum uso.

Fodido... Covarde... Maldito! — Balbuciava, tomando o seu pescoço nas garras.

Harden se lembra claro como o dia de como tudo acabou, e, principalmente, de como correu antes que viessem procurar de que bagunça se tratava no quarto do anfitrião.

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