𝗳𝗿𝗮𝗴𝗺𝗲𝗻𝘁𝗮𝗱𝗼𝘀

By starswithdreamsss

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Nos anos 90, a cidade tranquila de Millburn sofre com casos misteriosos de desaparecimentos. Enquanto isso, u... More

Observações e Personagens
Epígrafe
1 - A criança sai da toca.
2 - No inferno, todos são iguais.
3 - Uma nova conhecida.
4 - Justiça.
5 - Intercalados
6 - As coisas estão para acontecer.
7 - A cidade que nunca dorme.

Insolúvel

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By starswithdreamsss


Prólogo


Ele descobriu que o breu que lhe atingia por dentro, pontiagudo, áspero e escaldante, nada mais era do que os ruídos de uma mente incompreendida e perseguida pela suposta justiça moral dos hipócritas. Adolescentes... culpados, culpabilizados por uma nova tragédia. Ou seria a desculpa sórdida do pacóvio jogar às traças a causalidade que nada mais era do que sua vontade?

As friagens de um futuro destruído se abriam amigáveis, espessas e enevoadas, abraçando o corpo dormente do doente que mal se movia na iluminação tênue do fim da madrugada, contemplando no átimo a vítima largada no carpete com a língua para fora.

Monstro.

Assassino.

Miserável, covarde. O ar de seus pulmões não mais saem. Agora o que lhe resta é nada mais do que contemplar o vazio, espectro humano cinzento mirando no teto, lábios ressecados e entreabertos, um rosto arroxeado - ou seria azul? - como se fosse explodir. Mas espere, já explodiu. Explodira na morte, quando foi ceifado de uma curta vida de regalias.

Suas mãos avermelhadas estremeceram, as narinas se abriram e as pupilas de James se dilataram, uma contemplação sórdida de um trabalho imprevisível e imperfeito.

Louco.

Não era o seu objetivo.

Você não queria matá-lo de verdade. Queria?

— Me responde, droga! — Sacudiu o seu corpo uma Eleanor ensanguentada. Trêmula, reprimia amargamente as lágrimas de um futuro intransponível. — V-você não queria matá-lo de verdade. Você não teve a intenção, não é?

Os olhos azuis vívidos miraram na adolescente ansiosa, pronto para responder.

Desconfortável era a agitação latente da infortunada pirralha que sentava-se na sala escura. A mesa refletia as poucas luzes presentes no ambiente opressivo e fosco, uma representação descarada de sua situação desesperançosa. O embaraço de um fracasso. Ela sabia que estava sendo observada.

Do lado de fora, repórteres se empurravam, gritavam e se amontoavam um em cima dos outros, fantasiando quase que eroticamente uma entrevista ou uma simples notícia sobre os criminosos que haviam sido levados pelas autoridades. Até se Eleanor tivesse bebido um copo de água. Qualquer matéria estúpida sobre: "O caso Eleanor Waldorf e Isaac James Harden: Ela não gosta da água da polícia, o que isso nos mostra?" E a queda íngreme do jornalismo. Estampado em todos os jornais, bancas, em notícias relâmpagos, em papéis impressos e largados em terminais de trem, de ônibus, faculdades, aeroportos a destruição da vida de dois adolescentes crescia numa espiral descendente, fotos simples e cruas. Entregues pela escola, tiradas em um momento de fragilidade e paz, não pareciam ser capazes das atrocidades pelas quais estavam sendo acusados. O rosto levemente sorridente de Eleanor figurava-se no anuário escolar em preto e branco, com um suéter azul de longas mangas que cobria o pescoço e cabelos lisos puxados para trás, a típica ninfa desejada de ensino médio; levava a crer ser muito burra para se envolver em algo assim ou bonita demais para atrair pessoas bondosas. O de James Harden era quase sádico, uma camiseta velha de Nine Inch Nails em amarelo no peito, de emoções imprecisas com orbes vítreas que minucia como quem conhece, possuía ossos largos e olhos centrados, a harmonia perfeita. Transportava-se assustadoramente da imagem.

O que seria Eleanor, o que ela teria haver com tudo isso? Diziam que era órfã de pai e mãe e que passara três anos de vida em um internato de baixa qualidade, e que após uma inspeção sanitária o internato foi processado por abuso e negligência infantil. Diziam que a cozinha possuía mofo e os inspetores eram todos um bando de narcisistas.

Mas o que isso havia feito a Eleanor? Era uma doce e altruísta donzela que amou James até na tragédia? uma bárbara assassina? uma pobre adolescente ignorante que foi manipulada por um psicopata? Uma depressiva criança do subúrbio ou uma garota de gênio ruim que prometeu os céus para o namorado em troca de suas ações criminosas? Havia algo sobre Eleanor Waldorf que intrigava profundamente o círculo midiático. Que tipo de história poderiam vender e lucrar, que nova tragédia acompanharia o quotidiano incessante do americano comum em seus telejornais antes do jantar, de dia, no trabalho, no café da manhã... que nova narrativa acordaria a overdose obsessiva por crimes.

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O suor pingava na ponta infantilizada do nariz avermelhado, seus olhos marcados como um mapa geográfico com veias vermelhas sobrepondo-se no azul estonteante daquele olhar vagavam como um dependente químico atrás de suas migalhas. Os cabelos castanhos médios e arrepiados carregavam pedaços de dureza, tal como sangue, pele, areia e cinzas. Antípodas características sobrepondo as bochechas rubicundas. Desconhecia a movimentação do lado de fora da sala, dos policiais de um lado para o outro com arquivos confidenciais sendo compartilhados entre os agentes e peritos, coletando informações e auxiliando para que nenhum repórter invadisse e que nada que pudesse atrapalhar a investigação escapasse.

Detetive Brandon Doyle tentou recordar caso Eleanor fosse maior de idade. Se poderia auxiliar por um advogado e se exigiria um responsável para acompanhá-la nos interrogatórios. Objetivava mantê-la sob sua tutela dia e noite até que tudo estivesse esclarecido. Conjecturou que tipo de briga de gangues narradas em diários tinham haver com o moleque de cabelos negros; psicólogos e psiquiatras estudavam suas condições cognitivas, procuravam por transtornos e traumas; padrões em sua escrita e relatos familiares e de conhecidos enquanto o círculo midiático já vendia suas fotos e imagens como o novo psicopata americano, obcecado por uma menina amável e mélica, oposta à tudo que ele representa. Era a história perfeita para continuar a saga de Bonnie e Clyde. Alguns já se questionavam quem interpretaria a bela Eleanor e o esquisito Isaac em uma adaptação cinematográfica. Buscavam qualquer oportunidade de comentar sobre a nova celebridade; fotos de infância em que não sorria, ou fotos em que sorria em brincadeiras; narração: Veja como ele olha para esse gato, veja como encara a própria mãe, veja como deseja desesperado e internamente matar o melhor amigo. Porque, é claro, todos são adivinhos cognoscentes depois que uma tragédia acontece; "Ora, mas esse garoto nunca me enganou, procurou brigas com meu filho na escola, se envolvia com drogas e apostas, traficantes e assassinos de aluguel. Não é de se espantar, já viram os pais dele?".

Eleanor encolheu-se no frio e na solidão por um pouco mais de duas horas desde que não via James. As mãos tremiam e as pernas oscilavam debaixo da mesa, quis debulhar-se em lágrimas por ter perdido tudo tão rapidamente. Pelo pouco tempo de liberdade.

A porta se abriu, Eleanor estava com a testa escorada na mesa gelada, olhando para as mãos imundas que apertavam-se, escalando nódulos brancos nas partes sem sangue que se comprimiam. Não quis olhar para a autoridade, nenhuma nunca fez nada por si, incapazes, incompetentes que não puderam sequer prender o assassino de seus pais. Era tudo uma grande mentira, criada como uma pária para servir, se encaixar, ser gentil e educada quando tudo o que foi lhe jogado foi miséria e exclusão. Ninguém merecia a sua dor, suas lágrimas, suas desculpas e sua culpa. Ouviu a outra cadeira arrastar-se e um peso ocupá-la, apertou o maxilar e arrumou a postura sem lhe encarar nos olhos.

— Como está indo, senhorita Waldorf?

Eleanor bufou despropositadamente, permitindo o sorriso de ultraje amassar as bochechas rechonchudas. As órbitas sérias de Doyle lhe perfuraram, não fazia muita ideia do que passava pela sua cabeça, ponderou jogar o diário de James na mesa e lê-lo em voz alta. Mas, supondo que estava irritada, o que lhe era claro, precisava manter a boa e velha paciência para o conforto e produtividade da conversa.

— Eu imagino que isso não seja muito confortável.

Velho, você não faz ideia das coisas desconfortáveis que tive que me acostumar.

— Ficar em uma sala escura, sem ninguém, sem o parceiro... — Ergueu os lumes oceânicos para ele em descrença — Figuras que podem foder o resto da sua vida andando de um lado para o outro, decidindo o seu futuro. E você torcendo para que não encontrem provas cabais, para que possa pegar ao menos quarenta ou cinquenta anos de prisão, porque é claro que Harden vai ser fritado, está pra completar dezoito. A não ser que consigam um acordo e comecem a colabora...

— Por que estou aqui? — Perguntou sem emoção, a voz fraca. Doyle sugou o lábio inferior, contestando a certeza que tinha até agora de que Waldorf não era uma boba.

— É uma pegadinha?

— Vocês não tem provas cabais. Vocês não sabem os nossos motivos, se participamos de alguma coisa, o que somos. Nos refere como parceiros, — Sorriu nervosamente — está perdidinho, doutor. Você não tem nada, só uma menina que sofre de estresse pós-traumático imunda depois de uma noite de alucinação na floresta.

Talvez o blefe e a provocação a ajudassem a pôr a cabeça em ordem, externar o que pensava.

— Nós temos os seus DNA's nas cenas dos crimes, garotinha. — Os braços rígidos foram apoiados em cima da mesa enquanto se inclinava, tranquilo, mas incomodado. Ah, fantástico como adolescentes podem ser irritantes até mesmo para um detetive e por mais que trabalhasse com todo tipo de escória.

— E por que estamos conversando?

— Conjecturamos que fosse uma vítima, — Acomodando-se na cadeira, abriu de uma sacola donuts granulados para degustar em provocação ao tempo que a menina Waldorf estava sem comer — por isso, eu estou aqui para lhe fazer perguntas sobre o Isaac e sobre o que Isaac escrevia.

— Por que não fazem pra ele? — A ironia em seu rosto respondia parte da própria pergunta. Odiou os lábios brilhantes de açúcares mastigando mais um pedaço suculento do carboidrato.

Há... engraçada. — Apontou a ponta da caneta em mãos, sorrindo milímetros. — Seu querido amigo agrediu um policial hoje, mordeu e arrancou um pedaço da orelha dele — Eleanor franziu o cenho — Que belas amizades você conserva, Eleanor. O garoto não se ajuda.

— Isaac não é louco, é a pessoa mais sã que já conheci. — Imagens de James ensanguentado, martelando o rosto de uma das vítimas retornaram; suas risadas, seus gritos e monólogos atingindo-a na hipocrisia. — E não somos parceiros ou amigos, então pode descartar o que tá pensando.

O detetive Doyle, que já trabalhava em casos como aquele há uma década, estreitou desconfiadamente os olhos para a pentelha, discordando amargamente do que dizia. No mínimo, mesmo que tivesse dizendo meias verdades, Isaac era culpado, seu DNA estava presente em pelo menos algumas boas cenas de crime pelo qual estava sendo culpado. E testemunhas atestavam as suas fugas na madrugada cheio de sangue, inclusive uma vez, em um posto de gasolina.

— Me parece exatamente o contrário, que são até mais do que amigos.

— O senhor tá errado. — negou veemente.

— "Senhor?" Resolveu me tratar com respeito? — Sorriu divertido. — Bem o senhor aqui tem confissões bastante comprometedoras do seu conhecido eu posso lê-los... se preferir.

Waldorf arrancou uma fina pele do lábio inferior.

— Não há como chamá-lo de meu parceiro, pelo menos. — Detetive Mills quis sorrir, mas ao invés disso, cutucou os dentes traseiros. Uma expressão quase que irrisória, satisfeito por atingir um nervo da muda. Neste momento, trouxe de dentro da sacola, que tirou a outra sacola de donuts, outro material - um livro - dentro de um plástico de proteção sobrepondo-o na mesa.

— Veja bem, página vinte e cinco: "Nós somos poderosos, gozamos do que ninguém mais goza, eu a amo e ela me ama. Eu a romantizo incondicionalmente, a vadia adorada dos meus pensamentos mais puros e profanos. Nós controlaremos o tempo, a raça humana; o quântico deste infinito universo. Assim como Heráclito, Demócrito, Lavoisier e Aristóteles... Seremos conhecidos por nossas mentes e nossos feitos. Tudo há um porquê no final." — Foi o suficiente, Eleanor explodiu descontroladamente em gargalhadas histéricas e longas, cobrindo o próprio rosto demonstrando incredulidade, sacudia-se negando. Brandon Doyle mordeu o interior da boca, incomodado com a situação de incompreensão. Durante as risadas, tomava a mente de Eleanor a necessidade de esmurrar Isaac pela sua genialidade em escrever besteiras, principalmente algo tão belo em palavras tão pretensiosas e juvenis. Seus lábios agora após a crise de risos, estavam molhados, diferente da sequidão de início.

Para alguém introvertido, quieto e controlado, Eleanor agia como o oposto, no momento. Convencida de que a sua vida já estava no fundo do poço, sem preocupações fúteis quanto ao que o detetive pensará ou como sairá desta se não na prisão ou reformatório de delinquentes, de qualquer modo, passaria o resto da vida de instituição para instituição, administrada pelo estado como a pária maldita que sempre foi.

— Tem algo a dizer, Waldorf? — Pacientemente, o franzir de sobrancelhas observou a súbita quietude da Waldorf chorosa, decidindo lentamente continuar. — James sofria de delírios megalomaníacos?

— Eu sei tanto quanto você do que se trata isso.

O Detetive bateu desmazeladamente o diário na mesa, deixando-o por ali, bem fechado. Os dedos grossos coçando a barba mal feita com sua expressão debochada e azeda.

— Isso é engraçado. — Eleanor analisou o seu rosto por um breve instante após ouvi-lo. — Por que não, você não sabe. Esse moleque doente da porra era o seu namorado. Obcecado por você, apaixonado. E você está mentindo descaradamente pra mim.

— Psicopatas não amam. Precisa decidir qual história vai adotar, doutor. — Umedeceu os lábios, confrontativa.

Doyle compartilhou um sorriso ladino, sem emoção.

— Eu não faço as manchetes. Eu coloco vagabundos atrás das grades.

— O que você diz nas coletivas de imprensa é o que importa de verdade.

— Nós dois sabemos que não é. — Sorriu falsamente e Eleanor mudou de expressão de repente.

— Ele era especial. — Respondeu enfim.

— Ele era? — Repetiu lentamente, Doyle.

— Sim. — Sussurrou, pela primeira vez, inclinando os cotovelos algemados por sobre o metal rígido — E você nunca vai vê-lo de verdade além destas impressões escritas.

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