IRISH EYES: O RECOMEÇO

By calliequeiroz

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➤ SÉRIE EM ANDAMENTO Irish Eyes está passando por sua terceira edição, sendo reescrita para finalmente ser pu... More

𝐁𝐄𝐌-𝐕𝐈𝐍𝐃𝐎 𝐀𝐎 𝐂𝐀𝐋𝐋𝐈𝐄𝐕𝐄𝐑𝐒𝐄!
𝐍Ã𝐎 𝐏𝐔𝐋𝐄 𝐎 𝐂𝐀𝐏Í𝐓𝐔𝐋𝐎
𝐀𝐋𝐄𝐑𝐓𝐀-𝐆𝐀𝐓𝐈𝐋𝐇𝐎
𝐒𝐈𝐍𝐎𝐏𝐒𝐄
𝐄𝐋𝐄𝐍𝐂𝐎 𝐅𝐄𝐌𝐈𝐍𝐈𝐍𝐎
𝐄𝐋𝐄𝐍𝐂𝐎 𝐌𝐀𝐒𝐂𝐔𝐋𝐈𝐍𝐎
𝐐𝐔𝐎𝐓𝐄𝐒
𝐒𝐏𝐎𝐓𝐈𝐅𝐘
𝐍𝐎𝐓𝐀 𝐃𝐀 𝐀𝐔𝐓𝐎𝐑𝐀
𝐂𝐀𝐋𝐄𝐁'𝐒 𝐉𝐎𝐑𝐍𝐀𝐋
𝐂𝐀𝐏Í𝐓𝐔𝐋𝐎 𝐔𝐌 - "𝑫𝒆 𝒗𝒐𝒍𝒕𝒂 à 𝒗𝒊𝒅𝒂!"
𝐂𝐀𝐏Í𝐓𝐔𝐋𝐎 𝐃𝐎𝐈𝐒 - "𝑶 𝑴𝒖𝒓𝒐"
𝐂𝐀𝐏Í𝐓𝐔𝐋𝐎 𝐓𝐑Ê𝐒 - "𝑶 𝑫𝒆𝒄𝒓𝒆𝒕𝒐"
𝐂𝐀𝐏Í𝐓𝐔𝐋𝐎 𝐐𝐔𝐀𝐓𝐑𝐎 - "𝑶𝒃𝒔𝒆𝒔𝒔ã𝒐"
𝐂𝐀𝐏Í𝐓𝐔𝐋𝐎 𝐂𝐈𝐍𝐂𝐎 - "#𝑻𝒉𝒆4𝑬𝒍𝒆𝒎𝒆𝒏𝒕𝒔: 𝑨 𝑴𝒂𝒏𝒉ã"
𝐒𝐇𝐎𝐑𝐓 𝐅𝐈𝐋𝐌 "𝐈𝐑𝐈𝐒𝐇 𝐄𝐘𝐄𝐒"
𝐁𝐀𝐈𝐗𝐄 𝐎 𝐖𝐀𝐋𝐋𝐏𝐀𝐏𝐄𝐑 𝐃𝐄 𝐈𝐑𝐈𝐒𝐇 𝐄𝐘𝐄𝐒
𝐀𝐂𝐎𝐌𝐏𝐀𝐍𝐇𝐄 𝐎 𝐒𝐓𝐀𝐓𝐔𝐒 𝐃𝐄 𝐑𝐄𝐄𝐒𝐂𝐑𝐈𝐓𝐀
𝐋𝐄𝐈𝐀 𝐀 𝐃𝐔𝐎𝐋𝐎𝐆𝐈𝐀 𝐁𝐑𝐎𝐊𝐄𝐍 𝐂𝐑𝐎𝐖𝐍 𝐍𝐀 𝐀𝐌𝐀𝐙𝐎𝐍
𝐋𝐄𝐈𝐀 𝐀 𝐅𝐀𝐍𝐅𝐈𝐂 "𝐒𝐇𝐀𝐃𝐎𝐖𝐒" 𝐃𝐄 𝐈𝐑𝐈𝐒𝐇 𝐄𝐘𝐄𝐒

𝐏𝐑Ó𝐋𝐎𝐆𝐎 - "𝑷𝒆𝒓𝒅𝒂"

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By calliequeiroz



Olhando pela janela, vendo a neve cair sobre a cidade de Nova York, sinto-me dormente. Muitas coisas ruins aconteceram em minha vida. Começando pela morte do meu pai, a quem eu nem conheci, pois ele faleceu quando eu ainda era um bebê. Depois veio o acidente que minha mãe e eu sofremos quando eu ainda era criança, levando-a de perto de mim. E por último, como se já não bastasse tudo isso, o destino decide levar a última pessoa que me restou. A que eu mais amava. Aquela que sofreu comigo todas as perdas. Aquela que cuidou de mim desde sempre e me amou incondicionalmente, sem nunca reclamar, sem nunca fazer eu me sentir um peso. O meu irmão... Alex.

Era muito difícil acreditar que eu não o tinha mais por perto. Éramos tão apegados que algumas vezes nos confundiam com um casal de namorados, ou irmãos gêmeos. Afinal, só tínhamos um ao outro.

O resto da nossa família? Ela existia. Tios, tias, primos e primas. Mas poucos deles poderíamos realmente chamar de família. O sangue era a única coisa que nos unia. Alguns moravam longe e não tínhamos muito contato. Outros eram da alta sociedade Nova-Iorquina e Britânica. Arrogantes, esnobes, preocupados apenas consigo mesmos, poder e dinheiro. Eu cresci nesse meio, e odiava. Odiava o preconceito, o moralismo, os julgamentos, a soberba. Não vou generalizar e dizer que todos os ricos são assim porque não é verdade. Mas uma grande parte é, infelizmente.

Um sorriso saiu dos meus lábios enquanto admirava, pensativa, a linda vista de Manhattan. Alex era como eu, ou eu era como ele. Gostávamos de nos aventurar pelo mundo e conhecer culturas diferentes. Nunca nos sentimos superiores a ninguém simplesmente porque vínhamos da aristocracia de NY. Mesmo Alex sendo um homem duro, imponente, elegante, que vestia Prada e Armani como se fossem jeans surrados comprados na Target, ele ainda era doce, amoroso, carinhoso, gentil, humano e divertido. Poucos tiveram o privilégio de conhecer todas as suas qualidades. Eu tive.

Como sinto sua falta.

Uma lágrima silenciosa deslizou pela minha bochecha.

O que farei agora sem meu irmão, meu melhor amigo, meu protetor?

Eu não tinha mais ninguém. Claro, eu tinha amigos, tinha meus padrinhos que criaram a mim e Alex desde que perdemos nossa mãe, tinha também os seus filhos que eu amava como se fossem meus próprios irmãos.

Dei uma pausa em meus pensamentos e abri um sorriso.

Não, eu estava equivocada.

Tabitha, a filha mais nova dos meus padrinhos era como a minha irmã, mas o seu irmão mais velho, Caleb... Ah, ele definitivamente não era meu irmão.

Bastou o seu rosto aparecer em minha mente para a névoa sobre mim desvanecer como em um passe de mágica.

Eu não estava sozinha.

Eu tinha o Caleb, a pessoa mais importante na minha vida. O único homem que já amei e irei amar, até o dia em que eu morrer. Tendo apenas 25 anos, essa declaração pode parecer extrema e exagerada. Mas acredite, não é.

Nós fomos atados um ao outro desde o dia em que nascemos. Fomos predestinados a pertencermos um ao outro, muito antes de virmos a esse mundo. Uma ligação que transcendia as leis físicas. Caleb era a minha outra metade. Minha razão para viver. Compartilhávamos um sentimento que nós mesmos não sabíamos como explicar, compreender ou mesmo sentir. Ele também era o melhor amigo do meu irmão Alex, e o homem mais incrível e complexo da face da Terra.

Sorri com a última constatação.

Caleb era... Bem, Caleb era Caleb. Não havia adjetivos para explicar o que era esse homem. O seu nome já era um adjetivo.

Não importava o quão complexo e complicado ele fosse. Eu sempre pude entendê-lo. Os meus olhos enxergavam o que as pessoas não viam. Ele era como uma parte de mim que veio faltando. A minha parte favorita.

Caleb e Alex eram ao mesmo tempo parecidos e diferentes. Enquanto Caleb era sério, Alex era divertido. Enquanto Caleb era silencioso, Alex era barulhento. Enquanto Caleb nunca sorria - apenas para mim *Saibam que tenho um sorriso arrogante e orgulhoso no rosto quando digo isso* -, Alex sempre tinha um sorriso no rosto. Ainda assim, eles podiam ser confundidos por irmãos. Os dois eram desconfiados, leais ao extremo, protetores, ex-militares, metódicos e agentes federais. Os dois também se formaram em medicina em Harvard. Os dois eram amantes dos Yankees. Os dois sempre me colocaram como prioridade em suas vidas. Os dois me tratavam como se nada de mais especial existisse no mundo.

Outra lágrima escorreu pelo meu rosto. Rapidamente a enxuguei, não querendo me entregar a dor.

Alex era protetor, meu irmão mais velho, meu escudo. Mas Caleb era diferente. Ele sempre me tratou como se eu pertencesse a ele. Como se eu fosse parte dele. Como se eu fosse a sua vida e sua única necessidade.

E eu era tudo isso.

Eu pertencia a ele. Eu pertenci a ele desde o momento em que colocou seus lindos olhos azuis sobre mim ainda na maternidade quando eu nasci. Claro que eu não me lembro daquele momento. Porém, inexplicavelmente, eu conseguia recordar dos seus olhos sobre mim. Eu podia sentir aquele momento como se tivesse acontecido há poucas horas.

É impossível explicar, mas eu sei que me conectei a ele naquele dia, no dia do meu nascimento.

Apesar desse laço celestial que nos unia, Caleb tinha dificuldades em aceitar. Ele aceitava que eu era dele, mas como a sua menina, não como a sua mulher. Ele se negava a enxergar que eu havia crescido. Para ele, eu ainda era a garotinha que ele tinha que proteger, até dele mesmo. Ainda assim, ele nunca negava que me pertencia quando eu o lembrava. Era como se ele não pudesse, como se fosse contra a sua natureza. Mesmo tendo um relacionamento de cinco anos com outra mulher. Relacionamento que eu sabia que ele tinha iniciado apenas para criar um muro entre nós. Como eu já disse, Caleb era muito leal, e estando com outra pessoa, ele teria uma razão para não ceder a mim. Pelo menos, era assim que ele pensava. Ele não dizia, mas eu sabia. No entanto, nossa conexão era muito mais forte do que sua integridade, sua lealdade e seu senso de justiça. O único motivo de ele ainda poder viver essa mentira, era porque eu deixava. Deixei por todo esse tempo porque eu estava longe, estudando na Europa. Deixei porque eu também estava amadurecendo. Deixei porque também não entendia completamente nossa ligação. Deixei porque, assim como ele, eu também me assustava com a intensidade dos meus sentimentos.

Foi nesse exato momento em que me dei conta...

Eu já não tinha mais medo.

Eu já não era mais uma menina sem saber lidar com tantas emoções profundas dentro de mim.

Eu estava pronta.

Meu coração aqueceu de repente, batendo violentamente contra o meu peito, com a constatação.

Eu não estava sozinha. Eu nunca estive sozinha. Eu nunca estaria sozinha.

- Angel...

Como se com a força do meu pensamento eu o tivesse trazido até mim, ouvi a voz rouca e poderosa de Caleb chamar o meu nome.

Meu coração continuava a bater violentamente contra o meu peito. Era sempre assim, toda vez que eu o via ou ouvia a sua voz. Meu corpo formigava, eu sentia um frio na barriga e meu coração disparava gritando por ele. E o mais impressionante é que ele parecia o ouvir, pois um pequeno sorriso presunçoso sempre deslizava no canto da sua boca.

Virando lentamente minha cabeça da janela até pousar meus olhos nos seus azuis impressionantes, senti-me em paz, como se pudesse voltar a respirar, como se sua presença me impedisse de cair mais fundo no abismo de tristeza e solidão em que eu me encontrava.

Caleb me encarou, seus olhos brilhando sobre os meus, me hipnotizando como de costume. Ele me estudou com atenção. E eu sabia que ele estava me avaliando. Palavras não eram necessárias entre nós. Ele não precisava me perguntar como eu estava me sentindo, ele precisava apenas me olhar, e então, ele sabia. Por isso, nem me esforcei para parecer forte, como fiz com todos desde que recebi a notícia da morte de Alex. Era perda de tempo.

- Precisamos ir. O enterro será daqui 1 hora - sussurrou ele. Sua voz dominante e doce ao mesmo tempo. Ninguém, além de mim, ouvia esse timbre em sua voz.

Respirei fundo antes de assentir. Olhei pela última vez a neve cair através da janela bay window e relutantemente, me levantei do banco.

Minhas pernas não se moveram, como se minha mente tivesse entrado em modo de autodefesa e tivesse me paralisado. Minha mente também desligou.

Eu não queria ir ao enterro. Tudo se tornaria real.

Eu não o notei se aproximar até o meu corpo voltar a vida quando os seus lábios tocaram a minha testa protetoramente. Senti meus músculos relaxarem instintivamente.

Ele queria me dizer com esse gesto que estava ali para mim e que eu não estava sozinha. Como já disse, não precisávamos de palavras para nos comunicar.

- Eu te espero lá embaixo - disse suavemente ao tocar o meu queixo e erguer o meu rosto até os meus olhos pousarem sobre os seus.

Seu olhar era um comando intenso, profundo, dominante que me aqueceu. Segundos depois, ele quebrou a conexão, respirou fundo e sem esperar uma resposta minha, se afastou e saiu do quarto me deixando sozinha.

Caleb nunca me pressionava, e sempre respeitava o meu espaço, deixando-me lutar as minhas próprias batalhas. Ainda assim, sempre estava por perto para quando eu precisasse dele.

Olhei em volta do quarto revestido por paredes brancas e detalhes dourados até os meus olhos caírem sobre uma cômoda com alguns retratos sobre ela. Fixei meu olhar no retrato do meio que continha uma foto minha com Alex. Ele beijando minha bochecha e eu rindo, pois sua barba estava pinicando o meu rosto. Alex era excepcionalmente bonito e charmoso. As mulheres sempre tentavam a todo custo chamar a sua atenção. Eu detestava, como uma boa irmã ciumenta que era. "Era", eu odiava ter que usar esse verbo no passado. Era doloroso demais pensar que Alex não estaria mais no meu presente e meu futuro.

Agarrei meu casaco preto, minha bolsa Tatiana Durand - Linha de bolsas Angélique, a minha empresa de moda. -, respirei fundo algumas vezes, atraindo força para enfrentar esse dia, e então, finalmente saí, fechando a porta atrás de mim.

Cada parte desse apartamento me lembrava de Alex. Ele o tinha escolhido para mim quando lhe disse que voltaria para Nova York depois de passar 4 anos estudando Moda em Paris. Isso foi há 2 anos e meio.

Caminhei silenciosamente pelo corredor do apartamento até chegar à sala de estar onde Caleb estava. Ele olhava pensativo a neve cair através da porta de vidro que dava para a sacada, assim como eu fazia minutos atrás. Ele vestia o seu elegante uniforme azul royal da Marinha com todas as suas Medalhas de Honra e o quepe militar que eu tanto amava. Um pequeno sorriso desenhou-se em meu rosto ao observá-lo em sua rígida postura militar. Ele não era mais um soldado ativo, mas sua postura continuava ali. Como o meu padrinho costuma dizer: "Não existem ex-soldados".

Não precisei alertá-lo de minha presença. Caleb estava sempre ciente. Como se algo o alertasse cada vez que eu me aproximava dele.

- Estou pronta. - Minha voz saiu mais firme do que eu esperava. Fiquei orgulhosa de mim mesma, pois, inconscientemente, eu queria dizer: "Me leve para longe daqui".

Caleb tirou os olhos da janela, se virou para mim e pacientemente me estudou dos pés à cabeça como se estivesse certificando o que eu disse por si mesmo. Eu o conhecia, e sabia que ele queria ter certeza de que eu estava forte o suficiente para aguentar o que estava por vir. Porque se eu não estivesse, não haveria maneira no inferno de que ele me deixaria ir. Não importava que era o funeral do meu irmão. Se eu não estivesse bem, ele me levaria para bem longe, mesmo contra a minha vontade. Era o que Alex gostaria que ele fizesse. Para ele, meu bem estar vinha sempre em primeiro lugar.

Seus olhos encontraram os meus, queimando-me por dentro. Me hipnotizando. Ficamos assim alguns segundos, apenas um olhando para o outro, até que ele estendeu sua mão, a palma para cima, pedindo - mais demandando - pela minha. Meus pés se moveram por conta própria na sua direção. Quando eu estava em seu alcance, ergui a minha mão até tocar a sua. No mesmo instante, senti uma descarga elétrica atravessar o meu corpo, como um choque de adrenalina. Agarrei firmemente a sua mão, necessitando de sua muralha de proteção, e entrelacei nossos dedos. Ele sabia que eu não podia fazer isso sem ele. E eu sabia que não precisaria me preocupar com isso. Seria preciso matá-lo para tirá-lo de perto de mim.

- Eu não te deixarei cair, a chuisle mo chroí - declarou ele chamando-me pelo termo afetuoso que usara comigo desde que eu era uma menina.

Era uma promessa.

Uma que eu sabia que ele não iria quebrar.

O caminho até o cemitério foi silencioso. Estava apenas Caleb e eu no carro. Eu não queria falar, precisava poupar energia para não desabar na frente das pessoas. A imprensa tinha sido bloqueada, o funeral seria fechado, mas ainda assim haveriam muitas pessoas. Passei o caminho inteiro olhando através da janela do carro, mas eu não via nada, minha mente estava em branco. Caleb também não disse uma palavra. Ele estava respeitando o meu momento, e também o seu. Alex era o seu melhor amigo. Eles eram como irmãos. Aliás, eles eram mais próximos do que Alex e eu. Eles nunca se separaram. Foram criados na mesma casa, foram para a mesma faculdade, fizeram os mesmos cursos, moraram juntos durante os estudos, se alistaram juntos, foram para a guerra juntos, voltaram juntos, compraram o apartamento juntos e trabalharam juntos. Nunca os vi separados. Eu estive tão perdida em minha própria dor que não parei para pensar como deveria estar sendo difícil para Caleb.

Tirei meus olhos da janela, me virei e o olhei. Caleb tinha uma das mãos no volante e a outra no câmbio. Sua mandíbula estava rígida, seu rosto duro e focado na estrada. Ele queria ir ao funeral tanto quanto eu queria.

Ergui minha mão esquerda e a levei até sua perna. Acariciei-a levemente para frente e para trás até sentir seus músculos relaxarem. Caleb tirou sua mão do câmbio e cobriu a minha, apertando-a, necessitando do meu calor tanto quanto eu necessitava do dele. Ele não tirou os olhos da estrada em nenhum momento, e eu voltei a encarar a janela.

Ao passar pelo portão do cemitério, notei a grande fila de carros pretos estacionados. Do lado esquerdo, um pouco mais a nossa frente estava o Chevy Tahoe preto da família Donoghue. Meus padrinhos e os avós de Caleb já tinham chegado.

Caleb foi o primeiro a sair do carro. Ele deu a volta e abriu a porta para mim, estendendo a mão. Eu deveria estar com um nó no estômago, o coração acelerado, as emoções à flor da pele, mas eu estava calma, dormente, como estive durante todo o dia.

Colocando os meus óculos de sol, respirei fundo e peguei a mão de Caleb.

Estava na hora.

Foi uma cerimônia de honra militar. O gramado estava tomado por veteranos, familiares, amigos de Alex e da família Donoghue, membros do alto escalão das agências federais do país e personalidades políticas.

Alex, assim como Caleb, eram agentes especiais do Bureau. Pelo menos era o que diziam publicamente. A verdade era que eu não sabia exatamente para qual agência trabalhavam. Suas vidas profissionais eram um mistério. Mas pela confidencialidade, eu imaginava CIA, ou uma agência independente de espionagem. Eu não sabia muito sobre o trabalho deles, pois praticamente tudo era confidencial, e por eu ter crescido ao redor de militares, agentes do departamento investigativo, políticos, eu meio que já estava acostumada com trabalhos e missões secretas, então não fazia muitas perguntas, pois não receberia nenhuma resposta, até porque eles não poderiam dá-las.

Durante a cerimônia, Tabitha, a irmã de Caleb e minha melhor amiga, não saiu do meu lado. Seu braço esquerdo estava entrelaçado ao meu. Me segurando do outro lado estava a avó de Caleb, Eileen Donoghue. Eu a considerava e amava como minha própria avó. As duas estavam firmes ao meu lado, como se estivessem prontas para me segurar se eu caísse.

A reprodução de Taps através da corneta cerimonial iniciou, mas eu mal ouvi. Eu continuava "desligada", com o olhar vazio. Eu deveria estar sentindo alguma coisa a esse ponto, mas não estava.

Meus padrinhos estavam um pouco a frente. Eu podia sentir os seus olhares preocupados em mim a todo momento. Ao lado do meu padrinho estava o pai dele e avô de Caleb e Tabitha, Niall Donoghue. Os dois vestidos elegantemente com seus uniformes militares.

O toque da corneta silenciou, e como um estalo, despertei, procurando imediatamente por Caleb. Ele estava ao lado direito do seu avô. Logo após sairmos do carro acabamos nos separando, pois minha madrinha Saibh e a vó Eileen se aproximaram, me tomaram pelo braço e me levaram com elas, e a namorada de Caleb, Brittany Johnson, chegou e não desgrudou dele desde então. A observei ao seu lado direito, seu braço entrelaçado ao dele. Sua postura séria, arrogante e fria de sempre. Ela também era uma agente especial, assim como os melhores amigos de Caleb e Alex que estavam ao lado de Brittany. Grant Urey, Reid Galloway, Tyler Simmons e Pogue Perry. Os seis homens eram inseparáveis e amigos de infância.

Meus olhos correram de volta para Caleb. Ele mantinha a mesma postura rígida e impenetrável de sempre, seu olhar fixo em um ponto reto. Mesmo através dos óculos de sol, eu o chamei silenciosamente, e como sempre, ele ouviu. Seu rosto lentamente se virou em minha direção. Seu olhar severo suavizou um pouco e sua íris brilhou ao encontrar os meus olhos. Era como se eu não estivesse usando óculos de sol, pois o seu olhar atravessou a lente, invadindo a minha alma tão profundamente que me senti paralisada. Naquele momento, eu sabia que ele podia me ler como se eu estivesse expondo todos os meus pensamentos e segredos para ele. Era assim a nossa conexão. Assustadora. Intensa. Incontrolável. No entanto, em momentos como esse, me fazia sentir protegida, como se ele fosse um escudo me imunizando de qualquer dor.

A nossa conexão foi quebrada quando Tabby me deu um leve aperto no braço chamando a minha atenção. O movimento do oficial representante caminhando em minha direção com a bandeira dobrada na mão, pegou a minha atenção.

Os olhos de todos estavam em mim. Alguns olhares eram de compaixão, outros de antecipação. Eles estavam esperando o momento em que eu desataria a chorar. O momento que eu mostraria a minha dor, o momento em que eu desabaria. No entanto, eu continuava entorpecida. Eu os podia sentir me julgando.

Não foi até o oficial se aproximar que comecei a hiperventilar.

O oficial começou a falar:

- "Em nome do Presidente dos Estados Unidos, (o Exército dos Estados Unidos; o Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos; a Marinha dos Estados Unidos; a Força Aérea dos Estados Unidos ou a Guarda Costeira dos Estados Unidos), ...

Enquanto ele dizia as palavras, meu coração acelerou e minha respiração falhou.

Puxei o ar com mais força e tentei acalmar as batidas do meu coração, tentando não ter um ataque de pânico.

- ... e uma nação agradecida, aceite esta bandeira como um símbolo de nossa gratidão pelo serviço honrado e fiel de seu ente querido."

A bandeira dobrada tradicionalmente foi estendida para mim. Eu a segurei e agradeci ao oficial com a cabeça. O ataque de pânico ainda me ameaçando.

O oficial se afastou, então ouvi a voz da vó Eileen no meu ouvido:

- Respire fundo, lentamente, a leanbh.

Fiz o que ela disse. Inspirei e expirei algumas vezes, lentamente, mas não ajudou.

Comecei a me apavorar quando puxei o ar e ele não veio.

Meus óculos de sol e o casaco grosso de frio impediam que as pessoas notassem a minha crise de pânico.

Minha frequência respiratória aumentou.

Em agonia procurei desesperadamente por Caleb não o encontrando em lugar nenhum. Ele não estava mais ao lado de Brittany. Ao invés, encontrei minha madrinha Saibh me estudando seriamente, desconfiada. Ela sussurrou algo para o seu marido. Meu padrinho Bradley imediatamente me olhou com a testa franzida em preocupação. Notei sua mandíbula apertar como se estivesse com raiva, a mesma coisa que Caleb fazia quando estava preocupado.

- Angel... - Tabitha me chamou em tom preocupado ao sentir a contração dos meus músculos.

O caixão de Alex começou a descer.

Puxei o ar desesperada pelo oxigênio que não vinha.

Ouvi um zumbido da vó Eileen e Tabitha falando, mas não pude entender as palavras. Meus olhos estavam presos no caixão que descia lentamente, ao contrário do ritmo do meu coração que batia freneticamente. Minha visão de repente ficou turva pela falta de ar. Eu sabia que iria desmaiar.

Meu corpo então cedeu, mas antes que eu pudesse cair, o senti surpreendentemente revitalizar e o ar encher os meus pulmões. Puxei-o com tanta força que um leve som saiu da minha boca.

- Está tudo bem. Respire fundo.

A voz de Caleb veio em um sussurro no meu ouvido enquanto suas mãos apertavam os meus braços sustentando o meu corpo. Ele me puxou para trás até que minhas costas batessem em seu peito.

Minha frequência respiratória diminuiu, minha respiração normalizou e minha visão desembaçou.

O ataque de pânico se foi.

Sua voz e seu toque agiram como um tranquilizante.

Sentindo meu corpo relaxar aos poucos, caí meu peso no peito de Caleb e esperei toda aquela tortura acabar, entorpecida em seus braços.

Suas mãos nunca me soltaram. Nem mesmo quando a cerimônia acabou e as pessoas se aproximaram para me dar os pêsames. Nem mesmo quando ele me guiou de volta até o carro.

Após o enterro, fomos direto para a casa dos meus padrinhos. Eu não estava com ânimo nenhum para ir, queria apenas deitar em minha cama e dormir até aquele pesadelo passar. Não era uma opção, entretanto. Minha madrinha jamais me deixaria ficar sozinha em casa. Agradeci, no entanto, quando ela não me pressionou para ir com eles no carro. Eu tinha medo de que se o Caleb me soltasse, o ataque de pânico voltaria, e a última coisa que eu queria era ter uma crise na frente de todos. Me arrependi minutos depois quando Brittany se aproximou e disse ao Caleb que iria conosco, pois ela não tinha vindo com seu carro e sim de táxi.

Respirei fundo não querendo lidar com toda a chatice Braleb (Brittany + Caleb = Braleb), naquele momento. Ignorando Braleb, me desvencilhei de Caleb - ele me deixou ir, mas o rosnado que soltou não passou despercebido nem por mim, e nem por Brittany -, peguei a chave do carro, desativei o alarme e entrei. Inspirei lentamente enchendo os meus pulmões de ar e expirei tentando ali tirar toda a pressão em meu peito. Recostei a cabeça no maravilhoso banco do Mercedes GT 63s - eu amava aquele carro -, tirei meus óculos de sol, fechei os olhos e tentei relaxar.

O silêncio não durou nem um minuto. Logo ouvi o barulho da porta se abrir e alguém deslizar no banco ao meu lado.

- Não vou te deixar sozinha pra lidar com "Braleb", de maneira alguma.

Sorri ao ouvir o tom mortal na voz de Tabitha.

Eu não podia pedir por uma amiga melhor do que ela.

Virei minha cabeça na direção de Tabby a agradeci com o olhar. Ela sorriu para mim antes de se virar, colocando a cabeça para fora da janela.

- Podemos ir ou vamos ficar o dia inteiro esperando por vocês? - perguntou ela elevando o tom, olhando ferozmente para Caleb que tinha o olhar duro e penetrante em Brittany, claramente não gostando de alguma coisa que ela disse.

Caleb não respondeu nem a Tabitha e nem a Brittany que falava com ele. Ele fez o que fazia de melhor, ignorou as duas, deixou Brittany parada onde estava e caminhou com toda a sua postura prepotente, elegante e incrivelmente sexy, até o carro.

Brittany o olhava duramente de onde estava. Caleb bateu à porta do carro claramente irritado, mesmo que sua feição não demonstrasse. Ele deu partida e olhou para o espelho, procurando por mim. Quando os seus olhos me encontraram, sua feição suavizou um pouco. Brittany, por fim, entrou e bateu à porta com força também irritada. Ela sabia que Caleb a deixaria ali plantada e iria embora se ela demorasse mais um segundo para entrar.

Caleb me olhou por mais dois segundos antes de quebrar a nossa conexão, colocar o cinto de segurança e arrancar o carro.

O meu celular vibrou. Era uma mensagem de texto de... Tabitha?!

Eu ri baixinho com a mensagem de Tabby.

Olhei para ela. Ela tinha colocado os seus óculos de sol e encarava Brittany no banco da frente - estava mais para intimidação -. Mesmo Tabby estando com os olhos cobertos, Brittany sabia que estava sendo observada. Ela fingiu não notar, no entanto, como sempre fazia. Porém, para revidar, ela deslizou a mão por cima da de Caleb que descansava no câmbio e entrelaçou seus dedos com os dele, então, soltou um sorriso triunfante, mas em nenhum momento olhou para mim ou Tabby.

Tabby soltou uma risada sem humor e negou descrente com a cabeça. Já eu, sorri com sarcasmo e comecei a contagem regressiva na minha cabeça:

5...4...3...2...1...

Caleb tirou sua mão debaixo da de Brittany e a colocou no volante... Como eu sabia que ele faria.

Virei a minha cabeça para a janela e sorri vitoriosa.

Amadora.

O dia parecia que não acabaria nunca.

As pessoas andavam de um lado para o outro pela casa onde eu cresci. A casa onde Alex e eu crescemos. As lembranças irrompiam em minha mente como um filme, enchendo o meu coração de saudade, de tristeza em saber que eu nunca mais ouviria a voz do meu irmão. Nunca mais riria de suas piadas bobas. Nunca mais olharia para os seus lindos olhos azuis. Eu jamais sentiria o seu abraço.

Do lado de fora, a neve continuava a cair, me tentando a correr até ela como eu costumava fazer quando era menina e estava chateada com algo, para que pudesse estar sozinha.

Essa casa estava cheia de recordações. Tabitha e eu correndo pelos corredores brincando de pega-pega, Alex e Caleb dando festas quando seus pais viajavam. Festas que nós nunca podíamos participar por sermos mais novas, mas que sempre penetrávamos até eles nos encontrarem e nos mandarem de volta para o quarto. Houve uma vez em que peguei meu irmão se agarrando com uma garota no sofá da sala verde - ela era chamada assim por ser toda decorada com plantas e flores como um jardim de inverno -. Eu fiquei louca de ciúme, então chamei a Tabby. Nós acendemos uma vela e a aproximamos do detector de fumaça da sala verde sem que Alex visse - ele estava muito ocupado com a loira desbotada -. O aparelho disparou soltando água para todos os lados. A garota gritava e Alex ficou furioso, principalmente quando pegou Tabby e eu rindo escondidas em um canto. Sua raiva comigo não durou nem duas horas. Nunca durava. Houve também a vez em que vi, pela primeira vez, Caleb entrar pela porta principal da mansão de mãos dadas com Brittany. Eu tinha acabado de chegar da escola, estava descendo as escadas quando os peguei juntos. Ela o abraçou e o beijou. Foi a pior dor que eu já senti, até hoje. Eu chorei por dias, trancada no quarto. Acabei ficando doente, com febre. Alex foi quem cuidou de mim, já que meus padrinhos e Tabby estavam na Irlanda, e eu não deixei Caleb chegar perto de mim. Toda vez que ele tentava - e foram muitas vezes - eu o mandava embora aos berros. Ele continuava vindo mesmo assim, furioso ainda por eu o estar empurrando para longe. Na última vez, ele pegou a chave reserva para conseguir entrar no meu quarto quando tranquei a porta. Eu taquei um vaso na direção da porta no momento em que ele entrou. Caleb xingou furioso quando o vaso quase o acertou. Alex que veio ver o que tinha acontecido desatou a rir, vendo Caleb frustrado e louco de raiva.

Eram muitas recordações que eu tinha da minha juventude com Alex naquele lugar. Mesmo sem os nossos pais, nós vivemos momentos muito felizes ali, como uma família. Eu amava aquela casa. Nós devíamos tudo aos Donoghue. Eles fizeram com que nós dois não nos sentíssemos nunca sozinhos, órfãos. Mas, naquele dia, a mansão Donoghue, parecia um pesadelo.

Senti duas mãos em meus joelhos me fazendo despertar de minhas lembranças.

- Em que mundo você está, Angel? - Pogue estava agachado diante de mim, com as duas mãos em meus joelhos, e com um lindo sorriso no rosto.

- Hey Pogue - sorri para ele. - Apenas relembrando...

Pogue, Grant, Reid, Tyler, Caleb e Alex cresceram juntos. Nossas famílias foram -eram - amigas por gerações. Os seis eram inseparáveis desde que nasceram. Eles também eram mais velhos do que Tabby e eu, e como nos viram crescer, desenvolveram um afeto fraternal. Eram como meus irmãos mais velhos. Protetores, carinhosos, ciumentos e divertidos. Tirando o Caleb, claro. E eu os considerava da mesma maneira. Os amava como se fossem meus irmãos de sangue.

- Está se lembrando de todas as travessuras que você e Tabitha fizeram com a gente? - ele arqueou uma sobrancelha.

Eu ri baixinho.

- Tivemos bons professores.

Ele sorriu orgulhoso.

- Você sabe que estamos aqui para você, não sabe? - perguntou ele, ficando sério de repente.

- Sim, eu sei. - Agradecida, apertei a minha mão sobre a sua no meu joelho.

- Não sairemos do seu lado até que vejamos o seu sorriso de anjo novamente. Aquele adorável que deixa o Caleb de joelhos - eu sorri. - Você sabe que o Donoghue fica insuportável quando a sua menina não sorri para ele. Então, não nos torture por muito tempo. Não sei até quando poderemos aguentar o seu humor de merda.

Eu ri, divertida pela primeira vez, desde que recebi a notícia da morte de Alex.

Era por isso que eu os amava. Eles me faziam feliz. Mesmo quando estavam sofrendo, porque eu sabia o quanto estavam sofrendo. Como já disse, eles eram inseparáveis. A morte do meu irmão os estava afetando, e muito, mas eles se mantinham firme, por mim, eu sabia, porque para eles, não cuidar de mim, era como desonrar a memória de Alex.

Como um imã, meu olhar correu involuntariamente para Caleb que passava pelo outro cômodo, caminhando em direção ao escritório do seu pai. Sua presença nunca passava desapercebida por mim. Era como se eu pudesse senti-lo, onde quer que ele estivesse.

- Cale está sofrendo. Alex era como uma extensão dele - falei, pensativa.

- Sim, ele está. - Pogue suspirou. - Não está sendo fácil para ninguém, mas para o Caleb é pior. Como você disse, Alex era uma extensão dele. Além disso, ele sofre por você. Caleb não suporta te ver machucada. Dói nele. Fisicamente e mentalmente. Já presenciamos isso inúmeras vezes.

Caleb sempre se sentiu responsável por tudo o que acontecia comigo. Ele também sentia que era sua responsabilidade me fazer feliz, me proteger, cuidar de mim.

- Ele está irritado... Irritado é eufemismo. - Pogue sorriu. - Ele está à beira de entrar em erupção porque não sabe como tirar a sua dor e te fazer sorrir. Isso está fora do controle dele, e o está matando por dentro.

Meu coração doeu por ele.

- Eu só preciso tê-lo perto de mim.

Pogue sorriu, então se ergueu e beijou a minha testa com ternura.

- Não há maneira no inferno de ele ficar longe de você, Angel.

A certeza disso era a única coisa que estava me mantendo em pé.

- Angel Pie, você não comeu o dia todo. Está até pálida.

Minha madrinha, Saibh, se aproximou, parando ao lado de Pogue.

Angel Pie era o apelido que ela me deu quando criança por minha fascinação por Angel Pie de Limão. A vó Eileen costumava fazer toda vez que íamos visitá-la, e minha madrinha aprendeu a fazer com ela. A Angel Pie dos Donoghue era o paraíso e uma tradição de família. Não existia sobremesa melhor no mundo.

A estudei por um tempo. Seus olhos estavam vermelhos e cansados. Seu rosto abatido. Ainda assim, ela se mantinha firme. Os Donoghue não se deixavam cair, assim como os Ackles.

- Eu estou bem, tia Sy. Só não tenho fome.

- Mãe, por favor, peça para Anita trazer um chá de hibrisco com frutas e um pedaço de Angel Pie de Limão que a vó Eileen fez para a Angel - disse Caleb ao entrar na sala de estar.

Sua presença e sua voz sempre faziam o meu coração disparar e meu sangue bombear ferozmente.

- Estou sem fome, Cale - eu repeti.

Caleb me olhou por alguns segundos antes de se virar, voltando a encarar a sua mãe.

- Mãe, por favor... - repetiu Cale como se não tivesse me ouvido.

Minha madrinha assentiu com um sorriso doce no rosto, então, passou por Caleb, acariciando o seu ombro antes de sair da sala.

Pouco tempo depois, Anita me trouxe o pedaço de torta e o chá.

Eu relutei, mas Caleb se sentou ao meu lado até que eu comesse tudo. Ele era insistente, persuasivo, teimoso e controlador. E eu estava cansada demais para brigar com ele.

A noite caiu, todas as visitas foram embora, ficando apenas a família Donoghue, nossos amigos mais próximos e... Brittany.

Eu estive tão perdida durante todo o dia que nem ao menos vi as pessoas irem embora ou até mesmo escurecer. Confesso que me senti aliviada quando notei a casa praticamente vazia. Eu não queria mais ter que falar com ninguém, ou ouvir as pessoas dizendo: "Meus sentimentos, Angel. Seu irmão era uma pessoa maravilhosa". Eu sabia a pessoa maravilhosa que meu irmão era, não precisava que me dissessem. Eu sei que estavam apenas sendo atenciosos, mas eu não queria ouvir ninguém.

Estávamos sentados agora na sala de estar. A minha madrinha, a avó Eileen e Brittany em um sofá. Meu padrinho e o vô Niall, cada um em uma poltrona. Tyler, Reid e Grant em outro sofá. E Pogue, Caleb, eu e Tabby no outro.

- Angel, você não quer subir e descansar um pouco? Você está esgotada, a leanbh - perguntou a vó Eileen ao me ver deitar a cabeça no ombro de Cale.

Notei Brittany me fuzilar com o olhar, mesmo ela não tendo movido um só músculo do rosto. Mas eu não podia me importar menos. Eu o necessitava.

Caleb automaticamente passou o braço pelo meu ombro, me puxando para mais perto dele e beijou o topo da minha cabeça.

- Eu estou bem - falei, a voz já quase nem saindo.

Caleb, sem nem notar, começou a acariciar o meu cabelo em um carinho reconfortante. Cuidar de mim era tão natural para ele quanto respirar.

Eu não podia pôr em palavras o quanto eu amava esse homem. Eu não podia descrever a imensidão desse sentimento. Tudo o que eu posso dizer é que ele era tudo para mim. Ele e Alex sempre foram tudo para mim. Agora, Caleb era tudo o que me restava. Por isso, naquele momento, a única coisa que eu queria era ficar com ele, apenas com ele. Eu queria abraçá-lo e me esconder em seu peito até que a dor desaparecesse.

- Angel, você ainda está pensando em vender o seu apartamento? - perguntou o tio Bradley.

- Sim. Na verdade, eu já o vendi - expliquei, mas minha atenção estava apenas nos dedos de Caleb deslizando pelo o meu cabelo.

- Já o vendeu? Sem comprar outro? Aonde você vai ficar? - perguntou minha madrinha, visivelmente preocupada.

- Eu ainda não sei... - dei de ombros. - O plano era eu ficar no apartamento de Tabby por algumas semanas até comprar outro.

Eu queria um apartamento mais perto da minha empresa, mas ainda não tinha encontrado nenhum do meu agrado.

- De maneira alguma! - disse o tio Bradley com determinação. O mesmo tom que ele usava quando não aceitava ser contrariado. O mesmo tom mandão de Caleb. - Você vai ficar aqui, conosco.

Não era um pedido. Era uma ordem.

Os Donoghue não pediam, ordenavam.

Eu não podia ficar naquela casa. As lembranças me enlouqueceriam. Eu jamais seria capaz de me recuperar ficando ali.

- Eu agradeço, tio, mas eu preciso estar próxima da empresa. Além disso, eu preciso estar sozinha.

- Você estava pensando em ficar com a Tabby, então não estaria sozinha. Qual a diferença? E quanto a empresa, você não precisa estar lá todos os dias. Pode trabalhar alguns dias de casa - ele argumentou.

Bradley Donoghue não desistiria tão facilmente.

- Tabby nunca está em casa, então vai ser como se eu estivesse sozinha. Além disso, moramos juntas por muito tempo, estamos acostumadas a lidar uma com a outra.

Os Donoghue não perdiam, mas os Ackles também não.

Meu padrinho me olhou intensamente com aquele olhar autoritário e duro de quando não estava gostando de ser contrariado. Assim como Caleb fazia.

- Ah, por favor, pai... Eu não vou deixá-la desidratar ou sem comer até virar uma ameixa seca. - Tabby bufou e revirou os olhos.

- Você não cuida direito nem de você mesma, Tabitha - retrucou tio Bradley arqueando uma sobrancelha e olhando com escárnio para a sua filha.

O vô Niall riu antes de tomar um gole de seu uísque.

Um som de descrença saiu da boca de Tabby.

- Tá brincando comigo? Eu sou dona de uma das maiores revistas de moda e entretenimento do país, além de vários outros negócios e você está dizendo que eu não sei cuidar de mim mesma? - Ela olhou seriamente e com petulância para o seu pai.

Ninguém estava surpreso com essa discussão. Era apenas mais um dia na casa dos Donoghue. Tabby e seu pai brigavam o tempo todo. Exatamente porque eles eram parecidos, mas jamais assumiriam isso em voz alta.

Bradley a olhou por alguns segundos com o semblante indecifrável de sempre.

- Os advogados da família trabalham praticamente todos os meses só resolvendo seus processos. Este mês você foi processada duas vezes... até agora.

Eu segurei o sorriso. Tabby era mais processada do que o Donald Trump.

- Eu sou jornalista e editora chefe da revista. É meu trabalho ser processada a todo momento por falar mais do que eu devo.

O vô Niall soltou uma risada baixa.

O tio Bradley o olhou com reprovação.

- Não a incentive, pai.

- Eu não disse nada. - O vô Niall deu de ombros.

Minha madrinha interviu, colocando um fim na discussão cotidiana de Tabby e tio Bradley.

- Bradley, se a Angel não quer ficar aqui temos que respeitar a sua decisão, ela sabe o que é melhor para ela. - Meu padrinho enrugou a testa e a olhou, mas se calou, rendido - contrariado, mas rendido. - No entanto, hoje você ficará aqui. Você e Tabby.

Tia Sy foi taxativa.

Eu não podia passar a noite naquela casa. Já foi difícil sobreviver a tarde inteira. O pensamento de ficar mais algumas horas ali me deixava em pânico.

Involuntariamente, a minha mão procurou a de Caleb. Quando a encontrei, entrelacei nossos dedos.

Meus olhos estavam em tia Sy, mas senti o olhar de Caleb me queimar. Sua mão apertou a minha protetoramente.

- Angelique não ficará aqui e nem irá para o apartamento de Tabby - disse Caleb de repente, com sua voz dura e grave. - Ela ficará comigo.

Minha cabeça virou abruptamente em sua direção. Aliás, todos viraram abruptamente em sua direção.

- Desculpe, eu ouvi direito? Angelique vai ficar com você? Na sua casa? - Pela primeira vez, Brittany se manifestou com um riso descrente e afiado, deixando transparecer suas emoções. Algo que não víamos com muita frequência.

- Foi o que eu disse - respondeu Caleb, olhando-a naturalmente.

- Cale, você tem certeza disso? - Perguntou o pai dele com preocupação no olhar.

Eu fiquei apenas olhando todos discutindo o meu futuro como se eu não estivesse ali. Os Donoghue e Ackles eram extremamente protetores com os deles. Um pouco demais até. Eu normalmente interviria, porém, dessa vez, fiquei em silêncio. Primeiro, porque eu não tinha energia para discutir. Segundo, porque o pensamento de ficar com Caleb me tranquilizou.

- Sim - respondeu ele categórico e com um tom na voz que indicava que não deveria ser contrariado.

Todos ficaram em completo silêncio.

Não era uma surpresa para ninguém a conexão que tínhamos. A necessidade que tínhamos um do outro. Eu quase podia ouvir os pensamentos de todos ali correndo em suas cabeças, sabendo exatamente o que poderia acontecer com Caleb e eu vivendo debaixo do mesmo teto.

Brittany fingia não enxergar, mas era impossível não sentir a energia que exalávamos quando estávamos perto um do outro. Ela sempre me detestou porque sabia que Caleb nunca a amaria. Eu era a única em seus pensamentos e seu coração.

Por que eles estavam juntos?

Só Caleb sabia.

Na minha opinião, Brittany era o muro que o impedia de se entregar a mim. Caleb tinha medo da intensidade dos seus sentimentos. Já Brittany, ela não parecia ser do tipo que se apaixona. Ela parecia mais do tipo que consegue o que quer, a qualquer custo, sem nunca desistir. Tornando-se uma obsessão.

- Era só o que me faltava... Além do meu noivo não fazer questão nenhuma de esconder a obsessão por sua menina Angel, agora ela também vai passar um tempo morando com ele. Sozinhos. - Brittany soltou uma risada debochada encarando Caleb com um olhar mortal.

Os olhos de todos dançavam de Brittany para Caleb enquanto os dois encaravam um ao outro duramente em uma disputa de poder. Eu, no entanto, mantive meu olhar em Brittany com a feição neutra como se eles não estivessem discutindo por minha causa.

Eu estava cansada.

Eu só queria silêncio.

Eu só queria Caleb comigo, e ele sabia disso. Brittany não ganharia essa disputa, ela nunca ganhava. Ele sabia exatamente do que eu precisava, e como aconteceu durante toda a minha vida, ele me daria o que eu queria.

A discussão Braleb era uma perda de tempo, e eu sabia que Caleb acabaria com essa discussão antes mesmo de ela começar. Ele odiava ser controlado. Ele também podia sentir o meu esgotamento.

- Angelique não irá ficar comigo por um tempo. Ela irá morar comigo. E quanto ao "meu noivo", eu não me lembro de tê-la pedido em casamento. Também não lembro de você ter me proposto casamento e eu ter aceitado, então... - A voz de Caleb era puro gelo, indiferença e arrogância.

Dessa vez, ele me pegou de surpresa, me fazendo tirar os olhos de Brittany e me virar para ele. Caleb não me olhou, continuou encarando sua namorada, mas sua mandíbula apertou ao notar minha atenção voltada para ele.

- Outch! - Reid soltou, segurando o riso.

Caleb era arrogante, duro, prepotente, autoritário, inalcançável, inacessível, muitas vezes também insensível, entre outros adjetivos. As pessoas ou corriam de medo dele, ou se sentiam pequenas perto dele. Caleb exalava um poder de um deus intocável. Todos os homens Donoghue eram assim, mas Caleb era mais. Uma cópia exata do seu avô Niall. Tanto em personalidade quanto em aparência.

Ninguém era capaz de controlar o Caleb, nem mesmo os seus pais. Ninguém era capaz de chegar até ele, de se infiltrar na muralha que o cercava.

Ninguém, além de mim.

E eu estaria mentindo se dissesse que isso não me fazia sentir especial, poderosa e um pouco presunçosa, até mesmo um pouco caprichosa. Eu passei a minha vida inteira com Caleb me colocando como prioridade em sua vida, fazendo todos os meus gostos - quase todos os meus gostos -. Tanta dedicação assim pode deixar uma garota mal-acostumada. E não se enganem, eu podia ser tão possessiva e protetora com Caleb quanto ele era comigo. Apenas as minhas táticas e minha personalidade eram diferentes das deles. E era exatamente por isso que eu não me sentia culpada por Caleb estar me escolhendo, mais uma vez, não se importando com mais nada e nem ninguém além de mim.

Nossa relação podia parecer bonita, romântica, apaixonante, para quem via do lado de fora, mas o que não sabiam era que também podia ser perigosa e egoísta. Em nosso mundo existia apenas duas pessoas. Caleb e eu. Ninguém mais.

Brittany sabia como Caleb era desde o início. Ela sabia que ele não era doce, romântico, simpático, atencioso. Ele nunca escondeu isso dela. Mas, como eu já disse, Brittany era do tipo ambiciosa. Ela viu em Caleb um desafio. Ela era bonita, rica, inteligente, bem-sucedida e sempre sabia como fazer os homens se apaixonarem perdidamente por ela. Menos Caleb. Ele era o seu maior desafio, e ela não desistiria. Ele tinha se tornado uma obsessão. Quanto mais distante ele se tornava, mais obcecada ela ficava. Eu a estudei por anos, analisando suas atitudes para chegar a essa conclusão. É como dizem: "Mantenham seus amigos perto e os seus inimigos mais perto ainda".

- Angelique vai morar com você? - Brittany se levantou do sofá de súbito. O olhar sobre Caleb era mortal e ameaçador. - E quando foi que você planejou isso? Porque aparentemente ninguém aqui estava sabendo. Nem mesmo a sua menina, muito menos eu - disse ela com desdém.

Ela concluiu o que eu também acabara de concluir. Caleb já estava planejando isso há algum tempo. Não foi uma decisão repentina. Eu não deveria estar surpresa, Caleb era calculista. Todas as suas decisões eram planejadas minuciosamente e sigilosamente.

- Não importa quando, apenas o fato. E o fato é: Angelique vira morar na penthouse comigo - respondeu ele com a expressão inalterável de sempre.

Tabitha engasgou com o chá que tomava. Ela virou o rosto tentando controlar a risada. Tabby conseguia detestar Brittany mais do que eu. Os outros continuaram quietos apenas observando o show. Inclusive eu que ainda estava tentando assimilar as palavras de Caleb.

- E você não vê nada de errado nisso? - perguntou ela descrente e visivelmente chocada.

Caleb não respondeu, apenas continuou olhando-a sem expressão, como se estivesse esperando que ela se cansasse dessa discussão que ele considerava inútil.

- Querido, você deveria ter consultado Angelique e Brittany antes de tomar essa decisão - disse a tia Saibh ao seu filho.

O olhar de Caleb correu de um lado para o outro em confusão, como se não tivesse entendido o motivo de sua mãe ter dito isso. Na cabeça dele era uma decisão lógica, óbvia. Eu sabia. Eu o conhecia como ninguém. Eu estaria rindo se as circunstâncias fossem outras.

- Não vejo o porquê do alarde. A penthouse está em meu nome e de Alex. Angel irá herdar todos os bens do seu irmão. Ou seja, metade da minha casa é dela. Então, por que ela estaria procurando outro lugar para morar sendo que já tem o lugar perfeito que é próximo da sua empresa? - explicou ele como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.

- Claro, o lugar perfeito. - Brittany ironizou. - O lugar perfeito que também viria com você de brinde. Tudo que ela mais deseja nessa vida.

Perdendo a paciência, me ajeitei no sofá e olhei para Brittany.

- Tudo o que eu mais desejo? - ironizei. - Tudo o que eu mais desejo é ter meu irmão de volta. Não ficar com a casa dele como herança simplesmente para ter Caleb debaixo do mesmo teto que eu. - Meu sangue ferveu. - Até porque eu não precisaria de artimanhas para conseguir isso. Se eu quisesse Caleb morando comigo tudo o que eu teria que fazer era pedir a ele. E você sabe que ele não diria não. - Minha voz aveludada não disfarçou o deboche em minhas palavras.

O olhar de Brittany me perfurou. O seu ódio por mim transparecendo.

Eu não me intimidei e a encarei de volta com indiferença, erguendo o meu queixo. A prepotência em meu olhar transbordava mostrando que os Ackles não eram diferentes dos Donoghue.

- Já chega dessa discussão. Não é hora para isso. Brittany, se você quiser, discuta esse assunto com Caleb em outro momento. Agora, o que importa é Angelique. O clima não está para brigas desnecessárias - disse a vó Eileen sendo categórica e quebrando nossa disputa de olhar.

Eu agradeci a ela mentalmente, pois essa pequena discussão drenou o resto de energia que eu tinha.

- O que importa nesse momento é Angelique, claro... - falou Brittany em tom de deboche e sarcasmo enquanto pegava a sua bolsa em cima da mesa de centro. - Por que eu não estou surpresa?!

- Hoje foi o enterro do irmão da Angel e você quer que todos estejam preocupados com os seus sentimentos? Quer ser o centro das atenções? Qual o seu problema? Não recebeu atenção o suficiente dos seus pais quando criança? - debochou Tabitha com uma sobrancelha franzida.

Os saltos de Brittany quicaram firmemente pelo assoalho mostrando o quão irritada ela estava enquanto ela caminhava para fora da sala de estar ignorando completamente a provocação de Tabby.

- Tabby, chega - pediu Caleb.

Ela deu de ombros e cruzou as pernas antes de reclinar no sofá.

- Você quer que o Peter te leve para casa? - perguntou Caleb aumentando a voz por conta de Brittany já estar próxima a saída.

Peter era o motorista da família.

Ela se virou e o olhou com sua postura ereta e arrogante de sempre.

- Eu pego um táxi. Amanhã conversamos - respondeu com raiva.

Sem esperar, Brittany se virou e saiu.

Caleb não tentou segui-la.

Como se o peso tivesse saído da sala, todos começaram a falar. A tia Sy e a avó Eileen gostaram de Caleb e eu irmos morar juntos. Já o tio Bradley e a vô Niall retrucaram preocupados, não achando uma boa ideia. Tyler, Pogue e Reid entraram no assunto dizendo que ninguém cuidaria de mim melhor do que Caleb. Tabitha também dava a sua opinião. Grant era o único que não tinha aberto a boca durante todo o dia. Não que eu estivesse surpresa, ele quase nunca falava, a não ser que alguém perguntasse algo diretamente a ele.

De repente eu parei de ouvir a todos.

As vozes ficaram longínquas e inaudíveis.

Apertei meus olhos algumas vezes sentindo as pálpebras pesarem e a sala começar a girar.

Eu estava tão cansada.

Eu só queria descansar um pouco... Só um pouco.

Meus olhos foram se fechando e meu corpo se inclinando para trás contra o sofá.

Assim estava melhor... Silêncio, tranquilidade, paz.

Senti um braço envolver a minha cintura, sustentando o meu corpo débil. Uma mão quente segurou o meu rosto, suportando a minha cabeça. O polegar deslizou pela minha bochecha, acariciando-a suavemente. Eu reconheceria aquele toque em qualquer lugar.

Caleb.

- Abra os olhos, a chroí. - Ouvi a voz distante de Caleb.

Eu estava cansada demais. Eu não queria abrir os olhos. Eu só queria dormir um pouco.

- Angel... - Ele me chamou novamente, mas minhas pálpebras estavam pesadas demais.

- Ela está fraca, não comeu quase nada, além de todo o estresse que passou nos últimos dias.

Uma voz feminina também distante falou.

- Leve-a para o quarto, Caleb. Ela não está em condições de ir a lugar algum.

Uma voz masculina que não era de Caleb disse.

Não, eu não quero. Tentei dizer, mas as palavras não saíram.

- Angelique não ficará aqui. Essa discussão acabou. - Caleb foi categórico e duro.

- Ela está praticamente desfalecida em seus braços, Caleb. - A voz do mesmo homem, que parecida ser do meu padrinho, objetou.

Caleb o ignorou e voltou sua atenção para mim.

- Angel, querida, abra os olhos. - Caleb insistiu mais uma vez, o tom de voz se tornando uma ordem. Senti sua mão bater levemente em meu rosto, tentando me despertar.

Tentei forçar, outra vez, as pálpebras a se abrirem. Dessa vez, com mais êxito consegui abrir os olhos, mas a vontade de fechá-los ainda era grande.

A primeira coisa que vi foi o lindo rosto de Caleb e seus olhos presos em mim. Ao notar meus olhos sobre os dele, Caleb sorriu e acariciou o meu rosto com o polegar. Um sorriso quase imperceptível de canto desenhou em seus lábios. Ele não sorria assim para ninguém, apenas para mim.

- Vamos para casa - ele disse.

Eu balbuciei alguma coisa, mas não me lembro bem o quê. Só sei que no próximo segundo, Caleb estava de pé, me puxando junto com ele. Ele se inclinou para me pegar no colo, mas eu neguei com a cabeça, apoiando a palma da mão em seu peito.

- Eu consigo ir até o carro - murmurei baixinho.

- Tem certeza, Angel? Você parece a ponto de desmaiar outra vez. - Olhei em direção a voz e sorri para Tyler que me mirava com a testa franzida.

- Eu estou bem. - Tentei tranquilizá-lo.

- Claro que está. Ela está ótima para ainda ter que sair nesse frio e atravessar a cidade. - O tio Bradley resmungou, passando por nós. Os outros o seguiram, debatendo sobre o que era melhor para mim.

O tio Bradley era super protetor como todos os Donoghue. No entanto, ele tinha um extra cuidado comigo. E eu sabia que essa atitude era por causa do meu pai. Meu pai e ele foram melhores amigos de infância, assim como Caleb e Alex. E quando os meus pais faleceram, ele se sentiu responsável por mim e Alex. Como se ele não pudesse falhar com o seu melhor amigo. A morte de Alex o estava corroendo, eu sabia. Ele estava se sentindo culpado por não ter cuidado melhor do filho do seu melhor amigo. Eu sabia que ele iria me sufocar com sua proteção e cuidados por um tempo. O que resultaria em brigas entre ele e Caleb, pois nunca que Caleb permitiria que alguém o tirasse do comando do meu bem-estar. Não que eles não achassem que eu não podia cuidar de mim mesma. Eles me respeitavam o bastante para não interferirem em minhas decisões. Mas eles não podiam se conter, estava no sangue dos Donoghue cuidar dos seus com suas próprias vidas se preciso.

Com esforço e a ajuda de Caleb, eu consegui sair da mansão sem desabar. A noite estava gelada, mas a neve tinha parado de cair. Os amigos de Caleb se despediram e foram embora, deixando apenas os Donoghue e eu.

A tia Sy trouxe o meu casaco com ela. Ela tentou colocá-lo sobre os meus ombros, mas Caleb o pegou de sua mão e me ajudou a vesti-lo.

Sua mãe o olhou e riu baixinho de sua atitude.

Caleb era egoísta quando se tratava de mim. Ele foi assim desde que eu nasci. Não gostava de me compartilhar com ninguém, não gostaria que me tirassem do lado dele, e não gostava que cuidassem de mim. Só ele podia fazer. Parecia uma criança com seu brinquedo preferido. Ninguém podia tocar ou ele já dava aquele olhar mortal que tinha desde que era pequeno.

Todos já estavam acostumados.

- Caleb, me deixe despedir de minha neta - disse a vó Eileen com um sorriso e sarcasmo na voz. Ela me considerava a sua neta.

Vocês acharam que Caleb entenderia o deboche? Pois, não. Ele ficou alguns segundos com a testa franzida, pensando se deveria ou não, me soltar.

Eu normalmente ria dessas atitudes fofas dele. Especialmente porque a maioria das vezes ele nem percebia que as fazia.

Com relutância ele me soltou, mas me olhou perguntando silenciosamente se eu conseguia me manter em pé.

Eu apenas sorri para ele, acariciei seu braço antes de caminhar até a vó.

- O que vocês dois têm é muito especial - declarou a vó Eileen correndo os olhos sábios de mim para Caleb que agora estava parado entre o seu pai e seu avô.

Caleb me olhou daquela maneira intensa e penetrante, os seus olhos irlandeses me invadindo, e sem desconectar o olhar disse:

- Ela que é especial, nana.

Nós a chamávamos de nana, carinhosamente.

Eu sorri para ele apaixonadamente como uma adolescente.

O tio Bradley quebrou nossa conexão quando começou a insistir que fôssemos para que eu saísse do frio. Me despedi então da nana e da tia Sy que não conseguiam esconder a felicidade que estavam em saber que eu iria morar com Caleb. Mesmo que ele e eu ainda não tivéssemos conversado formalmente sobre isso. Elas também ficaram me passando a lista de sermões sobre como me cuidar, como elas iriam me visitar ou me ligar todos os dias, como eu deveria ficar longe da empresa por um tempo e como elas iriam ficar irritadas se soubessem que eu fiquei mal e não as chamei.

Eu apenas ouvia todo o sermão quieta, pois ainda estava fraca, até que a voz do tio Bradley, citando o meu nome, chamou a minha atenção. Ele e o vô Niall estavam conversando com Caleb.

- Filho, escute... Angelique ir morar com você, não tem nada a ver com a herança de Alex. Todos nós sabemos que essa não é a razão para você ter tido essa ideia. É apenas a desculpa que você arrumou. - Caleb tentou retrucar, mas o seu pai o parou. - Nem perca tempo tentando me convencer porque nós dois sabemos que você está apenas tentando convencer a si mesmo.

Notei os olhos de Caleb rolarem.

A vó Eileen, a tia Sy e Tabby, que se aproximou após terminar uma ligação de trabalho, conversavam sobre alguma coisa. Eu fingia ouvir, mas minha atenção estava nos homens falando sobre mim.

- Você entende que não será fácil se manter longe dela, tendo-a tão perto, Caleb? - perguntou o vô Niall. - Você passou a vida inteira lutando contra a sua natureza, tentando manter Angelique longe de você. Ainda assim, com todas as tentativas, você não teve muito sucesso. Mas quando seus sentimentos se intensificavam, você sempre achou uma maneira de se manter longe. Agora, não será assim. Ela estará todos os dias e noites com você.

A feição de Caleb era neutra, como se eles estivessem conversando sobre o clima.

- Há alguma razão para essa conversa? - perguntou Caleb, indiferente, mas ficando impaciente. Ele odiava que se metessem em nosso relacionamento.

- A razão é que você está sentindo essa necessidade impulsiva de cuidá-la e protegê-la. E você sabe que a intensidade dos seus sentimentos por ela vai além da razão e das normalidades. Você fica possessivo, nervoso, estressado...

- ...desequilibrado. - Seu avô completou com um sorriso sarcástico.

Caleb arqueou uma sobrancelha e encarou seu avô com reprovação.

- Eu já disse, Angelique está indo morar comigo porque não há razão para ela comprar um novo apartamento próximo ao seu trabalho sendo que ela agora é dona da metade da minha cobertura.

- E o fato de ela te necessitar, e a sua compulsiva necessidade de tê-la por perto e cuidá-la, não tem nada a ver com isso? - Seu pai debochou.

Caleb respirou fundo, impaciente com a conversa.

- Qual a sua preocupação exatamente, pai? - Ele encarou o seu pai determinado a ir direto ao ponto e terminar com essa discussão.

- Minha preocupação é que obviamente você não está pronto para assumir seus sentimentos e Angelique está. Você tentará fugir, não conseguirá e isso te deixará enfurecido. Os sentimentos que vocês têm um pelo outro, não é normal. É intenso demais, é forte demais. Tamanha necessidade pode te enlouquecer e machucá-la.

- Eu nunca a machucaria. - Caleb disse com fúria no olhar, pela acusação.

- Fisicamente, claro que não. Mentalmente, não de propósito. Mas acontecerá - explicou o vô Niall.

- Estão falando por experiência? - Caleb debochou.

- Sim - respondeu o seu pai, enfático, pegando Caleb de surpresa. - Você não tem a mínima noção do que é capaz de fazer por ela, e o quanto te destruirá afastá-la de você, e consequentemente, a machucará.

- Caleb, me ouça... - O vô Niall o olhou seriamente. - O que vocês sentem um pelo outro chegará ao ponto de se tornar sufocante, doloroso e enlouquecedor, até que os dois estejam prontos para estarem juntos.

- Angelique e eu não ficaremos juntos. - Caleb cuspiu as palavras com raiva.

Suas palavras doeram mais do que deveriam.

O pai e avô de Caleb o miravam com olhares sábios e silenciosos.

- Sei que não há maneira no inferno que eu consiga te convencer a não levá-la com você. Sei que é humanamente impossível para você. Sei também que Angelique te necessita nesse momento, e mesmo que ela não diga em voz alta, você a sente te chamando e não pode dizer não, e nem quer. Mas me ouça quando eu digo que a intensidade do que vocês dois sentem um pelo outro é como um vulcão pronto para entrar em erupção. E a consequência disso pode ser irreparável e destruidor se vocês não estiverem preparados para lidar com isso, juntos - explicou o tio Bradley.

- Você a ama mais do que qualquer coisa nesse mundo, mais do que a si mesmo. E ela sabe disso. Mas entenda que ela não é mais uma menina. Ela é uma mulher. E uma belíssima mulher. Seus sentimentos por ela já veem evoluindo com os anos, gradualmente. Agora, estando junto a ela, todos os dias, todas as manhãs, todas as noites, eles se manifestarão tão rápido que você não conseguirá absorver ou controlar.

Caleb levou dois dedos até os olhos, pressionando-os, visivelmente irritado. Então, ele disse categoricamente:

- Angelique ainda é a minha menina. Ela sempre será. Eu sempre a verei assim. Eu sei o que estou fazendo, então, por favor, não se metam.

Sem dar chance a eles de responderem, Caleb atravessou, passando entre os dois, e caminhou em minha direção. Eu disfarcei, voltando a olhar para as mulheres, que continuavam falando.

- Está bem, mãe... Eu ficarei aqui hoje à noite. - Ouvi Tabby dizer derrotada.

Senti a mão de Caleb cobrir a minha. Eu podia sentir sua fúria exalando por seu corpo. Seu pai e seu avô conseguiram irritá-lo.

- Vamos embora - disse ele em um tom duro e sério que fez com que sua mãe e sua avó o olhassem em confusão. - Tabitha, você quer que eu te deixe em casa?

Ele olhou para a sua irmã.

Eu o observei. Sua mandíbula estava tão apertada que parecia que iria quebrar a qualquer momento.

- Não, Angel não está se sentindo bem. Ela precisa descansar. E eu vou dormir aqui hoje.

Caleb nem ao menos questionou. Na verdade, ele não pareceu prestar muita atenção. Estava ansioso para ir embora.

- Certo - respondeu ele, começando a me puxar pela mão, sem me dar chance de me despedir.

- Amanhã eu vou até lá para ver como você está - falou Tabby de longe. Caleb já estava me puxando pela escadaria de entrada da mansão.

- Não - Caleb respondeu no meu lugar, incisivamente, sem olhar para trás.

Eu não tive tempo de ter nenhuma reação, porque no segundo seguinte, Caleb se virou abruptamente em minha direção, parando de andar, me puxou para ele e me levantou em seus braços.

- Caleb!... - Eu exclamei de susto, passando as minhas mãos ao redor do seu pescoço para me equilibrar. Ele, então, voltou a descer as escadas, deixando todos atônicos.

- Eu posso caminhar - falei.

- Você quase desequilibrou no degrau, não está conseguindo se manter em pé - explicou ele.

Eu não tinha percebido.

Caleb só me colocou no chão quando paramos ao lado do seu carro. Ele abriu a porta, me ajudou a entrar e fechou-a, então, deu a volta, entrou do lado do motorista, e se sentou ao meu lado. Quando a porta bateu, Caleb fechou os olhos, colocou as mãos no volante e respirou fundo.

Eu o observei por alguns segundos, deixando-o se acalmar, até que levei minha mão esquerda até o seu rosto. Ele abriu os olhos e me olhou com seus brilhantes olhos azuis me invadindo a alma.

- Vamos para casa? - perguntou ele baixinho, sua feição suavizando aos poucos sob o meu toque, até um ligeiro sorriso sair de seus lábios.

Me aproximando dele, beijei a sua bochecha. Senti seus músculos endurecerem e sua mandíbula voltar a apertar. Ele fechou os olhos ao sentir os meus lábios. Quando me afastei, Caleb voltou a abri-los e respirou profundamente.

- Vamos - respondi antes de me inclinar no banco e fechar os olhos, finalmente podendo descansar em paz e em silêncio.

Eu pude senti-lo me observar por um tempo antes de ligar o carro e arrancar, deixando para trás a propriedade dos seus pais e minhas antigas lembranças.

Eu apaguei completamente durante todo o caminho. Não despertei nem quando chegamos ao prédio de Caleb em Manhattan, nem quando ele me tirou do carro e nem quando me carregou até a cobertura. Quando acordei estava deitada em uma cama confortável e com uma manta me cobrindo.

Esfreguei os meus olhos tentando me situar. A luz estava apagada. A única claridade vinha da luminária em cima de uma cômoda do outro lado do quarto.

Senti minha cabeça latejar quando me forcei a sentar. Apertei os olhos e respirei fundo algumas vezes antes de voltar a abri-los. Me sentindo melhor, resolvi levantar. A tontura veio de imediato, então esperei alguns segundos antes de começar a caminhar. Atravessei o quarto, estudando o lugar. Haviam duas grandes janelas francesas do lado direito e portas francesas com vidro de frente para a cama, do outro lado do quarto, que davam para o terraço da cobertura.

Parei ao lado do luxuoso sofá cinza e olhei a noite fria do lado de fora. A neve voltara a cair. O reflexo através do vidro de uma porta atrás de mim, no canto direito, chamou a minha atenção. Curiosamente, me virei e caminhei até a porta. A abri me deparando com um closet. Procurei pelo interruptor. Ao acender a luz, meus olhos arregalaram.

- Meu Deus...! - exclamei surpresa em ver o closet mais lindo que eu já tinha visto na vida, diante dos meus olhos. Isso que eu era expert em closets. Esse era maravilhoso. Muito parecido com um que desenhei para a minha futura casa quando decidi voltar para Nova York, depois de passar anos em Paris. Infelizmente, com a loucura que minha vida se tornou desde que cheguei, não consegui reformar o apartamento que comprei do jeito que eu queria.

Entrei no closet, ainda abismada com todo o design e iluminação. Notei que as estantes e armários estavam cheios com roupas, sapatos, bolsas, joias.

Espere um minuto... Essas são as minhas coisas.

- Gostou? - Me assustei com a voz de Caleb vindo logo atrás de mim.

Me virei na direção da porta e o vi escorado no batente com os braços cruzados. O estudei por um tempo. Seu semblante era sério como sempre, mas o olhar suave. Ele tinha tomado banho e agora vestia uma calça de moletom grafite que definia bem as suas coxas musculosas, uma camiseta branca simples delineando os seus músculos definidos e sneakers da mesma cor.

Com um leve sorriso de canto, Caleb esperou pacientemente eu examiná-lo. Ele sabia o estrago que sua aparência fazia para os meus hormônios e o meu estúpido coração apaixonado.

Saindo de minha atual hipnose, olhei para Caleb que me observava com aquele olhar penetrante e curioso ao qual ele sempre me observava.

- Como...? Quando...? - gaguejei ainda surpresa sem entender nada. - Como você fez isso em tão pouco tempo?

Caleb entrou no closet, se aproximando de mim. Meu coração disparou com a aproximação.

- A única coisa que eu fiz foi contratar uma empresa para fazer a sua mudança e pedir para a minha assistente conversar com a sua e deixar tudo em ordem para quando você chegasse.

- Você sabia que eu viria para cá. - Não foi uma pergunta. Caleb continuou me olhando em silêncio. Eu entendi como um sim. - Mas esse closet...

Caleb caminhou até uma das estantes e pegou um dos meus stilettos com plataforma, coberto de diamantes. Eu sabia que eram os seus preferidos. Ele não parava de olhar para eles nas vezes em que me viu os usando.

- Não fui eu quem mandou reformar esse closet. - Caleb colocou o sapato de volta, arrumando-o simetricamente, então se virou e me olhou. - Foi Alex.

Eu fiquei em silêncio apenas o olhando.

Fui pega de surpresa.

Meu coração apertou dolorosamente, e pela primeira vez, desde que soube da morte do meu irmão, senti meus olhos se encherem de lágrimas. A emoção veio de uma vez, impulsivamente e inesperadamente. Caleb fechou a distância entre nós e me puxou para ele. Eu não notei que chorava até que comecei a soluçar. Caleb me embalou em seus braços. Eu desatei em um choro descontrolado, desesperado e libertador. Derramando toda a angústia, o estresse e o pânico em cada lágrima e cada soluço. Eu não sei quanto tempo se passou, mas Caleb ficou ali, em silêncio, apenas me sustentando enquanto eu me desfazia de toda a dor acumulada dentro de mim.

Eu raramente chorava.

Nunca na frente de ninguém.

Apenas com Caleb eu me sentia segura o suficiente para deixar transparecer as minhas fraquezas.

Aos poucos, o choro foi amenizando. Ele não me soltou ou até mesmo amenizou o aperto em nenhum momento. Ele era como um muro sólido me sustentando.

Minha orelha descansava sobre o coração de Caleb. E suas batidas regulares agiram como uma meditação tranquilizante que foi me acalmando.

Percebendo que eu me acalmara, ele começou a falar:

- Quando você nos avisou que voltaria para Nova York e pediu ao Alex para te ajudar a encontrar um apartamento, ele viu o desenho desse closet junto aos documentos que você enviou para a compra do apartamento. Como o tempo estava curto, pois você chegaria em breve, ele não conseguiu mandar fazer o closet que você queria, pois era a sua intensão como um presente de boas-vindas. - Continuei quieta, apenas prestando a atenção na história. - Isso não saiu da cabeça de Alex. Você sabe como ele era... Quando colocava uma coisa na cabeça, ninguém o fazia esquecer ou desistir - "era" -. Alguns meses atrás, ele me disse que tinha decidido montar o closet que você queria, aqui em casa. O incomodava que você tivesse ficado anos vivendo em outro país e que mesmo estando de volta, não passavam muito tempo juntos por estarmos sempre viajando a trabalho. Por isso, ele quis que esse quarto fosse seu, para que você viesse aqui mais vezes, dormisse aqui em alguns fins de semana ou quando quisesse. O closet foi a primeira coisa que ele mandou reformar. Ficou pronto no mês passado, mas ele não quis te dizer nada até que toda a suíte estivesse pronta. Ele não teve tempo de terminar, no entanto...

Meu coração chorou.

Senti os músculos de Caleb endurecerem com suas últimas palavras.

Eu me movi pela primeira vez fazendo-o aliviar o aperto. Ergui minha cabeça e o olhei. Caleb tinha os olhos vagos. Seus pensamentos estavam longe. O observei em silêncio. Ele estava sofrendo, e essa foi a primeira vez que deixou transparecer.

- Não me olhe assim - ele pediu.

- Assim como? - perguntei confusa.

- Como se quisesse invadir os meus pensamentos - respondeu ele caindo o olhar até o meu.

Arqueei uma sobrancelha incrédula.

- Você faz isso comigo, literalmente, a todo momento em que estamos juntos desde que eu nasci - o lembrei.

Um sorriso de canto se desenhou em seus lábios enquanto os seus olhos me invadiam, paralisando-me.

- Viu?! Você está fazendo agora - constatei.

- Não é como se eu pudesse controlar, Angy.

- Então você sabe que eu também não posso - expliquei.

Ele assentiu com a cabeça, sem quebrar a conexão.

- Eu amei o closet - falei, mudando o assunto.

Seus olhos nublados de repente sorriram para mim.

- Eu sei. É o seu lugar preferido da casa. Desde que era criança você costumava entrar nos guarda-roupas do seu closet e se esconder atrás das roupas quando estava triste ou brava.

Sorri com a recordação.

Era verdade... O closet era o meu refúgio, e também a minha paixão, obviamente, já que sou designer de moda. A moda era a minha segunda paixão. A primeira estava a minha frente me olhando como se eu fosse a única coisa existente na face da Terra, como se estivesse tentando me dizer algo. Algo que só agora, observando-o atentamente, compreendi.

- Você não quis que eu viesse morar aqui apenas por ser uma opção lógica. - Caleb me ouviu atentamente em silêncio. - Você também não anunciou na frente de todos, sem conversar comigo, que eu viria morar com você apenas para que pudesse cuidar de mim. - Ele continuava a me olhar, antecipando minha compreensão - Você me trouxe para cá porque você me necessita nesse momento tanto quanto eu te necessito. - Ainda em silêncio. - Eu sei o quanto a morte de Alex está te doendo, Cale... - Pela primeira vez, ele se moveu, incomodado com o assunto. Ele quebrou a conexão do nosso olhar e tentou se afastar, mas eu o segurei, puxando-o de volta para mim. Minhas mãos seguraram o seu rosto, fazendo-o voltar a me olhar. - Não tente fugir, e nem arrumar desculpas para me ter por perto. Se você me quer aqui, a única coisa que tem que fazer, é me dizer.

Caleb relutou.

Ele não gostava de expor os seus sentimentos e emoções em palavras.

- Eu já disse na casa dos meus pais - ele disse.

- Não. Você anunciou que eu viria morar com você como se estivesse lendo um contrato.

Caleb se afastou de mim e bufou.

- Qual a diferença, Angel? Você está aqui. Eu sei que irá ficar aqui. Palavras nunca foram necessárias entre nós. Sentimos o que um necessita do outro. Não foi sempre assim? - Sua voz saiu afiada.

Ele estava tentando não ser tão duro pelas circunstâncias, mas em um dia normal, ele cortaria o assunto sem dar chance para uma continuação. Mas essa postura impositora dele nunca funcionou comigo e não começaria agora. Se ele me queria aqui, ele me diria com todas as letras.

- Sim, você está certo. Ainda assim, eu quero as palavras. Não quero aquela desculpa que você deu para a sua namorada e sua família.

- Nossa família. - Ele me corrigiu severamente.

Caleb odiava quando eu me referia a família dele como se eu não fizesse parte dela. Eu os considerava a minha família. Eles eram a minha família, mas as palavras as vezes escapavam porque no fundo, no fundo, eu sabia que era uma garota órfã.

- Okay, nossa família. Entendo que você não queira se abrir com eles, que não os queira se metendo em nossas vidas, e que não queira arrumar problemas maiores com a Brittany. Mas agora estamos sozinhos, Cale. Se você quer esconder seus sentimentos do mundo inteiro, incluindo de você mesmo, está tudo bem, não me importo. Mas você não vai se esconder de mim. Você me quer aqui, então me diga, com todas as letras.

Caleb me fitou duramente. Seu olhar me repreendendo por encurralá-lo. Principalmente, porque ele sabia que não podia escapar. Isso o deixava louco porque eu podia sentir o quanto ele me necessitava. Podia não parecer, mas a morte do Alex o estava matando por dentro. Sem mim, ele tinha medo de enlouquecer e acabar fazendo uma besteira, como agir impulsivamente para vingar a morte do seu melhor amigo e acabar colocando outras vidas em perigo. Como ele disse, não precisávamos de palavras um com o outro. Eu podia ler tudo isso em seus olhos. Eu o conhecia melhor do que ele mesmo se conhecia.

- Está bem. - Ele se aproximou de mim, seu olhar ainda afiado em minha direção. - Você quer que eu diga que eu não posso superar isso sem você? Quer que eu diga que te necessito por perto porque preciso da sua força? A força que só você consegue me dar sempre que te vejo, te ouço e te sinto? Quer que eu diga que está me matando ver a dor nos seus olhos e que eu preciso te fazer feliz outra vez, senão eu vou enlouquecer? Quer que eu diga que não posso te tirar da minha vista com medo de que algo possa acontecer com você? Então, aí está... Eu estou dizendo tudo isso. Te necessito aqui. Te necessito onde eu possa te ver constantemente e saber que está bem e segura. Te necessito para me ajudar a não cometer uma loucura. Te necessito aqui para que eu possa te fazer sorrir outra vez. Te necessito morando comigo. Satisfeita?

Seu olhar era puro fogo. Eu via desejo, amor, frustração e raiva neles. Tudo misturado.

Com um sorriso sereno, eu cheguei até ele e o abracei, puxando-o para mim. Caleb veio sem pestanejar. Senti seus músculos relaxarem com o toque. Logo, sussurrei em seu ouvido:

- Te necessito onde você me necessita. - Beijei a sua bochecha e me afastei com um sorriso débil, sentindo-me esgotada. - Já que você insiste, virei morar com você.

Caleb me olhou descrente antes de rolar os olhos, bufar e me soltar.

- Isso já estava estabelecido, não precisava de toda essa perda de tempo - resmungou ele como um velho ranzinza enquanto caminhava até a entrada do closet.

Eu ri baixinho.

- Vá tomar um banho e se trocar. Eu vou esquentar a sopa que a minha mãe mandou para você e já trago, então você irá dormir - disse ele voltando ao modo robô mandão de sempre.

Ele saiu sem esperar por uma resposta.

Um banho até que soava bem.

Uns vinte minutos depois, eu estava de banho tomado, de pijama - conjunto de calça flanelada xadrez vermelha e preta de cintura alta com um laço preto no cós e uma camiseta preta de gola redonda, corte curto na altura da cintura e mangas também curtas -, sentindo-me humana e confortável pela primeira vez no dia. Eu penteava o meu cabelo quando Caleb entrou no quarto com uma bandeja na mão.

Senti o cheiro da sopa invadir as minhas narinas.

- É sopa de tomate? - perguntei me animando ao pensar em comida pela primeira vez em dias.

Caleb colocou a bandeja em cima da mesa de canto do quarto.

- Sim, a sua preferida. A receita da vó Eileen.

Caleb me olhou e sorriu ao notar minha empolgação.

- É bom ver que o seu apetite voltou.

Coloquei a escova sobre a mesa de cabeceira e caminhei até a mesa onde Caleb colocou a bandeja. Ao me sentar inspirei profundamente, sentindo o cheiro da sopa.

Caleb se sentou à minha frente, me observando.

- Cuidado, está quente - avisou ele.

- Acho que já aprendi a comer sem me queimar, Cale - ironizei em tom de brincadeira.

Sua expressão neutra não mudou. Nem um sorriso. Nem um bufar. Nem um rolar de olhos. Nem nada. Às vezes, ele parecia o "Exterminador do Futuro". Uma máquina sem expressão. O horror para a maioria das pessoas que nunca conseguiam saber o que ele estava pensando. Para mim, era sexy como o inferno.

Caleb ficou em silêncio, me observando durante todo o tempo em que eu comia. Ele tinha a paciência de um santo. Com a única diferença de que ele não tinha nada de santo.

- Você não cansa de me olhar? - perguntei e tomei um gole do chá de camomila que Caleb trouxe junto com a sopa para me ajudar a dormir.

- Não. É relaxante. Pacífico - disse simplesmente.

- Sou o seu chá de camomila? - brinquei tomando o último gole de chá.

Seus olhos estavam perdidos nos meus. Outra pessoa se sentiria encabulada com a maneira intensa e frequente com que ele olhava. Não eu. Eu estava acostumada. Foi assim desde, literalmente, o dia em que nasci. Se me olhar era o que o tranquilizava, ser olhada por ele era o que me incendiava.

Ele me deu um sorriso sexy e uma piscadinha antes de se levantar e afastar a bandeja de perto de mim indicando que a conversa tinha terminado.

- Para a cama - ordenou.

Ainda tentando manter o clima leve - estava me fazendo bem - eu o provoquei:

- É um convite?

Caleb parou de fechar a cortina de uma das janelas, se virou e me olhou com advertência e a testa franzida.

- É um decreto - respondeu ele.

Eu sorri com a sua resposta ao deitar na cama e me aconchegar no luxuoso e maravilhoso colchão. O cansaço retornou como um tombo. O sono veio de repente.

- Hmm... E nesse decreto diz algo sobre não me deixar sozinha essa noite pois não serei capaz de dormir tranquilamente?

Eu o olhei esperançosa.

Caleb parou diante de mim e me estudou por alguns segundos. Sem me responder, ele saiu do meu campo de visão, entrando no meu novo closet. Pouco tempo depois, voltou com um cobertor coral na mão. Ainda em silêncio, ele se aproximou, parando ao meu lado, tirou a manta de cima de mim, abriu o cobertor e me cobriu como se eu fosse uma criança de 5 anos.

Eu fiquei ali apenas observando os seus movimentos.

- Você ficará com frio apenas com a manta - disse ao levar a manta até o sofá, dobrá-la corretamente, depositando-a ali.

Ele foi então até o termostato, ajustou-o, deixando o quarto mais quente. Por fim, sem dizer uma só palavra, ele se sentou na cama do lado direito - oposto de mim - tirou o tênis e se deitou ao meu lado.

Sem que ele visse, abri um sorriso vitorioso.

Eu não estava tentando manipulá-lo a ficar comigo. Eu realmente não seria capaz de dormir sem ele ali. Eu sabia que no minuto em que ele saísse do quarto, a realidade me atingiria, as lembranças viriam e junto disso tudo, o pânico e o desespero.

Caleb virou a cabeça em minha direção.

- Agora, durma - ordenou novamente.

Sem pedir permissão, eu cruzei o espaço entre nós, abracei-o pela cintura e deitei a cabeça em seu peito.

Senti seus músculos endurecerem de imediato. Ele não se moveu e não me tocou por alguns minutos. O único movimento era do seu peito que subia e descia em uma frequência regular. Eu não o pressionei. Deixei que ele tivesse o seu tempo até conseguir relaxar.

Quando meus olhos começaram a fechar e o sono pesou, senti seus braços me cobrirem, embalando-me com o seu corpo.

- Obrigada, Cale - falei, agradecendo-o não apenas por passar a noite comigo, mas por tudo que fez e estava fazendo por mim.

Senti seus lábios no topo da minha cabeça.

- Descanse, Angel.

Outra vez, era uma ordem.

Ordem que dessa vez acatei.

- Boa noite, a chuisle - sussurrei com os olhos já fechados.

Segundos depois, antes de eu cair em um profundo sono, ouvi a voz de Caleb.

- Boa noite, a chuisle mo chroí.

☘☘☘☘

1 - A Target é uma das maiores varejistas dos EUA, com lojas físicas presentes em todo o território americano.

2 - Chuisle mo chroí (pronunciado 'Mu kooish-la mu kree'): Literalmente significa "Pulse of my heart" ou "Pulsação do meu coração", para a pessoa que faz seu coração bater. Geralmente traduzido como "meu amor" e "minha querida".

3 - FBI - Federal Bureau of Investigation

4 - Taps (Toque de Silêncio) - "Taps" é um toque de "bugle call" - uma corneta cerimonial especial - tocado durante as cerimônias das bandeiras e em funerais militares pelas Forças Armadas dos Estados Unidos.

5 - "A leanbh" (uh LAN-uv): Literalmente significa "minha criança" em irlandês. Termo carinhoso.

6 - A torta de anjo é uma classe de tortas da culinária americana feita com uma casca de torta de merengue. Existem muitos recheios diferentes que podem ser usados ​​para fazer torta de anjo.

7 - Penthouse - Cobertura

8 - A Chroí significa "My heart" ou "Meu coração" em irlandês.

Irish Eyes continua em 2022.

Feliz Natal e Feliz Ano Novo a todas as Irishers!

Ps. Participe do grupo de leitura no Telegram para conversarmos sobre os capítulos de IRE. (Link disponível no meu perfil no Wattpad).

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