Acordo com uma dor em meu peito. O suor frio toma meu corpo, tento me apoiar na cama, mas estou fraca. Os momentos com Wistic voltam com tudo e me forço a ficar de pé. Seguro na penteadeira e me olho no espelho. Minha pele está ainda mais pálida, fria e com as veias aparecendo.
Não me importo com nada, como se a necessidade de resolver as coisas fosse maior que minha sanidade. Como se minha mente sentisse o perigo se aproximando e eu tivesse que estar preparada.
— Damien — sussurro apoiando-me na parede do corredor. Meu corpo pesa como chumbo, minha mente gira, tudo me fazendo desejar morrer. Esse é o efeito colateral de ter retirado a alma do próprio corpo?
Dou três passos e caio. Minha respiração está entrecortada, urgente.
— O que faz aqui? — a voz feminina irrompeu o local calmo.
A garota sentada na beira do lago levantou, com raiva. Uma pedra na mão.
— Deixe-me em paz, seja lá quem for você! — gritou, irritada por terem a atrapalhado.
— Sou Kayle. O que pensa que vai fazer com essa pedra? — Os cabelos curtos e coloridos voavam com o vento.
— Que tal te matar? Posso fazer isso em segundos, somente usando essa pedra — ameaçou a de cabelos longos, a rocha em mãos, o sorriso maligno, pronta para cumprir o que disse.
— Tente! — Kayle não se moveu quando Maeve jogou a pedra. Ela fechou os olhos com força. O impacto não chegou, abriu um olho de cada vez e se deparou com a outra rindo. Suspirou um pouco aliviada. — O que...
— Na água — disse a interrompendo. — Gosto de jogar as pedras na água. Se jogasse em você sairia muito sangue e este lugar é belo demais para isso. — Estendeu três pedras, elas brilhavam com um tipo de pó, coloridas. A de cabelo curto as pegou. — Combinam com o cabelo. — Piscou e sentou novamente na margem.
Kayle se aproximou, sentando ao lado da demônio.
— Você não recuou, não sei se é idiota ou corajosa. — A outra riu, a mais velha a olhou de soslaio.
— Talvez eu seja os dois. — As duas riram e jogaram as pedras no lago.
— Gostei de você. Isso é raro. — Arqueou uma sobrancelha. — Aliás, sou Maeve. Sinto que seremos grandes amigas.
Pisco. A lembrança, que um dia fora somente sombras nas chamas dançantes, agora finalmente está clara em minha mente.
— Ótimo, finalmente acordou. Pensei que estivesse morta, o que seria muito chato já que o culpado não seria eu. — A voz assombra minha mente. Tento sentar, os últimos acontecimentos voltando. Encaro Damien que parece confuso. Olho ao redor, estou deitada no sofá, na sala do piano.
— Damien — pronuncio, meu peito subindo e descendo, minha respiração normalizando e a adrenalina diminuindo.
— Está com algum problema com meu nome? É a segunda vez que me chama. — O olho confusa e o vampiro cruza os braços arqueando uma sobrancelha como se eu fosse uma desconhecida. — Estava aqui quando ouvi você me chamar, estava caída no corredor, em frente a porta do meu quarto. — Parece mais curioso do que acusatório.
— Preciso de um corpo — solto e o homem irrompe em gargalhadas.
— Antes eu não tinha certeza, mas agora sei que você é completamente louca.
— Estou falando sério. — Sento, a tontura me abatendo. Seguro a ânsia. — Preciso que traga um corpo, uma pessoa qualquer, mas viva. — Olho em suas íris cinzas.
— Maeve o que anda usando? — Ri se jogando no sofá e tenho vontade de quebrar seus ossos. — Veja, te encontro caída no corredor me chamando, depois de alguns minutos você acorda e pede um corpo. Acredite, de tudo isso o que mais estranho é o fato de vir até mim. — Faz uma careta, e eu o acompanho. Ele só foi o primeiro que me veio à cabeça.
— Você é o mais propício para fazer isso. Nickolas é bonzinho demais, e Dominic não gosta de machucar inocentes. Você não se importa com quase ninguém, mata sem hesitar e é o mais forte entre os três. — O vampiro aproxima seu rosto.
— Esse elogio final é para me convencer? — Abre um sorriso de lado e dou de ombros. — Ótimo, fico aliviado em saber que fui a última opção. É estranho pensar em você pensando em mim. É nojento. — Reviro os olhos e arqueio uma sobrancelha. — O que ganho com isso? Não vejo nada me favorecendo.
— O mago, aquele que se envolveu com Wistic e Millen. — Seu corpo fica tenso, o maxilar trincado.
— O que tem ele? — pergunta rude, a costa ereta.
— Ele está de volta.
Seus olhos escurecem, totalmente raivoso.
— O que planeja? — Com raiva, sim. Surpreso, não.
— Vou transferir o espírito de Wistic para esse corpo. A bruxa nos ajudará a derrotar Millen, suspeita que o mago esteja com ela. — Seus olhos arregalados finalmente denunciam seus sentimentos.
— Como? Wistic?
— Conectei-me ao mundo espiritual. Damien, isso é urgente. Sinto que uma guerra se aproxima, e tenho certeza que vocês estão tão envolvidos quanto eu. — Ele não diz nada, o silêncio reina na sala. Seu olhar perdido.
— Algumas mulheres pedem flores e você um cadáver. — Revira os olhos e rio.
— Viva, Damien. Uma pessoa, viva — especifico e o vampiro assente desdenhando com um gesto.
— Certo. E enquanto faço isso, creio que vai contar aos outros o que nos espera. — Levanto juntamente com ele.
Meu corpo ainda não parece recuperado, mas não me importo. Isso é mais importante.
— Odeio lerdeza — ruge enquanto me pega no colo.
— Eu não pedi para me esperar. — Bufo, querendo passar as mãos por seu pescoço e sufocá-lo.
— Pensei que fosse urgente — debocha, enquanto sai da sala a passos largos.
— Não sabe o tanto que te odeio! — Soco seu peito e ele trinca os dentes.
— E você não imagina o tamanho da minha fúria. — Passa pelos corredores e desce as escadas.
— Vamos, vampirinho, eu te derrotaria fácil em uma luta. Você morreria lentamente por minhas mãos, aproveitaria cada momento. — Cravo minhas unhas em sua pele e seu peito vibra com uma risada.
— Você não faz idéia de como é difícil me matar.
— Alguns meses atrás estava deitado em uma cama e eu quem salvei a sua vida. Eu sei como é fácil te matar. — Ele fecha a cara, o ódio direcionado na minha direção. Damien, até mais do que eu, odeia receber ajuda.
Chegamos na cozinha, os olhares arregalados em nossa direção. Elisa parece chocada e Nickolas incomodado, Dom parece satisfeito com a dor do mais novo. Partes da vingança contra a traição de Nick, ver o sofrimento dele e sorrir, aproveitando.
Saio do colo de Damien, a tontura atingindo meus sentidos. Apoio-me na mesa e Elisa hesita ao vir em minha direção.
— Eu estou bem — dispenso a ajuda. — Mas nenhum de nós vai ficar se não tivermos essa conversa. — meu tom sério os pega de surpresa, inclusive Dominic que encarava Damien, confuso.
— Com toda certeza precisamos ter uma conversa — Nickolas se pronuncia, chateado. — Por exemplo, o prédio da prefeitura explodir! As notícias dizem que foi um vazamento de gás, a mesma desculpa que usaram quando o esconderijo dos caçadores pegou fogo. E estranhamente o fogo não queimou a floresta que estava perto e nem apagou quando os bombeiros jogaram água! Porque não era fogo comum! — Bate na mesa e Damien sorri.
Não faço nada, fico o encarando.
— Mentiu pra mim. Disse que ia treinar e foi matar pessoas! Junto com ele! — cospe as palavras, apontando para o irmão mais velho.
Elisa quieta me olha decepcionada e Dominic apenas observa, sem julgamentos, seus olhos âmbar apenas acompanhando o surto de Nickolas.
Surto esse que eu até entendo, mas que odeio.
— Tenho certeza que essa conversa pode esperar. O que tenho para dizer é mais importante. — Arqueio uma sobrancelha.
Nickolas sorri triste, desvia o olhar e senta, negando com a cabeça, espantando pensamentos e até algumas lágrimas que vi em seus olhos.
Todos me olham esperando. Damien ao meu lado, ansioso para ver a reação de todos. Divertindo-se.
— Wistic irá voltar — solto de uma vez. Dominic arregala os olhos e dá passos para trás. Nickolas levanta a cabeça em minha direção, a boca aberta, sem palavras. Elisa fica pálida, os olhos cheios de lágrimas. Prendo minha atenção nela. — A trarei de volta do mundo espiritual por um tempo, a colocando em um corpo com um feitiço de possessão.
— Isso é magia das trevas! E Wistic foi queimada! Pare com isso, Maeve! — Elisa grita chorando.
Coloco a mão em seu ombro para acalmá-la, a senhora nega.
— Eu sou um demônio. Qualquer magia que eu use será levada de alguma forma para o lado obscuro, não é algo que eu possa evitar. Sei o porquê do seu medo desse tipo de magia, mas não vou sair do controle, Elisa. — Ela arregala os olhos, exasperada. — Damien e eu fomos até a prefeitura para buscar coisas as quais o conselho tirou de seres sobrenaturais, como se fosse propriedade deles. Achei arquivos falando de um caso que me chamou atenção, o caso Viens. Reconheci Elisa numa foto borrada e li as informações. Eu presto atenção em detalhes e foi fácil relacionar seu parentesco com Wistic. Achei o caderno de feitiços de Wistic, pura magia das trevas, e tinha exatamente o que eu precisava para descobrir completamente os planos de Millen.
— O feitiço de conexão para o mundo espiritual — Dominic completa.
Elisa o encara.
— Era por isso que estava perguntando do meu livro de feitiços? Para ver feitiços de magia das trevas? Acha que eu tenho esses malditos feitiços registrados?! — se exalta a Dominic abaixa o olhar como se sentisse a decepção de Elisa o perfurar, como quando uma mãe briga com o filho.
— Ele fez isso porque eu pedi — falo, ganhando a atenção da senhora. — Ouça, Elisa, magia das trevas envolve tudo o que é de origem maligna, mas não é por isso que quem a usa vai ser dominado.
— Basta uma mancha, Maeve, um pequeno traço de escuridão correndo em suas veias e você nunca mais será o mesmo. — As lágrimas escorrem por seu rosto e sorrio sarcástica.
— Então deixe-me te dizer que esse pequeno traço é injetado em nossas veias assim que crescemos. Magia das trevas não vem só da morte, de sacrifícios e sangue. Vem de pequenas mentiras e pensamentos ruins, por menores que sejam. Acha que somente quem usa magia obscura é ruim? Essa magia se originou exatamente da maldade das pessoas, ela foi criada, é a representatividade do mal, e não o próprio. Ninguém é totalmente bom. Ninguém está a salvo do lado obscuro da vida, Elisa. — Meu interior queima, com raiva.
Estou cansada de ser chamada de cruel e de monstro por simplesmente ter coragem de carregar o título que todas as pessoas deveriam levar.
O silêncio reina. Elisa senta na cadeira, finalmente disposta a ouvir. Damien está encostado no batente do cômodo, sério, evitando olhar para qualquer um. Dominic aperta os lábios, ainda desconfortável. Nickolas tem o azul de seus olhos tão turbulento como um mar durante a tempestade.
— Fiz a conexão, Wistic falou que tem alguém muito mais poderoso que Millen por trás de tudo, e que suspeita que "o mago" esteja envolvido. — A expressão deles é mais impactante que a de Damien. Dom fica tenso e Elisa tampa a boca com as duas mãos. Nickolas levanta abruptamente se apoiando na mesa, as veias aparecendo abaixo dos olhos.
— Ele não pode estar de volta! — Dominic exclama, apontando para o ar, as mãos gesticulando freneticamente, preocupado.
— Ele não estava morto. O que esperava? Que fosse se mudar para um campo e aproveitar a paz? — Damien ri incrédulo, o tom raivoso disfarçado com deboche.
— Esperávamos que fosse nos deixar em paz depois de tudo! Não basta o que aconteceu?! — Nickolas grita.
Elisa se afasta, apoiando-se na pia enquanto pega um copo d'água ao ver a expressão de puro ódio de Damien.
— Ele voltou antes! Ele avisou que voltaria! Se os dois idiotas se acomodaram e pararam de se preocupar, a culpa não é de ninguém mais senão de vocês! Ele está de volta e dessa vez mais forte, com um exército de bruxos e uma feiticeira que foi aprendiz de uma Viens, a linhagem que um dia fora a mais poderosa de bruxas elementais da água! O que acham que vai acontecer? Uma linda reunião feliz onde todos sentam, tomam chá e falam do passado?! — Damien também se transforma, o tom elevado e assustador.
— Damien está certo — Dom fala, entre eles é o único que continua em sua forma humana e calmo.
— Pare de correr para Damien sempre que não sabe o que fazer! — Nickolas revira os olhos para o irmão que finalmente perde a calma, os olhos brilhando de raiva.
— E eu digo o mesmo para você com Elisa! — Nickolas sempre será aquele que tira Dominic do seu conforto, que o faz dizer e fazer coisas que ele abomina. Nickolas foi quem machucou Dominic, e mesmo sendo anos atrás, a traição não é algo fácil de esquecer. — Damien está certo, e você sabe, mas é mimado demais para admitir! Vamos, Nickolas! Corra contar para a querida mamãe! Conte para ver se dessa vez Damien não é morto!
Sei que a discussão saiu do controle quando Nickolas avança na direção de Dom e o joga sobre a mesa.
— Desgraçado! — grita revoltado.
Dominic é rápido para se recuperar e acertar o mais novo com um soco, e logo depois uma sequência desses.
Os dois estão caídos no chão, como dois lutadores, um prestes a perder a vida.
— Damien! Vão se matar! — Elisa grita para o vampiro que tinha os olhos tão negros que era impossível diferenciar as íris e pupilas.
Ele a olha de soslaio, os punhos fechados e a expressão tão fria que poderia congelar quem o olhasse.
— Um dia, você foi uma bruxa forte e determinada. Hoje é somente uma pessoa fraca que tem medo de revelar o verdadeiro poder por ter sofrido traumas. — O vampiro sorri cruel. — Quer saber, Elisa? Você julga a todos. Mas esquece que não é a única a passar por momentos difíceis. Não é só você que tem traumas. Todos nós temos história. Isso te choca? — pergunta frio e a senhora dá um passo para trás.
Damien vira a costa e antes de sair se pronuncia uma última vez.
— Não ache que tem o direito de se preocupar comigo quando fica claro que tem medo e que não me conhece, e muito menos me entende. Eu não sou mais o mesmo, Elisa.
A mulher começa a chorar e reviro os olhos, por um momento desejando que tudo à minha volta exploda.
— Chega! — grita, o poder azul irradiando de suas mãos e separando os dois irmãos ensanguentados. — Chega os dois! Por favor! É muito para absorver! Ele está de volta! Vocês brigando! Uma possível guerra se aproximando! Minha filha voltará a vida! Por favor, parem! — Seus joelhos fraquejam e a seguro.
Dominic e Nickolas correm na direção da mulher, finalmente notando as coisas ao redor.
— Elisa... — Nick sussurra arrependido, as lágrimas escorrendo. Dominic tentar segurar o corpo fraco da mulher, mas faço uma careta para o sangue manchando suas roupas.
— Não sei se percebeu, mas ela está em um péssimo estado. Ficar perto de sangue não é uma coisa que a fará bem. — A pego no colo e Nickolas encara perplexo. — O fato de eu estar aqui há meses e vocês não se acostumarem com eu ser um demônio me deixa levemente preocupada. — Reviro os olhos revelando a ironia na frase. — Eu acho que tenho muito a entender. Afinal acho que não devo mais falar o mago e sim Ele.
Os irmãos desviam os olhares e dou a costa, seguindo para as escadas com Elisa nos braços, agora desmaiada.
As coisas não serão nada fáceis daqui para frente. Acho que nunca foram.
Tudo o que está ruim, pode piorar. Eu adoro esse ditado, e ele define essa história (e a vida da Maeve, coitada).
Até o próximo♥️🌟