Impossível Resistir - Serie P...

By ValKaline

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Muito jovem, Julianne Saunders, sofreu uma perda inesperada e aprendeu do jeito mais difícil que a vida pode... More

Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
AVISO
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Epílogo

Capítulo 4

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By ValKaline

Jude


Assim que piso fora do apartamento de Julia, encosto na parede ao lado de sua porta, e solto uma respiração longa. Não sei em que momento parei de respirar lá dentro. Talvez tenha sido quando abri os olhos e vi a perfeição esculpida na minha frente. Os cabelos castanhos longos de Julia, numa bagunça perfeita, caindo em ondas ainda mais perfeitas sobre seu torso coberto apenas pelo lençol branco. Ou talvez tenha sido quando me dei conta que tivemos uma noite banhada do que vim a descobrir ser o melhor sexo da minha vida. Ou ainda quando a foto de Laura começou a piscar na tela do meu telefone, me lembrando da sua existência, que por um breve momento ficou escondida na parte mais oculta da minha consciência.

Definitivamente não sei o que deu na minha cabeça de merda. Nem consigo me reconhecer.

Desço pelo elevador, chegando ao térreo. Me deparo com um senhor, de idade avançada, com os cotovelos apoiados na pequena mesa da recepção, assistindo sua tv. Faço um leve aceno de cabeça, ao passar por ele. Ele começa a se levantar, mas apenas faço um gesto com a mão, dizendo que eu mesmo encontro a saída.

A manhã está incrivelmente fria. O inverno já esta acabando, mas parece que o frio não quer nos deixar. Ainda assim, sinto minha pele pegajosa de um suor frio, que eu não tenho idéia de onde está vindo. Me apresso em entrar no carro, dou a partida, e sigo para minha casa. Você é um filho da puta, Jude! Meu super-ego, que deve adormecido depois da festa de ontem, resolveu me lembrar de sua existência.

Durante todo o trajeto tento evitar pensar em Julia. Mas ela é tudo que consigo ver. Seus olhos grandes e castanhos, e o brilho deles, olhando pra mim. Sua pele de marfim, branca e lisa, suave como a seda sob o meu toque. O sabor doce dos seus lábios, e as ondulações - ora suaves, ora selvagens - que se formavam quando encontraram os meus. Os gemidos roucos e extremamente sensuais que ela emitia quando tinha meu corpo sobre o seu, naquela dança rítmica de intenso prazer.Droga. Sinto meu pau se remexer na calça com essas lembranças revividas na minha mente. Foi tão incrível, quanto foi... errado.

Laura. A imagem da minha namorada entra em foco em meio a essa bagunça. Nunca fiz nada parecido com isso antes. Desde que a conheci, no nosso ultimo ano do colegial, eu tinha certeza que me casaria com ela. Pode parecer estúpido, pois éramos muito jovens. Mas me apaixonar por ela foi tão fácil, tão simples, que eu não tive duvidas. Enquanto eu deixava nossa cidade natal e me mudava para estudar Direito no Texas, Laura seguia para outra cidade. E assim, com a promessa de nos vermos a cada mês, seguimos nossos diferentes caminhos. Nós sempre soubemos que não seria fácil. Namoros a distância nunca são. Mas acreditamos que nada poderia se colocar entre nós. E vinha dando absolutamente certo. Até agora.

No começo conseguimos nos ver com frequência. Mas, nos anos seguintes as coisas ficaram mais difíceis. Com tantos leis e códigos para estudar, ficava cada vez mais difícil nos encontrarmos. E eu ainda tinha a banda. O fato de sempre nos apresentarmos nos finais de semana foi um fator conflitante na minha relação com Laura. Porém, ela aceitou isso e sempre que podia assistia aos shows e passávamos um tempo juntos. Nada nunca me fez pensar em desistir dela, ou de nós. Nem mesmo as groupies, que se jogavam em cima de nós depois dos shows, nunca chamaram a minha atenção o bastante, para me fazer... trair Laura.

Eu a traí. E a palavra tem um gosto amargo na minha boca.

Paro o carro no estacionamento, e corro para o meu prédio, para tomar uma ducha rápida e trocar de roupa antes de ir para o escritório. Apenas vinte minutos depois, e já com o terno alinhado, pego minha maleta, mas antes de sair do quarto, olho a figura que me encara no espelho. Tudo que consigo pensar é: este homem não sou eu.

Ao chegar ao prédio localizado no centro, observo o letreiro colocado sobre a ombreira da porta, que diz "Colle & Carson Advocacia". Você pode pensar que este Colle sou eu, mas não. É o meu pai. Ele mantém essa estreita sociedade com seu melhor amigo Oliver Carson. Com certeza, ambos já esperavam que eu me juntasse a eles depois que me formasse. E assim o fiz. Essa é a primeira filial, da qual eu tomo conta. O escritório central fica em nossa cidade natal, onde meu pai e Carson administram. Carson de vez em quando dá as caras por aqui, para saber se estou fazendo meu trabalho direito, como ele diz, e isso me deixa puto. Não quero ninguém me dizendo o que fazer. Me graduei como um dos primeiros da classe. Eu poderia dizer que nasci pra esse oficio. O que não posso negar é que Carson tem certa razão em querer me vigiar de perto. Não quero isso. Nunca quis.

Eu não tinha ideia do que eu queria fazer, até conhecer Kieran e formarmos a banda. Paradise City se tornou meu sonho. Compor, cantar, tocar... é como viver. É isso que sinto quando estou no palco, eu vivo. Vivo as emoções das pessoas, vivo as musicas, vivo plenamente. E aqui parece que estou pela metade, apenas fazendo o que querem que eu faça, e nunca o que eu quero fazer.

Sentado na cadeira, atrás da ampla mesa em mogno que ornamenta meu escritório. Me pego encarando a foto que Laura trouxe e muito sugestivamente colocou sobre ela. Na foto, estamos abraçados e sorrindo. Seu cabelo longo e loiro está voando em todas direções. Ela odiou a foto, disse que seu cabelo estava horrível. Mas pra mim ela estava perfeita, como sempre. Naquele pequeno pedaço de papel, protegido por uma moldura dourada, parecemos tão felizes, como se nada fosse capaz de nos destruir. Muito diferente da nossa realidade hoje.

Não nos vemos há dois meses. Ela esta sempre cheia de coisas para estudar, e diz não ter tempo para vir aqui. Quando mencionei que passaria uns dias com ela, Laura me pediu que não fosse, pois ela precisava de muita concentração para concluir seu trabalho de finalização de curso. Ela interrompeu seus estudos por um ano, para fazer um intercâmbio, e por isso vai se formar com seis meses de atraso em comparação a mim. Ela também faz Direito, e assim como meu pai, o pai de Laura também espera que ela assuma o escritório da família.

Estamos com problemas. Não há como fugir disso. E isso me leva a pensar se foi essa a causa da minha péssima escolha de direção na noite passada. Ou se foi porque tive o álcool como desculpa? Não. Eu estava um tanto fora do meu juízo perfeito, mas não estava bêbado. Eu sabia exatamente o que eu estava fazendo, e com quem. E o pior, eu quis aquilo. Eu quis cada maldito minuto.

Agora, aqui estou eu. Desconhecendo a mim mesmo. Tentando achar uma justificativa para o que fiz e sem a menor ideia do que fazer a partir de agora. Eu sei o que eu deveria fazer: ligar para Laura e contar tudo a ela. Mas explicar o que? Que minha ética exigiu que eu contasse a ela?

Babaca.

Apoio os cotovelos sobre a mesa, e coloco a cabeça entre as mãos. Agarro meus cabelos com força, como se arranca-los fosse resolver essa merda toda. Como se a dor pudesse compensar meu erro. Não pode.

Não tenho cabeça para os inúmeros processos que preciso avaliar hoje, ou sequer para os clientes que preciso me encontrar.

Ingrid, minha secretária, acaba de deixar uma xícara de café sobre minha mesa. Ela me atira um sorriso apertado, enquanto deixa a sala em silêncio.

Pego meu telefone, e automaticamente digito o número de Kieran. Ele é sempre a primeira pessoa que procuro... bom, pra tudo. Talvez ele tenha algum bom conselho, qualquer coisa que me ajude a decidir o próximo passo. Mas antes que dê o primeiro toque, desligo rapidamente. Onde eu estou com porra da minha cabeça? Kieran não pode me ajudar. O que eu diria a ele? "Ei cara, estou com um problema. Traí minha namorada e dormi, adivinha só, com a Julia, sua ex". Porra. Kieran está tão bem com Aimee, que nem passou pela minha mente que eu havia transado com a ex-namorada do meu melhor amigo. Quebrei a principal regra entre os amigos. O que ele dirá quando souber?

Também não posso falar com Mike. Ele tem toda essa atitude protetora, de irmão mais velho para Julia e, sem dúvida, comeria meu fígado.

Julia.

Como eu sou um bastardo. No meio de toda essa merda, não pensei nela. Deixei seu apartamento sem ao menos olha-la nos olhos e dizer que sou um idiota egoísta.

Éramos como um tripé. Julia, Kieran e eu. Melhores amigos. E gosto de pensar que ainda somos. Ou éramos. Porra. Eu não podia ter feito isso com Julia. Ela já teve merda demais na vida, pra ter que passar por isso agora. Julia não merece ser tratada dessa forma. Vê-la chorar, sentindo-se culpada, me quebrou como nada antes havia feito. Ainda não consigo entender o que me deu para beija-la, em primeiro lugar.

A quem quero enganar? É claro que sei.

Julia finalmente abriu suas asas. Ela estava livre. Eu vi isso naquele brilho em seu olhar, no enorme sorriso em seu rosto, contemplando a obra que ela mesma havia feito - uma pintura incrivelmente boa, que enchia a parede do seu quarto. Aqueles pássaros e flores gritavam liberdade para todos os cantos. Ela parecia tão orgulhosa de si mesma, tão feliz...Tão o oposto de mim. E é ridículo, mas confesso que senti uma pontada de inveja. Eu queria sentir aquilo também. Por um breve momento eu achei que eu pudesse absorver pelo menos um pouco da sua tenacidade. Qualquer coisa que pudesse mudar o meu interior. Mas assim que me aproximei a intensidade, a vontade, e o prazer era tudo que havia. Naquele momento que nossos lábios se tocaram parecíamos tão certos juntos, que todo o resto foi esquecido. Não lembrei mais o que me motivou a beija-la, e muito menos por que eu deveria parar.

A essa altura, Ron é tudo que me resta. Preciso conversar com alguém. Ele, também pensa em Julia como sua irmã menor que precisa de cuidado, mas diferente de Mike, não faz disso seu objetivo de vida. Então, tudo que espero é que ele não tente enfiar um soco na minha cara, e me escute.

***

Quarenta minutos depois, tenho Ron sentado confortavelmente no pequeno sofá branco, de dois lugares, que mantenho em minha sala. Não sei como ou o que dizer, e é claro preciso que alguns detalhes sejam evitados, pois se trata de Julia.

- Eu preciso de um conselho. - digo finalmente, e suas sobrancelhas se elevam.

- Algum problema?

- Você nem imagina. - relaxo a cabeça, e esfrego os olhos - Fiz uma grande merda ontem a noite.

- Junte-se ao clube. Ao que parece, eu vomitei o inferno no carro de Pete, e ele não esta feliz. - ele força uma piada, mas vendo que não reajo, ela para de sorrir - É sobre Laura?

- Sim. Não. Sim, mas é mais complicado.

- Me conte de uma vez.

Me ajeito na cadeira, para que eu possa olha-lo de frente. Respiro fundo e digo:

- Dormi com Julia.

Ron me encara de volta, sem piscar. E então, um olhar de divertimento assume em seu rosto e ele ri abertamente.

- Jude. Cara, eu não brincaria com essas coisas se eu fosse você.

Mais uma vez meu semblante sério o cala novamente, e ele fecha a cara.

- Você está brincando, né?

Quando nego com a cabeça, ele se levanta bruscamente e começa a andar de um lado para o outro, e também leva a mão ao cabelo diversas vezes.

- Puta que pariu, Jude. Mas que porra! Por que tinha que ir mexer logo com a Julia? Caralho. Você não é assim. Eu esperaria uma atitude assim de Kieran. Mas sua? Nunca. - ele agora para bem em frente a minha mesa, com as mãos na cintura, e me lança um olhar feroz. Realmente acho que esta passando pela sua cabeça me dar um soco - E Laura? Terminaram?

Lentamente, percebo que essa não foi uma pergunta retórica, e que ele realmente espera uma resposta.

- Não. - respondo.

- Não? Não terminaram? Então que porra você está fazendo transando com Julia, quando você ainda esta namorando Laura. Perdeu a cabeça, irmão?

Me levanto. Arrastando ruidosamente a cadeira para trás.

- Eu sei, Ron. Porra. Acha que já não pensei em tudo que acabou de falar?

- E a Julia, como está? Se eu conheço aquela menina, deve estar se sentindo como uma merda.

Dou as costas a Ron, e observo pela janela a fina neve que começa a cair lá fora.

- Não falei com Julia, ainda.

- Você não...? O que? - ouço a voz de Ron se elevar - Puta que pariu. Você sabe que eu te amo, cara. Mas está custando toda minha força de vontade pra não arrebentar a sua cara, sabe disso?

- Estou uma confusão, Ron. Por isso te chamei aqui. Estou me odiando pelo que fiz a Julia. A Laura. Elas não merecem nada disso. Mas não sei o que fazer agora. Não posso conversar com Kieran. Não sei o que vai pensar disso. E definitivamente não posso perguntar a Mike.

- Isso não pode mesmo. Mike não é tão controlado quanto eu, e já teria batido a merda fora de você a essa altura. - escuto a cadeira em frente a minha mesa ser arrastada, e logo depois sei que Ron se sentou. Está um pouco mais calmo ao perguntar - Está arrependido?

Se estou arrependido?

- Quer uma resposta sincera? - pergunto.

- Claro.

Então, me viro, me sento novamente, para nivelar nossos olhos.

- Não. - respondo - Nunca quis magoar Laura. Ou Julia. Mas também nunca me senti tão vivo, e tão bem. Não sei como explicar, mas pareceu... certo.

Ron tem o cenho franzido, como se avaliasse minha resposta por um tempo. Depois, ele abaixa a cabeça, e a balança em sinal de negação.

- Eu não chamaria isso de certo, amigo.

- Como eu disse, não sei como explicar. - abro a gaveta, no canto esquerdo da minha mesa. Retiro de lá um objeto, e coloco sobre a mesa a sua frente. Seus olhos arregalam-se frente a pequena caixinha azul da Tifany - Eu tinha a intenção de pedir a Laura ontem.

Ron pega a caixinha, que fica parecendo ainda mais delicada entre seus longos dedos, e a gira, observando-a em todos os ângulos.

- Cara. Você iria propor a sua namorada, e ao invés disso transou com outra. - ele pouca a caixinha novamente sobre a mesa, sem abri-la - Está parecendo drama de novela mexicana.

Observo que ele usou a palavra transou e não fodeu, como ele sempre usa. Todos sabemos que uma palavra assim não se aplica a Julia. Ela é doce e perfeita demais para ser fodida. Julia deve ser venerada, adorada... amada.

- Você vai contar a Laura? - Ron pergunta, parecendo profundamente preocupado.

Balanço a cabeça.

- Eu não sei, cara. Eu não sei.

- Você pretende terminar com ela?

- É claro que não. Você sabe que não posso.

- Não existe essa droga de não posso. Você tem que fazer o que quer, e não o que seu pai espera de você. Ou o pai dela.

Mais uma vez me pego olhando para a placa em cima da minha mesa - "Colle & Carson" - e pensando no plano matematicamente arquitetado por meu pai, construindo essa sociedade com seu melhor amigo, que não coincidentemente é também o pai de Laura. Assim que ela se formar no próximo verão, nós nos casaríamos e ela assumiria seu lugar aqui, ao meu lado. Eu já tinha planos de pedir a Laura depois da minha formatura, mas confesso que ha tempos eu me sentia confuso, eu não sabia se esse casamento era algo que eu realmente queria, ou se era só mais uma dessas coisas que meu pai quer escolheu para mim.

- Não se trata apenas disso. Eu a amo.

- Desculpa, homem, mas eu discordo. Você não teria dormido com outra mulher se realmente a amasse. Acha que Kieran tem olhos para qualquer outra agora que tem Aimee? A resposta é não. Sei que não quer ouvir isso, mas na minha opinião você só está acostumado á Laura, e a esse relacionamento. Namoram a muito tempo, é natural que se sinta assim.

- Ron, ouça o que está dizendo. Quer dizer que estou acomodado? Que só por isso ainda estou com Laura? - Ouço minhas próprias palavras, e me pergunto se estou falando com Ron, ou comigo mesmo.

Ele se aproxima da mesa, colocando os antebraços sobre ela.

- Quer meu conselho? Aí vai ele: seja homem e assuma seu erro. Mas se quer manter seu namoro, não conte.

Rio sem humor.

- Acho que você não me ajudou muito, meu amigo.

- O que quer que eu diga? Ou você espera que poderá contar a Laura que dormiu com outra e ela vai aceitar isso numa boa? E digo mais, quando ela souber que essa outra é Julia, além de terminar com você, ainda vai te matar. Ela morria de ciúmes de Julia, eu me lembro. Uma mulher traída pode ser fatal, meu amigo. - Ron se levanta, mas não ergo meu olhar - Eu preciso ir. Tenho umas coisas pra resolver. Você é um cara bom. Sei que fará o certo, mesmo sem fazê-lo, se é que isso tem algum sentido. Só quero pedir uma coisa - nesse momento eu levanto a cabeça - Converse com Julia e resolva essa merda. Ela não merece isso.

- Eu sei. - é tudo que respondo.

Horas depois que Ron deixou o escritório, ainda estou olhando fixamente para a porta da frente. Incapaz de me mover. Apenas pensando em como fui me enfiar em toda essa confusão. De alguma forma alguém sairá machucado dessa história. Se não elas, então seria eu. Eu prefiro mil vezes que seja mesmo eu.

Como se as coisas não pudessem ficar ainda piores, logo depois do almoço, fui surpreendido por uma ligação de Laura. Esqueci completamente que ela já havia me chamado pela manhã, e não liguei de volta. Tomo uma respiração profunda antes de atender.

- Alô.

- Finalmente! Por que não me ligou de volta? Deve estar mesmo muito irritado comigo. Está muito ocupado agora? - Laura dizia uma frase atrás da outra, como já era de costume.

- Não é isso, é que... tive um dia cheio. Posso falar agora.

- Feliz aniversário.

- Isso foi ontem, Laura.

- Eu sei. E sinto muito, Jude. Mas eu não podia sair assim, no meio da semana.

- Tudo bem. Não importa mais.

- Como você está? - ela pergunta.

- Bem. - minto.

Ouvir sua voz sempre me acalma e me leva a um lugar de refugio de todos os problemas a minha volta. Mas hoje é apenas um lembrete da estupidez que cometi.

Acabamos encarando um silencio pouco confortável antes que ela diga que está com pressa e precisa desligar. Como sempre.

- Precisamos conversar. - solto, antes mesmo de pensar sobre isso e a ouço suspirar.

- Eu sei. Também tenho coisas pra falar. Mas não quero fazer isso por telefone.

- E o que faremos? Eu não posso largar o escritório agora, e você também não pode vir aqui. - minha voz começava a apresentar alguma tensão.

- Eu posso tentar ir até aí no final de semana.

- Tentar... - não tenho esperança.

- O que você quer, Jude? Acha que posso parar a minha vida só por que você está precisando de mim? E quando eu preciso de você? Onde você está? - ela para de falar, e sei que nesse momento ela deve estar com os olhos apertados tentando recuperar a calma - Eu vou estar aí no final de semana.

- Laura-

- Tchau, Jude.

Ela desliga. Sem os costumeiros "eu te amo" e "estou com saudade". Pra falar a verdade, já tem algumas semanas que não usamos frases assim. Eu não estava tão preocupado. Afinal, sou maduro o bastante pra entender que depois de seis anos juntos, é normal o casal passar por momentos assim e cair na rotina. Mas tudo mudou agora.

Eu disse que quero conversar, mas sobre o que? Ron tem razão, se eu não quiser perde-la, não posso contar o que aconteceu. Laura não entenderia. Pois, se não sei nem responder a mim mesmo porquê a traí, como vou justificar esse comportamento absurdo quando ela perguntar?

***

O dia todo passa como um borrão. Não consegui resolver nem metade das coisas que precisam ser resolvidas, e isso inclui a minha vida.

Chego ao Pete por volta das oito, sem ao menos me dar ao trabalho de me trocar antes. Caminho para dentro do bar. Ainda sem saber o que fazer em relação a Laura, hoje eu falaria com Julia. O que direi? Ainda não sei. Implorar por perdão, me rastejar como o verme imprestável que sou, são coisas que passam pela minha mente. Tudo que sei é que não posso deixar as coisas do jeito que estão.

Procuro por ela no balcão, mas a encontro servindo as mesas. Aproveito que ela não está me vendo, para assisti-la um pouco. Parece que ela se ajustou mesmo ao guarda-roupa de Melanie. A calça jeans é cinza e colada, revelando as pernas muito bem torneadas. Também está usando uma blusa azul clara que deixa alguns centímetros da barriga lisa aparecendo e uma jaqueta por cima. Entretanto, mesmo que ela esteja vestida nessas roupas tão coladas e esteja mais sexy que qualquer outra coisa, a doçura se sobressai quando paro no seu rosto - sutil e com o mínimo de maquiagem, a imagem da delicadeza. Os grandes olhos castanhos emoldurados por cílios longos atentos aos movimentos e os lábios rosados, curvando-se nos cantos em um sorriso doce. Doce. É exatamente esse o gosto que eles têm.

Sento em um dos bancos altos, e observo como ela ainda está um pouco tímida em seu novo oficio. Sorrio ao vê-la se esforçando ao máximo para conseguir equilibrar a bandeja com os shots. Assim que ela termina, caminha e entrega a bandeja no outro lado do balcão. Ainda sem me ver. Mas meus olhos não conseguem deixa-la desde que pousaram nela.

Ainda não tenho a menor ideia de como confronta-la sobre a noite anterior. Na verdade, é bom que ela esteja na outra extremidade, e não ter me visto aqui. Vejo-a dar a volta, e se colocar dentro do bar. Dave - acho que é esse o nome do barman - está falando com ela. Perto demais. E você não tem porra nenhuma com isso, Jude.

Respiro fundo, e afasto essa pontada de ciúme - sentimento que conheço bem -, e me concentro no que (só agora descobri) me propus fazer aqui: convencer Julia que tudo pode voltar a ser como era antes. E depois... bom, me convencer exatamente do mesmo.

- Vai beber alguma coisa? - uma voz feminina chama minha atenção. Sinto meu rosto aquecer ao notar que Lissa me viu encarando Julia. Sua sobrancelha está arqueada e olha, inquisitivamente, de mim para sua amiga.

Há quanto tempo ela está parada aí?

- Lissa. Oi. - tento parecer normal.

- Hey Jude. - ela canta. Lissa é uma grande fã dos Beattles, e sempre me chama assim. E às vezes enche a porra do meu saco. Principalmente quando não estou no meu melhor humor. - E então?

- Uma cerveja.

- É claro.

Ela vai em busca da bebida, e eu volto a olhar para Julia, que agora está me encarando. Ela está seria, e cora um pouco quando a pego olhando. Dou um aceno com a mão, e ela retribui com um sorriso tenso. Assim que acaba de servir a bebida de um cliente, ela caminha devagar até onde estou, e acaba chegando ao mesmo tempo que Lissa. Elas trocam um olhar sugestivo, me fazendo pensar se Julia contou alguma coisa a Lissa. Isso, ou eu já estou ficando paranoico.

Lissa coloca a cerveja na minha frente, e depois de piscar uma vez para a amiga, sai sem dizer uma palavra. Não me resta dúvida que ela realmente sabe de alguma coisa.

Ao contrário de mim, Julia não parece tensa. Seus ombros estão relaxados, e ela está quase sorrindo quando olha de volta pra mim.

- Oi. - digo primeiro.

- Oi. - Julia diz, depois de emitir um suspiro. Talvez ela esteja um pouco tensa.

- Sabe, acho que não vou me acostumar a te ver atrás desse balcão. - esse é seu modo de puxar assunto?

Seu sorriso se alarga.

- Pretendo continuar por um bom tempo aqui, então... acho que você vai precisar se acostumar.

- Achei que você ficaria nas mesas. - a conversa sem conteúdo continua.

- Eu me aventuro. Mas, Pete achou mais seguro desse lado. - ela dá de ombros, e eu não me contenho. Dessa vez começo a rir de verdade, e ela me acompanha.

Quase me esqueço do real motivo que me trouxe aqui. Conseguimos parecer bem e a vontade um com outro, como sempre fomos. Mas o som da sua risada, doce e musical; seu sorriso perfeito e emoldurados por aqueles lábios; rapidamente fazem eu me lembrar.

- Certo. - pigarreio. Julia para de rir quase imediatamente. Me sinto culpado. - Você esta bem?

- Estou. - claramente não está.

- Julia, eu...

Eu sinto muito, Julia. Fui um bastardo ontem a noite por dormir com você, e outro ainda maior por ir embora daquele jeito. Será que ainda podemos ser amigos? Mas que porra! Não, Jude. Eu não posso falar isso com ela. Começo a imaginar que foi uma péssima ideia vir procura-la...

- Jude, não. - a voz suave de Julia interrompe meus pensamentos.

- O que? - estou um pouco atordoado.

- Parece que sua cabeça está fervilhando - ela sorri - Apenas... não. Não quero falar sobre isso.

- Você esta brava. - digo, chegando a conclusão mais óbvia.

- Não. Eu não estou.

- Acho que não podemos escapar dessa conversa Julia.

- Bom... eu acho que devemos.

Pisco algumas vezes, tentando entender onde ela quer chegar com aquilo. Não são as mulheres que gostam de falar sobre tudo e os homens é que ficam fugindo? Parece que há uma inversão de papeis aqui. E eu não deveria estar feliz com isso?

- E o que você acha que devemos fazer? - ergo uma sobrancelha, e questiono.

- Esquecer. - Julia fala, simplesmente.

- O que?

- Esquecer. Fingir que nada aconteceu. Bola pra frente. Existem varias definições, basta escolher uma.

- Espera. Deixa eu ver se entendi. Você quer que eu... que nós simplesmente deixemos pra látudo o que aconteceu ontem?

Ela apenas balança a cabeça, confirmando.

Solto um riso sem humor.

- Desculpa, mas não vejo como isso vai nos levar a qualquer lugar. Será que posso perguntar porque você acha essa a melhor coisa a se fazer agora?

Ela abaixa a cabeça e não responde.

- Por que Julia?

Ainda nada.

Com lentidão, corro meu braço sobre a superfície de madeira até alcançar sua mão. Minha mão cobre completamente a dela, que é tão delicada e pequena como o resto dela. Ela ergue os olhos arregalados automaticamente ao sentir o meu toque, e retira a mão com a mesma rapidez. Recolho a minha própria e inclino a cabeça.

- Julia?

- Por que eu preciso de você. - ela não grita, mas sua voz é incrivelmente firme. Ergue os olhos e eles estão marejados. Droga.

Nesse momento um homem se aproxima de nós e pede uma bebida. Julia desvia os olhos dos meus e tenta se recompor rapidamente. Ela respira fundo, força um sorriso e vira-se para o cliente.

- Claro. - diz e sai logo em seguida.

Sua resposta me deixa perplexo. Move sentimentos dentro de mim. Por que eu preciso de você. Como uma frase tão simples é capaz de me fazer perder o chão completamente? É claro que ela não disse romanticamente, mas ainda assim, fez despertar o homem das cavernas que vive em mim. Ela precisa de mim? Ninguém nunca precisou de mim antes. Ao menos, ninguém nunca me disse isso.

Julia volta em instantes, depois de entregar o pedido do homem volta a olhar pra mim.

- Jude, - ela começa um pouco insegura - quando nos tornamos amigos eu costumava achar que você e Kieran eram as únicas pessoas que me enxergavam realmente. Os únicos capazes de me compreender. Gosto de pensar que ainda somos amigos. Que ainda temos isso. Nós tivemos um bom tempo ontem... hum... antes, quando conversamos. - ela cora e respira fundo - Eu já perdi Kieran. Não posso perder você.

E mais uma vez ela me deixa sem palavras. Como posso não me comover com isso. Me faz pensar que eu faria qualquer coisa por ela agora. Julia se sente sozinha, e isso me destrói.

-Words are very, unnecessary. They can only do harm.* - ela dá outro sorriso forçado, tentando se explicar - Enjoy The Silence... Depeche Mode.

- Eu sei. - respondo. Conheço essa música. Nós a cantamos em muitos shows. Me surpreende ela ter escolhido justo esse momento para trazer essa canção.

Ainda calado, avalio a estranheza dessa situação toda. Preciso ter certeza que é isso mesmo que ela quer. Afinal, não era exatamente isso que eu queria? Então por que me sinto tão frustrado? Ouvi-la falar da nossa noite juntos de forma tão irrelevante me deixa mais perturbado do que quero admitir.

- Tem certeza? - pergunto, finalmente.

- Sim.

- Então... continuamos amigos de onde paramos quatro anos atrás?

- Parece perfeito pra mim. - seu sorriso é mais genuíno quando ela diz isso.

- Tudo bem. - O que mais eu poderia dizer?

- Obrigada.

Julia suspira aliviada e não se esforça para esconder isso.

De alguma forma, me sinto do mesmo jeito. Tudo ficará bem agora. Ao menos, essa parte da completa confusão que me meti.

- Você precisa de carona? - pergunto, preocupado por algum estranho motivo.

- Não. Eu tenho meu carro. Obrigada.

- Julia. - uma voz a chama, e olhamos ao mesmo tempo para o tal Dave. - Posso te ensinar o aquele drink agora. Se você quiser.

- Hã... claro. - Julia, responde.

O sorriso que ele abre em resposta me da todas as pistas para saber que ele quer fazer mais que ensinar shots. E isso traz a tona meu lado possessivo e ciumento. Como se a noite de ontem - aquela que eu prometi esquecer ha alguns minutos atrás - me desse algum direito sobre Julia.

- Eu preciso voltar ao trabalho - Julia me diz, com um sorriso doce.

- Claro. Vai lá. Os caras estão aqui?

- No escritório.

- Vou até lá falar com eles.

Julia acena e eu levanto do banco. Deixo uma nota sobre o balcão antes de me virar para sair.

- Hum... Jude?

Ao ouvir sua voz, ergo o olhar. E por um momento, desejo que ela queira dizer que quer esquecer toda essa história de esquecer. Como isso pode ficar mais confuso?

- São apenas três dólares. - olho confuso, e ela arrasta de volta a nota que eu havia acabado deixar para pagar minha cerveja. Olho pra ela e vejo que é uma nota de cinquenta dólares. Balanço a cabeça, e troco por outra mais baixa.

Julia sorri. - Obrigada.

Vou em direção ao escritório dos caras, mas desisto. Faço meu caminho até a saída. Não quero jogar conversa fora agora, e muito menos aguentar a inquisição de Ron, que com certeza vai querer saber se já resolvi as coisas com Julia.

Tudo que quero agora é um banho e depois ir pra minha cama. Eu deveria estar feliz, afinal de contas nossa amizade está a salvo. Julia não está aborrecida ou triste, e nem tentando me afastar.

Eu preciso de você. Suas palavras voltam e voltam a minha mente.

Inferno!

Por que estou com esse sentimento estranho de que na verdade nada foi resolvido lá dentro?

A verdade é que eu preciso dela também.

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