Over The Dusk

By control5h

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Décadas. Maldições. Linhagens. Amores proibidos. Luxúria. O ano inicial para elas foi 1986. Camila Cabello e... More

Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22

Capítulo 16

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By control5h

Olá, pessoal! Preparados para um Especial de Halloween?! O negócio está MACABRO!

[Wolf] Obrigada pelo carinho! Pedimos que continuem comentado, favoritando e compartilhando a história para maior engajamento! Sei que demoramos para atualizar esses meses, mas foram por motivos pessoais! Mas, em compensação, trouxemos capítulos enormes e incríveis! Aproveitem cada cena!

[Vamps] Bom, gente, caso ainda não tenha ficado claro, nós brincamos com alguns fatos/figuras históricas e acontecimentos da vida real e trazemos de forma adaptada para a fanfic. Não estranhem se algumas datas ou lugares forem alteradas de vez em quando, isso é para se encaixar com o enredo da fic.

Músicas do capítulo se encontram na playlist "Over The Dusk Oficial" no Spotify. "2x" significa repetição. Caso possível, escutem as músicas! Estão incríveis!

Peguem um bom fone, apaguem as luzes do quarto, preparem a cola para o queixo caído e boa leitura!

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Existe, dentro de cada homem ou mulher, um cerne do mal que é apenas ligeiramente controlado. Podemos chamá-lo de selvageria, brutalidade, barbárie ou até por algum nome que pareça científico, como sadismo ou psicose. Podemos atribuir isso à amoralidade ou ao próprio demônio. Ele é companhia constante do ser humano. Na maior parte do tempo, fica adormecido, invisível e ignorado dentro de nosso peito enquanto nos denominamos civilizados, fingimos que não está ali. Porém, basta dar-nos um motivo para acordar a besta — dar-nos poder ilimitado sobre nossos semelhantes e dizer-nos que não haverá repercussões ao exercê-lo — que comprovaremos ser capazes dos atos mais terríveis possíveis.

E, cada vez que despertarmos, como se de um sonho, dizendo "Nunca mais", estaremos mentindo.


* Music On * (Nio nätters led - Forndom)

Inglaterra (1740) - Londres

Um estrondo alto teve origem do lado de fora instantes antes da fina porta de madeira se quebrar através da sola da bota de um homem barbudo, revigorando um crac trovejante. Ele usava uma armadura com um brasão, um manto vermelho e um capacete que se encontrava aberto e deixava à mostra os traços duros de seu rosto. Pedaços voaram para dentro do casebre improvisado e a sua moradora soltou um arquejo de medo ao avistar o homem se desfazer da porta com três poderosos golpes vindos de seu machado, abrindo espaço por entre as ruínas. Seguindo-o, vários homens armados, com vestimentas parecidas, adentraram na residência e passaram por entre as lascas de madeira. Bruscamente destruíam e quebravam vasos, potes de cerâmica e de vidro que continham plantas medicinais e quaisquer outros objetos pelo caminho.

Antes que a mulher pudesse ter qualquer reação, dois jovens soldados — em torno dos dezoito anos — a agarraram pelos braços e a arrastaram com uma força desnecessária para fora do casebre elaborado de madeira e pedra. Ao saírem em meio à natureza verde das montanhas que abraçavam o vale, os três foram saudados pela claridade da luz que queimava retinas e também por um pequeno exército da igreja — armados com mosquetes e machados, usando casacos vermelhos de algodão e chapéu dobrado para o lado. Os homens expressavam satisfação enquanto, reunidos, encaravam a mulher histérica que ainda tentava se livrar dos braços fortes dos dois rapazes que a seguravam.

Os berros da moradora, que continha apenas uma camisola cobrindo a nudez, cessaram no momento em que seus olhos marejados pousaram na figura feminina ao longe, montada em um cavalo. A segunda mulher usava uma túnica preta com um capuz e se escondia, propositalmente, atrás de um padre que lançava à moradora do casebre um olhar indecifrável.

O semblante da jovem capturada rapidamente obscureceu e, sem desviar o contato visual, enviou por meio dele a mistura de raiva e mágoa que borbulhava suas vísceras. Sentia-se uma estúpida por ter sido ingênua ao ponto de ser traída.

Rudemente, sua concentração foi quebrada ao receber uma pressão no ombro e ser jogada de joelhos na grama... a poucos metros do padre que usava batina preta, tippet e chapéu de cantuária.

Shadi Breslin, você foi considerada culpada de bruxaria e associação com o demônio! Você trouxe essa maldição para nossas terras; a fome e as doenças! E foi a responsável pelos assassinatos do Rei Jorge II da Grã-Bretanha e de seus filhos Frederico e Guilherme! – o representante da igreja, que encarava a capturada descabelada à sua frente, proclamou firme com seu sotaque inglês.

A constatação daquele julgamento, somado à presença feminina específica ao fundo, fez com que as lágrimas ardessem como vinagre ao correrem pelo rosto de Shadi, de joelhos. Não se deixaria vencer, ainda mais se aqueles fossem de fato os seus últimos minutos naquele plano espiritual: precisava marcar seu corpo e oferecer seu sangue para manter-se eterna. Logo, sem hesitar, a jovem começou a literalmente auto mutilar sua face. Usando sua própria magia, ela prolongou suas unhas em afiadas garras e seus dez dedos ferozes entraram em contato com a pele, rasgando-a em fitas de carne e deixando profundos sulcos que escorriam sangue grosso e quente. Sentia o sabor nos lábios. O choro branco e vermelho correram juntos até que seu rosto ficou rasgado e em farrapos; o rosto que tanto amara em sua tenra vaidade juvenil.

De olhos bem arregalados, Shadi ergueu as mãos e enxergou o sangue correr por seus longos dedos, pelos pulsos, por baixo das mangas da camisola. O fluxo era como lentos vermes vermelhos que rastejavam ao longo de seus braços e sob a roupa.

Faz cócegas, pensou e aquilo fez com que risse até gritar. Gritar desesperadamente com todos os seus pulmões ao ponto de veias dilatarem.

Louca! – disse alguém do exército da igreja. – A bruxa perdeu o juízo!

Dê um fim nela! – outro britânico disse, amedrontado.

Meretriz do diabo! – um deles, carregando uma grande bandeira com um brasão, falou com nojo e ódio.

Olhem bem, meus irmãos, para lembrarem que esta mulher é a prova viva que o mal reside ao nosso lado! Na morte dela está nossa salvação! – o padre proferiu em voz alta, encarando os fiéis seguidores ali presentes. – Eu juro a vocês que cada mãe, filha, irmã e pai tirados de nós por esta peste será vingado! Essa mulher pagará pelo que fez. Mas... – seu olhar agora voltou-se para a jovem de cabeça baixa à sua frente. – Assim como meu bom Deus, com sua infinita misericórdia, eu rezarei por você porque todos têm direito à salvação... Se quer salvar sua alma da perdição... arrependa-se agora e confesse seus pecados!

Shadi, de joelhos e com o rosto desconfigurado que pingava o líquido vermelho quente, sorriu maleficamente de maneira a demonstrar que não sentia uma mísera dor da automutilação.

– Eu confesso. – ela disse, sarcasticamente puxando o sotaque britânico.

– Prossiga, menina. Você assinou um pacto com Lúcifer?! – o representante religioso perguntou em meio a um semblante de repugnância.

Padre... – Shadi ladeou o rosto enquanto encarava ironicamente o homem mais velho com uma grande bíblia nas mãos. – Você e a sua corja vão queimar no inferno! São estúpidos por pensarem que vão conhecer Aquele que adoram!

O medo agitou as entranhas do padre e sua expressão momentânea denunciou o choque que o atingiu. Tentando aplacar a paciência que começava a se esgotar, inspirou o ar puro da natureza para dentro dos pulmões antes de declamar:

Matem-na. Depois joguem o corpo no rio!

Um dos jovens que a segurava anteriormente voltou a agarrá-la dessa vez pelos cabelos, dos quais agarrou rudemente porções de fios e os puxou para trás. Ao mesmo tempo em que seu companheiro imobilizava Shadi Breslin, que se debatia, ele retirou do cinturão um punhal com runas rosas na lâmina e o posicionou na garganta apenas para começar a serrar o pescoço, jorrando sangue para todos os lados até que raspou no osso — a sua mordida era rubra e fria.

***

Miami (1986) – Sábado, 20 de Setembro

00h:01 – Casa dos Jauregui's

Cozinha

Buscando um pouco d'água para tentar aplacar uma fraqueza repentina, a mente tortuosa de Allyson Brooke corria para os acontecimentos recentes a fim de digerir toda aquela tempestade de informações que recebera. Qualquer pensamento parecia melhor e mais racional do que prestar a atenção nos gritos que vinham do porão sob seus pés. Com o copo perto da boca, ela se entregava aos pensamentos conflitantes, ponderando o que mais sua mãe ocultou ou ocultava: o mundo não era calmo e perfumado com as "plantinhas" que ministravam para facilitar coisas "bobas" da vida, como a mais velha justificou os poderes da linhagem. Os Druidas, mais especificamente as Bruxas Puras, não estavam à deriva da sociedade... elas faziam parte de uma história muito mais profunda e cheia de raízes do que imaginava. E, Patricia, não havia lhe contado nem um porcento.

* Music On * (clap game - joseph bishara)

Seus olhos se encontravam fixados em um ponto inespecífico no chão até que, por cima do ombro, ela percebeu o brilho de uma torradeira inox que repousava ao canto da bancada. Seu corpo contraiu brevemente pelo susto ao captar seu reflexo metálico mexendo amorfamente na superfície do objeto. Rapidamente o cobriu com um pano de prato que descansava na beirada da pia e respirou uma, duas, três vezes a fim de acalmar seu coração descompassado. Lembrou-se de um momento no Texas, após o almoço em uma tardezinha, quando os sete amigos foram pescar o jantar no lago do rancho e, lá, tivera um ataque de pânico ao avistar sua própria imagem na água.

Sim, estava traumatizada com o espírito da bruxa que vira no espelho do banheiro e, desde aquele fatídico dia, fora incapaz de olhar para o próprio reflexo.

Allyson sentia-se fraca desde a viagem, como se tivesse sua energia sendo sugada constantemente. Não apenas isso, como também não conseguia ter noites de sono tranquilas ou ao menos completas, pois acordava de madrugada e dificilmente conseguia dormir de novo. Pesadelos a assombravam e nem mesmo as poções que Patricia preparava, esta completamente alheia aos ocorridos, estavam fazendo efeito.

A jovem sempre continha esse pressentimento de que algo estava terrivelmente errado, sentia que uma energia negativa a perseguia gradativamente em cada lugar que ia.

Como naquele exato momento...

***

Sala de Estar

Na medida que descia os degraus da casa penumbrosa, a bruxa tocava seus próprios braços e peitoral coberto pela blusa social masculina amassada. Não se importava com o fato de externamente estar no corpo de um homem velho: seu espírito o comandava, o que tornava deveras engraçado ter outra vez mãos, coração batendo e os cinco sentidos. Podia sentir sua magia, ainda pequena, passando por correntes sanguíneas com líquidos quentes e não mais de maneira amorfa e dispersa. Seus olhos curiosos analisavam os cômodos da casa e observava com espanto toda a modernidade do ambiente: a ausência de velas, de pinturas de família e todas as características marcantes da sua realidade no século XVIII. Eles possuíam imagens nítidas de pessoas emolduradas, objetos reluzentes, móveis e outros utensílios que nem sequer imaginava as utilidades.

Michael?! – o tom de voz confuso de Dinah se fez presente, em meio às penumbras.

Ao notar a companhia, a atenção da bruxa se voltou para a loira alta de pé no centro da sala de estar. Não fez nenhum movimento súbito ao parar no último degrau, visando não denunciar sua identidade à mulher desconfiada, e aproveitou os segundos para analisar minuciosamente as outras duas jovens espalhadas por localidades aleatórias do cômodo. Resumia-se a uma latina franzina, frágil, com marca de choro na face e olhos perdidos. E, por outro lado, a uma negra com íris atentas, pupilas perigosamente dilatadas, ombros e postura esguios em posição de ataque.

Não eram a pessoa que procurava, muito menos as outras três abaixo de seus pés... — embora tivesse um assunto antigo e inacabado com uma com uma delas em específico — dispostas na áurea negativa causada pela metamorfose da licantropo.

– Espera... – Normani engoliu seco ao sentir um aviso instintivo remexer suas vísceras. – Meninas... para trás! Agora!

– Por quê?! – Camila, que estava sentada no sofá, colocou-se de pé já amedrontada.

A temperatura da sala de estar diminuiu tão rapidamente quanto uma brisa fria em uma manhã gelada. O tempo começou a passar mais devagar. As penumbras, que antes já eram assustadoras, agora se tornaram agourentas e fantasmagóricas com a presença do corpo pálido que as encarava com um sorrisinho presunçoso no rosto ladeado, coberto parcialmente pela barba rala. A energia emanada era quase tóxica, semelhante a um sopro de tristeza e caos que se espalhava como veneno pelo ar. Sentiam-se observadas, sugadas por sussurros baixos e invisíveis que acompanhavam o macabrismo da situação.

O odor que vinha às suas narinas apuradas era de... enxofre.

– Você não é o Michael! – Normani bravamente proferiu, entredentes.

A bruxa abriu ainda mais o sorriso ameaçador, dessa vez composto por dentes brancos. Poderia estar em uma estrutura física não própria, mas seus olhos... os brilhos de seus olhos eram marcantes e únicos: álgidos, desumanos e cruéis.

– Parabéns, caçadora. – a voz saiu grave mediante ao timbre masculino, mas, incrivelmente, o sotaque era um britânico perfeito. – Agora... vocês todas vão pagar!

E então, teve-se início.

Uma das piores noites de suas vidas.

Bastou um ágil gesto da mão direita masculina para que, magicamente, a estudante de Jornalismo perdesse o chão sob os pés ao sentir uma espécie de energia a erguendo. Levitando, ela foi arremessada violentamente de encontro à extrema parede da sala de estar. Um alto barulho ecoou e a negra despencou sobre uma escrivaninha, derrubando um vaso de flores que se quebrou em dezenas de cacos ao cair no tapete, junto ao seu corpo, onde permaneceu grunhido pela intensa dor antes de se tornar inconsciente.

Dinah e Camila a olhavam, atônitas e congeladas.

– NORMANI! – a loira brandou, desesperada.

– Não, Dinah, não se mexa! Fique onde está! – Camila advertiu.

Seu primeiro instinto era fugir, mas seu cérebro astuto gritava para se manterem imóveis no momento em que a bruxa começou a encará-las com as íris já douradas e respiração ofegante, grave.

Um silêncio agonizante perdurou por alguns segundos na sala para que então, subitamente, um grito gutural saísse dos lábios da bruxa enraivecida, que escancarou a boca de maneira macabra. O som foi tão alto que ambas as mulheres tiveram de cobrir os ouvidos; os eletrodomésticos e itens de decoração vibraram, os mais finos quebraram; e um fedor horrível adentrou por suas narinas.

Os olhos lacrimejaram conforme um cheio de morte se espalhava.

Gente, que droga está acontecendo?! O que... – a voz de Allyson morreu ao avistar a cena.

Ao detectá-la, a bruxa virou a cabeça para o corredor que interligava a cozinha à sala de estar. Um sorriso perverso se estampou em seu rosto gordinho ao encarar a loira mais baixa, dos pés à cabeça: exatamente a pessoa que procurava.

– Ora, ora, Brooke... Enfim, nos encontramos de novo. – ela disse com sua voz distorcida e endemoniada. – Já faz um bom tempo, não é?

Sem se mover, por breves segundos a confusão se fixou no semblante assustado de Allyson que não entendia o porquê de estar assistindo e sentindo Michael Jauregui exalar magia. Homens não são bruxos, os poderes Druidas eram passados apenas ao acaso para as mulheres da família...

A não ser que...

Houvesse possessão por um espírito Impuro.

– O que foi? Não está me reconhecendo?! – a figura deu uma gargalhada fria e cortante ao se divertir com o espanto no rosto da mais nova. – Deixe-me lhe dar uma dica: tivemos um adorável encontro em um banheiro.

Ao associar o forte sotaque britânico com o mesmo cheiro de putrefação que impregnou em sua mente, desde o feriado no Texas, Allyson arfou em pavor e colocou as mãos sobre a boca entreaberta. Lembrava-se perfeitamente da imagem fantasmagórica que avistou no espelho e da pior sensação de sua vida ao ter sido tocada por ela.

Seu medo estava ali: a causadora dos seus pesadelos incessantes, dos calafrios, da impressão de estar sendo observada o tempo todo.

– Você pensou que eu não existisse, não é?! – a bruxa ladeou o rosto. – Pensou que eu fosse fruto da sua imaginação ou de um terrível sonho...

– Como isso é possível?! Como pode estar aqui?! – a loira grunhiu entre soluços apreendidos na garganta. – Você me seguiu?!

– Ora, queridinha, foi você quem me invocou, não se lembra? Rompeu a barreira que separa os vivos e os mortos... E nem ao menos teve o cuidado de fechar o canal para que eu continuasse presa! – ela riu, balançando a cabeça em zombaria pela ingenuidade e inexperiência da outra. – Preciso lhe agradecer por me entregar tudo de mão beijada. Afinal, além de você ser mais facilmente manipulável por ser paranormal, ainda fez isso na casa de caçadores! Ah... não faz ideia de quanta energia sobrenatural pude absorver daquele ambiente! Mas não só isso... também pude pegar uma pequena parcela de sua magia quando lhe toquei naquela noite! Foi pouco, porém, o suficiente para eu conseguir recuperar um pouco da minha própria magia perdida.

– QUE MERDA VOCÊ QUER?! – Dinah gritou, ainda alternando olhares entre a Druida Impura e a namorada desacordada no chão. – Por quê o Michael?! Por quê a gente?!

– Cale a boca, serva. – a bruxa semicerrou os olhos demoníacos e se direcionou outra vez à Allyson. – Michael foi a peça mais abatida dessa residência, o amor pela filha era seu ponto fraco. Espelhos refletem a alma das pessoas e dos seres sobrenaturais... então também se tornam um portal entre o bom e o ruim. Mas, independente de como surgi hoje... – seu tom tornou-se subitamente sombrio. – Obrigada por quebrar o feitiço de proteção. Caso contrário, nunca poderia estar aqui: tão perto de vocês para poderem pagar pelo que fizeram.

– Que merda está falando?! Que feitiço de proteção?! – Camila sussurrou, sentindo o coração batendo descontrolado na garganta. – Pagaremos pelo o quê?! Não fizemos mal a ninguém!

Uma risada sarcástica saiu pelos lábios da Druida Impura e ela encarou a latina de óculos de grau dos pés à cabeça, com escárnio.

– Vocês não fazem ideia, não é mesmo?! – murmurou. – Não fazem ideia do que aconteceu e muito menos do que acontecerá, não é?!

Outra vez o silêncio ameaçador reinou no recinto, transparecendo a energia caótica que cada uma possuía em querer agir primeiro. E a letargia apenas foi rompida quando, recobrando gradualmente a consciência, Normani começou a grunhir e a tentar se colocar de pé de forma cambaleante.

* Music On * (Sheet Show [Main Theme] - Joseph Loduca)

– Sabe, Brooke... – a mais velha ignorou momentaneamente a caçadora que se preparava para atacá-la e continuou a falar, com seu sotaque britânico. – Você deve saber muito bem que todas as famílias de Druidas possuem um dom, correto? Já percebi desde o início que você é sensitiva. Eu, por outro lado, venho de uma longa e pura linhagem de bruxas psíquicas, ou seja, consigo facilmente entrar na cabeça das pessoas e obrigá-las a realizar tudo aquilo que desejo.

– Pare com isso! – Dinah implorou, impotente.

– Parar?! Eu apenas estou começando!

E então, antes que Normani pudesse de fato avançar, a bruxa girou o rosto em sua direção e conectou os seus olhares. Uma comunicação profunda, não verbal e dominante se estabeleceu... e, em resposta, o corpo da negra recebeu um tranco e paralisou como se nas bases de seus pés existisse uma cola a prendendo no chão, impossibilitando-a de caminhar e obrigando-a a responder ao contato visual. Ela se debateu e lutou contra, mas o brilho maligno que advinha das íris douradas do que foi um dia um simpático Michael Jauregui era mais pungente que qualquer força oferecida por seu gene de caçadora.

Quando percebeu, já estava rendida.

Mate Lauren! Ela está aqui, não vê?! – a Impura ladeou a cabeça, mantendo a hipnose profunda ao mesmo tempo em que apontava para Camila Cabello. – Mate ela! Ela é Lauren Jauregui!

– Espera, o quê?! – a latina de óculos de grau gaguejou, de olhos arregalados. – Não, não, não! Eu não sou a Lauren! Eu sou a Camila!

Mas de nada adiantou, porque, como um passe literal de mágica, Normani já não mais enxergava a franzina mulher bronzeada: agora ela via apenas a figura da mulher pálida, de cabelos negros e íris verdes que tanto odiava. Era tão vívido e real que o perfume que chegava a suas narinas e a energia captada por seus poros pertenciam à Lauren Jauregui. Obviamente, a repulsa borbulhou em sua corrente sanguínea e o desejo de matar voltou à tona ainda mais amplificado, não permitindo hesitação no instante que se agachou o suficiente para agarrar um pedaço afiado de porcelana que constituía o vaso quebrado pela sua queda anterior.

Buscando impedir que a negra fizesse algo, Dinah e Allyson romperam a barreira do assombro e se entreolharam segundos antes de tentarem avançar simultaneamente sobre a bruxa de modo a aproveitar de sua suposta distração. Porém, a Druida Impura, experiente por séculos, apenas revirou os olhos ao sentir o estúpido movimento à esquerda e com um mero estalar de dedos da mão direita levantada, fez com que o restante dos cacos cortantes da porcelana se erguessem do chão e pairassem no ar.

A loira alta e a baixa arfaram em surpresa e mal tiveram tempo de se abaixar, pois, em questão de segundos, os pedaços pontiagudos voaram em suas direções como facas amoladas buscando o centro de um alvo. Elas tropeçaram na mesa da sala enquanto usavam os braços para proteger os rostos dos cacos que lhe abriam as peles: Allyson apertava os olhos para suportar os cortes na bochecha e ombros, e Dinah cerrava os dentes para suprimir o grito advindo da penetração de cacos na palma das mãos, as quais estendeu para se defender.

Incapacitadas de ajudar de imediato, isso abriu caminho para que uma Normani enfeitiçada desse passos pesados em linha reta até uma Camila que continha as pernas bambas e tanto medo que não conseguia pensar em uma escapatória.

– MANI, PARE, POR FAVOR, PARE! – a latina de óculos de grau chorou alto, começando a se deslocar e correr para permanecer atrás de uma das poltronas do cômodo penumbroso. – PARE! SOU EU, CAMILA!

Eu vou matar você, Jauregui! – a caçadora disse entredentes, ofegante.

Sem hesitar, Normani deu início a uma série de golpes no ar, desferindo o pedaço pontiagudo de porcelana em direção à latina que gritava em soluços e utilizava da almofada da poltrona e do próprio móvel como escudos. Camila não era ágil, não era atlética, na verdade, era fraca, lerda e nesse momento se arrependeu de não ter efetuado mais exercícios aeróbicos devido à exaustão que pesava seus braços a cada pancada que bloqueava.

Os segundos gastos enraiveceram ainda mais a caçadora, que, com um ágil movimento, driblou a poltrona e agarrou o pequeno travesseiro de maneira a puxá-lo das mãos da latina.

Camila grunhiu, amedrontada, e nem sequer teve tempo de expressar qualquer reação porque foi imediatamente inundada pela dor quente e lasciva que dominou a lateral esquerda de seu abdômen. As veias em seu rosto dilataram e o mesmo adquiriu uma tonalidade vermelha na medida em que Normani a abraçava predatoriamente e enfiava ainda mais o pedaço de porcelana em sua barriga, atingindo o quadrante esquerdo e rasgando as fibras musculares.

NÃO, MANI, NÃO! – Dinah gritou tão horrorizada quanto Allyson, ambas ainda no chão.

E, ao ouvir aquele timbre tão conhecido por sua alma, a consciência de Normani voltou subitamente à superfície como o impacto de uma moeda em um mar revolto. O semblante da negra se tornou assombrado ao soltar o caco de vidro no chão e dar passos longos para trás, compreendendo a atrocidade que havia feito mediante à expressão de sofrimento no rosto de uma Camila que cambaleava para o lado e encarava a quantidade preocupante de sangue que embebia sua blusa.

Sorrindo e assistindo tudo de perto, a Druida Impura se divertia com o terror emanado daquela casa. Se alimentava disso, seu espírito demoníaco sentia-se nutrido.

Mas não o suficiente, ela precisava concretizar o seu objetivo de estar ali. Visando então imobilizar o máximo de pirralhas estressantes, a bruxa novamente ergueu a mão direita em um gesto simplório e lançou uma onda de energia pelo ar que bruscamente empurrou Camila para trás, praticamente a jogando sentada contra a segunda poltrona do cômodo. A latina debilitada gritou pela dor no abdômen ensanguentado e também pela pressão paranormal que surgiu em seus pulsos, os quais se fixaram aos braços do assento.

Semelhantemente a um conjunto de cordas a prendendo na poltrona, ela não conseguia se mover.

PUTA. QUE. PARIU! – Dinah exclamou, colocando-se sobre os joelhos com dificuldade.

O caos do ambiente macabro era tamanho que não sabia se desesperava com as mãos cortadas, ou com a namorada espantada e petrificada, ou com a melhor amiga perdendo sangue e magicamente presa a uma poltrona.

Allyson, por outro lado, sentia-se na obrigação de protegê-las. Decidida a interferir, a loira corajosa passou uma mão pela gota de sangue que escorria em sua bochecha e se colocou de pé com o semblante já enraivecido. Em um raciocínio rápido e ignorando as dores de seus próprios cortes, ela caminhou até o centro da sala e ficou de frente para a Druida Impura que continuava sorrindo maldosa, apreciando com prazer toda aquela situação.

A estudante de Biblioteconomia ergueu os braços e fechou os olhos.

Precor potestatem spirituum qui defendat nos! – proferiu o cântico antigo e estendeu as mãos para frente.

O sorriso da bruxa desapareceu nos segundos que precederam o impacto da magia contra o seu corpo humano não preparado para tal evento. No entanto, ao contrário do que acontecera na Universidade com a lobisomem, o feitiço apenas fez com que a Impura fosse fracamente empurrada para trás e quase se chocasse ao sofá. Ela cambaleou no tapete e, rapidamente, encontrava-se outra vez em equilíbrio, agora rindo compulsivamente de forma horripilante e demoníaca ao ponto de estremecer os móveis mais próximos.

– Você ainda não tem controle dos seus poderes, Brooke. – ela ergueu uma sobrancelha. – Não brinque com os mais experientes! Isso ainda vai te matar! Eu te avisei: o seu sofrimento virá do amor que tem por terceiros! Já que não me escutou... irei poupá-la de tal destino e também me vingar!

Assim que as últimas palavras saíram de seus lábios masculinos, a Druida Impura inspirou fundo e, grunhindo como um animal, enraizou ainda mais a magia não-natural que circulava no corpo mundano. O rosto gordinho de Michael Jauregui aos poucos, medonhamente, tornou-se mais pálido e as veias roxas se destacaram; as íris douradas infernais ganharam um brilho a mais; os lábios e olheiras adquiriram um tom azul anêmico e as unhas se desenvolveram em garras de quase 5 centímetros.

Mas, o que realmente conduziu os semblantes das quatro mulheres a mudarem para um completo pavor foi o que veio a seguir:

O ar conseguiu se tornar mais frio. A carniça voltou a perdurar. O agouro impregnava como um câncer em metástase. A angústia gerada pela ausência da felicidade que parecia ser sugada fazia os corações apertarem, sucumbindo ao desespero... e então aconteceu...

Os pés de Michael Jauregui deixaram de tocar o chão na medida em que começava a levitar de braços abertos e pés juntos, zombando explicitamente da figura religiosa característica. E, ao parar suspenso no ar, um sorriso perverso e desafiador nasceu em seus lábios.

Era horripilante e inacreditável: uma cena medonha que aterrorizaria os pesadelos de todas por incontáveis meses.

Se aquilo era uma amostra do mal...

Não gostariam de encontrar sua totalidade.

Allyson, sem saber como agir, girou o rosto enquanto buscava formular um plano rápido na cabeça. Não podia permitir aquilo; não podia deixar tamanho mal alastrar-se sobre suas amigas e sobre a humanidade. Sabia que o corpo de Michael seria finito, mas isso seria apenas uma porta para que a bruxa desconhecida pudesse fazer um pandemônio sobre a Terra. E, quase que como uma resposta do além, a loira avistou sua bolsa de uma alça jogada desleixadamente no chão, ao lado do sofá.

Venha, tente lutar comigo como sua ancestral fez! – a voz demoníaca da Druida Impura ressurgiu grave, penetrante, ainda levitando.

Allyson, incrivelmente, conseguiu ignorar a energia caótica do ambiente ao focar em uma intuição que despertou dentro de si: um formigamento por entre suas vísceras que transmitia uma paz tão pequena quanto um grão de areia. Um aviso de que estava fazendo o certo. Lembrou-se de repente de uma fórmula de exorcismo que, possivelmente, teria sido escrita por uma sacerdotisa celta e que estava presente no livro que roubara de Lauren Jauregui. Até aquela ocasião, nunca imaginara que um dia poderia usar tal fórmula.

Imediatamente, gesticulou com o indicador para sua bolsa e gritou para a estudante de Medicina loira.

DINAH, PEGUE O LIVRO!

A mulher mais alta hesitou por alguns segundos, ainda paralisada pelo medo, mas logo engatinhou desesperada por entre os cacos em direção do sofá abraçado pelas penumbras da sala.

O que foi?! – a bruxa subjugou, gargalhando ainda de braços abertos e se exibindo. – Agora brincaremos de feitiços?! Ah, Brooke, você me diverte! Pensa que conseguirá realizar algo contra mim?! Chega a ser cômico imaginar, mas adorável de assistir!

AQUI! – Dinah atraiu a atenção de Allyson ao jogar o livro com a escrita "Gouvêa" na capa.

Com um bom reflexo, a loira menor abraçou o artefato pesado o agarrando com toda a pouca destreza que continha. Podia notar pela arrogância da Impura que ela era uma predadora, ou seja: amava e sentia prazer em observar o desespero de suas vítimas, deleitando-se até o último segundo para dar um misericordioso fim. Ela estava brincando com elas, deixando que criassem esperanças sobre uma possível salvação.

Havia uma pequena chance e Allyson precisava agarrá-la, aproveitando deste ponto-fraco de sua inimiga que a subestimara. Ela, sem parar, começou a folhear as páginas amarelas em busca das numerações marcadas em sua memória e ao localizar a folha quebradiça repleta de manuscritos antigos, cuja numeração era 666, seus olhos arregalados pousaram no brasão desenhado no canto direito superior, o qual continha um selo de bronze esboçado sob uma cruz quebrada e uma estrela de nove pontas.

ACHEI! – Allyson anunciou. – Normani, segure a Bruxa! Dinah, tente soltar a Camila agora!

Oh, claro que não! Tks, tks, tks... não tão fácil assim! – o semblante masculino possuído se fechou, ao constatar a audácia da Druida Pura. – Statuam! Et ad superiora vola! – gritou, mirando a mão direita para a negra e a mão esquerda para a loira alta.

Normani, que havia dado um passo à frente, instantaneamente sentiu outra vez a base dos pés se colarem ao chão e isso impossibilitar quaisquer movimentos adiante, mesmo com seus resmungos de luta contra; Dinah, em contrapartida, choramingou ao deixar de sentir o chão sob os seus pés e começar a levitar desengonçadamente em direção do teto, onde, com um baque surdo, teve o corpo pressionado contra a madeira. Ela retesou os músculos com toda sua força a ponto de sentir dor nas mandíbulas e nas vísceras pela posição contra a gravidade. Seu esforço para tentar escapar fora em vão. Estava tão paralisada quanto sua namorada, ambas estátuas de pedra debatendo-se em seus interiores.

Não conseguia mexer sequer um dedo do pé.

É bom me deixar presa porque se eu sair daqui, você tá morta, sua bruxa velha! – Dinah ralhou, grudada no teto e lutando contra a paralisia mágica.

– Quem você chamou de bruxa velha?! – a Druida Impura parou de sorrir e então rosnou, ofendida. – EU TENHO 19 ANOS!

De repente, Dinah sentiu sua cabeça doer profundamente. As veias da testa saltaram, a sensação era de ter seus lobos cerebrais esmagados e seus ouvidos zunindo terrivelmente como se dez mil abelhas o colonizassem.

Argh! – a loira engasgou em pura dor, com suas têmporas latejando.

– Não fique se agitando tanto, minha cara. – a bruxa sorriu de forma mordaz. – Não vai adiantar: você tem grande força de vontade e bastante resistência à magia, mas não está em condições de lutar contra mim, nem contra meus feitiços.

Preciso fazer algo, Normani pensou enquanto permanecia em silêncio e concentrava um mar de ódio em seu interior. Seus instintos agitavam suas entranhas e eletrizavam suas pupilas, como se sussurrassem conselhos. Deixando que seus genes a guiassem, a negra fechou os olhos e focou em uma espécie de bolha que conseguia avistar ao seu redor.

Era a magia da Druida: invisível aos mundanos, mas não mais a ela. Uma cápsula que, logicamente, poderia ser rompida por outro ser sobrenatural puro. E que assim ocorreu... no momento em que seu ódio e desejo por salvar sua família foram maiores que a nuvem que a envolvia.

Subitamente, Normani abriu os olhos predatórios, e agora azulados, ao sentir a linha opaca se dissolvendo, a livrando do feitiço na base dos pés. Analisou a sala penumbrosa à procura de algo que pudesse usar contra a bruxa e quase sorriu ao avistar um crucifixo de tamanho mediano pendurado na parede da sala, ao lado de três quadros da família Jauregui.

Uma ideia passou por sua mente e ela ponderou, não sabendo se aquilo funcionaria. Mas, àquela altura do campeonato, arriscaria qualquer solução que aparentasse ser viável.

Decidida a arriscar, Normani correu e agarrou o crucifixo antes de se colocar à frente da Impura já com o objeto sagrado estendido.

– SE AFASTE DAS MINHAS AMIGAS, DEMÔNIO! – ela vociferou, estendendo a madeira.

Ao constatar a representação da imagem religiosa e da pureza agregada, a bruxa instantaneamente sentiu a mistura de asco e dor em seu espírito demoníaco, que a induziu a voltar ao chão grunhindo. Queimava-lhe os olhos, ardia-lhe as veias, vibrava o corpo possuído quase em uma tentativa rude de expulsão. E, por consequência, ao dar alguns passos cegos para trás em aversão, tropeçou em uma segunda poltrona e caiu fragilmente para trás, sentada no estofado macio de cor clara.

Normani jogou o crucifixo na bruxa, que, em puro reflexo, acabou por segurá-lo acidentalmente. Logo, a pele de suas mãos entrou em combustão: queimando em contato com a madeira sagrada que aparentava ser um tóxico veneno à sua presença endemoniada.

Vamos pegar algo para amarrá-la! – a caçadora instruiu Allyson, aproveitando a distração da bruxa que gritava de dor e lutava para se livrar do crucifixo.

Allyson imediatamente correu até algumas correntes extras que Lucia trouxera consigo quando retornou à casa, horas mais cedo, e as agarrou com força mediante ao peso do aço. Normani logo seguiu seu raciocínio e se aproximou com rapidez, já auxiliando a loira menor a passar os anéis metálicos ao redor do corpo possuído que estava momentaneamente fraco pelo surgimento do objeto religioso e pelas queimaduras.

Não podem fazer nada! – a bruxa cuspiu em escárnio, enquanto ambas mulheres passavam as correntes em seu busto e em envolta da poltrona, prendendo-a ali mesmo. – Eu me alimento da desgraça alheia e esta casa está lotada dela! Não se esqueçam, deveriam prestar a atenção que os gritos abaixo dos nossos pés pararam... – ela disse com um sorriso meio grogue.

Normani e Allyson se entreolharam e lentamente direcionaram suas órbitas temerosas para o chão... como se imaginassem exatamente o que isso significava no andar inferior.

Metamorfose completa.

***

Porão

No momento em que a última costela da lobisomem se realocou e o som da metamorfose do seu focinho cessou, Veronica e Lucia deram um passo receoso para trás simultaneamente. A caçadora e a Beta se encontravam admiradas, com os olhos arregalados na medida em que estudavam a grande criatura peluda e cabisbaixa que ofegava tão intensamente que era possível notar as ondas de calor saindo por entre seus dentes pontiagudos e mortais. Os braços, as pernas, o busto e toda sua estrutura física já era monstruosa outra vez, tão poderosa quanto na noite anterior.

Havia sido uma transformação meramente mais rápida devido à triste memória motora do seu organismo, mas não menos violenta, ao ponto de fazer Veronica e Lucia se questionarem, temerosas, se as correntes e pinos iriam suportar os trancos e puxões que Lauren realizava entre seus gritos de dor.

E agora, na ameaçadora calmaria que se instalou, a lobisomem Alfa se encontrava sobre as duas patas traseiras em razão de seus punhos dianteiros, canelas e abdômen continuarem presos. Ao erguer o focinho, ela estranhamente se manteve controlada, ofegante e com as íris verdes-cinzentas neon fixadas nas duas mulheres à frente de si.

A caçadora, de cenho franzido, estava inquieta e com seus instintos aflorados: algo de errado acontecia na sala de estar e ela e a Beta sabiam mediante suas audições aguçadas. Mas nada podiam fazer, especialmente agora, que a lobisomem em completa transformação parecia as farejar.

Não faça nenhum movimento brusco. – Lucy instruiu estagnada, mexendo a boca apenas o suficiente para tal. – Ela está julgando se somos inimigas.

Movendo as sobrancelhas ao se lembrar de um detalhe, o semblante de Veronica se transformou em um choramingo.

Espero que ela não lembre das flechadas que dei nela. – a de sidecut retrucou amedrontada, falando entre os dentes cerrados. – Amizades tem altos e baixos, não é mesmo?!

Lucia nem sequer teve tempo de expressar sua cômica surpresa pela revelação da caçadora porque, instantaneamente, a resposta de sua pergunta veio através do gutural rosnado que saiu por entre os dentes pontiagudos salivados da lobisomem Alfa.

– Okay, você não esqueceu... – Veronica deu uma risadinha totalmente nervosa.

De maneira monstruosa, um ganido grave saiu da boca escancarada da criatura enraivecida que não mais perdeu tempo e começou a avançar sobre as duas figuras presentes no porão iluminado por lamparinas, buscando se libertar para saciar a fome que a enlouquecia. A caçadora e a Beta cambalearam para trás e quase se colidiram ao se assustarem com a potência dos puxões e trancos que a Alfa realizava, tendo a grandiosa força advinda de seus músculos evidentes ameaçando a tensão das correntes dos pinos presos nas paredes e no chão.

– Puta merda, isso foi uma péssima ideia! – Veronica choramingou, de olhos arregalados. – Não sei porque continuo me envolvendo com lobisomens se essa não é minha praia!

– Ela é linda! – Lucia estava obviamente apreensiva, mas não podia esconder o brilho de admiração em seus olhos devido ao poder que emanava da lobisomem que rosnava e grunhia alto enquanto puxava as correntes. – Ela é...

Com uma careta de "você está louca?!", a caçadora subitamente agarrou a Beta pelos ombros e a balançou de modo a interromper o deslumbramento para que a olhasse urgentemente.

– MULHER, PRESTA A ATENÇÃO! – Veronica gritou em meio aos grunhidos da criatura e encarou as íris âmbar-cinzentas a sua frente. – Ela pode até ser linda, mas não será nada bonito ter um braço arrancado para ela palitar os dentes! E para piorar, está acontecendo uma guerra lá em cima! – a sidecut então girou o rosto e direcionou-se à Alfa. – Lauren... se acalme! Temos outros grandes problemas além de você agora! Não seja egoísta!

Lucia bufou revirando os olhos e de imediato agarrou as mãos de Veronica, as retirando rudemente de seus ombros.

– Primeiro: não encoste em mim a não ser que eu lhe dê permissão. – ela disse, com semblante irritado. – Segundo: a Lauren não está te compreendendo, então pare de se comunicar com ela! E terceiro: não ouse cogitar a ideia de subir agora! Elas vão precisar se virar com seja lá o quê que esteja acontecendo! Se a Lauren se soltar, eu até poderei me semitransformar, mas nunca será o suficiente para segurar uma lobisomem com uma metamorfose total!

– E você quer que façamos o quê?! – Veronica arfou. – Eu a parei ontem graças a dois desfibriladores! Eu não serei uma isca para você fugir!

– Não seria para eu fugir, seria apenas para eu conseguir controlá-la! – Lucia deu um sorrisinho enquanto ladeava a cabeça.

O semblante de Veronica se fechou e ela lançou um olhar semicerrado de afrontamento.

– Adorei o fato que a parte da isca não foi descartada na sua constatação.

Sem desmanchar o sorriso, Lucy apenas deu de ombros em provocação e se virou outra vez para a lobisomem Alfa que ficava, a cada segundo, mais enraivecida pelas correntes a segurando. Os sons do andar de cima, as conversas, a fome que apertava seu estômago e os cheiros de uma caçadora e de duas bruxas no recinto a deixavam descontrolada e mais sedenta por sangue. Ofegante e com saliva escorrendo por entre seus molares feitos para rasgar carne, a lobisomem ergueu o focinho e liberou um uivo potente que estremeceu o porão e parte da casa acima de sua cabeça.

E, tão rápido quanto, sua paciência se esvaiu da mesma forma em que dois pinos de metal facilmente saíram da parede onde estavam fincados, ao realizar um puxão com seu punho e calcanhar direitos. Sem perder tempo, a criatura avançou um passo para frente ao ter uma perna e um braço liberados e isso sobrecarregou, perigosamente, ainda mais a tensão excessiva nas outras correntes que prendiam sua cintura e membros esquerdos.

Era possível enxergar o ódio e o desejo de matar no brilho de suas íris neon, inundadas pelo ímpeto do seu animal interior.

Veronica mal teria condição de levar a mão até o cós da calça onde o punhal de prata se encontrava e, ao perceber isso com seu Sentido de Previsão aguçado, Lucia decidiu interferir o golpe que seria desferido contra a caçadora. Suas íris âmbar-cinzentas adquiriram um tom neon ao mesmo instante em que flexionou seus joelhos para efetuar um salto veloz a tempo de pular acima do braço estendido e sobre a lobisomem, passando por cima de sua cabeça e graciosamente caindo sobre um joelho às suas costas.

Lucia ergueu o rosto, agora contendo o maxilar travado com costeletas crescidas na lateral da face; as orelhas haviam se acuminado com a mitose das células; a glabela e parte superior do nariz se encontravam levemente crispados; os ombros esguios e os músculos mais desenvolvidos; as unhas eram grandes garras afiadas e seus quatro perfeitos caninos pontiagudos saíam de sua gengiva.

– A semitransformação. – Veronica sussurrou, atordoada. – Hey, hey, Lauren! Olha eu aqui, a gostosona!

Com rosnados quentes saindo por entre seus caninos, Lucia ficou de pé totalmente e olhou ao redor, descartando a possibilidade de uivar para a criatura que era distraída por uma caçadora que balançava os braços.

Por quê? Porque uma Alfa nunca obedeceria uma Beta.

Então, logo pensou em um plano B: enfiar outra vez os pinos na parede. Sem hesitar e objetivando diminuir a amplitude dos golpes realizados, Lucy desferiu um chute na panturrilha esquerda de Lauren de maneira a fazê-la cair sobre um joelho. Ela agarrou o objeto em formato circular no chão e começou a puxar a corrente ainda ligada ao pino e, usando seus músculos tensos pela força animalesca que efetuava, arrastou Lauren para trás de modo a aproximá-la da parede o suficiente para enfiar ali o metal. Já acostumada com suas garras e sua semi-metamorfose, Lucy inseriu objeto circular no tijolo com tanta violência que o mesmo afundou mais do que a primeira vez.

Não tardou e realizou o mesmo com o pino que prendia a pata direita traseira da lobisomem, que grunhiu novamente em ódio ao se ver presa por completo.

Pulando como um leopardo, Lucia passou por entre as correntes e se locomoveu de forma quadruplete até o outro extremo do porão. Parou, sobre as duas pernas, ao lado de uma caçadora de vampiros que se encontrava admirada com os movimentos e aparência da Beta.

Suas orelhas começaram a diminuir, tal como as costeletas na lateral do rosto; as unhas encolheram; os ombros, os músculos, o nariz e o cenho retornaram à fisionomia humana e seus dentes se tornaram caninos comuns enquanto grunhidos saíram de seus lábios.

Completamente normal de novo, Lucy mirou suas íris ainda âmbar-cinzentas neon para uma Veronica embasbacada que nem sequer se lembrava de que uma Alfa rosnava para ambas.

– Eu disse que seria uma noite longa. – a menor disse, com um sorrisinho malicioso de lado. – Espero que tenha fôlego, Iglesias.

A mulher de sidecut entendeu a ambiguidade na fala e não conseguiu segurar o sorriso astucioso antes de apertar com mais força o punhal de prata em mãos.

***

* Music On * (Blair Witch - Adam Wingard) (2x)

Sala de Estar

Enquanto a negra segurava a bruxa que se debatia violentamente sob as correntes na poltrona, uma Allyson agoniada tomava coragem para realizar um ato inconsequente. Embora sua intuição dissesse que estava tudo bem, seu lado racional a repreendia fortemente por cogitar tal ritual. Não deveria estar aqui, não deveria estar nesta situação. Era uma Bruxa Pura com suas crenças pagãs, mas sequer se inclinava para a superstição ou para o oculto. Não estava preparada para isso... seja lá o que fosse. Sua magia era límpida, advinda da terra, e quanto mais se aventurasse nessas coisas, mais os feitiços pediriam que alcançasse lugares sombrios. Lugares de tentação. Lugares que não aguentaria.

Aquilo não era a ordem natural e temia que os espíritos libertassem sua raiva e a fizessem sofrer. Ou talvez algo muito pior acontecesse...

Se esse Exorcismo não a matasse, sua mãe certamente iria.

A Impura, ainda fraca e presa à poltrona por correntes seguradas pela caçadora, virou a cabeça para o lado oposto e olhou para Allyson por debaixo das pálpebras semicerradas. Ainda estática, a estudante de Biblioteconomia respondeu ao contato visual que lhe trouxe nada mais que um terror difuso, insano. As escleras das órbitas de Michael se tornaram totalmente negras, denunciando o quão antigo era o espírito da bruxa, as íris douradas orladas de sangue; a boca exibia os dentes no sorriso largo de um ser sem vida. O horror envolveu Allyson, envolveu-lhe o coração em suas mãos frias e o apertou. Subjugou-a, sujeitou-a mais e mais, até fazê-la ter vontade de fugir.

– Diga-me, Brooke, você me odeia? Quer me mastigar e me cuspir para fora... como tem acontecido com você repetidamente? Quer se provar capaz de algo maior? – a Impura perguntou, levantando uma sobrancelha em desafio. – Lição número 1 do primeiro dia de aula: a magia das Druidas está ligada às emoções. Podem ser pensamentos bons ou maus. Amor, ódio, medo... Quanto mais forte a emoção, mais forte a magia... Quais dessas eu faço você sentir?

– Não importa o que eu sinto! – a loira baixa retrucou, engolindo seco. – Tudo o que quero é que deixe o corpo do Michael e volte para o lugar de onde veio!

– Michael já se foi! E agora TODAS VOCÊS VÃO MORRER! VOU DEVORAR SEUS AMIGOS E FAMÍLIA, UM POR UM! – a bruxa gritou, contorcendo o rosto com raiva.

A face gordinha continuava pálida, com as veias roxas marcadas e íris douradas em um tom demoníaco.

– ALLY, DEPRESSA! – Normani vociferou, puxando os ombros fortes do corpo masculino para trás. – ESTÁ DIFÍCIL MANTÊ-LA PRESA!

De repente, a própria compreensão do que estava fazendo — de pé ali no escuro, prestes a realizar um Exorcismo em uma bruxa Impura — fez a nuca de Allyson formigar e arrepiou-lhe até as pontas do cabelo.

– EU NÃO TENHO QUALIFICAÇÃO PRA ISSO! – a loira arfou de volta, sacudida por uma descontrolada ansiedade ao colocar a mão esquerda na cabeça enquanto hiperventilava. – BRUXAS PURAS NÃO TEM PERMISSÃO PARA FAZER ESSAS COISAS, EXORCISMO NÃO É ALGO PURO!

– Mas também não é Impuro, porque você está fazendo algo bom! – retorquiu uma Camila fraca pela perda de sangue. – Algo que vai salvar uma vida e vai restaurar o equilíbrio, então só faz logo, Ally!

A latina, até aquele instante, buscava guardar quaisquer parcelas de força e calma na medida em que observava o sangue escorrer lentamente e embebedar ainda mais sua blusa, sem poder fazer qualquer coisa para parar o sangramento já que se encontrava completamente paralisada com as mãos presas em ambos os braços da poltrona. Não poderia perder a racionalidade ou se desesperar porque, caso contrário, isso a faria perder ainda mais dos 5 litros de sangue do seu corpo e ficar perigosamente perto de uma hemorragia descontrolada.

– Eu nem sei ler a bíblia em Latim! – Allyson falou em um fôlego só.

– Uma bíblia?! HÁ! – a bruxa jogou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada alta, macabra e endemoniada, cuja saliva com espuma saia pelos lábios azulados. – Quando eu penso que as coisas não podem se tornar mais decadentes...

Normani alternava olhares entre a amiga loira, a Impura debochada, a latina ensanguentada e a namorada que estava presa no teto como se estivesse descansando e de férias em um SPA.

– Mas você tem disciplina de Latim na faculdade! – a negra argumentou, com urgência na voz.

– QUE QUASE REPROVEI! – Allyson choramingou alto. – E isso aqui não é a porra de um latim, nem sequer da Bíblia é!

– SÓ FAZ LOGO, ALLYSON! – Normani vociferou, perdendo totalmente a paciência mediante a extrema força que realizava para manter a endemoniada na poltrona. – PORRA!

– Quer uma ajuda aí? Pode começar com: "Ominus immundus spiritus.", todos os espíritos imundos. Ou até mesmo com o bom e velho: "O sangue de Jesus tem poder." – a bruxa sarcástica resmungou com uma careta, revirando os olhos negros com íris douradas. – Viu só? É fácil. Já ouvimos essa ladainha. Acabe logo com isso ou me deixe matá-la. Você está me entediando!

Franzindo a testa em uma careta, Allyson, resistindo com todas as suas forças ao ímpeto de correr ou de enfiar uma faca no pescoço do pai de sua amiga licantropa, se aproximou ainda mais da bruxa. Seu coração batia com força, mas devagar. Ali estava; se ia mesmo fazer a coisa, era melhor começar logo. Balançou a cabeça quase imperceptivelmente e soltou um suspiro alto antes de iniciar a leitura do livro que manteve em mãos escondido sob as penumbras.

Es izsaucu ēnu raganas, kas nāca pirms manis un nomira par mani. Nāciet māsas un aizlūdziet par mani! Es izsaucu Aradijas Lilitas, Morgana Le Fejas spēkus. – a jovem estudante de Biblioteconomia falou alto e com clareza. – Nāciet māsas un aizlūdziet par mani!

– Essa é boa. – a Impura gargalhou, jogando a cabeça torta para trás. – Até que você dá para o gasto. Poucas Druidas usavam essa língua, mesmo na minha época. Onde você...

Porém, sua boca se fechou e seus olhos se estreitaram em curiosidade ao avistar aquele livro de capa negra nas mãos de Allyson. Ao constatar o que aquilo poderia significar, a bruxa cessou por completo suas provocações.

Onde conseguiu isso?! – ela perguntou com uma expressão de choque no rosto endemoniado. – Onde conseguiu isso, me diga! Por que eu não senti a presença dele até agora?!

Instantaneamente o corpo masculino começou a se debater, mas não mais para irritar as jovens... e sim para escapar das correntes seguradas pelos braços fortes da caçadora negra.

Es piesaucu Black Annis un Ana Bolena. Es izsaucu Endora raganu. Nāciet, māsas, aizlūdziet par mani! – Allyson continuou, ignorando por completo a pergunta da Impura desesperada. – Es izsaucu Hekāti, Artēmiju, Lunu, lai padzītu šo raganu. Lai padzītu šo nevēlamo raganu!

Conforme a Druida Pura recitava o feitiço em bom tom, cada vez mais os poderes da bruxa Impura enfraqueciam ao ponto de romper seus truques anteriores: enxergava uma luz clara no cômodo que fazia o corpo humano possuído queimar. Ao sentir a magia roubada esvaindo como o gotejar de uma torneira, a energia sobrenatural que mantinha Dinah presa no teto se dissipou e a mesma foi libertada de sua paralisia. A queda livre em linha reta e o impacto súbito com o chão acabou gerando o deslocamento do nariz da loira, que grunhiu pela dor na medida em que girava para o lado e tentava estancar com as mãos o sangue no rosto.

Em meio a xingamentos, Dinah se levantou gemendo para ignorar o latejar da cabeça e do corpo, porque, acima de tudo, sua namorada precisava de ajuda para segurar uma bruxa que tentava a todo custo escapar. A caçadora tinha dificuldades de mantê-la presa por entre as correntes, visto que a Druida virava o pescoço e se debatia de forma violenta, dando cabeçadas e tentando até mesmo morder seu braço.

E, ao longo das palavras recitadas por Allyson, Camila também fora liberta de seu feitiço paralisante, porém, evitou se movimentar para não perder mais fluídos, apenas buscou estancar o sangramento no abdômen com as duas mãos.

– Por que você está fazendo isso?! – a latina perguntou ofegante ao fundo, pressionando a ferida. – Que merda a gente fez, caralho?!

Os lábios da Impura se contorceram em um sorriso e seus olhos dourados permaneceram frios. Precisava poupar energia, mas, em simultâneo, precisava distrair Allyson tempo suficiente para se fortalecer e conseguir sair dali antes do ritual ser finalizado.

– Deixe-me ver... Qual seria a melhor maneira de responder a sua pergunta? – murmurou, fingindo pensar por um momento. – Talvez a seguinte: "Que porra você tem a ver com isso?" Ficou satisfeita com minha resposta, humana?

– Responda a pergunta! – Normani rosnou, puxando de supetão a corrente pesada presa ao pulso da bruxa, que grunhiu ao ter seu punho gordinho apertado.

Argh! Caçadores... Seus descerebrados, experimentos de magia! – ela falou com escárnio, virando o rosto, agora encarando a negra com extrema repulsa e nojo estampando suas feições. – Vocês me enojam com tamanha hipocrisia! Não passam de vermes egoístas que só pensam em sexo e dinheiro! Não são tão diferentes daqueles que matam! Criaturas vis e corruptas que servem de capachos!

Cerrando os dentes e sentindo mais raiva e ódio, Normani, totalmente ofendida, em súbito, agarrou o pescoço gordinho, com as pontas das unhas pressionando a carne do maxilar.

– Cala a porra dessa boca e responda logo! – rosnou, quase encostando ambos os narizes. – Ou enfio aquele crucifixo goela abaixo em você!

A ameaça, porém, surtiu efeito contrário, fazendo com que a bruxa risse em deboche tão histericamente que as outras três chegaram a ficar assustadas.

– Os séculos passam, mas nada muda. Continuam arrogantes, como sempre. E, pelo visto, a burrice da juventude acompanha também. O que vocês esperavam que acontecesse ao brincarem com um tabuleiro que invoca espíritos?! Vocês tem é sorte de terem libertado a mim, e não os demônios malignos que residem d'O Outro Lado! – ela falou agora de forma totalmente séria ao ter seu pescoço solto pela negra que afastou-se de si, no entanto, logo sua expressão voltou a carregar aquele sorriso zombeteiro. – Não se fazem mais bruxas como antigamente; que respeitavam os espíritos e que realmente possuíam poder! – alfinetou, recebendo uma careta da loirinha mais baixa. – Governaram reinos e lideraram exércitos. Forjaram poderosas relíquias e redescobriram magias perdidas. Elas moldavam o mundo... Eu saí do Inferno graças a vocês e é isto que importa. Devo dizer, no entanto, que sai de lá com estilo! Estava bem fraca, mas fui recolhendo auras negativas conforme perambulava por aí, à procura de algumas vítimas desgracentas.

– Inferno?! – Camila, suando excessivamente, perguntou com certo espanto. – Porquê você foi para lá?!

– E o que você quer dizer com "vítimas"? – Dinah questionou, atraindo a atenção da Druida que agora revirava os olhos em impaciência. – Quem mais você atacou?

– Vossa lerdeza me entedia muito, saibam disso... Fui mandada ao Inferno após ser acusada injustamente pela Igreja de trazer pragas e doenças para a cidade. Os Cavaleiros d'A Ordem Sagrada vieram me capturar, invadiram a minha casa! Me assassinaram... sendo que a verdadeira traidora estava bem debaixo de seus narizes. Pensam que eles se importaram com isso? Claro que não! O que um sorrisinho inocente não faz, não é mesmo? Apenas precisou jogar um charme e depositar toda a culpa em uma única pessoa. Esta é uma das facetas mais notáveis de uma bruxa: a sedução de mentes fracas; basta saber usar... Vocês sabem o que eles fizeram comigo depois de me matarem? Jogaram meu corpo, nu, dentro de um riacho que tinha perto da minha cabana com uma boneca de madeira e palha em forma de crucifixo presa ao meu pescoço... DESRESPEITANDO E ZOMBANDO DOS RITUAIS FUNERÁRIOS DO MEU POVO! – ela ralhou com extremo asco banhando suas feições. – Mas é claro que não deixei barato: além de amaldiçoar suas almas corruptas, ainda causei um pequeno desastre naquele ninho de rato que chamavam de Londres. Uma pequena aulinha rápida do que acontece quando se mata uma bruxa: Quando uma Druida, seja ela Pura ou Impura, morre violentamente ela libera energias místicas, deixando o lugar da morte com poderes. Foi uma questão de tempo até eu despertasse de novo, mas... aquela maldita mulher, como se já não bastasse me trair, criou um feitiço que protegia as pessoas daquela cidade, então não pude fazer nada além de esperar um pequeno deslize... e então o Texas aconteceu após décadas observando seus descendentes!

Dinah, Normani e Camila trocaram alguns olhares antes de voltarem sua atenção para Allyson, que desviou o olhar em culpa e arrependimento por ter topado a brincadeira do tabuleiro Ouija.

– Como eu não tinha forças o suficiente para possuir um corpo físico, precisei mexer os pauzinhos para conseguir um pouco mais de poder. Apesar do índice de violência deste lugar ser até moderado, eu precisava de mais! Por isso dei um pequeno empurrãozinho para que seu amiguinho executasse um massacre. Qual era o nome dele mesmo? Hmmm, acho que era Diastin? Ou será que era Damon? Diplo? Oh! Dylan! É isso mesmo... – as íris da Impura se estreitaram, ficando repentinamente mais escuras. – Dylan!

Os olhos das outras quatro mulheres se arregalaram.

– Sussurrei em seu ouvido para lhe dar um incentivo extra; visto que ele planejava isso a meses, mas nunca tinha coragem para tal coisa! Ahh, que alma triste e amargurada aquela; tantas cicatrizes, tantos traumas de uma família tóxica e relapsa como bagagem extra. – ela deu de ombros como se aquilo não fosse grande coisa e gargalhou. – Que sua alma perturbada enfim descanse em paz no Inferno.

– Então foi você... – Dinah teve sua voz chorosa abafada pela mão que utilizava para estancar o sangue de seu nariz. – Você desencadeou todas as desgraças até agora! Filha da mãe!

– Oh, yeah! Talvez eu também tenha dado umas ideias para que aquele invocadinho loirinho, que ama se drogar, fizesse a infame festa ilegal dentro daquela Universidade. Todas aquelas mortes me fortaleceram tanto! Pensem só na quantidade de poder: uma licantropo se transformando e ativando os genes de uma caçadora; outra caçadora que lutava contra a fera bestial, uma bruxa usando seu poder... – um gemido alto e de tom erótico saiu dos lábios da Druida, que jogava sua cabeça para trás como se sentisse prazer absoluto. – Como eu disse... vocês sempre me entregaram tudo de mão beijada! Tenho pena, pois não estão preparadas para o que o futuro reserva para vocês.

Prazer este que não durou por muito tempo.

Não... nós fazemos nosso próprio destino.

A voz de Allyson surgiu quando a mesma ergueu o rosto, deixando visível sua expressão decidida através de feixes de luz advindos dos abajures. Havia se cansado de ouvir que ela, e as demais, estavam predestinadas a algo.

– Fazemos nossas escolhas e isso molda nossos caminhos! – continuou, piscando rapidamente para focar outra vez seus olhos espertos nas linhas da página amarela. – E irei provar a você, quando a mandar de volta para o Inferno!

O sorriso prepotente da Druida Impura sumiu ao, de fato, notar a determinação e a energia intensa que começou a ser emanada dos poros da oponente Pura.

Nosūtiet viņu atpakaļ pie Tumšā Kunga. Nāciet, māsas, aizlūdziet par mani! Es piesaucu Hildegardu no Bingenas, es piesaucu Mariju Laveu. Nāciet, māsas, aizlūdziet par mani! Es piesaucu Neimanu, Badbu, Maču. Nāciet, māsas, aizlūdziet par mani!

O exorcismo continuou e a bruxa novamente começou a rosnar alto devido a transformação de seu sangue em puro ácido, visto que as presenças de disseres tão límpidos e da representação de um Salvador eram danosos para sua imoralidade.

A energia que era liberada dos poros de Allyson a intoxicava.

MALDITA! – ela berrou de forma animalesca, as veias do pescoço anormalmente dilatadas ao ponto de parecerem estourar.

– Continue, Allyson! Estou sentindo as energias dela se esvaindo. – Normani falou entredentes. - NÃO PARE!

Es izsaucu Sjersu, es izsaucu Moll Dyer. Nāciet, māsas, aizlūdziet par mani! – a loira menor respirava erroneamente e permitia o extravasamento de sua magia. – Me diga o seu nome, demônio!

Sua mestiça suja e sarnenta! – a bruxa ignorou e grunhiu, com sua voz grave e demoníaca. – Eu vou caçar para sempre a sua linhagem! Acabarei com a sua vida e as de quem ama! E nenhum feitiço de proteção irá salvá-la!

– NÃO DÊ OUVIDOS, ALLY! – Dinah gritou, segurando o braço pesado do homem. – São ataques psicológicos! Ela só quer te distrair!

– É UMA IMUNDA!

Dodiet man savu spēku un padzeniet nevēlamo raganu. Nāciet, māsas, aizlūdziet par mani! – Allyson fechava os olhos para suportar a sensação angustiante de se sentir sugada. – Me diga seu nome! Agora! Qual o seu nome, demônio?!

O corpo de Michael sofria com espasmos violentos e se debatia na poltrona e sob as correntes: uma baba preocupante escorria por seu queixo; os ouvidos e narinas davam indício de sangramento; as veias e artérias contraíam e dilatavam; as órbitas negras reviravam.

É uma escrava, uma putinha! – o homem vociferava com uma voz sobrenatural. – Nossa ancestral original, a criadora de tudo, sentiria vergonha! Vocês puras desperdiçam a chance de nos tornarmos as donas do mundo!

Allyson dava o seu melhor para não se deixar levar pelas provocações desesperadas, mas o cansaço físico e psicológico estava ultrapassando os limites que aguentava suportar. Sentia quase uma desintegração de sua pele, que era uma espécie de filtro para a magia que vinha do seu interior.

– Não dá, não sou forte o bastante. – a loira choramingou. – Não...

– É, SIM! – Dinah berrou, ajudando Normani a segurar o homem na poltrona. – POR FAVOR, ALLYSON, TERMINE!

Um frio intenso atingiu todas as mulheres presentes e Allyson provava do próprio oxigênio entalado no peito, em ondas fortes. A temperatura da sala se encontrava perigosamente baixa, ao ponto de gerar fumaça nas respirações presas dentro dos pulmões das quatro amigas.

Uma sensação de sufocamento, o ar rarefeito.

* Music On * (I Ran [So Far Away] - Hidden Citizens)

Como a catalisadora do feitiço ali exposto, Allyson era a que mais sentia a intensidade da magia maligna. Uma oscilação de náusea e frio tornou a invadi-la e ela deu alguns passos cambaleantes para trás e se recostou no sofá próximo, fechando os olhos. Os músculos repuxavam, entrando em colapso devido a quantidade absurda de magia não-natural que estava utilizando. Agora as mãos, os pulsos e os dedos fraquejavam e ela teve o medo de que as palmas das mãos, engorduradas de suor, fizessem com que o livro escorregasse.

Com suas forças se esvaindo em fraqueza, um grito de frustração veio de seu peito. Camila e Dinah estão feridas, eu estou fraca e não consegui merda nenhuma, pensou desconsolada.

ALLYSON, TERMINE!

Ela fechou ainda mais os olhos, não querendo ouvir mais nada.

Porém, algo aconteceu.

Naquele instante, ela sentiu.

Ondas de um otimismo desconhecido. Aos poucos, traços diversos lhe vieram à memória: o cabelo louro bagunçado, as íris azuis, os dentes brancos, o grande sorriso transparecendo toda sua alegria, a pequena marca no queixo de quando ele caíra da escada da cozinha quando ainda era criança.

Troy.

Relembrou dos momentos de amor e carinho que o homem lhe deu nesses últimos três anos em que estiveram juntos.

Sua âncora. Seu Porto-Seguro.

Allyson parou, de cabeça baixa, com o corpo oscilando e o ar circulando com força pelos pulmões; as bochechas ardiam pelos cortes causados pelos cacos de vidro.

E então, em súbito, as janelas da sala de estar se abriram violentamente e ventos descontrolados inundaram o cômodo... esvoaçando os cabelos das quatro mulheres e derrubando os objetos mais leves. Zunidos incomodavam os ouvidos e ganhavam mais intensidade na medida em que, cada vez mais, a alegria crescia em seu peito.

Não sentia medo, pois as lembranças felizes eram seu combustível.

Apenas faça!

Uma fúria, um calor abrasador desenvolveram dentro de si, a própria antítese da anterior sensação de insegurança e medo.

É minha última chance e estou disposta a aproveitá-la. Seus lábios estavam repuxados num esgar de raiva conforme se aproximava novamente da endemoniada. Vou tirá-la daí e salvá-lo, Michael, pode apostar! Ninguém morrerá hoje, a não ser ELA!

ES IZSAUCU SIBILU LEIKU! NĀCIET MAIGI, TUVOJIETIES, DĀRGIE DRAUGI! – Allyson então gritou, estendendo a mão em direção a Impura. – NĀC TUVĀK, TUMSAS MĀTE. DODIET MAN SAVU SPĒKU UN PADZENIET NEVĒLAMO RAGANU. NĀCIET, MĀSAS, AIZLŪDZIET PAR MANI! ME DIGA O SEU NOME, DEMÔNIO!

Na sala, o vento se transformara quase num vendaval: uma presença consistente, que sacudia os fios elétricos com um zumbido estranho e estremecia os móveis que ainda estavam intactos.

Allyson ergueu o rosto e avistou Normani, Dinah e Camila a encarando com expectativa e esperança. Com uma camada de suor cobrindo-lhe a pele, a loira menor também percebeu o brilho agourento nos olhos negros da Impura e a energia da mesma sendo dissipada.

NĀC TUVĀK, TUMSAS MĀTE. DODIET MAN SAVU SPĒKU UN PADZENIET NEVĒLAMO RAGANU. ME DIGA SEU NOME, ME DIGA SEU NOME, ME DIGA SEU NOME!

O efeito excedeu suas expectativas. O selo na página misteriosamente começou a brilhar e aqueceu-se rapidamente, queimando a palma da mão de Allyson.

A sala ficou gelada e escura mais uma vez devido à dor que o espírito Impuro sentia, o qual se retorcia com as veias do rosto humano vermelho dilatadas e baba escorrendo na barba mal feita.

SHADI BRESLIN! MEU NOME É SHADI BRESLIN! – a bruxa gritou com todas as forças, afogando na acidez do sangue borbulhando nas veias.

Os olhos de Allyson momentaneamente se tornaram brancos e ela abriu um sorriso maléfico, regado ao prazer pecaminoso da magia Impura, quando esticou a mão direita em direção do corpo preso à poltrona.

– NĀCIET, MĀSAS, AIZLŪDZIET PAR MANI! NĀCIET, MĀSAS, AIZLŪDZIET PAR MANI! NĀCIET, MĀSAS, AIZLŪDZIET PAR MANI! SHADI BRESLIN, EU ORDENO QUE VOLTE PARA O INFERNO, AMEN!

O pescoço de Michael realizou um movimento anormal para a esquerda e se ouviu, medonhamente, um estalo muito alto de seu maxilar travado. Suas veias permaneceram dilatadas e a boca aberta em um "O" congelado por longos segundos antes do homem uivar, urrar e uma coluna de fumaça sair por seus lábios azuis anêmicos, formando uma enorme nuvem densa que viajou sobre as cabeças das jovens e então tomou a forma da bruxa Impura.

De rosto fino e juvenil, a Druida olhou para trás, sob a luz da Lua advinda da fresta da janela, e encarou com suas íris douradas uma Allyson que continha o estômago fervilhando de horror. A bruxa soltou um silvo angustiado e com incrível velocidade deslizou por dentro do teto, deixando atrás de si um agitado rastro na forma de luzes piscando... ventania e... por fim, as lâmpadas se quebrando e espalhando cacos de vidros por todos os cantos.

Normani se jogou sobre uma Camila fraca para protegê-la e Dinah fez o mesmo, impedindo cortes no corpo de Michael que amoleceu na poltrona.

Allyson se aproximou do homem e o estudou de perto, percebendo o brilho da grossa camada de suor sobre a pele.

Por um instante, não houve mais nada, apenas o silêncio interrompido pelas respirações ofegantes das quatro mulheres e as batidas do coração estourando nos ouvidos de todas ali.

Mas, a calmaria logo foi interrompida.

O patriarca Jauregui começou a tremer em bruscos espasmos, fazendo com que Dinah se afastasse com espanto, e, de repente, seus músculos mais uma vez travaram. Suas pálpebras se ergueram e revelaram íris brancas, as quais imediatamente encontraram as de Allyson.

Então tudo aconteceu muito rápido.

Houve um mau cheiro e foi como reviver vividamente um pesadelo sem fim. A sala ao redor de si começou a se dissolver, as paredes a derreterem, as suas amigas e demais objetos a desaparecerem para permitir a queda suave de um véu sobre seus olhos. Tudo começou a oscilar de um lado para o outro. Era nauseante. Queria fugir ou implorar por ajuda, mas não conseguia, apenas soube gritar sem qualquer som quando o livro ainda em suas mãos começou a queimá-las. Atirou-o para o lado e piscou confusa ao se ver caindo, outra vez, em um denso nevoeiro branco. Era frio, solitário e sua mente nunca se sentira tão abandonada e confusa: semelhantes a um astronauta flutuando para longe da nave durante uma manobra, sentindo apenas impulsos de derivação no meio do céu escuro. Sentiu-se fraca, pequena, aterrorizada e então se assentou no chão, enterrou a cabeça entre os joelhos e chorou como uma criança implorando pela mãe.

O nevoeiro branco obscureceu seus sentidos... vultos grandes e difusos moveram-se à sua volta. Um horror profundo, que muito se aproximou do choque paralisante, e que geralmente era reservado para os piores pesadelos. Sua respiração adquiriu um tom áspero, demasiado forte para ser uma arfada, e toda a sua fúria se transformou num medo intenso e sufocante do sobrenatural, do paranormal. Estava cada vez mais certa de que cruzara a fronteira para o terreno da loucura; e a voz da bruxa Impura mais alta que nunca, ecoava em sua cabeça:

Ainda não acabou... eu vou voltar! Vocês pagarão pelo que fizeram comigo; por toda traição cometida! Não se esqueça, Brooke. Eu estava viva, depois morta e agora estou viva de novo. Completei o ciclo e estou aqui para dizer que você sai d'O Outro Lado quebrada e com um gosto renovado pela caça. Estou aqui para dizer que uma pessoa planta o que pode e cuida do que plantou. Não esqueça: faço parte do que o seu coração terá agora de cultivar... Existe sua mãe, seu namorado, suas amigas... E existe eu. Tenha sempre isso em mente e cuide bem do seu jardim. GUARDE MINHAS PALAVRAS: VAI PAGAR CARO PELO QUE ESTÁ FAZENDO, JÁ ESTÁ PAGANDO E NEM SE DEU CONTA AINDA!

Assim que o grito da Druida ecoou por seus ouvidos, Allyson foi puxada do mar de petróleo que havia afundado e, aos poucos, tudo começou a clarear. Piscou e percebeu que outra vez se encontrava na sala de estar dos Jauregui's, de frente para um Michael desacordado. De repente, recuperou os sentidos e quando a sensação de entorpecimento lhe abandonou as pernas, ela, como um zumbi, perambulou pela sala e se sentou no sofá.

Um zumbido surdo preenchia-lhe os ouvidos. O ar lhe queimava a garganta, as pontadas se tornavam mais prolongadas e dolorosas.

Ally? – foi o guincho na voz de Normani.

– Graças a Deus, aquela bruxa, ela... – Dinah interrompeu a frase pelo meio e disse num tom agudo. – Ally, você está bem?!

A estudante de Biblioteconomia ficou olhando para um ponto inespecífico da sala, ainda processando a hipnose pesadélica feita pelos resquícios do poder psíquico da bruxa. Como uma peça encenada só para mim, ela pensou.

Por fim, Allyson desviou o olhar com um pequeno suspiro — o suspiro de alguém que foi despertado de um transe pelo final da contagem de dez a um — e percebeu lágrimas misturadas ao suor em seu rosto. As enxugou com a mão direita enquanto pegava o livro de capa negra que deixara anteriormente cair no chão perto do sofá, com a esquerda, e o fechava.

– Eu estou bem. – ela mentiu, com voz trêmula, e se pôs de pé. – Só estou exausta, usei muita magia. Ajudem os outros, estou bem!

Dinah e Normani momentaneamente aceitaram tal desculpa, visto que possuíam problemas mais urgentes para resolver. A loira alta correu até Camila, que mantinha-se imóvel e pressionando sua ferida abdominal, e a negra se direcionou até Michael para começar a remover as correntes do corpo masculino desacordado.

Allyson, no entanto, permaneceu a analisar seus próprios braços arranhados e sujos. Havia algo de errado consigo: uma espécie de vibração tóxica queimava e circulava em sua corrente sanguínea. O coração lhe saltou no peito, começou a bater com tanta intensidade entre as costelas que ela viu pequenas manchas diante dos olhos, aumentando e diminuindo no ritmo dos batimentos. Enxergava as veias e artérias mais dilatadas, as palmas das mãos mais rosadas, e então uma repentina e terrível certeza assaltou sua mente: o Exorcismo a instigou nas forças que existem além da natureza. Foi nesse ponto que aquele astronauta interior, sua mente, pareceu flutuar mais para longe da nave, em direção ao vácuo. Ali em pé, uma dor latejante nas costas, músculos exaustos saltando, crispando-se.

Evidentemente você já sabia disso, sua mente suspirou enquanto ela observava os arrepios em seus braços em uma denúncia física explícita do poder anormal que emanava em si. Você sabia disso ou pelo menos suspeitava...

Mas era tarde demais para voltar atrás. Apenas esperava que tudo ainda pudesse correr bem.

Foram apenas resquícios de algo não tão puro.

Insignificantes, talvez.

Talvez.

***

Miami (1986) – Sábado, 20 de Setembro

06h:20 – Casa dos Jauregui's

Sala de Estar

* Music On * (Farewell Life [Arn Andersson Remix] - Nights Amore)

Pouco antes dos primeiros sinais do amanhecer tocarem o céu no leste, passos repercutiram nos degraus que interligavam o subsolo ao nível principal da casa. Os sons eram lentos, arrastados e denunciavam o cansaço extremo dos músculos outra vez humanos de uma Lauren Jauregui moribunda. Sem sua fisionomia licantropa e vestindo apenas um jeans velho e regata preta — anteriormente oferecidos pela mulher de sidecut — ela surgiu do corredor do porão e caminhou pelas penumbras dos cômodos da casa, estes abraçados pela brisa fresca da madrugada.

Veronica e Lucia haviam ficado para trás, organizando as correntes e vários outros objetos utilizados em sua transformação que, felizmente, ocorreu dentro do esperado. Ou seja, segura e sem assassinar dúzias de pessoas.

Seus pensamentos e memórias eram confusos e nostálgicos, o corpo com aspecto de gelatina não queria nada mais que uma cama para desabar e ordenar as lembranças vermelhas da sua metamorfose. Não estava acostumada com sua eterna sina, mas a desolação era maior que qualquer coisa. Esperava agora encontrar suas amigas na sala de estar, a aguardando sentadas no mesmo sofá no qual costumava se esforçar para vencer Christopher no Atari 2600, ou perto de onde ficava a árvore de Natal com seus desenhos de perus decorativos feitos na cartolina do Dia de Ação de Graças quando criança; ou até perto do visco onde deu um beijo de presente à Camila quando eram recém-namoradas.

Só queria um pouco de consolação e carinho.

Porém, o cenário que encontrou foi muito diferentediferente deste.

Sua boca se entreabriu com espanto, os olhos se arregalaram em surpresa e o coração deu um solavanco de tristeza ao estagnar na entrada do cômodo... e avistar seu pai extremamente pálido e deitado no sofá, tendo uma Allyson ajoelhada ao seu lado. A loira pressionava ambas as mãos no pescoço gordinho do homem, murmurando um encantamento que parecia quase uma canção que magicamente diminuía o fluxo de sangue e limpava coágulos das veias, além de estar fechando cortes superficiais no rosto masculino. Como se não bastasse, sua ex-namorada, que tanto amava, se encontrava sentada em uma das poltronas e recebia cuidados médicos de uma Dinah — com algodões no nariz inchado e sujo de sangue — concentrada suturando um corte no quadrante abdominal direito. A latina mordia um pedaço de pano para não gritar, mesmo com a aplicação de um antisséptico que gerava uma certa anestesia local.

Sangue nas paredes; diversos eletrodomésticos quebrados; vidros e móveis revirados; uma energia caótica no ar. Denúncias de desgraças que ocorreram ali durante a longa noite.

Acho que isso coroa tudo como o momento mais estranho de toda nossa vida. – Dinah comentou, distraída, com a voz meio anasalada devido aos algodões quando finalmente terminou o último ponto e arrebentou a linha passada na agulha que fechava o corte na barriga da latina. – Quero ir embora e nunca mais olhar na cara de vocês... sem ofensa.

A loira alta ficou de pé, analisando uma Camila meio sonolenta na poltrona, enquanto limpava as mãos em um pano úmido por álcool. Não havia sido um corte profundo, felizmente não perfurara nenhum órgão, mas definitivamente precisaria levar a melhor amiga em um hospital para receber anti-inflamatórios e antibióticos. Sorrindo tristonha, acima de tudo, Dinah girou e contemplou a namorada que estava atrás de si. Logo, sua expressão sumiu ao notar o rosto da negra marcado por ódio e rancor.

Bombonzinho?

Ela está aqui. – disse Normani, a voz seca e mecânica.

Pouco importava. No cansaço, no entorpecimento daquele fim de madrugada, nada parecia importar para a negra. Sentia-se como algo menos humano, — não que agora ela fosse uma humana, de qualquer forma, perdera esse direito por culpa da maldita Jauregui — mas, neste momento, seus instintos gritavam para a lobisomem Alfa que as encarava das penumbras da sala de estar.

A jovem licantropa arfou em surpresa e se encolheu na defensiva, paralisada no mesmo lugar, quando Normani com passos rápidos cruzou a sala de estar bagunçada e parou à sua frente com todos os sinais de intenso desagrado; acusando-a por ter iniciado aquilo.

Quantas vidas mais você precisará destruir até ficar satisfeita?! Olha só pra toda essa merda que você causou! – a caçadora de sua espécie rosnou com raiva, apontando o dedo indicador em seu rosto. – Você provavelmente deve estar se perguntando o que aconteceu, não é?! Deixe-me resumir: a porra de uma bruxa seguiu a gente do Texas até aqui e possuiu o seu pai graças a energia negativa que a sua transformação emite! – a negra umidificou os lábios enquanto analisava a expressão de pânico em Lauren. – Ela causou a chacina na Universidade pra você se transformar! Ela fez a festa acontecer lá pra você matar na primeira metamorfose! E ela voltou e quase matou a todas, por sua culpa! Allyson quase morreu para exorcizar o seu pai! Camila quase morreu porque fui enfeitiçada para enxergar você nela! Dinah quebrou até o nariz por despencar do teto!

Normani, pare... - a loira alta interferiu, mas logo foi interrompida.

Dinah e Allyson se entreolhavam com pena da tristeza expressa nos olhos marejados de uma Lauren em silêncio. Camila, na poltrona, mal conseguia manter as pálpebras levantadas, e queria falar algo para ajudar sua ex, mas não continha forças suficientes. Michael ainda se encontrava desacordado no sofá.

– Não a defenda, Hansen! – Normani contrapôs, descontrolada. – Ela precisa saber de tudo! Saber que estamos na merda por culpa dela! A porra do gene demoníaco dela! Não vê, Jauregui?! – ela voltou a encarar com puro ódio a jovem de íris verdes que continha lágrimas silenciosas escorrendo pelas bochechas sujas. – Quando aceitará que a sua presença só mais atrapalha do que ajuda?! Você não precisa fazer absolutamente nada para quase nos matar! Estava presa em correntes e ainda assim seu pai, sua ex, e suas amigas quase foram assassinadas! Essa energia negativa, essa sina desgraçada vai te seguir aonde for! Porque você é um demônio! Então nos faça um favor, antes que eu mesma a mate, e vá embora para a "Puta que o Pariu" junto com aquela outra lobisomem! Não há nada para vocês aqui!

A negra apontou em direção das penumbras e Lauren girou o rosto, avistando então uma Veronica e uma Lucia que havia presenciado a parte final da gritaria e agora se mantinham sem reação, após subirem às pressas. O silêncio que perdurou o cômodo apenas não foi absoluto devido à respiração ainda entrecortada de Normani. Lauren não respondeu e apenas olhou para as quatro mulheres e o homem desmaiado, seu corpo estava em uma espécie de transe mediante ao impacto das palavras. Sentia-se atordoada, sem reflexos.

A jovem fechara os olhos; o mundo parecia oscilar sob seus pés, a voz da caçadora estava em repetição em sua mente.

Você está ouvindo, demônio?!

– NORMANI! – Allyson também ralhou, sentindo o estômago revirar pela situação toda.

Ela ficará boa?! – Lauren apenas perguntou, com a própria voz distante. – Camz... vai ficar boa?

– Vai, mas definitivamente precisará ir para o hospital. – desta vez fora Dinah quem respondeu, acanhada.

Engolindo a bola de choro na garganta, Lauren passou a mão trêmula pelo rosto em uma tentativa inútil de abrandar o ataque de ansiedade e pânico que estava prestes a dominá-la. A sensação era de um trem de carga a atropelando.

– Pegue o carro do meu pai, se necessário. Levem ambos para o hospital agora! Eles precisam ficar bem! Peguem qualquer quantidade de dinheiro que precisem, a combinação do cofre é a data em que eu e Christopher nascemos. – ela disse entre soluços, buscando controlar o choro que vinha com uma intensidade assombrosa. – Peguem qualquer coisa, desde que eles fiquem bem, okay?! Sinto muito por tudo o que causei e se... e se vale de alguma coisa... eu não fiz nada intencionalmente! Se eu pudesse nem sequer ter existido, escolheria essa opção. – Lauren completou e então sentiu a pena dobrar nos cinco olhares das seis pessoas presentes. – Eu... eu vou para o meu quarto, não estou me sentindo bem. De novo... qualquer coisa que precisarem, é só pegar.

A mulher terminou a última frase já se virando com extrema rapidez, deslocando-se pelos degraus da escada até o segundo andar. Ao ouvirem o estrondo que denunciava a sua entrada em seu quarto, as seis mulheres se entreolharam sem saber ao certo o que fazer agora.

Normani, no entanto, percebeu o julgamento nas íris âmbar de Lucia Vives, que a encarava diretamente.

– O que foi, hein? – a caçadora rosnou, levemente incomodada e quase, quase, arrependida pelo que fizera.

– Ela nunca vai te perdoar. – a lobisomem Beta respondeu, de semblante fechado. – Essas palavras vão assombrá-la para sempre. E... o "para sempre" de um licantropo pode durar muito tempo.

***

Miami (1986) – Sábado, 20 de Setembro

14h:14 – Quarto de Lauren

Respingos da chuva que começara pela manhã, e perdurara durante a tarde, batiam contra a janela que possuía cortinas abertas para iluminar o quarto bagunçado da jovem Jauregui. O céu parecia despencar em raios e água gelada, comicamente semelhante à lamentosa situação da residência.

Deitada na cama da ex-namorada, Camila lentamente acordava de um sono profundo causado pelos remédios que recebera no hospital principal de Miami. Seus olhos se abriram, confusos pela luminosidade fria e mortiça do cômodo com gavetas abertas e reviradas. A cabeça latejava terrivelmente no ritmo das batidas de seu coração; o estômago pesado como chumbo a conduzia a se sentir como um dos estúpidos e cambaleantes zumbis dos filmes de George Romero.

A latina grunhiu em dor devido à sensibilidade e ardência na lateral direita do abdômen, o qual estava cuidadosamente protegido por gaze e fita. Na boca, uma secura total... como se a saliva tivesse sido sugada até a última gota. No entanto, a jovem atordoada não teve a oportunidade de se situar melhor, pois logo seus olhos castanhos cansados encontraram uma figura parada na porta do quarto.

* Music On * (My Love - Kisnou)

Não era quem seu pobre coração esperava ver.

Você precisa se apressar. – Dinah, deprimida e com marca de lágrimas nas bochechas, disse afobada. – Ela já está partindo... Quando chegamos do hospital... ela... ela já não estava mais aqui no quarto. E agora, ela está partindo!

Camila piscou devagar durante os segundos gastos por seu cérebro para processar o significado da fala de sua melhor amiga. E, quando compreendeu, sua expressão se transformou em puro temor.

Não... – respondeu em um fio fraco de voz rouca.

Embora quase sem fôlego e com os músculos latejando, Camila se levantou o mais rápido possível mediante à fraqueza e se encaminhou, aos tropeços, até o corredor em direção às escadas; o coração correndo em ziguezague no peito, a própria consciência fragmentada pelo estado debilitado. Mas nada, absolutamente nada, poderia ser pior que a hipótese de perder o amor da sua vida.

Passara por uma horrenda noite: vira seu ex-sogro possuído, recebera um golpe no abdômen, perdera sangue, presenciara um exorcismo e experimentara lembranças ácidas do dia do atentado.

Não sabia como estava de pé, e nem como continuaria uma vida normal depois dos ocorridos da madrugada...

Mas nem isso a atingiu tão cruelmente na alma, como cogitar e vivenciar tal hipótese de abandono.

Ao chegar nos últimos degraus, já de frente para a sala de estar — da residência de seu ex-sogro agora dormindo em um quarto —, a latina se deparou com uma Normani séria, uma Allyson triste e uma Veronica cabisbaixa... as três com as atenções fixadas nas duas figuras próximas da porta principal aberta. Era possível ver a chuva forte lá fora, tal como um raio que cortou o céu ao mesmo tempo em que um arrepio ácido percorreu seu corpo ao avistar Lucy segurando a maçaneta da madeira vitoriana enquanto uma Lauren, de costas, inclinava-se para pegar a alça de uma mochila cheia. A mulher que lhe jurou amor eterno vestia uma jaqueta preta, jeans escuros e coturno, com todos os indícios clássicos de que estava prestes a viajar.

Lauren?! – sua voz saiu quase inaudível.

Ainda de costas, Lauren não conseguiu controlar a mudança brutal de sua expressão ao reconhecer a voz e o cheiro... ah o cheiro... daquela mulher. Controlando as lágrimas, ela amaldiçoou o momento em que deixou Dinah subir os degraus correndo para acordar a melhor amiga, alegando que "seria uma traição" ir embora sem se despedir dela. Sentiu o coração errar a batida, em um grunhido sôfrego por fazer o que estava prestes a fazer.

Não tinha outra escolha. Era o melhor para todos.

Eu vou ir ligando a moto. – a lobisomem Beta anunciou com uma sobrancelha erguida, saindo pela porta e adentrando na chuva gelada em direção da Guzzi California parada rente à calçada.

Lauren fez um afirmativo com a cabeça e então, travando o maxilar e camuflando seu semblante, manteve a mochila na mão direita e girou o corpo com um controle emocional digno de Oscar.

E ao perceber nada mais que indiferença nas íris verdes-lima, Camila mordeu o lábio inferior para controlar o queixo trêmulo e o choro que escorria pelo rosto. A entorpecência era tóxica, densa e a puxava como uma areia movediça. Estava sendo abandonada. Friamente.

– Onde está indo? – perguntou, com uma tola esperança de que fosse um mal-entendido.

– Embora. – a outra respondeu, mecânica. – Vou embora com a Lucy.

O soco imaginário em seu estômago doeu mais que o trauma no quadrante abdominal. Através dos ouvidos zunindo, podia jurar ouvir o sangue vibrando e circulando dentro de si, abafando tudo ao seu redor... inclusive o som da chuva lá fora.

– Você... você prometeu. – a voz embargada de Camila soou quase como uma súplica. – Você... pediu que eu ficasse e não soltasse sua mão.

– Eu sei, mas não vai rolar. – Lauren torceu os lábios em descaso. – Não quero ter que passar pela dor que passei essa madrugada. Ir com a Lucy será melhor, abraçarei minha nova vida completamente. De tudo o que a Normani falou, algo concordo plenamente: "não há mais nada para mim aqui". É óbvio que amo você, mas... isso é a melhor coisa que poderia acontecer para nós! Não temos mais futuro juntas, é tolice pensar o contrário.

Lauren... - Camila tentou mais uma vez, fechando os olhos com força e os reabrindo em seguida para engolir a saliva excessiva na boca causada pelo estômago revirando violentamente. – Pare... eu não sei o que está fazendo, mas pare! Não fuja!

– Não estou fugindo. Estou apenas sendo completamente honesta. Não faça nada estúpido, tá bom? E eu tenho que ir logo, ela está esperando por mim.

"Ela está esperando por mim".

Ela se importa mais com o que Lucy está sentindo do que comigo, Camila pensou dentre o turbilhão de gritos que ecoavam em sua mente.

Girando de costas para a latina, Lauren direcionou o olhar para as outras mulheres do cômodo. Dinah, Allyson, Normani e Veronica a encaravam.

– A regra de pegar o que quiser está valendo. Ah, e façam a vida do Christopher um inferno por mim, ele precisa ser zoado algumas vezes por semana para continuar nos trilhos. – falou para a loira alta, para a baixa e para a negra. – E você, tente evitar que mais alguém morra, não falhe com eles como falhou comigo. – terminou dizendo para Veronica, que apenas a lançou um olhar de amargura.

E, mesmo sentindo uma tonelada de concreto nas pernas, Lauren deu alguns passos vacilantes em direção da porta principal aberta. Antes de passar totalmente pela mesma, ela parou e girou novamente para analisar Camila Cabello pela última vez. Seu coração se despedaçava e a dor era tão excruciante quanto àquela que era obrigada a sofrer durante sua metamorfose.

Tenha uma boa vida.

Sua voz saiu trêmula e, sem mais delongas, a mulher adentrou na chuva forte sem dar uma última olhada na casa que passou toda sua infância. Não sabia se voltaria ali, mas não queria entregar-se ao choro rasgante que ardia as íris verdes e queria explodir seu peito latejando.

É o melhor para todos, repetia para si mesma na medida em que passava uma perna pela garupa da motocicleta de Lucy, que já a tinha ligada. Acomodou a mochila nas costas e sabia que o peso insuportável não advinha dela, e sim da tristeza de abandonar momentaneamente uma vida que lutou tanto para construir: o amor da sua vida que também era sua melhor amiga, seu pai, seu grupo de amizades, e até o seu irmão gêmeo idiota. Não sabia de onde arrumara coragem para fazer e dizer o que dissera, mas conseguiu. Lidaria com seu emocional depois, lidaria com a saudade e processaria tudo... depois.

Normani tinha razão: apenas colocaria todas em perigo. E não tinha direitos de fazer tal coisa apenas por mero capricho.

Deixava para trás sua faculdade, seu passado e seu futuro.

Mas era o melhor para todos, reforçou mentalmente quando a Guzzi California entrou em movimento e a residência patronizada foi ficando para trás, em meio às gotas geladas e melancólicas da chuva.

Ir embora e abandoná-los... era o melhor para todos.

############

[Wolf] Feliz Halloween, galera! Esperavam por isso?! O que acharam?

Deixem seus comentários, ideias e teorias! Além de claro, uns mimos para as autoras famintas.

Até a próxima atualização, Duskers.

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