Histórias Para Gaivota Dormir

Від MarceloQuinaz

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Dez histórias de pessoas, interligadas ou não, unidas por um fato, a cidade em que vivem. Більше

0 - Oi
1 - O Piano
2 - Lembrança é um prato que se come à tarde
4 - Aquarela
5 - Correio Elegante do Século XXI
6 - N.J.L.
7 - Expectativa
8 - Promessas de ano novo
9 - Realidade
10 - Noite Feliz (ou nem tanto...)

3 - Crime sem castigo

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Від MarceloQuinaz

"E aí, já conseguiu?"

"Calma, estou colocando o código... Será que eles ainda usam o mesmo?", no escuro e silêncio da noite, ouviu-se apenas barulhos mecânicos de um teclado. "Sim. Meu Deus, que idiotas!"

Um barulho de porta abrindo, seguido de passos ecoou pela rua deserta. Os cinco entraram na mansão: Heitor, vinte e nove anos, cabelos pretos, olhos castanhos e pele negra clara. Desde os nove anos, teve de cuidar da família sozinho, por conta de uma acusação injusta feita contra seu pai. O homem foi assassinado na prisão após dois anos de pena. Já sua mãe morreu pouco depois, após uma longa batalha contra a depressão. O que ele buscava naquela noite? Justiça, juntamente de sua irmã, Letícia (vinte e três anos, cabelos e olhos castanhos e pele escura) que, a partir do momento em que teve consciência de tudo, decidiu ajudar o irmão com seu plano de vingança. Os dois arquitetaram durante dois anos o assassinato de Mário Junqueira, o antigo chefe de seu pai que o usou como laranja por anos, sem sequer consultá-lo. E que, quando a barra apertou, não abriu a carteira nem para pagar os advogados de seu pai.

Heitor tinha um plano em mente, mas precisava de algo mais concreto. E foi aí que Julian entrou na jogada. Um garoto jovem, vinte e cinco anos, de pele clara, num tom mais esbranquiçado, cabelos cor de cobre e olhos azuis. Durante toda a sua vida, ele foi elogiado por seu talento em matemática e experiência com vendas. Um empreendedor nato, todos diziam. Aos dezesseis, conseguiu um estágio na empresa de Junqueira. Logo nos primeiros meses, Mário deu-lhe, como recompensa pelo trabalho duro, um apartamento pequeno, para que ele morasse com sua mãe, já que tinha comentado com o chefe que morava numa cidade vizinha e o transporte era complicado. Após o fim do período de seu estágio (uma época terrível que envolveu exploração de funcionários, corrupção, sujeira e mais sujeira), Julian perdeu o apartamento, que estava no nome de Mário, e todos seus direitos como recém desempregado, já que, tecnicamente, ele não era registrado legalmente. Um movimento sujo de Mário, que se aproveitou do fato daquele ser o primeiro emprego de Julian. Desde então, o rapaz estava apenas esperando a oportunidade perfeita para se vingar.

Então chegamos à Eliane (vinte e oito anos, pele clara, cabelos castanhos e olhos cor de mel), ex-namorada de Julian. Ela estava tendo uma crise dos trinta anos, pela proximidade do tal. Sentia que precisava fazer algo grandioso, que suprimisse esse vazio. Basicamente, ela tinha passado a vida toda fazendo "a coisa certa" e queria fazer algo ruim, para variar. Ela era doida, obviamente.

Por fim, William (vinte e nove anos, pele cor de areia, cabelos roxos e olhos castanhos), o melhor amigo de Heitor. Ele tinha acompanhado todo o processo de sede por vingança que Heitor tinha desenvolvido ao longo dos anos e queria ajudar. Ele também tinha acesso fácil a armas de fogo.

Após bolarem o melhor plano que tinham consigo pensar, eles começaram a colocá-lo em prática. Letícia foi contratada como governanta da casa de Mário, sob o nome de Sarah. Sempre sendo a funcionária mais dedicada do local, a garota aprendeu sobre todos os truques, segredos e artimanhas da mansão, era como se ela mesma tivesse sido a dona da casa. Não havia escapatória para Mário Junqueira...

Já dentro da casa, Heitor começou a dar as ordens, em voz baixa:

"Eliane, você faz os turnos ao redor dos alarmes; Julian, checa os quartos dos primeiros andares, se encontrar alguém, aplica a injeção de sonífero, como combinamos. Toma aqui", ele entrega uma bolsa com três injeções para o garoto. "Will, você vai para o porão, destrancar o alçapão e ficar esperando a gente chegar lá. Tícia, entrega o chaveiro para ele", a garota tira um chaveiro com três chaves do bolso e entrega para William. "É a do meio. A mais dourada. Tícia..."

"Eu vou com você. Já sei"

Os cinco seguiram suas direções. Eliane ficaria no andar de baixo, rondando os quatro alarmes da casa: o das salas de estar e jantar, o da cozinha, o dos quartos e banheiros e o da área de serviço. Todos esses cômodos possuíam sensores que ativavam os alarmes assim que algum estranho passase. O reconhecimento facial e digital ajudava nisso. Claro que os alarmes eram ativados apenas à noite, para que os empregados pudessem passar pela casa livremente. Letícia sabia onde cada sensor estava e como desativá-los, mas, caso tivesse algum novo, quem teria que desativar manualmente seria Eliane. Falando neles, Letícia e Heitor seguiram para a sala de comando no quintal. Como sempre, o segurança estava dormindo. Heitor adentrou e, silenciosamente, aplicou o sonífero no homem. Assim, com o acesso dos comandos, os dois desativaram os sensores que conheciam e as câmeras. E só aí seguiram para os aposentos do sr. Junqueira.

Já Julian, explorava os quartos do primeiro e segundo andares, em busca de algum indivíduo indesejado. O quarto em que sr. Junqueira ficava era ainda um andar acima, os dos andares anteriores serviam para visitas e criados. Por fim, Will, que já tinha terminado sua parte nessa etapa do plano, corria rua abaixo para pegar a mini caminhonete de Heitor e levá-la até a saída do porão. Apesar de terem entrado pela frente, eles não queriam sair por lá. Sabe-se lá quanto tempo demorariam na casa, poderiam até amanhecer lá. Ou então, e se algum vizinho chegasse? Seria mais seguro sair pelos fundos. Eles teriam entrado também, se a rua não estivesse tão deserta naquela hora.

Enquanto caminhava de um lado para outro, com os ouvidos atentos a qualquer disparo, Eliane se indagava "como eu me meti nessa situação?". Ela começou a se recordar da primeira reunião com o grupo. Ela e Julian tinham terminado a pouco tempo, porém, decidiram continuar amigos. Há uns meses que a garota confessava a ele seu desejo de fazer algo grande, então, Julian viu como a oportunidade perfeita para ela. Sua sede de vingança estava tão grande na época que ele nem conseguia se conter. Juntando isso à crise de Eliane e algumas conversas que Heitor e Julian já tinham tido, a coisa estava feita. Durante uma noite de sábado, os irmãos apresentaram o plano para os outros, que, após o choque, se interessaram e se enturmaram mais. Agora, ela se perguntava se tinha feito a coisa certa, matar um homem? Aquilo não era um pouco demais? "Não!", ela pensou, "você já está aqui, agora vai até o fim!", e continuou suas rondas, prestando mais atenção ainda nos alarmes, ao mesmo tempo que listava todas as coisas ruins que Mário já tinha feito para os envolvidos.

Heitor e Letícia subiram para os aposentos "presidenciais" depois da aventura na sala de comandos.

"Será que a senha é a mesma?", Heitor perguntou.

"Mesmo se não for, eu sei onde eles guardam a chave reserva", Letícia respondeu. O clique seguinte indicava que a senha continuava a mesma.

Os dois adentraram o quarto, que era três vezes maior que a sala de sua casa, observou Heitor, odiosamente. Quando estavam quase chegando na cama, as mãos dos dois frias e suadas, o Walkie Talkie de Heitor apitou. Num sobressalto, o garoto sacou o aparelho e colocou no ouvido:

"Heitor, emergência, a esposa do seu Mário acabou de passar pela cozinha. Eu tinha terminado a busca e estava voltando para a sala, para ajudar a Li, quando ela passou. Me escondi o mais rápido que pude, mas ela parecia que estava subindo. Cuidado", a voz de Julian saiu no ouvido de Heitor. "Pensa rápido", Heitor falou em sua mente, "pensa, pensa, pensa, pensa!"

"Heitor?", Letícia sussurrou.

"Tícia, pega aqui a solução de arsênio que eu vou descer para a escada. A sra. Junqueira está vindo. Aparentemente ela desceu para a cozinha e está voltando", e tirou da bolsa um pote lacrado com um líquido de coloração prateada e textura grossa, juntamente de uma seringa. "Boa sorte", ele disse, e então saiu do quarto rápida e silenciosamente.

No momento que Letícia ia dar o passo em direção à cama de Mário, notou um sensor no topo do quarto, no meio dos livros que ficavam na estante. Ela não conhecia aquele sensor. Talvez ele estivesse desligado, pois ficava bem no meio da passagem do quarto. Logo em seguida ela se lembrou. Ao lado da cama tinha uma passagem para o andar de baixo. Provavelmente a sra. Junqueira tinha descido por ali. E ela também subiria por ali.

A garota se afastou para o canto, nas grandes estantes embutidas, que ocupavam as paredes inteiras. Sentou-se no chão, colocou sua máscara, encheu duas seringas com arsênio e pegou seu Walkie Talkie.

"Tor", ela sussurrou. "A velha desceu pela porta que tem aqui no quarto, por causa do sensor. Volta para cá. Agora. Põe sua máscara."

"Certo", Heitor respondeu.

Os dois entraram no quarto basicamente ao mesmo tempo, um de cada lado. A sra. Junqueira abriu a boca para dar um grito, ao mesmo tempo que Heitor apontou sua arma para ela e fez sinal de silêncio. A mulher pensou alguns segundos e, sentindo-se totalmente insegura, correu em direção a ele. Num ato imprudente, Letícia se jogou em cima dela, ativando o sensor.

Ao invés de sirenes comuns, o que ouviu-se foi uma voz robótica dizendo:

"Ligando para: um-nove-zero"

"MERDA!", Heitor disse.

"Delegacia de Gaivotas, boa noite, o que precisa?"

"AJUDA!", sra. Junqueira gritou, tentando se desvencilhar de Letícia, que tentava calá-la. "MULHER DO MÁRIO JUNQUEIRA!", Letícia lhe deu um tapa no rosto. "INVASORES! AJUDA!"

"Certo, sra. Junqueira, temos seus dados de endereço. Estamos enviando uma equipe agora mesmo!"

"RÁPID...", Letícia enfiou as duas seringas nela e aplicou o arsênio. A mulher ficou imóvel, imaginando o que teriam aplicado nela.

Amarrando-a com uma corda e tapando sua boca, Letícia deixou a senhora num canto e voltou para conversar com Heitor, que estava olhando fixamente para a cama, esperando alguma reação de Mário. Como ele não demonstrou estar acordando, voltou sua atenção para Letícia, que estava com uma expressão desesperada:

"E agora, Tor? O que a gente vai fazer? Meu Deus, meu Deus, meu Deus, meu Deus!"

"Tícia, SE ACALMA! Nós vamos dar um jeito", nesse momento, Eliane e Julian entraram no quarto:

"Nós ouvimos barulhos e, oh meu Deus, ela tá morta?", Julian se espantou.

"Ainda não", disse Letícia.

"O que houve?", Eliane perguntou.

"A velha voltou por outro caminho. Ela ligou para a polícia. Eles tão vindo..."

"Merda"

"Nós precisamos pensar em algo! Não podemos ser pegos assim, nem fizemos o que tínhamos planejado", Letícia disse, "Talvez se a gente fosse rápido, ou... tem uma passagem no sótão. É meio arriscado mas..."

"L-Letícia", Julian disse.

"É sério! Eu..."

"Não! Letícia, atrás de você!", Eliane exclamou. A garota se virou, Heitor também. Mário estava de pé ao lado da cama e olhando para eles.

"Quem são vocês? Por que estão no meu quart... Tereza!", ele reparou na esposa.

"Merda, merda, merda! Corre!"

Os quatro saíram correndo do quarto, com Mário atrás deles, gritando: "Voltem aqui seus filhos da puta! Covardes! Desgraçados!" e outros xingamentos. Os três chegaram na porta do escritório de Mário, que ficava no segundo andar. A porta estava trancada. Eles tinham subido por outro caminho. Letícia tentou seus códigos e eles deram errado. Aparentemente, o sr. Junqueira trocava a senha de seus aposentos profissionais mais que dos pessoais. "Negócios em primeiro lugar", Julian lembrou de seu lema. À medida que o homem se aproximava, os quatro começaram a se desesperar, até que Heitor apontou a arma para ele.

"Parado! Agora!"

"Que isso meu rapaz, c-calma aí! O que você quer, dinheiro?"

"Não quero nada que venha dessa mão suja sua!", Heitor gritou. "Agora abaixe essa bola e não se mexe, senão eu atiro!"

"Heitor, o plano não era esse!", Letícia disse.

"FODA-SE O PLANO, tá bom? É ele ou a gente. E eu prefiro que seja ele"

"Tudo bem, tudo bem, parei, não me mexo. E agora, você quer o quê?"

"Minha vingança! Pelo meu pai, Leonardo Matias"

"Quem?"

"O homem que você deixou ser incriminado no seu lugar!"

"É! E a minha vida, que você destruiu!", Julian saiu de trás de Heitor. "Eu tinha um futuro brilhante, todos me diziam, até você!"

"Quê? Olha, eu não conheço nenhum de vocês e, sinceramente, se puderem parar com esse joguinho e falar o que querem, eu agradeceria...", Mário disse, num tom sarcástico.

"Atira logo, Tor... ele nem sequer se lembra dos crimes que cometeu!", Letícia disse irritada e desapontada. Heitor segurou a arma com força e fez menção de atirar algumas vezes. A tensão no ar, todos calados. E então:

"Eu... eu... eu... não consigo", Heitor abaixou a arma.

"Certo, garoto. Voltou aos seus sensos, agora, dê-me a arma e eu deixo vocês sa...", o barulho do tiro ecoou pelo corredor.

"Letícia!", Eliane gritou.

"Nós não temos tempo. Já está tudo estragado mesmo"

"E agora?", Julian perguntou.

"Toma as chaves, no fundo da mesa, encostado na parede, tem uma pintura. Atrás é o cofre dele. Peguem o quiserem. Eu e o Tor vamos tirar o corpo dele daqui e limpar o chão", os dois entraram no escritório. Heitor apenas disse:

"Você matou ele..."

William estava sentado no banco do motorista da caminhonete com a porta aberta para o alçapão, ele estava brincando com o cadeado do alçapão na mão e pensando em como eles estavam demorando, se tudo corresse cem por cento, eles já deveriam ter saído há alguns bons minutos. Será que algo tinha dado errado? Será que todos estavam bem? Ele então decidiu checar. Desceu da caminhonete e foi em direção ao alçapão. Quase abrindo a porta, ele ouviu sirenes vindo de cima da rua.

"Meu Deus, meu Deus, meu Deus, meu Deus, meu Deus, MEU DEUS!", voltou para o carro, pegou o Walkie Talkie e chamou por Heitor. "Eu estou ouvindo sirenes, o que houve? Venham logo, meu Deus!"

"Estamos indo", Heitor respondeu e desligou o aparelho. Julian e Eliane estavam saindo do escritório com as mochilas cheias e Letícia tinha voltado do armário de vassouras, onde ela tinha guardado o esfregão que eles usaram para limpar o sangue do chão. Os dois tinham deitado Mário na cama, desamarrado a sra. Junqueira e colocado-a deitada também. Os dois já estavam mortos. Quando os quatro estavam descendo a escada para o primeiro andar, as sirenes começaram a tocar na porta.

"CORRE!", Julian gritou.

Eles saíram desembestados, escadaria abaixo, correndo como se estivessem numa maratona, como se suas vidas dependessem disso (e elas dependiam mesmo). Chegando na sala de jantar, o local onde ficava a entrada do porão, a porta da casa foi desabada e os policiais começaram a entrar gritando:

"PARADOS AÍ MESMO!"

"VAI, VAI, VAI!", Heitor gritou. Eles entram no porão onde, no canto direito, a portinha do alçapão ficava, com um William desesperado do outro lado, esperando. Os policiais os seguiram até lá e, quando chegaram na porta, Will abriu ao mesmo tempo que os policiais ordenaram:

"PAREM AGORA MESMO, OU ATIRAMOS!"

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