Não há nada mais chato do que estar na cama, irrequieta, sem dormir e sem companhia. O despertador ainda não tinha tocado e não conseguia estar mais na cama. Eram 5h30 e se eu fosse um aparelho eletrónico podia afirmar que estava com a carga total. Estava a amanhecer e a decisão de me levantar para fazer algo não tardou. Comi uma peça de fruta e reparei que o tempo estava ótimo para ir correr. Fui até à casa de banho e lavei a cara com água fria como sempre fazia desde pequena pois ajudava-me a despertar e ativar todos os meus sentidos. Preparei-me para a corrida e, com os fones e o casaco na mão, escrevi num post-it "Fui correr. Para a próxima fiquem menos tempo acordados e podem vir comigo. Também te adoro El!" e colei-o na porta do frigorífico. A Eleanor e o Thomas quando acordassem certamente iam à cozinha.
Ao sair de casa vesti o casaco corta-vento e comecei a correr sem destino ao certo. Fazia-o várias vezes, deixava-me ir, de música ligada a percorrer a cidade e a mudar a minha vida. Observava cada rosto, objetos ou paisagens e captava sempre algo novo, como se fosse a primeira vez que estivesse neste mundo cruel. Refletia e organizava o dia ou então relembrava-o e fazia uma lista das coisas boas e das coisas a melhorar.
O meu corpo encaminhou-se para uma rua com um ambiente mais pesado – como Eleanor gostava de chamar – uns sem-abrigos abrigos debaixo de cartões, uns toxicodependentes caídos à beira das seringas contaminadas, uns vigilantes de olhar fixo e desconfiado sobre mim. Várias eram as pessoas que diziam para não passar ali, que não devia, e eu questionava-as repetidamente se seriam aquelas pessoas inferiores a nós ou se eram os questionadores mais estúpidos que os habitantes das ruas frias. Argumentavam mediocremente e eu sorria em desaprovação.
De todas as vezes que visitei ambientes menos agradáveis apenas fui submetida a comentários sujos e ásperos. Nunca se aproximaram, talvez porque quem anda assim, destemido, é bem mais insano e perigoso que qualquer outro individuo.
As minhas pernas começaram a doer quando avistei o mar da calçada e alguns madrugadores, ou mesmo corredores, começaram a aparecer.
Avistei um rapaz moreno, como tantos outros pensei eu, a vir na minha direção. Sorri gentilmente – ou como incentivo, porque não é fácil fazer maratonas - e ele sorriu também. O meu olhar percorreu-o e o meu cérebro ordenou que sorrisse novamente. Ele era atraente e tinha um dos sorrisos mais bonitos que já vi. Olhei para trás e abrandei, ele fez o mesmo e assim a corrida matinal tornou-se num dos momentos clichês dos romances em que as duas personagens principais criam ligações sem sentido. Piscou-me o olhou e prosseguimos. Agora tinha direção, o apartamento onde morava, e ia acompanhada com a imagem do rapaz na minha mente. O seu sorriso era contagiante e verdadeiro, de quem está bem com a vida, o seu aspeto saudável e o cabelo rebelde.
Ao abrir a porta questionei-me acerca do porque de um rapaz daqueles estar a correr tão cedo. O corpo não se tonificava sozinho nem sem trabalho mas existem ginásios e com certeza que ele poderia frequentar um em vez de se sujeitar ao clima e ainda ter a oportunidade de conseguir uns bons engates.
- Bom dia! – Declarei ao ver o casal no sofá - Dormiram bem? Ou devo dizer, correu bem a vossa noite?
Desapertei o casaco e encaminhei-me até eles. Thomas, o jeitoso namorado da minha amiga, respondeu sem hesitar e a gargalhar.
- Bem como sempre!
- Devias de arranjar qualquer coisa para gastar energia – Eleanor expos a sua ideia após ver o meu sorriso vital.
- Achas que nós íamos perder uma noite de prazer só para ir correr? - O rapaz interrompeu a namorada que o fulminou com os olhos.
- Ah, esquece, tens o Bruce! – A jovem gargalhou ao terminar o seu raciocínio e eu limitei-me a revirar os olhos.
O Bruce não passa de um jovem com necessidades às quais eu posso dar uma ajuda. Não digo que seja um passatempo mas também não é nada mais do que um amigo com benefícios.
- Sabes o que eu acho, devias assentar, ele é bom rapaz. – Eleanor voltou a falar quando ia a sair.
Ele não é bom rapaz.
- Prefiro seguir o meu instinto. – Respondi, com um sorriso um pouco forçado e voltei a mover-me até ao quarto.
- Tu e o teu estúpido instinto! –ela praguejou e eu suspirei já longe do seu alcance.
Obrigada Eleanor por insultares umas das coisas boas que eu sei que tenho.
As horas passaram sem que desse por isso. Mason, o típico britânico pontual, já me esperava mal sentado e acompanhado de uma cerveja. Sorriu ao ver-me do lado de fora do café e chamou a empregada loira para me servir e ele poder comentar futuramente o quão boa ela era.
- Devias de ter melhor postura, isso não é nada sexy... - Foram as minhas primeiras palavras para o loiro mal sentado.
- Sem dúvida que as tuas saudações são as melhores.
Continuou a gargalhar levando as pessoas à nossa volta a observar-nos.
- As pessoas precisam de sorrir mais, já viste como nos olham?
- Nem toda a gente tem motivos para sorrir Jenny. Sabes que há...
O loiro começou com o seu discurso monótono acerca da lamentável sociedade e eu não escondi o meu desinteresse. Não é que isso não fosse importante, contudo, se nos limitarmos ao meu lado da vida nunca seremos verdadeiramente felizes e coisa que eu aprendi é que pensamentos positivos trazem coisas positivas.
Ao notar que analisava o moderno papel de parede, demasiado colorido, de braços cruzados ele suspirou e deu-me um toque no pé. Olhei-o, como ele pretendia, e sorri-lhe com um ar doce.
- Tenho uma prenda para ti. – Esticou uma pen preta para o meu lado da mesa. – A nova temporada de Anatomia de Grey e Mentes Criminosas.
Falou entediado e se eu não o conhecesse diria que é o inglês mais aborrecido desta cidade. No entanto, ao longo dos anos, descobri que ele é apenas um carismático loiro.
- És o maior, sabias? – Abracei-o em agradecimento e ele gargalhou com o meu ato.
- Elas sempre o disseram, mas, vindo de ti é muito mais fiável!
Mason tinha uma expressão maliciosa não deixando dúvidas para o duplo sentido da sua afirmação. Agradeci ao inabitual elogio e acariciei o pedaço de tecnologia. Um corpo delineado apareceu ao meu lado e pousou um café a minha frente e, depois de uma troca de sorrisos e olhares pouco profundos, encaminhou-se para trás do balcão. Revirei os olhos em desaprovação e levei a chávena branca aos lábios.
- Vais dizer que não é um bom partido? – Mason proferiu orgulhoso da sua escolha ao recostar-se.
Dei de ombros e lambi os lábios. O sabor amargo de café sem açúcar assolou-me novamente e eu sorri levemente. O loiro intercalava o olhar entre mim e a loira.
- Acho que devíamos mudar de café. – Expus calmamente. – Não tem boa música, o papel de parede é horrível e não é propriamente confortável.
Olhei-o, sabendo que ele detestava tanto este espaço quanto eu e apenas insistia em cá vir por causa da empregada loira de lábios vermelhos. Sorriu falsamente.
- Nem penses ir para um com um empregado jeitoso, não estou disposto a ouvir-te! – Barafustou coisas sem muito sentido e eu decidi interromper.
- E se tiver uma loira ainda melhor? Oh, esqueci-me, tu estás caidinho por esta!
Uma tosse aguda foi ouvida, a minha cabeça rodou nessa direção e um sorriso formou-se. Olá miúda que deixa o Mason ainda mais idiota! O loiro obrigou-se a sorrir embora estivesse constrangido e irritado com as minhas atitudes demasiado descontraídas. Ela pousou a conta na mesa, desta vez mais timidamente e afastou-se, mais uma vez, sem proferir uma palavra.
- Calada eras arte...- Comentou quase sem abrir a boca e manteve o olhar enfurecido sobre mim.
Copiava o número dele para o verso branco da conta enquanto palavras pouco elogiosas eram ditas acerca de mim. Peguei no dinheiro e deixei o loiro magoado nos seus pensamentos dramáticos.
- Jennifer! – A voz de Mason soou no café e um silêncio instalou-se instantaneamente. – Não faças isso.
Olhei para ele e sorri. Entreguei o papel à miúda com o meu melhor sorriso, paguei e voltei para a mesa. Devias ter sido mais gentil.
- Não sabes estar quieta pois não? – Ignorei a voz de Mason ao pegar nos meus pertences. – Nem imaginas a vontade de te matar...
Gargalhei.
- Tenho de ir. Vens? – Disse sem grande interesse.
Decidi não responder ao sensível rapaz e continuar com o meu sorriso e à vontade provocando uma maior irritação visivelmente engraçada.
- Isto não tem piada!
Voltei a rir e um suspiro de derrota foi ouvido.
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