O nome da sombra - Crônicas d...

Door FlaviaEduarda10

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Sombra já estava acostumada a ser apenas isso: uma sombra aos olhos da sociedade que a marginalizava há 9 ano... Meer

Reinado das sombras
Prisioneira de luxo
Cuidada e cheirando a rosas e lavanda
Mania do oráculo
Na escuridão
Mentiras
Calia
Entre uma coisa e outra
O castelo pela manhã
Cobras e outros animais
O treinamento
O belo mundo de porcelana
É necessário conhecer o oponente
Assassino
Limites
O último Galene
Apenas reparação
Pessoas e deuses
Espere o esperado
Confronto
Loucura da realeza
Ladra
Sombra
A entrada não é pela porta
Os dias 14
Curiosidade
Sobre um belo vestido vermelho
Os nuances sobre a verdade
Presente
Tudo que viera antes
O primeiro furto
O buraco
Contradição
O que faz uma resistência
Últimos preparativos
É apenas lógico
Propriedade (de ninguém) do reino
O que uma ladra faz? Ela rouba
Decisões entre cartas e camarões
Hayes Bechen
Roubando um pouco de volta
O sacolejo do barco
A linha tênue entre bom e mau
Fogo e gelo
Bayard
Incapaz de ter um segundo de paz
O que há depois do rio?
A ladra nem precisou roubar
A realeza de Drítan
Drítan não gosta de estrangeiros
Deveria?
Diplomacia e chá
A biblioteca
Confusão e incerteza são certezas
A área particular
Uma flor do deus Ignis
A reação para a ação é justiça
A calmaria antes da tempestade
Todo o ar do salão
De respirar a se afogar em um segundo
Teria que ser tudo
Automático
Deusa da (justiça) vingança
Um é a ruína do outro
O fardo do saber
A compreensão de como uma fênix funciona
Reinando das Sombras

Encontro inesperado

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Door FlaviaEduarda10

De repente, pareceu como se eu não havia ingerido uma gota de álcool sequer durante a noite inteira, sóbria como se tivesse mergulhado em um balde de água fria –o que, de certa forma, foi.

–Como disse?

Eira percebe como fiquei abalada, obviamente, mas não sabia em quantos graus.

–Não sei bem, foi algo muito recente. Acredito que havia uma investigação ou algo do tipo e identificaram ela como uma das informantes da resistência que trabalhava para o castelo.

Meu sangue ficou gelado sob a minha pele, senti a cor deixando meu rosto.

–Eira, se incomoda de me deixar sozinha agora? Eu consigo terminar de me arrumar, é que estou ainda chocada com isso. Preciso apenas de um tempo só para assimilar. –As palavras que eu dizia nem pareciam minhas. Eu ouvia minha voz, entendia o que era falado e, ainda, sentia como se fosse uma espectadora da cena.

–Não há problema algum, senhorita Sombra. Vou te dar espaço para digerir essa informação. Acredita que vai precisar de mim ainda hoje ou volto pela manhã para checar a senhorita? –Eira, um poço de compreensão, exprimia com a voz ferida também.

Não cheguei a pensar como ela poderia enxergar os fatos, como deve ter se sentido traída por alguém com quem trabalhava por tantos anos, como deve estar se sentindo levemente perdida, como se uma amiga a tivesse apunhalado pelas costas e compadeci.

–Você precisa descansar para absorver a surpresa também, não se preocupe comigo, ficarei bem.

Dirigindo-me uma reverência rígida e rápida, virara de costas e eu me encontrava sozinha, permitindo, finalmente, a ansiedade tomar controle.

Cordélia havia sido capturada.

Cordélia estava presa.

O que sabiam sobre ela? Que ela ajudava a resistência. Algo mais? Sabiam exatamente o que ela fazia? Não deve ser difícil fazer as conexões.

O que fariam com ela? Precisavam de respostas. A torturariam? Ela sucumbiria? Entregaria informações sobre a resistência?

Entregaria informações sobre mim?

Cordélia poderia morrer. (Poderia?)

Não só Cordélia encontrava-se em perigo e, sim, todos ao seu redor –inclusive eu.

Cerrei os punhos, sentindo minhas unhas fincando forte em minha pele na tentativa de me controlar, não é inteligente para uma ladra ficar afoita.

Em rápidos movimentos, tirei o restante dos adornos que usava e puxei minha roupa discreta sob a cama, mantendo-a escondida para que outras pessoas não encontrassem e a coloquei, o veneno que Nikolai havia me conseguido no bolso da calça e a corda fina, mas resistente, que requisitara à corte encontrava-se enrolada, de forma que ficasse pequena e nada pesada, dentro de um bolso no interior da minha capa preta ao lado de dentro, mesmo esconderijo onde um pequeno pano era mantido.

Esperei perto da minha janela a lua avançar conforme os sons iam gradualmente desaparecendo.

O castelo estava ocupando mais pessoas que o normal, pessoas essas que não sabiam da minha real identidade e que não poderiam saber.

E, se quisesse chegar até Cordélia, teria que ser por dentro dos corredores do palácio, abordagem ainda mais perigosa –não que antes já não fosse.

Pelos deuses, já deveria ter acostumado-me com isso.

Era alta madrugada e nada mais era ouvido além de cigarras e grilos do lado de fora, o vento bagunçando as folhas e animais deixando seu rastro pela grama. Nenhum som era humano –isso era algo positivo.

As festividades acabaram, o vinho secou e as pessoas embriagadas foram dormir.

Ao usar a chave da minha porta que Cordélia que me dera, percebi a ironia e talvez até acharia graça se não estivesse uma pilha de nervos.

Meus passos quebravam a inércia presa ao corredor pouco iluminado, leves como se eu realmente fosse um fantasma, como eu queria, como precisava ser.

Kai estava certo –se a Rainha coloca sobre mim o peso de roubar os registros sobre a mania do oráculo, então sou capaz.

Sou capaz de libertar minha dama particular. Capaz de usar as habilidades que a Rainha queria em seu poder contra ela. Por Cordélia. Por mim.

Ela era uma prisioneira, traidora do reino, não receberia as regalias que eu tive em meus primeiros dias aqui. Não, traidores não recebem banquetes em um quarto escondido em um corredor qualquer. Eles eram levados à prisão do castelo.

Então era até lá que eu precisava ir.

Era tarde e o conhecimento de que ela havia sido capturada não tinha muito tempo, então seu julgamento aconteceria apenas amanhã, supus, não acredito que iriam fazer muito com ela antes disso, tão tarde da noite.

Nada era ouvido além do sangue em meu próprio ouvido, as batidas controladas e compassadas do meu coração latejando até chegar à escada que levava até as celas.

No topo dos degraus, onde a luz vinda das tochas e das lanternas que ficavam lá embaixo não chegava, imersa e protegida pelo escuro, em uma distância ainda segura do que quer que poderia ter sob a escada. Dando uma espiada cautelosa, vi apenas dois guardas à frente da porta, uma mulher e um homem, um em cada lado, os dois com espadas em seus cintos, a jaqueta vermelha dando lugar a armaduras prateadas e ornamentadas.

Olhei para cima e enxerguei o que mais tinha nesse castelos nas partes em que as paredes eram construídas em pedras, caminhos onde eu poderia tentar subir e chegar até onde eles estavam de maneira despercebida, escalando –novamente, era arriscado, mas o que nessa missão maluca não era?

Deveria considerar essa opção como a última possível, viável apenas depois de reavaliar todas as outras possibilidades, já que a probabilidade de cair das pedras levemente sobressalentes era tão real quando a minha presença ali, talvez até mais

Havia também uma espécie de lampadário apagado preso ao teto, infinitamente mais simples que os lustres que o restante do castelo dispunha em certos cantos, como no salão de me encontrava apenas algumas horas atrás.

Não parecia uma Lady agora.

O lampadário parecia estar um tanto escurecido pelo tempo, talvez nem tivesse sido trocado depois do destronamento. Se não estivesse um tanto longe da minha visão e se não tivesse tão escuro, talvez poderia ver se estava enferrujado ou não. Era loucura demais considerar me apoiar sobre ele.

Sabia que, ao chegar logo acima da cabeça dos guardas, não teria problemas em desmaiá-los com o veneno que carregava, a questão era: como chegaria até lá sem me expor?

Como passaria pela escada despercebida –sem cair, de preferência?

Nesse instante, no ponto onde me encontrava, poderia ouvir algumas outras coisas além do que percebia em meu corpo, coisas como o levíssimo crepitar do fogo perto da porta das celas, o baixo som de ocasionais choques de metal com metal das mínimas movimentações dos guardas, talvez algumas palavras sussurradas entre os dois para que mantivessem-se acordados durante a noite e não mortos de tédio até escutar mais alguma coisa, um barulho vindo de outra direção, de mais acima da escada.

Algo como... passos.

Não tinha como subir, daria de cara com o que estivesse vindo. Não poderia descer, daria de cara com os guardas.

Não tinha para onde fugir, não tinha onde me esconder.

Precisaria agir de outra forma.

Subi alguns degraus para que o que eu fizesse não entrasse por acidente no campo de visão do guardas das celas de jeito nenhum e também para que, se algum barulho surgisse de perto de mim, eles não seriam capazes de detectar.

Colei meu corpo junto à primeira curva da escada, a gola da minha blusa deixando apenas meus olhos à mostra e o capuz da minha capa cobrindo o resto, uma imagem que camuflava-se às sombras do local a quem não prestasse muita atenção e esperei a pessoa se aproximar mais.

Quando a primeira forma da silhueta de quem descia surgiu, ataquei por trás, caindo ao chão intencionalmente junto à pessoa, ela sob mim e eu já com o veneno em uma mão e o pano na outra até perceber o rosto de quem havia derrubado.

–Kai? –Seu rosto estava pintado em surpresa, confusão e leve desespero.

–Sombra? –Ele retribuiu em meu volume, o que já dera uma sensação de conforto. Se ele quisesse que me capturassem de uma vez, não se daria o trabalho de sussurrar para mim.

Abaixei minha gola (não importava mais, ele sabia já quem eu era, só achei que ele se sentiria menos ameaçado podendo ver meu rosto, logo, menos disposto a entregar-me) e endireitei minha coluna, sentando sobre seu tronco, ainda impedindo-o de levantar, apenas inclinar a cabeça.

–O que está fazendo aqui? –Perguntei inquisitiva e acessível, não querendo que ele se desesperasse ou se sentisse sob perigo e acabasse nos entregando.

–O que você está fazendo aqui? –A calma injetada em suas veias e a expressão irredutível pairando sobre sua face me fez, finalmente, ver guarda Kai, o soldado Kai, não o meu amigo que ficava corado se me visse de camisola, mas ainda não consegui me sentir amedrontada quando ele começara a me estudar inteiramente, percebendo o que eu segurava, o que vestia... o que queria fazer, congelando seus olhos sobre mim. –Você veio soltar Cordélia.

Então, fora minha vez de observá-lo, as quase imperceptíveis chaves a mais em seu cinto, o caminho que tomava a essa hora da noite, sua motivação.

–E você também. –Nossos olhares se prenderam, os dois expostos, os dois com o mesmo objetivo.

Como ele poderia estar querendo libertar Cordélia? Eu sabia que ele tinha uma queda por ela, mas não acredito que seja forte o suficiente para que fosse contra tudo que acreditava, podendo ser considerado um traidor.

Ninguém esperava nada de mim, eu sou uma pessoa não confiável, mas ele...

Não era o mesmo peso para nós dois.

–Você está prendendo a circulação das minhas pernas, saia de cima de mim, por favor. –Percebendo ainda nossa posição, ensaiei mover-me até voltar meu olhar a ele e continuar imóvel.

–Como posso saber que não vai me entregar?

Suas sobrancelhas franziram como se não me entendesse.

–Não foi você que afirmou que estou aqui com a mesma finalidade que você? Por que te denunciaria?

–Você pode estar mentindo.

–Não, você é a mentirosa, eu só sou a pessoa com as pernas formigando. –Com cuidado, e eu não me opondo, Kai pegara-me pela cintura e me pusera ao lado de seu corpo.

–Percebe que, se realmente quer libertar Cordélia, você também será mentiroso, né? –Ele se punha de pé junto a mim, oferecendo-me a mão para levantar também.

–Não precisa apontar o óbvio, obrigada. –Depois de tirar o pó de sua roupa, sua jaqueta vermelha, levantou o olhar para mim com o cenho franzido. –Como saiu do quarto?

–Por que está ajudando a libertar uma prisioneira do reino sendo um guarda da coroa? Nós dois temos muitas perguntas, agora não é o momento para nenhuma delas. –Acredito não ter escolhido as palavras certas, apenas deixando-o mais inseguro, mais incerto. Sua luta era clara, estava estampada em seu rosto, como no primeiro dia que nos conhecemos, quando caí à sua frente e ele não era permitido tocar-me pela minha fama de mão leve, dividido entre ajudar-me e obedecer a coroa. Naquela época, antes de nos conhecermos, ele escolhera a Rainha. Hoje, ele escolhia ajudar Cordélia. Tínhamos isso em comum. –E aí, tem algum plano?

Kai olhara-me espantado, como se tivesse dito algo inesperado.

–Viera até aqui sem um plano? O que tem na cabeça? –Revirei os olhos em resposta, embora não sabia se ele enxergaria tal ação em tão escassa luz, levantando as duas mãos como se dissesse "não seja tolo, quase usei meu plano em você também antes de ver quem era".

–Claro que tenho um plano, –Comento já olhando às pedras que, até agora, pareciam minha única opção –mas o seu deve ser mais seguro.

Percebera que ele seguira meu olhar, acompanhando meu raciocínio de forma rápida –não era à toa que ele era um dos melhores guardas.

–O meu plano é bom, mas não creio que seja mais seguro... nem que você vá gostar.

____________

De fato, não gostara –terminara sobre as pedras de todo jeito.

Não ousava respirar, mãos e pés segurando-se ao que podia. Sou boa escalando coisas, me pendurando em outras pela forma de como tivera que crescer, se não tivesse aprendido tais habilidades, talvez nem viva estaria ainda e, nesse momento, toda a minha prática precisou mostrar-se útil enquanto escutava Kai falar com os guardas das celas depois de aproximar-se.

"Eris, Rowan, finalmente os encontrei! Esbarrei com um mensageiro que procurava vocês dois, ele dizia que Jasira precisava conversar com vocês urgentemente, é melhor irem." Um silêncio se seguiu e suor frio começou a percorrer minha espinha, meus músculos congelados, ignorando a fadiga que me alcançava pelo esforço, a pontada em minhas costelas que ainda não havia me recuperado inteiramente, o roxo grande e feito sobre a minha barriga dobrada em uma posição estranha agora.

"Recebemos ordens para não sair daqui." Uma voz desconhecida quebrara o silêncio, masculina e grave.

"Sim, ordens da Mestre de Guerra, agora estão recebendo outra regra dela para ir encontrá-la. Se não quiserem obedecê-la, eu posso apenas avisá-la..." Kai fora interrompido no meio de sua frase, o que apontava que o peso psicológico que colocava sobre os guardas estaria funcionando.

"O problema é que precisa ter alguém tomando conta das celas, não podemos apenas deixar a prisioneira sem supervisão." Dessa vez fora uma voz feminina e firme que escutou-se, mediando suas razões.

"Ah, não seja por isso, eu fico aqui em seu lugar. Os deuses sabem que eu não quero ser a pessoa a desagradar Jasira." Mais um breve silêncio estabeleceu-se, parecendo que suas respirações levariam eternidades, sem poder enxergar o que acontecia, meu corpo reclamando comigo em todos os jeitos possíveis, cada batida do coração passada sem que alguém falasse algo me torturasse, o medo de cair dali se intensificando enquanto eu enfraquecia.

"Mas você ficaria sozinho?" O homem interviu incerto.

"Ah, não é novidade que sou melhor que vocês juntos, não será problema algum. Afinal, vocês estão cuidando para que uma dama particular não escape, certo?" De início, achava que ele estava esperando uma resposta até perceber que ele estava rindo. "Bem, com isso eu não terei problema. O que ela poderia fazer contra mim?" Era algo engraçado Kai tentar convencer outras pessoas de que ele não teria empecilhos em tomar conta de Cordélia, não soava como ele. Pela terceira vez, ninguém falava, controlando minhas dores em uma careta.

Desgraçados indecisos, apenas saiam logo.

"Acho que não terá muito problema, você é um dos melhores guardas. Obrigada, Kai, te devemos uma." Quase suspirei alto ao notar o barulho das armaduras se mexendo, caminhando em direção à escada, logo os vendo passar por debaixo de mim.

"Estou ansioso para cobrar essa de vocês." Kai terminara animado e bem humorado enquanto os dois subiam os degraus e levemente desapareciam na escuridão.

Minha vontade era de saltar ao exato instante que eles saíram, mas sabia que precisava esperar um tempo por precaução até me permitir ir ao chão.

Quando qualquer resquício de barulho dos guardas desapareceu, saltei das pedras, respirando fundo e entredentes enquanto o impacto da queda gerou uma pontada de dor em minhas costelas.

Você não é invencível, Sombra, não se esqueça disso. Saiba respeitar seus limites.

Respeitar limites nunca fora meu forte, infelizmente.

Suspirei para manter o desconforto contido e relaxar os outros músculos tensos, aproximando-me lentamente de Kai, que me observava cauteloso.

–Está bem? –Ele cobrira a distância entre nós, o braço já levantado para me ajudar, o que eu afastei com minha mão, dispensando o auxílio.

–Estou melhor que você. –Tentei acalmá-lo trazendo um pouco de humor para quebrar a seriedade com um sorriso maroto de canto de boca, que o fizera sentir mais confortável, mesmo que não inteiramente relaxando, a tensão e preocupação ainda pesando em seus olhos. –Vamos logo com isso, precisamos tirar Cordélia daqui antes que percebam que Jasira não precisa deles.

Kai assentira sério mais uma vez, a chave que passara das mãos dos guardas a ele abrindo a porta, não aquelas que ele tinha em seu cinto.

–Eu fico aqui cuidando para o caso de alguém chegar. –Kai argumentara segurando meu braço carinhosamente e deslizando a chave mestre que dava para todas as celas em minha mão, de maneira inteligente para nos proteger e continuando em posição de guarda.

Adentrando à prisão, não havia um pingo de luz que não fosse da parca luminosidade do céu da noite passando pelas estreitas, tomei em meus dedos uma lanterna das que estava pendurada na parede do lado de fora com uma chama singela brilhando por dentro para poder enxergar o que as celas mantinham.

–Cordélia? –Minha voz ecoou pelo espaço (quase) vazio, mesmo que meu tom tivesse sido pouco mais alto que um sussurro, então percebi uma movimentação na última cela da fileira mais à esquerda.

–Sombra? –Sua voz delicada e quebradiça ecoou em um sussurro falhado em resposta, vendo sua fina e comprida silhueta levantando-se do chão e indo até as barras de ferro, a parte da frente de sua cela.

Corri até lá, ignorando os protestos do meu corpo, e abri sua cela e ela tomara-me em seus braços em um abraço apertado antes sequer que as barras saíssem completamente de seu caminho, batendo-as em seu ombro.

Pela, talvez, primeira vez, seu cabelo não estava preso, terminando o comprimento em seu ombro, nada de coques rígidos, nada de cachos organizados escapando do penteado.

Ela estava uma bagunça –ou o máximo de bagunça que Cordélia poderia ficar.

Observava com mais afinco seu corpo, o que poderia ter acontecido com ela e a luz tremeluzente da lanterna que segurava denunciou um hematoma grande e feio surgindo ainda entre vermelho e verde, subindo entre o canto esquerdo de seu maxilar, como se tivesse sido derrubada com um soco bem naquele lugar.

Delicadamente, como ela fizera tantas vezes comigo, levei a ponta dos meus dedos até sua pele, quente sob o machucado e a tracei, acariciando-a, Cordélia logo colocando a mão sobre a minha, os olhos grandes e brilhantes sobre os meus.

–Estou bem. Apesar disso, estou bem. –Cordélia com lágrimas apontando nos cantos de seus olhos âmbar, abrira um sorriso para mim. –Eu sabia que você viria.

Queria abraçá-la mais uma vez, comovida pela fé que tinha em mim, mas tinha plena ciência de que não poderíamos demorar mais, então peguei-a pela mão e fui puxando-a até a porta.

Ao ver Kai, Cordélia fincara seus pés no chão mesmo quando eu continuara, ficando para trás.

–Cordélia, venha, ele está ajudando. –Ao escutar algo que se referia a ele, Kai virou para ver o que acontecia do lado de dentro e foi surpreendido com Cordélia pulando em seus ombros com um abraço, os olhos de Kai completamente surpreendidos, porém aproveitando a situação.

Tínhamos que nos apressar, mas não queria estragar o momento para nenhum dos dois.

Principalmente quando Cordélia afastara lentamente seu rosto enterrado do pescoço de Kai, olhara-o em seus olhos de forma como nunca havia feito antes e, puxando-o pela gola, o beijou.

Sabia que era um momento mais íntimo e que, possivelmente, não gostariam de plateia, mas simplesmente não conseguia afastar meu foco deles, sorrindo de orelha a orelha, por um momento, esquecendo a gravidade da situação em que nos encontrávamos e apenas sendo feliz por eles.

Não poderia existir pessoa melhor para Cordélia do que Kai e Kai era exatamente quem Cordélia merecia –estava quase batendo palmas.

O beijo, assim como a personalidade dos dois, começara singelo, carinhoso, tenro, até Cordélia passar uma de suas mãos que encontrava-se no pescoço de Kai ao cabelo dele e Kai, em reação, puxá-la para mais perto pela cintura. Por fim, em um tempo mais curto de que sei que os dois gostariam, afastaram-se, olhos presos um ao outro, eu apenas uma espectadora.

–Você precisa ir logo. –Kai soltara com um tom levemente triste enquanto tirava um cacho da franja de Cordélia que caía sobre os olhos.

Sem falar nada, concordara assentindo com a cabeça, os lábios entreabertos.

Escorregou os dedos de seu braço até a mão de minha dama particular e caminhara até mim, pouco mais distante no corredor.

Eu sabia que havia mais em sua mente quando pegava, finalmente, algumas chaves presas ao seu cinto e as entregava a mim.

–Vão pelos estábulos, é a melhor maneira de escapar do castelo, nesse horário não deve ter nenhum empregado do castelo por lá, no máximo terão guardas em rondas, mas é relativamente fácil evitá-los saindo do castelo, entrar que é difícil. –Agradeci silenciosamente a Kai, já que, em meu plano, teria que fazer Cordélia subir árvores de vestido e pular um muro, contudo, meu pensamento fora interrompido pela forma que Kai desviara seu olhar ao meu. –Sombra, preciso que me dê um soco no rosto.

Tudo estava indo mais rápido que meu cérebro poderia acompanhar, em um momento eles estavam e se beijando e, no outro, Kai me pedia por um soco olho, então apenas inclinei a cabeça levemente ao lado e pisquei.

–Por que quer um soco no rosto? –Exasperado, Kai começou a falar gesticulando as mãos para dar ênfase em sua pressa.

–Para que minha desculpa de ter sido nocauteado pela resistência seja coerente. Não teria como ser nocauteado sem um ferimento sequer e eu não vou conseguir fazê-lo sozinho. –Ele tinha razão, claro, mas continuava encarando-o incrédula.

–Eu não vou socá-lo, desculpa, eu não consigo. Cordélia? –Virei-me para a jovem atrás de mim, retribuindo-me com um olhar que dizia "você quer que eu bata no rapaz que eu acabei de beijar?".

–Você tem que fazer isso, Sombra. Você tem que fazer isso.

Suspirei, o meu coração acelerando com a urgência em sua voz e com o tempo encurtando-se para nós. Não estávamos demorando muito, mas sabíamos quanto tempo mais tínhamos até os outros guardas voltarem.

Cerrei os punhos, sentindo as unhas contra minha pele outra vez enquanto tentava pensar em uma maneira melhor, não confiando em mim mesma para, deliberadamente, desferir um soco no rosto de Kai até que alguns objetos em meus bolsos pesaram.

–Não precisará de machucados para deixar sua desculpa crível. Deite-se ao chão e se finja de desmaiado e que não se lembra dos acontecimentos mais recentes. São efeitos de um veneno chamado Naone desmaio e esquecimento de eventos pouco tempo antes de ingerido. Ninguém poderia te encher com questionários se você, simplesmente, não se lembrar. –Um sorriso gradualmente fora aparecendo na face de Kai, brilhando em admiração e orgulho. Aquela era a expressão de fã da Sombra que eu vira pela primeira vez quando ele me escoltara até a antiga estalagem onde estava ficando antes de vir ao castelo.

–Você é brilhante! –Em uma atitude surpreendente, Kai segurara meu rosto e beijara minha bochecha. Definitivamente, não estava esperando isso.

Antes de realmente obedecer-me e fingir desmaio, ficou à frente de Cordélia mais uma vez, segurando seu rosto em concha, as mãos dela sobre as dele, e depositou um beijo em sua testa, um beijo de carinho, de "boa sorte", de... paixão, talvez.

Afastando-se, por fim, virou-se a mim e disse em uma vez séria, inquisidora.

–Vão em segura.

Cordélia estava imóvel até que eu a puxasse e fomos em direção aos estábulos como Kai instruíra.

Minha dama particular, por sorte, entendia mais sobre montar a cavalo do que eu, logo, ajudou-me a subir e tomara controle das rédeas.

Então percebi que não teríamos para onde ir. Não poderia ir até sua família, seriam os primeiros lugares onde ela seria procurada, principalmente se fosse junto à Thalia e Enver, familiares que também trabalhavam para a resistência, trazendo alvos para as costas de novas pessoas, pessoas essas que agora eram pais.

Minha mente, por final, fora apenas em um lugar, por menos convencional que fosse, era quem poderia dar mais estabilidade à Cordélia.

–Vire a esquerda. –Comentei à jovem, que guiava o cavalo, para que seguisse o caminho que tinha em mente.

____________

Batia em sua porta firme e veementemente, tentando não fazer uma cena digna de atenção na rua, torcendo, em meu coração, para que a dona da casa atendesse.

E, como se lesse meus pensamentos, Elowen aparecera à minha frente de pijama, olhos inchados de um sono interrompido e absorvendo com lentidão a confusão que encarava.

–Olá, Sombra. Bom noite, Cordélia. O que vocês estão fazendo na minha porta nesse horário? –Elowen era educada, claro, mas não fazia questão de esconder o tom que exprimia "vocês enlouqueceram?" enquanto esfregava o rosto.

–Precisa abrigar Cordélia. Pelo menos por um tempo. –Soltei em um fôlego apenas, fazendo-a despertar quase imediatamente com minha voz firme e levemente desesperada, percebendo, então, que para estarmos batendo em sua casa nesse horário da noite, algo precisava estar errado.

–O que houve? –Elowen intercalava os olhares entre nós duas buscando respostas que nossas expressões não davam.

–Cordélia lhe explicará tudo, mas agora preciso ir. –Imitando a ação de Kai, em busca da proteção de Cordélia, dei-lhe um beijo em sua testa. –Cuide-se. –Sussurrei antes de dar as costas, pegar as rédeas e ir caminhando em direção ao castelo mais um vez.

Sorte.

Era apenas disso que eu precisava, mais um golpe de sorte.

Sorte, que estava escassa.


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