Over The Dusk

By control5h

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Décadas. Maldições. Linhagens. Amores proibidos. Luxúria. O ano inicial para elas foi 1986. Camila Cabello e... More

Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22

Capítulo 14

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By control5h


Olá, pessoal! Hoje não é domingo, mas tem atualização!

[Vamps]: Como vai o coração de vocês? Espero que bem porque olha, não tá fácil... Se vocês infartaram com o capítulo anterior, SE SEGUREM NAS CADEIRAS, pois este está tão tenso, sangrento e caótico quanto o outro! Agradecemos imensamente pelo apoio de vocês! Aos poucos a fic está crescendo e estamos muito felizes por isso! Continuem comentando bastante e votando! :)

[Wolf] Um dos momentos mais esperados finalmente chegou! Está incrível! Porém, novamente, gostaria de alertar GATILHOS pesadíssimos de cenas de MUITA mutilação e violência explícitas.

Músicas do capítulo se encontram na playlist "Over The Dusk Oficial" no Spotify. Lembrem: 2x significa a repetição da música.

Peguem um bom fone, apaguem as luzes do quarto, preparem a cola para o queixo caído e boa leitura!

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Noite de Lua Cheia

* Music On * (Sciophobia – Jo Wandrini)

Algo inumano chegou a Miami tão sorrateiro quanto a Lua Cheia no alto do céu noturno. É o lobisomem e não há nenhuma razão a mais para sua chegada do que haveria para o surgimento de um câncer ou de um psicótico com crimes em mente. Seu tempo é agora, seu lugar é aqui, nesta grande cidade da Flórida onde o turismo é um dos maiores lucros e novas construções de prédios, shoppings e clubes são religiosamente noticiadas no jornal semanal. Na próxima semana... haverá notícias de uma variedade mais tenebrosa.

Lá fora sua presença começa a ser notada; os rastros de sangue e morte são a sua marca... e o gemido do vento tem algo de selvagem e prazeroso. Não há nada de Deus ou Luz naquele som desalmado — é tudo pertencente ao outono sombrio.

O ciclo do lobisomem começou.


O som gutural saía da garganta da fera faminta, a qual ainda rasgava e se alimentava das entranhas pertencentes ao que um dia foi Keana Issartel. A francesa já morta, com os olhos congelados para o nada, possuía um enorme buraco na barriga de onde jaziam alguns dos restantes e quentes sacos de intestinos e tripas que caíam ao chão. O sangue fresco escorria por entre as patas e sumiam na pelagem negra dos braços da criatura manchada por vermelho até os cotovelos; o líquido viscoso parecia quase escuro sob o oscilante clarão da lua que rodeavam as paredes de concreto através das frestas nas janelas.

Soltando um grunhido raivoso, a lobisomem abriu o peito desprotegido abaixo de si com ambas as patas e pouco esforço. Arrancou a pele na medida em que puxava os tecidos epiteliais em direções opostas. Abriu a caixa torácica ao meio, respingando sangue para todos os lados e criando uma enorme fenda para expor as costelas estreitas e brancas. Bufando em antecipação, enfiou a pata entre elas e arrancou o coração de Keana, não hesitando em levar o órgão à boca e mergulhar os dentes afiados na carne macia e fibrosa. O fluido quente encheu-lhe a boca e escorreu-lhe pelo queixo; o sabor vibrou em sua garganta em prazer absoluto. Cada vez mais, os dentes afiados dilaceravam o músculo suculento, saboreando-o até que não restasse mais nada.

Ainda sentindo fome, ela vasculhou a carcaça de Keana atrás do fígado, rins e de outros órgãos vitais.

E então vozes entraram no seu campo de audição, fazendo a lobisomem erguer uma de suas longas orelhas para captar melhor.

***

Corredor Próximo - Universidade de Miami

Não muito longe dali, mas perto demais da porta da quadra para escutarem os gritos de socorro da francesa, Ansel e Jennifer completamente bêbados se beijavam e tinham seus gemidos abafados pelo alto rock'n roll por todo aquele espaço de tempo. Agora, depois de muitos amassos pelos corredores e mãos bobas, o estudante de Arquitetura continha os olhos fechados, as calças abaixadas na altura dos joelhos e as mãos segurando os cabelos da jovem enquanto a mesma envolvia seu pênis ereto com a boca em um vai e vem constante.

O barulho de sucção excitava ambos, o tesão os consumia; os testículos do homem vibravam indicando o orgasmo próximo; a língua da mulher espalhava saliva no membro mediano para torná-lo mais deslizável em sua garganta.

Ansel, com veias saltadas no pescoço e gemidos audíveis, começou a penetrar com mais força a boca de Jennifer que não parava o que fazia e grunhia em busca de oxigênio. Ele estava prestes a gozar quando, subitamente, sons estranhos no final do corredor em que se encontravam o chamou a atenção. Jennifer não parou o oral, mas Ansel possuía o cenho franzido e o prazer se esvaindo a cada segundo que permanecia encarando a escuridão agourenta, sentindo um arrepio que não era agradável em sua espinha.

Tudo piorou quando o homem jurou escutar um rosnado baixo e uma respiração descompassada vinda daquela direção.

Jennifer... pare. – gaguejou, tendo seu semblante se transformando.

Não sabia se era efeito das drogas, ou do álcool, ou da mistura dos dois, mas ele tinha quase certeza de que havia um par de íris verdes-lima cintilantes, quase neon, o encarando em meio ao breu do final do corredor.

A mulher grunhiu, com o pênis na boca, e o retirou lentamente enquanto ainda lambia a glande rosa.

– O que foi, querido, não está gostando?! – perguntou, sedutora.

Ansel, agora apavorado ao ver que o ser estranho não parava de encará-lo, quase que imediatamente empurrou Jennifer para o lado e começou a erguer às pressas sua calça. A jovem resmungou ao cair sentada, bêbada demais para se equilibrar direito.

– Levanta, levanta agora! Levanta! Tem um animal aqui! – o estudante de Arquitetura ajeitou o pênis já flácido dentro da cueca e fechou o zíper antes de abaixar-se e praticamente levantar Jennifer pelos ombros, à força. – Levanta e corre, porra!

– Tem um o quê?! – ela arfou em confusão enquanto arrumava os cabelos desgrenhados e era arrastada pelo homem.

Ansel então perdeu a paciência e quase cogitou deixá-la para trás, mas então decidiu parar e apontar para o final do corredor penumbroso.

Jennifer, tem a porra de um lobo aqui!

A jovem então, finalmente, firmou a vista embaçada pelas substâncias químicas que ingeriu e conseguiu focalizar nos dois pares de íris verdes-lima que mantinha-se à espreita, os caçando como uma boa predadora faz ao analisar suas próximas vítimas. Ela sentiu o coração sacolejar dentro do peito, os pulmões murcharem e as pernas bambearem pelo choque que arrepiou seu corpo.

Corre! Agora! – ela gritou exasperada.

Ouvindo galope do animal começando a persegui-los, os dois agoniados não perderam mais tempo e se colocaram a correr pelo restante dos metros que os separava da porta de metal da quadra da atlética. Eles se chocaram contra ela e adentraram estabanados no local, consequentemente trombando com força contra dois corpos que estavam próximos da saída.

– Caralho, Ansel, o que foi?! – Christopher exclamou, precisando ser rápido para equilibrar o copo de cerveja que quase derramou.

O estudante ofegante, no entanto, ignorou o melhor amigo e se virou às pressas para fechar as portas de metal e girar a chave de Tatcher que continuava na fechadura.

– Parece que viu um fantasma, porra! – Noah completou, resmungando por causa do beck de maconha que deixou cair no chão no impacto. – Olha o que fez! Por que, caralhos, está nos trancando aqui?!

– Tem um bicho lá fora! – Jennifer, que havia sido ignorada até aquele instante, falou em meio aos soluços do choro que a consumiam. – Tem um bicho lá!

– Que bicho, minha filha?! Se assustou com um morcego, foi?! – Christopher deu uma risadinha bêbada e tomou mais de sua cerveja.

Ao ver que não estava sendo levado a sério, Ansel surtou por causa do medo e instinto de sobrevivência.

TEM UM LOBO GIGANTE DO LADO DE FORA! – ele vociferou.

Os sorrisos de Noah e Christopher praticamente morreram na medida em que a confusão era visível em seus rostos agora sérios.

Tem um o qu...

O questionamento retórico do Jauregui foi interrompido quando um uivo intenso e potente revigorou pelo bloco de Jornalismo inteiro, fazendo, inclusive, com que todos presentes na festa se assustassem com o barulho ameaçador e alto o suficiente para sobrepor a música. No entanto, mal tiveram tempo para questioná-lo porque, logo em seguida, um estrondo contra a porta de metal também reverberou, indicando que algo grande e feroz se chocava contra ela e desejava adentrar no local.

Os gritos de Jennifer, vociferando "UM LOBO ESTÁ TENTANDO ENTRAR AQUI!", associados ao pânico amplificado pelas drogas e álcool fizeram um pequeno caos se alastrar por entre os jovens alterados.

– Você o trouxe pra cá, idiota! – Noah rosnou, puxando Ansel pelo colarinho, chacolhando-o com ódio. – Quem sabe eu possa alimentá-lo com a sua carcaça!

O loiro mais velho e mais astuto olhou ao redor, desesperado, procurando por alguma coisa para reforçar a porta. No canto da quadra, entre as ferramentas que o faxineiro utilizava em seus momentos de "faz-tudo", havia um pé de cabra encostado à parede que anteriormente haviam usado para abrir a passagem para a festa. Noah, ao avistá-lo, se apressou em apanhá-lo, jogando o estudante de Arquitetura que estava em seu caminho bruscamente para o lado e correndo até a saída/entrada que tremia com o impacto do animal contra o material resistente.

O homem conseguiu enfiar a ferramenta entre as maçanetas segundos antes da trava se romper, e, grunhindo de pavor, deu um pulo para trás ao se assustar com a fera forçando as portas para entrar ali.

Seria apenas uma questão de minutos. Ou menos.

***

Estacionamento da Universidade de Miami

– Eu ainda estou me questionando o que caralhos estamos fazendo aqui. – Dinah resmungou no minuto que saiu do conversível de sua namorada. – Já não basta eu passar o dia inteiro nessa merda, ainda tenho que vir de noite.

Allyson chegou a dar uma risadinha meio nervosa com a brincadeira da amiga, mas ela, assim como Normani e Camila, também estava desconfortável em voltar àquela localidade agora banhada por penumbras e uma energia negativa indescritível. Os coqueiros pareciam sem vida, os prédios fantasmagóricos, os corredores sinistros. A loira menor abraçou os próprios ombros em uma tentativa de produzir calor corporal, visto que, subitamente, uma brisa fria chocou contra o seu corpo e fez uma sensação ruim revirar seu estômago. Quase como um dos avisos que viviam lhe perseguindo.

Normani, ao sair do lado do motorista, rapidamente deu a volta no carro vermelho e abraçou Camila pelos ombros, mantendo-a segura perto de si e longe da pessoa que poderiam encontrar a qualquer momento.

– Ainda tem certeza do que quer fazer? – a negra perguntou à latina que arrumava os óculos de grau no rosto e se acomodava melhor na blusa de frio.

– Sim. Como eu disse, preciso que ela fale tudo na minha cara. Aí sim terei certeza que fiz tudo o que pude. – Camila engoliu seco, trazendo coragem para dentro de si.

Normani, Dinah e Allyson se entreolharam brevemente e deram de ombros, cientes de que nada poderiam fazer para mudar a cabeça da amiga apaixonada. As quatro então se colocaram a andar pelas calçadas do estacionamento, agrupadas, a fim de se protegerem de sabe-se lá o quê que poderia surgir das esquinas e sombras do enorme campus à espera.

Ao se aproximarem da entrada que separava o estacionamento do perímetro oficial do campus, elas quase tiveram um pequeno infarto ao avistarem um vulto humano sentado em uma cadeira de plástico. Um homem que não conheciam, mas que usava uma camiseta "Ar que tetuda" remetendo a Arquitetura com o desenho de uma mulher de lingerie, rapidamente denunciou a personalidade e a falta visível de caráter. De cabelos ruivos curtos, sardas pelo nariz e olhar morteiro, ele fumava um beck de maconha e o cheiro característico formava uma nuvem de fumaça ao redor de si.

– Qual a senha, gatinhas?! – ele anunciou ao soltar uma lufada. – Sem ela vocês não entram.

– O quê?! – Camila e Allyson falaram ao mesmo tempo, fazendo caretas de descrença.

– Só me faltava essa. – Dinah revirou os olhos e passou as mãos pelos cabelos ondulados.

Normani, no entanto, ladeou a cabeça para conseguir controlar o ódio crescente dentro de si e apenas semicerrou os olhos para a figura insignificante à frente. Se dependesse dela, e aparentemente iria, ela e suas amigas entrariam naquela Universidade nem que significasse socar a cara daquele idiota babaca. Seria um benefício mútuo: liberaria toda aquela energia que palpitava dentro de si, faria a noite de um machista misógino ser terrível, e elas conseguiriam o que desejavam.

Que tal um "Vai se foder e deixe a gente entrar"? – a negra então disse entredentes na medida em que apertava os dedos, os estalando.

***

Quadra da Atlética

O grupo de jovens bêbados e drogados apenas encarava a porta com o pé de cabra bloqueando a passagem... sem dizer nada... ou... sequer se mexerem.

*POW*

Um ruído forte e estrondoso ressoava, como se algo incrivelmente pesado atingisse a porta... recuasse... e atacasse novamente.

E aquele caminho era a única forma de sair dali, porque, naquela década, saídas de emergências não eram obrigatórias.

Estavam ferrados.

* Music On * (Lust Control – Mystery)

*POW*

A porta de metal tremia e rangia, ameaçando a qualquer momento ceder conforme o "lobo" raivoso atacava outra vez com uma potência inacreditável.

E, por motivos óbvios e pela infeliz questão de tempo, não demorou muito para que o pé de cabra escorregasse e a entrada se abrisse.

A lobisomem atravessou as portas chutando o metal e bufando ferozmente; seu focinho retorcido num grunhido; seus olhos verdes-lima faiscantes com fria luxúria diante da diversidade de cheiros e presas; suas orelhas eriçadas como triângulos peludos captando com precisão cada uma das batidas aceleradas dos deliciosos corações.

Os brilhos das luzes e a música ainda presente bateram contra a pupila e tímpanos sensíveis da criatura e isso a deixou completamente irada.

A visão noturna, que lhe presenteava com silhuetas em infravermelho, facilitava a localização das vítimas. Ela inspirou o cheiro do medo presente ali e grunhiu alto.

Aquele era o seu território.

Um uivo grave e ameaçador encheu o lugar e um fino e histérico grito feminino vindo de Jennifer logo recebeu companhia das outras mulheres e homens, que também berravam a plenos pulmões ao passo em que começaram a correr em literalmente todas as direções da quadra... derrubando os barris de cerveja, mesas, cadeiras, enfeites e outros mais objetos.

Grande erro.

Aqueles sons e alvoroço fizeram com que a lobisomem se enfurecesse ainda mais. Em um movimento repentino, ela detectou a presença de Jennifer, a reconheceu do corredor, e saltou à sua frente abrindo os braços para impedir sua fuga. Com um piscar de olhos, e sem tempo de sequer reagir ou ver sua vida passar à mente, a expressão da jovem se congelou ao sentir a dilaceração ácida de seu queixo sendo rasgado pelas garras da pata direita do animal.

Foi um golpe terrível, arrancando a parte inferior da mandíbula que voou pelo ar, espalhando respingos de sangue grosso e quente a metros pelo chão da quadra. A língua vermelha de Jennifer ficou pendurada sobre a garganta agora exposta; sem dentes e sem voz pela destruição das cordas vocais. A lobisomem, desejando mais, permaneceu a avançar e enfiou os dentes no pescoço humano, sacudindo a cabeça de um lado para outro ao mesmo tempo em que a erguia do solo e a batia contra o chão, semelhantemente a uma boneca de pano. Por fim, fez força para cima e o último suspiro da jovem esvaiu entre seus dentes quando, pela tamanha brutalidade, sua cabeça se separou do corpo e mais líquido vermelho foi jorrado nas pessoas e lugares próximos.

A criatura soltou a cabeça da mulher, que saiu rolando pelo chão da quadra, deixando rastros de sangue pelo caminho. Agora, estando em cima do corpo decapitado e caído de Jennifer, a lobisomem golpeava-a na barriga com as garras, enterrando-se na carne centímetro por centímetro e produzindo um som agoniante de pele se rompendo e fluidos se espalhando. E, quando se satisfez, a criatura manteve-se sobre o cadáver, inspirando o cheiro delicioso de medo e morte no ar.

Os outros jovens que presenciaram aquela cena começaram a gritar ainda mais, trombando naqueles embriagados que já tentavam fugir desorientados.

A lobisomem girou a cabeça e então localizou Ansel, que estava de olhos arregalados e entorpecido demais para fugir com as pernas trêmulas. Chorando alto, por já adivinhar seu desfecho, o estudante de Arquitetura começou a soluçar em meio aos pedidos por misericórdia. Mas, estes foram em vão, pois a fera faminta saltou até ele e rapidamente colocou ambas as patas nas laterais de sua cabeça, e os cinco pares de garras afiadas perfuraram-lhe as orelhas e têmporas.

O rosto de Ansel se tornou um tom de vermelho intenso pelas veias dilatadas; ele gemia e gritava perante a dor dilacerante do esmagamento de seu crânio; esperneava e arranhava os braços peludos com a intenção de fugir, mas de nada adiantava. O ódio que a fera sentia ao encarar aquele ser humano desprezível à sua frente era como gasolina, incentivando seus piores instintos: queria feri-lo... matá-lo. E, assim, apertou ainda mais os ouvidos, mutilando a carne até que a mesma sangrasse e suas garras cravassem na pele; perfurando-a. Conforme a pressão era aplicada em sua cabeça, o fluido vermelho escorria pelo nariz de Ansel e caía nos dentes trincados e na boca arfante; seus olhos — rosas devido aos vasos estourados — começaram a saltar das órbitas e voarem em direção ao chão.

A fera poderia ter acabado com aquilo em questão de segundos, dar uma morte rápida assim como fizera com as duas vítimas anteriores, mas queria prologar a tortura. Queria que aquele homem sofresse. Continuou apertando com força moderada, movida pela concentrada raiva, maldade e violência que emanava daquele homem e a atingia em ondas, infiltrando-se em seu cérebro e em suas entranhas. No fundo de seu inconsciente, algo lhe dizia que ele era culpado por alguma coisa.

Os grunhidos altos e agonizantes do jovem, agora cego devido a falta dos globos oculares, finalmente cessaram quando os ossos cederam à pressão e se quebraram. Ouviu-se um crunch nauseante, o sangue espirrou e a carne se despedaçou como gelatina, derretendo e escorrendo por entre os dedos animalescos da fêmea, que, antes do corpo de Ansel jazer ao chão, desferiu a enorme pata direita com garras afiadas contra seu peito com brutalidade, puxando o coração do homem sem vida.

Ela observou o órgão com asco antes de jogá-lo longe aos pés de Christopher, o qual se encontrava paralisado, de olhos arregalados e copo tremendo na mão junto à francesa e o traficante. Os três estavam mais distantes, escondidos em uma parte estratégica e escura da quadra. Kristina berrou em terror e a cerveja no estômago de Noah subiu borbulhando até sua boca, com o vômito atingindo sua garganta. Ele levou a mão à boca, tentando forçá-lo para dentro, mas quando deu por si estava debruçado sobre os joelhos, gorfando um líquido amarelo.

– Precisamos sair daqui! – o loiro mais velho, com o queixo manchado pelo vômito, disse entre as ânsias que apertavam seu esôfago. – Precisamos sair daqui agora! Christopher, essa porra de lugar tem tubulação?!

O Jauregui sequer ouvia o chamado, traumatizado, encarava a figura do lobo que continuava a fazer mais vítimas: outros jovens mais corajosos — ou burros — tentavam fugir por meio da única entrada/saída da quadra da atlética. Eles se amontoavam, choravam alto e se empurravam para sair no gargalo criado... jogando pessoas retardatárias no caminho da fêmea faminta, usando-os como escudo humano para fugirem pelos corredores do bloco de Jornalismo.

– Christopher, acorda, porra! – Kristina agarrou o homem mais alto pelo colarinho da regata que usava, balançando-o em desespero. – Onde fica a porra da entrada de tubulação?!

– Hãn?! Tubulação?! – Christopher mal conseguia ouvir a francesa devido ao berros alheios e a música. – Fica... hãm... – ele semicerrou os olhos, tremendo em meio a respiração descompassada, para tentar enxergar em meio às pessoas correndo e luzes de pisca-pisca. – Fica naquela direção! Lá! Fica lá! – apontou para a parte direita da quadra.

– Vamos, é a nossa única saída! – Noah arfou e cuspiu o resto de vômito na boca para o lado. O loiro mais velho era rápido, continha instintos de sobrevivência apurados desde que precisara viver por meses na prisão e fugir das atrocidades daquele lugar. – Puxem mais pessoas com a gente, porque se essa merda de lobo nos seguir, nós jogamos os idiotas na frente ou deixamos para trás para que sirvam de isca enquanto chutamos as grades da tubulação! Vamos! Não temos muito tempo antes que nos fareje também!

Ao extremo da área onde os três se colocaram a correr, escorados às paredes, a fera se encontrava cada vez mais incomodada pela dor física causada pela audição sensível. Perdendo a paciência, ela desferiu suas garras contra o padrão de iluminação na parede lateral da quadra e faíscas brilharam no ar antes da música ser silenciada.

As luzes se apagaram, gerando um completo breu.

A lobisomem, então, se colocou sobre as quatro patas e se lançou a galopar grunhindo em direção de suas presas ao passo que utilizava de sua visão noturna para localizá-las.

Estava excitada pela cobiça, pela perseguição e pelo sangue gotejante em sua pelagem negra.

Seu único desejo era se alimentar.

As pessoas gritavam sem conseguir se esconder... ou correr... ou sequer pedir por ajuda. Mais sangue era espirrado, entranhas eram rasgadas, o ar se encheu com gritos de dor, terror e desespero, que ecoavam por todo lugar. Corações eram arrancados, corpos desmembrados e esfolados, cabeças decepadas rolavam pelo chão... A quadra se tornou em questão de segundos um banho de sangue.

Morte.

Era o que acontecia a qualquer coisa que cruzasse seu caminho, ao acaso ou ao destino... morriam.

***

Estacionamento do Campus – Minutos Antes

– Ah, sua vadia! Qual a porra do seu problema?! Vai a merda, caralho! Meu nariz! Olhe meu nariz!

Estes eram os gritos de um ruivo chapado, de sardas no rosto e agora um nariz ensanguentado prestes a inchar por um soco certeiro de uma Normani irritada após sua entrada no campus ser negada três vezes. A negra balançava o punho direito dolorido resmungando o quanto aquilo parecia mais fácil nos filmes, enquanto era encarada por uma Dinah, Camila e Allyson boquiabertas e desacreditadas com o que acabara de acontecer.

– Mulher de Deus, o que foi isso?! – a loira baixinha arfou assustada, dando passos rápidos até a amiga para analisar-lhe a mão.

– Bombonzinho, eu amei! – Dinah abriu um sorrisão orgulhoso na medida em que empurrava a latina de óculos de grau para o interior da Universidade, trazendo atrás de si as estudantes de Biblioteconomia e Jornalismo também. – Vamos, acho que ele já entendeu muito bem o recado!

Mantenha a pressão e a cabeça abaixada que vai parar de sangrar! – Camila gritou, extremamente bondosa, a fim auxiliar o ruivo ao mesmo tempo em que era empurrada pela calçada do interior do perímetro do campus.

O homem que segurava as narinas lambuzadas pelo líquido vermelho sequer se opôs à entrada daquelas loucas descontroladas, apenas permaneceu inclinando o rosto para baixo e rezingando palavrões diversos.

Os calafrios percorreram a espinha de Allyson no momento em que pisou naquele lugar, esquecendo por completo a mão sensível de uma Normani extasiada por ter socado alguém. Desde o atentado de Dylan aquela Universidade não era a mesma, cheirava a um rastro maligno... marcado por sangue e massacre. Mas que, agora, havia piorado. Semelhante à presença de outra coisa, mais poderosa, mais maléfica, mais carregada negativamente ao ponto de fazê-la repentinamente sentir vertigens fortes.

Houve um momento de silêncio entrecortado apenas pelos sons emitidos dos grilos e das solas dos tênis pisando no cimento, bem como pelo dobrar dos galhos que eram esporadicamente esmagados no caminho iluminado através dos postes das vielas. Utilizando as calçadas, as quatro foram em direção do bloco de Jornalismo onde se encontrava a quadra, o lugar mais óbvio que estaria acontecendo a festa.

– Eu ainda não sei o que estamos fazendo aqui... – Dinah resmungou com uma careta. – Lauren veio porque quis...

– Cale a boca, Jane. – Camila arfou e a loira revirou os olhos. – Não começa!

A verdade era que aquele lugar à noite dava arrepios à loira alta, posto que durante o dia a Universidade era tão cheia de vida e de pessoas, mas agora, parecia um cenário de filme macabro cujo um assassino apareceria a qualquer momento com uma serra elétrica e cortariam todos ao meio. Ela, no entanto, não era a única apreensiva, pois o coração de Camila estava apertado. E por mais que sua voz interior gritasse que não deveria, a latina de óculos de grau só queria estar aconchegada nos braços de Lauren.

Queria que o feriado do Dia do Trabalhador voltasse e ela e sua garota estivessem longe de tudo e todos, no Texas. Ou em qualquer outro lugar.

Mas, querer não é poder.

O silêncio entre as amigas transcorreu mais alguns minutos e elas continuaram a atravessar os blocos até, finalmente, chegarem ao prédio da graduação. Avistaram as correntes penduradas nas portas e o cadeado aberto, indicando que pessoas estavam ali devido ao baixo rock in roll que podia ser ouvido ao longe.

– Eu vou procurá-la! – Camila anunciou e empurrou as portas do edifício.

No processo, as correntes caíram com um estrondo que revigorou de forma agourenta pelo corredor em um eco assustador. Dinah suspirou em desgosto e seguiu a amiga, tendo ao seu lado uma Normani que agora repentinamente havia ficado estranha. As vísceras da negra começaram a apertar em uma espécie de aviso; uma inquietação inédita esmagava seu peito ao ponto de causar-lhe um semblante de desconforto.

Apenas Ally ficou para fora do prédio, observando a escuridão no corredor que parecia não ter fim. Uma crescente ansiedade começava a tomar conta de si, quase sufocando-a, levando-a a uma pequena hiperventilação devido ao zumbido de pânico. Pressentia que algo terrível estava prestes a acontecer; seu dom de sensitiva gerava arrepios, alertando-a do perigo iminente.

– Parem! – alertou, afoita.

– O que foi? – Dinah perguntou quando ela, Camila e Normani se viraram.

– Eu estou sentindo que não devemos entrar aqui. – a voz da loira menor estava trêmula. – Tem algo extremamente errado acontecendo!

– Tipo o quê?! – Dinah franziu o cenho. – Não há nada errado, exceto por inúmeros jovens se drogando e transando no escuro! Minha maior preocupação, no momento, é nos depararmos com algum idiota bêbado querendo nos agarrar! Não vamos ficar neuradas agora, porque não tem monstro nenhum aqui!

– Eu não estou brincando, Dinah! – Allyson ralhou, dirigindo sua atenção para a latina de óculos. – Mila, eu sinto que a gente não deveria entrar! Eu pressinto alguma coisa perigosa!

Camila, também agoniada, não soube o que dizer. Por um lado, preferia supor que aquilo era apenas coisa de sua cabeça após a leitura daquele livro sinistro, mas por outro, não podia deixar de cogitar a possibilidade levantada pelo escritor romeno fracassado. Se fosse verdade, Lauren estava em risco. Sua... alma estava em ameaça. Então, monstro ou não, bêbada e beijando Keana ou não... ela precisava achar sua amada e tirar aquela história a limpo!

– Ok... mas, você não vai ficar aqui sozinha, vai? – logo perguntou, decida a seguir seu plano.

Ally grunhiu, medrosa, e balançou a cabeça em um negativo frenético.

Ou as garotas ficam com você... Ou então vem junto. – Camila anunciou, firme.

As três amigas suspiraram, buscando engolir palavras que poderiam magoar a latina, posto que era visível que a mesma não desistiria de procurar sua ex-namorada nem se os pólos da Terra invertessem.

Elas, no entanto, não mais argumentaram porque um estrondo alto revigorou no interior do bloco, acompanhado por estalos que lembravam fios elétricos rompidos. As quatro sentiram arrepios ácidos nas medulas ao se assustarem com o fim repentino da música que, consequentemente, permitiu a repercussão de berros e gritos por socorros desesperados.

Um monstruoso uivo frenético rasgou a noite, sacudindo as paredes do bloco e pairando no ar por longos segundos... ora se erguendo, ora caindo, vibrante.

– Mas que porra foi essa?! O que está acontecendo?! – Dinah, de órbitas abugalhadas, berrou em exasperação.

Normani, Camila e Allyson não conseguiram responder devido aos sons de passos que surgiram no corredor, indicando a corrida afobada de dez jovens que logo apareceram na escuridão. Gritando e com semblantes de pânico, eles as empurraram para o lado sem hesitação, abrindo as portas do bloco com o impacto dos corpos cobertos de sangue.

– Meu Deus! – Allyson assistia os colegas chorando e extremamente machucados enquanto corriam em direção de seus carros no estacionamento.

Camila, ofegante pela situação apavorante, soltou um grito de susto quando repentinamente um estouro ecoou praticamente do seu lado. Ela encarou a grade da tubulação que havia voado alguns metros à frente depois do chute potente de Christopher Jauregui, o qual rastejou para fora do cubículo que tinha saída na lateral do prédio. O homem que tremia muito foi seguido por Kristina de Lioncourt, que chorava, e posteriormente por um Noah Hargensen coberto de respingos de sangue das pessoas que empurrou — como planejado. Mais quatro pessoas em prantos os acompanhavam e também dispararam à fugir quando saíram da tubulação.

Kristina passou por elas correndo e Dinah a segurou pelos ombros.

– ME SOLTA! – a jovem berrou.

– O que está acontecendo?! – Normani questionou ao lado da namorada.

UM LOBO GIGANTE ESTÁ DENTRO DO BLOCO E ESTÁ MATANDO TODO MUNDO! – a francesa vociferou e se livrou rapidamente dos braços da estudante de Medicina.

Kristina recomeçou sua corrida estabanada pelos blocos e calçadas penumbrosas, com o choro incessante devido ao trauma grandioso desenvolvido, e sequer esperou por seu noivo assim que se aproximou e adentrou em seu carro. Ela girou a chave na ignição, urrou o motor e quase bateu nos outros veículos que também deixavam o estacionamento.

Oh meu Deus! – Camila colocou as mãos na cabeça, horrorizada. – Eu preciso achar a Lauren!

E, sem pensar duas vezes, a latina adentrou às pressas na escuridão do corredor, obrigando Dinah a seguí-la para tentar impedi-la. Normani também foi forçada a seguir a namorada ao mesmo tempo em que fazia caretas devido ao incômodo que agora estava quase insuportável em suas vísceras. Allyson, em decorrência, começou a hiperventilar por ter plena noção de que algo estava prestes a dar errado, mas que não seria capaz de evitar. Então, engolindo o medo, a loira também entrou no prédio.

Só ela poderia proteger suas amigas, mesmo sem saber como faria isso.

Camila! – Dinah resmungou em meio à escuridão, tentando não fazer muito barulho. – Oh meu Deus, eu vou te esfolar viva quando te alcançar!

As quatro andavam na ponta dos pés, olhando para todos os lados do corredor banhando por sombras e um cheiro forte de sangue, com rastros do líquido vermelho em forma de pegadas no chão. Os corações se encontravam acelerados; as mentes pregando peças; as pernas bambas pelas toneladas que os corpos tensos pesavam. Aquele cenário trazia lembranças ácidas sobre o atentado, sobre como lutaram para sobreviver, como havia sido aterrorizante e traumático aquele fatídico dia.

Não me julgue, eu preciso achá-la! – Camila estava um pouco à frente das demais, meio encolhida para se esconder dos clarões da Lua, que vinha das janelas presentes nas salas de aula abertas. – Você faria o mesmo pela Normani!

Volte aqui, sua imbecil! Se vamos fazer essa merda, não podemos nos separar! – Normani arfou entredentes, engolindo um gemido de dor pela queimação que começava a dissolver seus órgãos internos. Ela suava frio; as pernas chegavam a vacilar; o braço e seu tríceps direito inexplicavelmente ardiam como o próprio Inferno. – Precisamos proteger nossas retaguardas!

Camila, então, parou de andar subitamente e isso fez com que Dinah, atrás de si, batesse contra o seu corpo com força. Elas deram alguns passos à frente pelo impacto, enquanto resmungavam. E, apenas quando as quatro amigas estavam finalmente próximas umas das outras, se protegendo, elas decidiram aguçar seus ouvidos em busca de algum ruído que sinalizasse onde o lobo se encontrava.

Aos poucos, suas visões foram se acostumando ao breu ao ponto de enxergarem o caminho que levava à entrada da quadra. Avançaram alguns passos no corredor principal, passando pela sala negra da secretaria que agora parecia completamente deserta. As outras vias adjacentes também estavam vazias e quando chegaram a uma interseção encontraram mais um corredor manchado de sangue. Faziam caretas, choramingavam e ponderavam se alguém já havia chamado a polícia ou o controle de animais.

Allyson não parava de olhar para trás devido a uma sensação familiar de que alguém as vigiava. O trajeto parecia escurecer a cada minuto que se passava, a cada centímetro que a Lua se deslocava no céu, e o corredor parecia se fechar atrás delas. A estudante de Biblioteconomia não sabia o porquê, mas a falta de obstáculos começava a deixá-la nervosa. Continha a impressão de que a calmaria estava induzindo-as a uma falsa sensação de segurança, pois definitivamente já deviam ter encontrado alguma coisa àquela altura.

Esperem... – Normani sussurrou.

As outras três cessaram a movimentação e assistiram a mulher negra caminhar até a parede lateral da secretaria improvisada, parando perto de uma caixa de vidro vermelha. Enxugando o suor do desconforto na testa, ela analisou o machado no interior e a plaquinha acima que dizia: "Não tocar e utilizar apenas em casos de emergência".

É uma emergência! – ela se justificou e, com o cotovelo esquerdo, agilmente quebrou o vidro.

Allyson fez uma careta pelo barulho gerado alto demais e Dinah e Camila mantiveram-se atentas estudando o ambiente ao redor enquanto Normani pegava o machado verde por entre os cacos que restaram grudados na caixa vermelha.

Então, subitamente, veio o choro.

Começou tão baixo que a estudante de Jornalismo pensou se tratar apenas do vento zunindo ou até do medo, fruto da sua imaginação. Mas o som característico persistiu, ganhou substância e a inconfundível e triste sonoridade: um lamúrio chiado, por vezes interrompido por soluços e engasgos.

Ouviram isso?! – Normani franziu o cenho, virando a cabeça para tentar localizá-lo.

As outras três jovens, confusas, encararam a negra antes de elas próprias girarem os rostos e procurarem pelo tal barulho em meio às penumbras.

O quê? – Dinah questionou preocupada, dando alguns passos até estar atrás da namorada. – O que foi, bombonzinho?

Sem respondê-la, Normani começou sozinha a dar passos lentos pelo corredor abraçado pela escuridão agourenta e fria. Aguçou seus ouvidos, tendo aquele pranto indistinto como guia.

– Amor?! – Dinah sussurrou apreensiva, indo atrás da namorada sem pensar duas vezes.

Camila e Allyson hesitaram, mas fizeram o mesmo. Não possuíam a mínima noção do que a negra estava planejando e mantiveram-se a meio passo atrás dela enquanto a seguiam pelo trajeto penumbroso, ignorando o pânico que crescia em seus peitos, o pavor com que vinham lutando desde que entraram no bloco. A adrenalina as dava uma coragem inexistente; a aproximação das quatro amigas e o machado na mão de Normani as deixavam mais seguras.

– Ninguém mais está ouvindo?! – Normani perguntou, franzindo o cenho a cada vez em que o murmúrio se tornava mais alto e perceptível. – Ouço o som de uma voz! Tem alguém falando!

Mani... – Camila, engolindo seco, sussurrou com a voz tensa e aguda. – Não tem ninguém falando!

– Amor, pare com isso, vamos embora... – Dinah choramingou e tentou agarrar a namorada pelo braço, mas a negra resistiu e fugiu de seu alcance. – Por favor, é só coisa da sua cabeça.

* Music On * (So Say We All – Audiomachine)

– Mas eu juro que ouvi...

Me ajudem...

O ar se encheu repentinamente com o clamor sofrido e trêmulo, assustando as três mulheres que agora também o ouviram por mais quase imperceptível que fosse. Podia-se sentir a dor e a súplica na voz de quem as chamavam.

Socorro! Por Deus! Alguém!

– Tem alguém ferido! – Allyson piscou com dificuldade, sentindo o peito comprimir. – Alguém está muito ferido!

– Nós temos que ajudá-lo! – Normani logo anunciou.

Atendendo aos instintos inéditos que agora dominavam o seu corpo elétrico, a negra imediatamente se colocou a correr em direção ao som sôfrego e desafortunado, ignorando os pedidos das outras três. Camila, Dinah e Allyson se encontravam horrorizadas, mas decidiram também avançar o mais silenciosamente que puderam, passando pelas portas trancadas das salas e pelas escadas que davam para os andares superiores. O cheiro e a presença de sangue no chão reviravam seus estômagos e Camila chorava compulsivamente temendo por Lauren estar morta.

Pararam de correr, bruscamente, ao chegarem a uma interseção com outro corredor e esticaram os quatro pescoços para analisarem a sua situação.

E, naquele instante, um grito de dor revigorou no bloco escuro.

As quatro mulheres sentiram os corpos gelarem; as pernas travarem; os corações quase saírem pela garganta. Hesitaram alguns segundos procurando por mais coragem e continuaram lentamente a andar pelo trajeto que certamente levaria à pessoa que chorava e clamava.

E, novamente, mais um som as fez parar em uma interseção.

Dessa vez, era o barulho aquoso de tecidos e órgãos sendo arrancados de ossos e cavidades.

Camila, Dinah, Normani e Allyson se encontravam congeladas, de olhos arregalados e queixos caídos na medida em que encaravam a figura animalesca que se alimentava do corpo morto e banhado de sangue no chão no final do corredor: com grandes patas e longas garras, o ser de pelagem negra arrancava as vísceras e as levava até a boca para mastigá-las com veemência. Náuseas atingiram as quatro mulheres, e, por longos segundos, ninguém se mexeu devido ao misto de horror e descrença que cobria seus rostos, imobilizando os membros e travando as gargantas.

O que elas não esperavam era o olfato extremamente desenvolvido da lobisomem, que, mesmo concentrada em sua refeição, rapidamente detectou duas essências especiais no ar. A fêmea de íris cintilantes logo virou o rosto, com o focinho pingando sangue alheio, às procurando e localizando as novas presas.

As quatro travaram os maxilares para engolir os gritos quando a criatura, que continha aproximadamente dois metros de altura, colocou-se sobre as duas patas traseiras. O focinho era fino, garras enormes à mostra, orelhas longas, pelagem negra como a noite e íris verdes que brilhavam ao longe. A fera estava imóvel e bufava, analisando-as de volta. De repente, abriu a boca como se quisesse gabar-se das fileiras de dentes caninos pontudos, e logo a fechou com um estrondo.

Okay, era um sinal.

CORRAM! – Allyson gritou, puxando Camila e Dinah pelas mãos e rezando mentalmente para que Normani as seguisse. – NORMANI! CORRA!

Mesmo ouvindo os passos se distanciando, a mulher negra sequer se mexeu. Normani apenas estudava a fera à sua frente com a adrenalina supitando em suas artérias. Seu coração batia frenético, as pupilas dilatadas, os dentes cerrados, as mãos enrijecidas na medida em que a direita segurava o cabo do machado e a esquerda continha o punho fechado ao ponto das articulações esbranquiçarem.

Tudo nela gritava para que atacasse aquela criatura nojenta e grotesca.

No entanto, ela foi resgatada de tais pensamentos ao sentir a mão macia de Dinah a puxando à força e praticamente a arrastando para longe. Allyson as guiava pelo corredor adjacente quando a lobisomem uivou tão alto que as paredes e janelas estremeceram. A fêmea tentou começar a correr, mas escorregou com as patas traseiras pela falta de atrito causada pelo sangue de suas vítimas e caiu no chão, dando às quatro alguns segundos de vantagem.

Ao mesmo tempo em que tudo parecia ocorrer em câmera lenta, com as amigas desesperadas pelos corredores, os segundos pareciam transcorrer extremamente rápido junto às respirações descompassadas.

Nenhuma delas conseguia acreditar no que viram. Aquilo definitivamente não era um lobo comum, pensavam enquanto fugiam por suas vidas. Os pulmões queimavam por causa do medo; as pernas vacilavam; as lágrimas se formavam, mas sequer conseguiam escorrer pelas bochechas. Sem oxigênio, elas abriram uma porta aleatória e cambalearam para dentro de uma das salas de aula, fechando a madeira com pressa. Ali dentro o ar tinha odores de pó de giz e produto de limpar chão, completamente diferente do cheiro de sangue do lado de fora. As cadeiras dos discentes estavam dispostas de forma oval sobre diferentes níveis de degraus.

Normani não tardou e empurrou a mesa do professor para colocá-la contra a porta.

– O que era aquilo?! – Dinah arfou, desesperada. – Aquilo é um lobo?! Tem lobos em Miami?!

– Oh meu Deus! – Camila tremia por causa das lágrimas. – E se... e se isso tiver pego a Lauren?!

– Como vamos sair daqui?! – Ally perguntou, com as mãos na cabeça. – Como vamos achar a Lauren?!

SHHHH! – Normani pressionou o indicador contra os lábios, pedindo silêncio.

As outras se calaram imediatamente e pode-se ouvir a respiração pesada do outro lado da porta. A penumbra as impossibilitava de ver por debaixo da madeira, mas havia algo ali que raspava as unhas finas no chão e na madeira. E que, quase instantaneamente, se mostrou presente quando um uivo cheio de raiva revigorou, fazendo novamente as janelas tremerem e as obrigando a cobrir os ouvidos.

* Music On * (Blood Hunter – Varien) (2x)

Em seguida, a fera começou a se jogar contra a porta com violência, gerando estalos altos que indicavam que a madeira não aguentaria por muito tempo.

Precisamos sair daqui! – Dinah berrou.

As quatro amigas se colocaram a correr em direção da segunda porta da sala oval, que interligava os cômodos a uma pequena biblioteca com fitas VHS e uma tevê para as aulas práticas de Jornalismo. Allyson forçou a maçaneta e a mesma estava trancada.

SAI DA FRENTE! – Normani vociferou, pegando impulso.

Com os tríceps mais destacados pelos músculos recém desenvolvidos, ela ergueu o machado para cima e, com um simples e rápido movimento, partiu a maçaneta ao meio. O som do impacto forte ecoou e Camila, Dinah e Ally a olharam atordoadas, questionando sua habilidade nunca mencionada.

Vamos! – a negra falou, abrindo a porta com um chute.

As quatro atravessaram a biblioteca que cheirava à naftalina e livros antigos, trombando nas estantes mediante ao desespero de chegarem a saída, uma vez que a lobisomem forçava novamente a outra porta e os indícios do seu rompimento eram audíveis. O suor já brotava em suas testas e a fadiga as incomodava, a qual apenas se intensificou no momento em que escutaram a madeira quebrando na sala anterior.

Um estrondo alto ecoou pelo ambiente fechado quando a porta da sala de aula rachou, juntamente com o barulho do impacto que a pesada mesa do professor causou ao ser arrastada. Ao mesmo tempo em que Camila, Dinah, Allyson e Normani saíram por outra passagem para o corredor... uma lobisomem caía estabanada sobre os restos da porta e empurrava a mesa para fora de seu caminho, rapidamente se colocando sobre as quatro patas para continuar a se mover pulando sobre as carteiras.

Sabe aquele ditado "não olhe para trás"?

Camila não sabia o significado dele.

Ao chegarem no fim do corredor, a mulher de óculos de grau olhou para trás e praticamente sentiu o coração sacolejar no peito no instante em que avistou a lobisomem as seguindo em alta velocidade. A fera grande, nervosa e agressiva galopava exatamente em sua direção e a falta de coordenação motora, aliada as pernas bambas, fizeram a latina tropeçar e cair no piso branco, abrindo as mãos para não bater fortemente contra ele.

A Camila! – Ally anunciou às outras ao ver a amiga no chão.

Dinah e Normani cessaram seus movimentos e se viraram, ofegantes, quase gritando ao verem o animal vindo naquele sentido. Elas choramingaram e, exasperadas, voltaram alguns passos e agarram Camila pelos ombros para começar a puxá-la de qualquer maneira.

Mas, os preciosos segundos de vantagem haviam sido perdidos.

E a fera estava perto demais para que conseguissem retomar a fuga.

Já podiam sentir o rosnado gutural e o cheiro de morte se aproximando, quando, de repente, escutaram sons de passos ágeis em um corredor adjacente se aproximando.

ABAIXEM-SE! – uma voz ríspida ecoou.

Surgindo da interseção entre corredores, Veronica escorregou com suas botas de cano alto no chão empoeirado já erguendo ao nível dos olhos uma besta Quiver carregada com uma flecha de madeira. A encarando, Dinah e Normani congelaram ainda segurando uma Camila caída, tão assustada quanto Allyson. A mulher de sidecut, que deveria ser apenas uma estudante de Medicina, continha os cabelos longos presos em uma trança embutida e vestia um espartilho, blusa, calças e botas pretas para se camuflar na escuridão. Em suas costas estava o suporte lotado de flechas e, na cintura, em um coldre de ferro que continha um símbolo de crucifixo, estava um punhal de prata.

Normani, mais veloz que todas ali, livrando-se brevemente do machado, abraçou e empurrou as três amigas para o chão no momento em que Veronica apertou o gatilho de sua besta e a flecha foi disparada e cruzou todo o corredor, acertando no lado direito do peitoral da fera. A ponta fina e cuidadosamente esculpida, molhada com algumas gotas de acônito, adentrou no músculo da lobisomem e a fez uivar dolorosamente ao cair para trás.

– Venham! Não temos muito tempo antes que ela se cure! – ela, abaixando a besta, anunciou com urgência e correu para ajudar Normani a colocar Camila, Ally e Dinah de pé. – Foram apenas três gotas de acônito para retardá-la.

– Vero?! – Camila a chamou, confusa. – Você... eu não entendo... O que está acontecendo?!

– Irei explicar, só precisamos achar um local seguro e não deixar que ela saia desse prédio!

– Ela?! – Dinah franziu o cenho, se negando a acreditar. – É uma fêmea?!

A de sidecut ignorou as perguntas inocentes e, quando todas as amigas se encontravam de pé, entregou o machado para a mulher negra e começou a guiá-las por trajetos adjacentes ao local no qual a lobisomem continuou caída, agonizando no chão em uma tentativa de retirar a flecha do peito. Ao envolver a pata dianteira esquerda ao redor da madeira e puxá-la do músculo de seu peitoral, ela rosnou tão alto que gotículas de saliva espirraram entre seus dentes afiados. As mitoses de seu tecido se aceleraram e, segundos depois, não existia mais nenhum buraco na carne reconstituída.

Apenas uma fera ainda mais irritada.

Cansada de apenas perseguir suas presas por diversão, ela se concentrou e aguçou sua audição e olfato a fim de localizar perfeitamente as cinco mulheres ofegantes. Assim que as captou se aproximando da saída do bloco, se colocou sobre as quatro patas e começou a galopar pelos corredores.

Segundos depois, o grupo já se encontrava no corredor que levaria à porta de saída do edifício quando um uivo próximo às fizeram cessar os deslocamentos das pernas e se virarem com os olhos arregalados pelo medo. A lobisomem estava há poucos metros outra vez, as fixando imóvel sobre as duas patas como uma boa predadora que brinca com sua presa antes de atacar. Veronica elevou a besta já recarregada à altura do rosto e apertou o gatilho, liberando a flecha envenenada que, por azar ou por agilidade da criatura que pulou para o lado, passou a centímetros de seu ombro esquerdo.

Sem mais hesitar, a lobisomem caiu sobre as quatro patas e galopou em alta velocidade em direção a elas. Em um raciocínio rápido, Veronica soltou a besta Quiver — que ficou pendurada em seu ombro por uma alça — e empurrou Camila e Dinah para o lado, que consequentemente caíram sobre Normani e Allyson, no exato momento em que a fera lhe desferiu um golpe forte e abriu três cortes grotescos em seu abdômen com as garras afiadas. A mulher de sidecut grunhiu enquanto cambaleava para trás, assistindo o sangue que já começava a banhar aceleradamente a roupa preta.

Veronica ergueu o rosto com um semblante de irritação e pulou para o lado quando, novamente, a lobisomem tentou lhe acertar com outro golpe violento. Ela rolou, dando uma pirueta no piso branco, na medida em que desviava por poucos centímetros das garras que rasgavam o ar buscando atingi-la.

Parando agachada sobre um joelho, sacou sua besta e, enquanto o pé direito mantinha a arma estável, sua mão esquerda puxava a corda e a direita retirava a flecha de dentro do suporte em movimentos tão rápidos que Camila, Normani, Dinah e Allyson — agachadas contra a parede — quase não perceberam.

Com a besta Quiver já carregada, uma Veronica de cenho franzido pela concentração a ergueu outra vez e apertou o gatilho. A flecha cortou o espaço entre elas, mas foi bloqueada centímetros antes de adentrar no peitoral da lobisomem graças ao seu incrível reflexo em agarrá-la no ar com a pata direita. A fera surpresa deu alguns passos para trás a fim de se equilibrar pelo susto, pois, nem ela sabia que conseguia fazer aquilo.

– Babaca. – Veronica bufou, sorrindo de lado.

No entanto, o sorriso da mulher de sidecut logo se desmanchou quando a lobisomem jogou a flecha para o lado e manteve-se de pé, mostrando-se ainda mais irritada ao estender as garras e arreganhar as presas. Tremia pela incontrolável fúria e pelo desejo de sangue, e, acima de tudo, pelo ódio por ter seu ego ferido.

Para ganhar tempo, Veronica semicerrou os olhos com a intenção de provocá-la um pouco e afastá-la das outras quatro, que se mantinham imóveis contra a parede. Encaixou a besta em um suporte nas costas na medida em que esperava a lobisomem se aproximar devagar, arrastando as patas pelo chão, arreganhando as presas e babando horrivelmente. Veronica recuou, andando em semicírculo e colocando os pés com cuidado um após o outro, ora acelerando, ora desacelerando as passadas a fim de retirar a concentração da fêmea que agora prestava a atenção em si. Ao mesmo tempo que se movia, ela levava sorrateiramente a mão direita ao coldre preso ao cinturão, o qual continha um punhal de prata pura com um "V" no cabo e um rubi vermelho chamativo no centro do pomo.

A criatura gigante se aproximava lentamente, hipnotizada pelas ações que uma Veronica calma realizava: ela mexia o punhal desembainhado na mão direita, descrevendo com ele círculos no ar, prestando atenção para que os movimentos não estivessem alinhados e simultâneos com o ritmo e o tempo de suas passadas. A fera não saltou; apenas aproximou-se devagar, seguindo com as íris verdes o brilhante rastro da lâmina iluminada pelo reflexo da lua vindo da janela próxima.

Veronica parou de repente e ergueu o punhal. Desconcentrada, a lobisomem também parou, agora estando levemente tonta, dando a oportunidade perfeita para que a de sidecut investisse a lâmina em sua direção. A fera conseguiu desviar do corte em seu peitoral e começou a recuar para trás em passos ritmados às tentativas de golpes que a mulher permanecia a aplicar com a prata do punhal cintilante. Com sucesso, ela conseguiu fazer com que a criatura se afastasse alguns metros das outras quatro espectadoras assustadas, mantendo-as seguras.

Nos olhos da lobisomem surgiu um brilho maligno e por entre suas presas cerradas saiu um som rouco, que sinalizava sua paciência se esvaindo. Evitando contar com a sorte, e em uma velocidade sobre-humana, Veronica aumentou a agressividade de seus golpes na medida em que corria em zigue-zague pelo espaço entre elas no corredor: cortes profundos, mutilações e punhaladas foram desferidas pelo peitoral, abdômen e braços da criatura ainda inexperiente, que tentava se proteger e soltava uivos estrondosos a cada corte corrosivo em sua pelagem negra.

A prata queimava, deixando-a fraca.

Seus uivos infernais podiam ser ouvidos ao longe, e ainda mais ensurdecedores de perto, o que obrigava Camila, Dinah, Normani e Allyson a cobrirem seus ouvidos com força. Cega de raiva, a fera soltou um grunhido de fúria antes de, em um movimento rápido, empurrar a de sidecut desprevenida em sentido da parede, jogando-a violentamente contra os tijolos e fazendo com que batesse as costas com força no chão ao despencar quase inconsciente.

Voltando sua atenção para as quatro mulheres que testemunharam a luta, e que se mantinham agachadas há alguns metros de distância de onde uma Veronica tentava recobrar a consciência, a lobisomem abriu suas patas dianteiras e escancarou a boca monstruosa em meio a um rosnado gutural. Buscando intimidá-las com seus dentes afiados e focinho melado com o sangue de suas vítimas, a criatura já se preparava para atacá-las com suas garras, caminhando até onde elas estavam, quando repentinamente, uma silhueta corajosa tomou a frente.

Allyson, de olhos arregalados pela mistura de raiva, medo e angústia dentro de si, colocou as amigas às suas costas e estendeu suas mãos na medida em que libertava a intensa onda de energia que borbulhava em suas veias.

Precor potestatem spirituum qui defendat nos! Precor potestatem spirituum qui defendat nos... – ela gritou o cântico permitindo o mantra ecoar pelo local, arrepiando as outras três mulheres. – Precor potestatem spirituum qui defendat nos!

Assim que o feitiço teve início, uma diferença de pressão se concretizou e uma espécie de força de empuxo foi criada no ar: as janelas começaram a tremular; as luzes antes desligadas agora piscavam descontroladamente; os cartazes e folhetos presos nas paredes se desprendiam e voavam em espirais pelo ar; as portas batiam de maneira infrene. E então, sentindo o poder vibrando na ponta de seus dedos e a energia alimentando seu corpo, Allyson fechou ainda mais o semblante de raiva e fez um movimento brusco com as mãos para frente: sem tocá-la, ela lançou uma pressão de ar contra a lobisomem ao ponto de jogá-la quase dez metros para trás, arremessando-a contra a parede extrema do corredor.

A fera caiu rudemente contra o chão, choramingando como uma filhote indefesa.

Colocando-se de pé meio cambaleante, Veronica arfou em surpresa ao ver os poderes da loira que agora abaixava e encarava as mãos, questionando-se de onde aquela capacidade havia saído. Allyson engoliu seco e se virou para Camila, Dinah e Normani, que a encaravam com expressões de fascínio e espanto simultâneas.

– Vamos, temos que continuar! – Veronica grunhiu enquanto tocava a nuca e avistava sangue na ponta dos dedos, denunciando um corte no couro cabeludo.

A mulher de sidecut pegou seu punhal de prata que havia caído e ignorou os olhares desconfiados das outras quatro jovens, indicando com a cabeça o caminho que deviam seguir. Camila, Dinah, Normani e Ally hesitaram, mas ponderaram que não existia outra alternativa mais viável do que segui-la naquele momento.

– Veronica, você está sangrando! – Dinah comentou baixinho. – Está escorrendo pela sua nuca.

A saída do bloco se encontrava cada vez mais perto e elas se aproximavam com rapidez.

– Eu vou ficar bem. – ela murmurou, guardando o punhal no coldre. – Já tive ferimentos muito piores do que esse!

– Quem é você?! Que merda está acontecendo?! – Allyson arfou, extremamente desconcertada pela energia que continuava a pulsar em suas veias como uma arma preparada para ser utilizada. – Como eu consegui fazer aquilo?!

– Muitas coisas podem aumentar os poderes de uma bruxa, Allyson! Como preocupação, medo ou raiva... E você sentiu muito dos três!

– Espera, como você sabe disso?! – Camila franziu o cenho, em espanto.

– Eu sei de muita coisa! E eu vou explicar a vocês, mas precisamos ir para longe dela! Viramos sua caçada por vingança agora, ela nos seguirá até nos matar!

Veronica, prestes a abrir as portas do edifício quando anunciou, apontou com o dedo indicador para a lobisomem que continuava grunhindo caída no final do corredor, por entre as penumbras que a camuflava quase perfeitamente, exceto pelas íris-verdes cintilantes regadas pelo ódio e humilhação do nocaute.

Sim, ela as seguiria até arrancar todas suas vísceras.

As cinco saíram do prédio, recebendo contra si o sopro frio da madrugada. O campus estava desértico, escuro, quieto, mas carregado por uma energia assombrosamente negativa; denunciando que logo estaria lotado por carros da polícia, da ambulância... e da funerária.

– Precisamos achar a Lauren! – Camila falou ao passar pela porta, desesperada. – Viemos aqui para isso!

– Sério?! – Veronica deu uma risadinha irônica, mas logo se arrependeu pelo desconforto gerado pela ardência dos três cortes na barriga, que já parara a muito tempo de sangrar, e pelas costelas que lentamente voltariam ao lugar nas próximas horas. – Acredite em mim, essa foi a segunda decisão mais estúpida que tomaram na vida de vocês!

No entanto, assim que terminaram os degraus da passagem do bloco, Normani não suportou mais permanecer em silêncio e os choramingos da dor que a consumia por dentro escapuliram por seus lábios trêmulos. Dinah, Allyson, Camila e Veronica pararam e então perceberam o suor acumulado na testa e na pele da negra; as pálpebras caídas e marcadas por olheiras; a fraqueza; a respiração descompassada.

Amor?! – sua namorada loira a chamou, abraçando-a a tempo de impedir que caísse junto ao machado, mediante as pernas que bambearam e aos braços trêmulos. – Normani?! O que está acontecendo?!

Mas a jovem que sonhava apenas ser uma estudante de Jornalismo já não a escutava perfeitamente, porque parecia mergulhar cada vez mais em uma camada de petróleo densa: tudo girava ao redor de si, as vísceras reviravam, o seu braço direito queimava intensamente.

Minha pele! – Normani tremia em dor, virando-se de lado para não atingir a namorada quando a ânsia de vômito seco veio a sua garganta. – Está insuportável! Tudo está fervendo dentro de mim!

– Oh meu Deus! Olhem isso! – Camila exasperou, apontando para o braço da negra.

A ardência no lado destro do membro era semelhante ao sofrimento de uma tatuagem, a qual, magicamente, era realizada em seu tríceps direito onde, aos poucos, uma série de traços pretos se tornavam visíveis em sua pele escura. Tratavam-se de desenhos bem elaborados e simétricos que surgiam do nada, ganhando tonalidade e embrazando-se eternamente no tecido epitelial, lembrando símbolos de runas antigas.

Ah! Isso dói muito! – Normani fechava os olhos com força, suportando a azia e o ardor.

Vendo as demais mulheres entrarem em um pequeno desespero com a aparição da marca, e por saber do que se tratava, Veronica apenas aproveitou os segundos de pausa na fuga para carregar sua besta Quiver com mais uma flecha de madeira de seu suporte.

– É normal... – disse em um suspiro, terminando de prender a corda da besta e virando-se para as amigas. – É normal ela passar por isso!

– NORMAL?! – Dinah gritou, irritada pela ausência de respostas. – QUE MERDA ESTÁ ACONTECENDO, VERONICA?! QUE MERDA TODA É ESSA?!

Ao invés de dizer algo, a mulher de sidecut apenas manteve-se cabisbaixa por alguns segundos enquanto pensava em alguma saída para aquela situação levemente preocupante. Não podia simplesmente sair do campus e atrair uma lobisomem para a cidade; mas, muito menos, podia prendê-la ali porque, em poucos minutos, a Universidade estaria lotada de humanos.

Precisava fazer algo e precisava fazer logo.

– Podemos levá-la para a enfermaria! – Allyson comentou com Dinah, tentando ajudá-la a segurar Normani ao passo em que Camila checava-lhe a temperatura. – Deve ter algum remédio lá!

E então, ao ouvir aquilo, uma ideia incrível brilhou na cabeça de Veronica.

– Isso, porra! Já sei! – ela comemorou, erguendo a cabeça e abrindo um sorriso orgulhoso. – Me sigam para a enfermaria!

A mulher de sidecut logo se colocou a correr, esperando ser seguida pelas demais. Dinah, Camila e Allyson hesitaram outra vez, trocando rápidos olhares entre si, mas rapidamente fizeram um afirmativo e também começaram a percorrer o pequeno espaço entre elas e a enfermaria, que ficava depois de uma praça florida — utilizada com ponto de estudo durante o dia —, enquanto praticamente arrastavam uma Normani que mal conseguia se locomover sozinha, abandonando o machado da negra no chão de cimento.

Seus passos apertaram ainda mais quando, subitamente, um estrondo advindo das portas do bloco de Jornalismo ecoou pelo campus desértico. As cinco se viraram e avistaram a lobisomem sobre duas patas nos degraus sob o brilho cinza da Lua Cheia, as encarando com a ira cintilando em suas íris verdes e dentes afiados.

Com as luzes de alguns postes, era possível notar o sangue e alguns restos mortais de suas vítimas presos na pelagem negra.

Aquela cena dava arrepios a todas.

– Okay, precisamos ir! Tipo, AGORA! – Veronica berrou, arregalando os olhos.

Dinah, compreendendo a urgência da situação, começou a literalmente empurrar Camila, Allyson e Normani para as portas do estabelecimento ao mesmo tempo em que Veronica andava de costas, já erguendo sua besta Quiver à altura dos olhos e disparando mais outra flecha. A lobisomem, entretanto, irritada o suficiente e auxiliada pela distância, pegou o objeto de madeira no ar antes que ele a atingisse e, com um simples movimento, o quebrou no meio com uma só mão.

Ok... agora fudeu! – a de sidecut deu um sorriso amarelo e, desesperada, colocou-se a correr também.

Ao adentrarem na enfermaria, as cinco logo notaram a mudança de energia: o ambiente que antes era quente e acolhedor agora estava escuro e frio, vazio. Evitando de trombar nas cadeiras na área de espera, bem como conseguir localizar o balcão — cheio de pranchetas e papéis deixados para trás pela preguiçosa estagiária —, Camila deu passos rápidos até o interruptor e acendeu a luz, auxiliando-as assim que elas cruzassem a antessala e o cômodo de realização de triagem.

Ofegante, mas não cansada, Veronica conseguiu empurrar com facilidade uma longarina com cinco assentos azuis contra a porta de vidro, a fim de apenas retardar a entrada da fera; Allyson permanecia abraçando uma Normani suada, para mantê-la de pé; e Camila possuía as mãos na cabeça e óculos escorregando pelo nariz, desconcertada.

– Explique! – Dinah apontou o indicador para a mulher de sidecut. – Se eu for morrer, quero morrer sabendo o porquê!

– Quem é você?! – Camila perguntou, colocando as mãos inquietas na cintura. – Ou melhor, o que você é?!

Houve um momento de silêncio entre elas, onde a portadora da besta Quiver em mãos ponderava o que fazer ou dizer.

– Okay, vocês merecem a verdade! Sei que estão cientes de um mundo não-mundano, então não preciso fazer introduções. Eu sou uma caçadora... de um tipo especial de ser sobrenatural. – Veronica finalmente revelou, engolindo seco e enxugando o suor na testa com a mão livre. – Aquilo que está lá fora nos farejando é uma lobisomem! Yeah... sim, estou falando de uma metamorfose entre humano e lobo! E, infelizmente ou não... lobisomens não são o tipo de ser sobrenatural que eu caço, logo, não sou especialista nesta espécie!

– Você é uma caçadora?! – Allyson continha os olhos arregalados. – Sabe do que fizemos no Texas?! Você tem superpoderes também?!

– Sim, tive certeza há pouco tempo de que algo havia acontecido naquela viagem. E não, não tenho exatamente superpoderes... mas... – Veronica ladeou a cabeça e torceu a boca. – Está no meu DNA... sou mais rápida, mais forte, mais instintiva que um humano. E eu... – hesitou, umidificando os lábios. – Eu envelheço mais devagar também.

As quatro outras mulheres estavam levemente boquiabertas, sem acreditar.

– Quantos anos você tem?! – Normani gaguejou ainda abraçada à Allyson, em meio aos grunhidos de dor e à falta de ar. A sensação terrível de estar no interior de um caldeirão com água fervente não passava, apenas piorava e se concentrava em seu tríceps direito, agora marcado por símbolos pretos. – Que merda está acontecendo comigo, Vero?! Que merda está acontecendo com todas nós?! Você mentiu pra gente... esse tempo todo?!

– São muitas perguntas e eu irei responder todas! – Veronica ergueu as mãos em sinal de rendição, ainda segurando sua besta Quiver. – Tudo o que consigo dizer agora é que eu estava em uma missão designada por um grupo chamado A Ordem! Eu nasci em 1898 e o que está acontecendo com você, Normani, também aconteceu comigo! Olhe, eu também tenho uma marca parecida!

A mulher de sidecut ergueu a manga da blusa escura que usava, revelando os traços pretos presentes também em seu forte tríceps direito. Os padrões eram diferentes, mas a origem dos desenhos e símbolos pareciam as mesmas.

– Espera... Você tem 88 anos?! – Camila arfou, fazendo rapidamente a conta. – Como?!

– E como nunca vimos essa tatuagem antes?! – Allyson balançou a cabeça negativamente, em descrença.

– Eu usava uma "maquiagem" especial que cobria. – Veronica justificou. – E não é uma tatuagem, é uma Runa. Também são chamadas de Marcas e são incrivelmente poderosas. Boas para caçadores e letais para demônios!

– O que está acontecendo com a Normani?! – Dinah questionou de imediato, dando passos ágeis até estar ao lado da namorada, abraçando-a. – Fala logo, Vero! O que está acontecendo com ela?!

– Eu tinha apenas 16 anos quando, em 1914, meus genes foram ativados... e eu me tornei uma caçadora. O corpo dela está lutando contra a mudança e é... tragicamente normal. – o olhar de Veronica se tornou tristonho e ela suspirou em arrependimento, encarando a mulher negra. – Os seus genes, Normani, estavam silenciados em seu DNA e se ativaram quando se aproximou de uma lobisomem! Aquela criatura lá fora é a espécie que você caça, mas agora suas habilidades são poucas! Precisa treiná-las e precisa de algo para te proteger nesse meio tempo!

A mulher de sidecut mal terminou de falar e já retirava a alça do suporte de flechas por seus ombros, a fim de poder manuseá-lo e abrir um zíper existente em sua base.

– Você está louca, eu não posso ser uma caçadora! – Normani falava e trocava olhares temerosos com Dinah, que não a soltava de jeito nenhum. – Não faz sentido isso estar na minha linhagem!

– Não faz ideia do quão errada está, Kordei.

Ao mesmo tempo em que dizia aquilo, Veronica retirava do zíper aberto um revólver de prata extremamente pura, modelo Colt Python 357, que de maneira assustadora brilhava com as incidências das leves luzes vindas das janelas; no cano havia uma fileira de runas antigas. E, dando passos vagarosos até a negra ainda nos braços da namorada, ela ofereceu a arma, pousando-a na palma de sua mão.

– Era da sua avó... Barbara. Ela também era uma caçadora de lobisomens. Eu irei explicar como a arma dela terminou comigo... e todas as dezenas de dúvidas que estão rondando suas mentes, mas não temos muito tempo! A lobisomem vai nos encontrar a qualquer momento! – Veronica olhou rapidamente para trás, analisando através dos vidros da porta, antes de voltar a encará-las. – Fique com a Python, ela agora pertence a você! Quando eu mandar... atire no ombro! E, faça qualquer coisa, mas não atire no coração da criatura, okay?! Segure isso e fiquem atrás do balcão! Não saiam de lá até eu mandar!

A mulher de sidecut entregou a arma para uma Normani desconcertada e apontou para a recepção, imediatamente virando-se de costas para elas e erguendo a besta à altura dos olhos a fim de mirar a entrada da enfermaria. Camila, Dinah e Allyson não compreendiam sua repentina apreensão, mas Veronica, portadora de uma audição mais apurada, conseguia ouvir ao longe o galopar da lobisomem em alta velocidade naquela direção. A criatura ainda inexperiente havia vasculhado todas as salas próximas, rondado a praça em frente, e agora vinha para o único local ainda não analisado.

Entretanto, no instante em que Normani tocou no revólver de prata, uma espécie de choque elétrico se infiltrou por seus dedos e chegou em suas veias, percorrendo seu corpo em questão de segundos. Suas pupilas dilataram; suas íris mudaram de cor e brevemente adquiriram um tom azul — a mesma tonalidade da fileira de runas antigas no cano, agora iluminadas — que logo desapareceu; seu coração errou a batida, acelerando; seus músculos vibraram, ganhando tônus; a dor e o desconforto foram substituídos por uma euforia descontrolada. A conexão com a arma foi instantânea; o encaixe de sua palma ao cabo... perfeito.

A sensação era muito semelhante à de um reencontro.

Seu transe foi interrompido quando Dinah a puxou bruscamente, levando consigo também uma Allyson atordoada e uma Camila perplexa. As quatro praticamente se jogaram por detrás do balcão, respirando fundo várias vezes para controlarem as respirações.

Um silêncio agoniante se instaurou... os tímpanos das humanas latejavam conforme o sangue pulsava nos ouvidos.

Camila se encontrava ao extremo da proteção do pequeno balcão, do lado esquerdo. Sua mente estava inquieta, em um turbilhão de pensamentos e informações que se aglomeravam em uma bola de neve. Muita coisa havia sido revelada, mas ainda sem coerência.

Até que, em um estalar de dedos, houve uma associação.

Uivo. Orelhas alongadas. Presas. Olhos verdes cintilantes. Pelagem negra. "Lobisomens são escravos da Lua Cheia"; "Aqueles que fazem parte da linhagem de sangue precisam ativar a maldição".

Sem coragem de arrumar os óculos de grau no nariz, ela se manteve de olhos arregalados ao perceber que a verdade esteve o tempo todo na sua frente.

Mediante a calmaria, Camila, Dinah e Allyson finalmente puderam perceber os rosnados guturais se aproximando. Eram velozes, predatórios e eversivos, obrigando-as a cobrir as bocas para não emitirem nenhum choramingo de medo.

Conseguiram escutar a lobisomem subindo os degraus da entrada da enfermaria, tal como seus ruídos empurrando com facilidade as portas de vidro juntamente a longarina com cinco assentos azuis. Era possível notar sua respiração grave; seus grunhidos animalescos associados aos sons de suas patas traseiras arranhando o piso com as unhas finas. O cheiro forte de sangue e restos humanos logo infestou o ar na medida em que a criatura mantinha-se utilizando seu focinho para inspirar fundo e localizar suas presas no silêncio estranho que regia o estabelecimento.

Estranhando a ausência de sinais que deveriam indicar uma luta entre Veronica e a criatura, Camila cogitou que algo terrível poderia ter acontecido. Não poderia trocar olhares com suas amigas, porque as penumbras por detrás do balcão não permitiam. Mas, não podia negar que uma intuição a regia, pois ela precisava ver para ter certeza... e precisava estar errada. Ela rezava para estar.

Dinah tentou segurá-la, mas foi tarde demais.

A latina de óculos de grau inclinou a cabeça meros centímetros para o lado, buscando bisbilhotar. E bastou aquele leve movimento para que fosse notada pela visão noturna da fera e sentisse, consequentemente, algo peludo a puxando pelos pés.

AH! – Camila berrou ao levar o tranco e começar a ser arrastada na medida que arranhava suas unhas no chão, para evitar ser puxada. – SOCORRO! AH!

Mas não havia o que ser feito. A lobisomem rosnava entre seus molares e fincava suas garras na barra da calça jeans da jovem que a chutava e se debatia.

Em um golpe certeiro no punho direito da fera, Camila conseguiu se libertar em meio ao choro e engatinhar ao ponto de se colocar de pé. Mas isso não foi o suficiente. A lobisomem ficou sobre as duas patas traseiras e se virou para ela outra vez, caminhando horripilantemente em sua direção — a junção de habilidades humanas e animais era assustadora — e a fazendo, consequentemente, dar passos temerosos para trás até sentir a parede fria da enfermaria contra suas costas.

Camila, engolindo os prantos, parou de respirar ao sentir a bufada de ar quente contra a bochecha. Estava encurralada, tragicamente cercada entre os tijolos e a morte cruel à sua frente. Tremendo, ela tentava se contrair o máximo possível a cada centímetro que era diminuído entre o seu rosto e o focinho ensanguentado da criatura que cheirava à chacina.

O calor emitido por sua pelagem negra era tão conhecido...

A lobisomem ofegante inspirou fundo, farejando sua presa amedrontada. Porém, no momento em que o perfume doce foi reconhecido por seu cérebro, o rosnado gutural imediatamente morreu em sua garganta. Uma sensação estranha a consumiu, sua raiva decresceu, o desejo de matar reduziu. Ela se distanciou um passo para trás e começou a piscar lentamente, com suas íris verde-lima cintilantes demonstrando a confusão que se apoderou.

Mantendo suas íris chocolates fixadas, Camila arfou em surpresa ao finalmente reconhecer quem estava diante de si.

O castanho no verde se conectou.

Lauren? – sua voz angelical embargada sussurrou. – É você?! Por favor, pare! Você não é um monstro!

Identificando o tom de voz que tanto apreciava, uma parcela racional do interior da lobisomem se acendeu por breves segundos. Suas orelhas se abaixaram e seus ombros caíram, encolhendo-se na medida em que mostrava seu arrependimento pelo o que havia feito.

Algo dentro dela queimava e não era fome, deixando-a perdida.

Sou eu... – a latina de óculos de graus sujos sussurrou, encarando profundamente as íris cintilantes. – É a Camila... Sua Camila.

Um choramingo de desculpas foi emitido pela lobisomem, que abaixou o focinho em vergonha. Acanhada, ela fungou ainda mais arrependida.

A criatura já estava prestes a se virar completamente e procurar por outra presa quando ruídos atrás de si se tornam audíveis.

Normani, AGORA! – a voz de Veronica ressurgiu ao fundo, em uma sala adjacente onde havia se escondido.

Não! – Camila tentou impedir, mas foi tarde demais.

Simultaneamente as orelhas da lobisomem se levantarem e ela ao girar com o semblante enraivecido, uma rápida Normani surgiu por detrás do balcão já portando a Python argêntea à altura dos olhos focados, os quais brilhavam pelo desejo de matar a criatura.

*BANG*

O som do disparo ecoou pela recepção da enfermaria, fazendo Camila se retrair mais contra a parede quando o corpo animalesco da lobisomem foi para trás pelo impacto do projétil em seu ombro esquerdo. A criatura cambaleou, não caiu, mas se contraiu piedosamente ao começar a grunhir alto pela dor e queimação insuportável causada pela prata que praticamente derretia cada célula da clavícula em que entrava em contato.

A bala era feita de Prata Fina, do elemento químico extremamente puro que liberava partículas nocivas ao ser sobrenatural... as quais praticamente levavam à necrose dos seus tecidos.

Veronica então surgiu de uma sala adjacente segurando dois desfibriladores externos em mãos, equipamentos estes que faziam parte do Kit de Primeiros-Socorros desde os mais recentes protocolos após o atentado. A caçadora jogou uma das máquinas amarelas para Dinah e Allyson, que haviam também saído da proteção do balcão. E, em seguida, aproveitou a distração da lobisomen — que choramingava tentando retirar a bala do buraco no ombro, do qual era visível a combustão das células musculares —, se aproximou por trás e ergueu as pás já carregadas de energia elétrica advinda de uma pequena bateria presa por velcro em sua cintura.

No instante em que as pás entraram em contato com as costas da lobisomem, a carga elétrica atravessou a pelagem negra e se disseminou das omoplatas para o restante do corpo da criatura.

A lobisomem arregalou os olhos, de pupilas dilatadas, e grunhiu extremamente alto pela dor que era amplificada de maneira agoniante: o clamor foi tão alto e tão angustiante que vibrou as janelas e assustou todas as cinco mulheres ali presentes. Seus músculos ardentes entravam em pane e se confrangiam, pulsando em ácido e rejeitando a morfologia quadrúpede graças ao choque que levava. Era insuportável, como se houvesse sido jogada em um amontado de brasas acesas.

A fêmea se jogou para frente, ainda recebendo a descarga elétrica, e parou centímetros diante de uma Camila estática ao fincar suas longas garras na parede ao ponto de trincar os tijolos e pintura.

Rosto a rosto, a criatura ergueu as íris verdes arrependidas e elas cruzaram às íris castanhas assustadas da latina.

Camila não podia fazer nada a não ser ver Lauren, ou algo próximo a Lauren, ser eletrocutada.

DE NOVO! – Veronica gritou para Normani, que havia corrido até estar ao seu lado e agora tinha a mão no volume de corrente da fonte do desfibrilador. – MENINAS, ME AJUDEM!

Dinah e Allyson, naquele meio tempo, haviam percorrido a área da recepção e também já ligavam a pequena bateria que estava acoplada às pás do equipamento. A loira alta, mais experiente, manuseou as chapas e as chocou contra as costelas da lobisomem travada no momento em que Allyson girou amplificador, liberando e aumentando a descarga elétrica.

A corrente, agora dobrada, percorreu o corpo da lobisomem fazendo-a uivar ainda mais... em uma dor excruciante.

A morfologia não suportou a eletricidade, que também lhe era tóxica, e o gatilho animalesco se desligou na medida em que a transfiguração se revertia e permitia que a consciência de Lauren voltasse à superfície.

A pelagem negra da criatura, que despencou ao chão, começou a se desprender em pedaços grotescos pelo piso branco deixando-a em uma carne exposta que lentamente era substituída pelo tecido epitelial normal; os sons aquosos das articulações se remodelando ecoavam em conjunto aos movimentos pungentes de seus ossos quebrando em retorno à estrutura hominídea.

Seu pescoço virava... seus braços distorciam... sua coluna curvava.

A corrente elétrica forçava a sua morfologia humana voltar à face exterior.

Os uivos que se transformavam em gritos eram lamuriosos, fazendo as cinco mulheres se assustarem com o que acontecia diante de seus olhos.

Quando a transformação chegou ao fim, uma Lauren totalmente nua e suja permaneceu imóvel no chão, o qual estava coberto por uma grossa camada de sangue próprio, entranhas alheias, suor e pelagem negra.

Camila, desesperada e sem pensar duas vezes, agachou-se em meio a sujeira para pegar a ex-namorada nos braços e a embalar a despeito de suas condições.

– Lauren! – a latina a chamou em meio ao choro. – Lauren, por favor! Acorde!

Passando por entre Dinah, Normani e Allyson — que se encontravam ao redor e paralisadas pela surpresa — uma Veronica de semblante sério se aproximou e se agachou o suficiente para agarrar o braço direito de Lauren e posicionar uma injeção na artéria braquial. Ela enfiou a grande agulha, abaixou o êmbolo e o líquido cinza infiltrou na pele.

– O que você está fazendo?! – Camila arqueou o olhar, exasperada.

Sem respondê-la de imediato, Veronica deixou de lado a seringa e enfiou polegar e indicador no buraco presente no ombro esquerdo de Lauren, o qual ainda sangrava e liberava uma pequena fumaça causada pela combustão do projétil em sua carne. Com o som aquoso ecoando, as pontas dos dedos se lambuzaram de vermelho na medida que tentava agarrar a bala presa nas fibras musculares.

– A prata é tóxica para ela e pode matá-la caso se dissolva na corrente sanguínea e chegue ao coração. – explicou quando finalmente conseguiu segurar o projétil e o puxou para fora, o erguendo ao ponto da luz da janela incidir nele.

– E o que foi isso que você injetou nela?! – Camila continuou, desconcertada.

– Quando ela acordar, irá se transformar novamente porque a eletricidade apenas a bloqueará por alguns minutos. O começo da transformação se dá no ápice da Lua Cheia e perdura por toda a noite, até que ela suma do céu. Isso que injetei nela é acônito dissolvido... não a matará, mas a deixará apagada por um bom tempo. – a caçadora explicou, colocando-se de pé com certa dificuldade por causa da dor nas costas e nas costelas, e da leve ardência ao contrair a barriga mutilada.

– Acônito? – Allyson perguntou, lembrando daquela planta. – Eu conheç...

– Veneno de lobo. – Veronica girou o rosto para a bruxa inexperiente. – Você está cercada de coisas que nem imagina, Ally.

Em seguida, ela então encarou uma Normani que agora segurava a Phyton prateada nas mãos trêmulas e continha um semblante de pavor enquanto alternava olhares entre a arma, que agora possuía os desconhecidos símbolos místicos brilhando em um azul intenso, e as marcas permanentes de runas na pele de seu tríceps direito.

– Alguém pode me explicar que merda está acontecendo?! – Dinah disse entredentes, alterada.

– Eu sou uma caçadora de vampiros associada ao Vaticano. Lauren é uma lobisomem... – Veronica falou, antes de apontar para Allyson e em seguida para Normani, respectivamente. – Ally é uma Bruxa e sua namorada é uma caçadora de lobisomens! É isso que está acontecendo, DJ.

Os queixos de Camila, Dinah, Normani e Allyson caíram, tão extasiadas e banhadas pelo abalo e incredulidade que sequer conseguiram formular uma frase coerente para refutar a mulher de sidecut. As vidas bucólicas que as quatro continham antes da viagem ao Texas pareciam uma lembrança distante, uma época coberta por uma fina cortina onde tudo estava tranquilo e elas precisavam apenas se preocuparem com os estudos e seguirem com suas vidas medíocres para conseguirem se inserir no mercado de trabalho.

Mas existia um outro mundo inexplorado. Um universo que não conheciam nem 1% ainda.

Humanos não estavam sozinhos, nem eram a espécie superior no planeta Terra.

E o silêncio que havia sido instaurado entre as cinco mulheres foi cessado quando os barulhos de sirenes ecoaram ao fundo, sinalizando mais companhia.

– Precisamos tirá-la daqui. – Veronica disse, agachando-se ao lado de Camila que se negava a deixar de embalar uma Lauren desacordada. – Eles nunca acreditarão nisso! E, regra número 1 do mundo sobrenatural: a sociedade humana não pode saber da nossa existência.

***

Miami (1986) – Sexta-feira, 19 de Setembro

13hs e 07min

Um grunhido de padecimento saiu pelos lábios de Lauren, ainda de olhos fechados. Todo o seu corpo estava dolorido e os ossos e articulações pareciam ser feitos de gelatina. Sua consciente lutava para vir à tona em meio à escuridão que era o seu inconsciente e, lentamente, ela venceu e ergueu as pálpebras vacilantes. Piscou várias vezes e a primeira coisa que avistou foi a parede caiada e as vigas no teto do cômodo, denunciando que se encontrava em uma espécie de porão mal iluminado.

Deitada no chão, Lauren moveu a cabeça em meio a uma careta de dor e soltou um gemido ao sentir o acúmulo de poeira e pó de madeira pelo ar, os quais podiam ser vistos bailando por meio das frestas de luz advindas da janela de grades. Restos de entulho e uma mesa grande estavam no centro; plantas azuis e roxas, facas e peças reluzentes de prata estavam dispostas em cima.

Ainda zonza, Lauren mexeu os braços e pernas para buscar ficar de pé e então, finalmente, percebeu as correntes em volta de seus punhos, tornozelos e cintura. Ela se assustou e tentou puxá-las, mas o aço estava muito bem preso em grossas argolas de titânio no chão. Conseguiu ficar de pé apesar da pouca mobilidade e olhou para o próprio corpo abrigado por um longo moletom rosa, quente, mas não grande o suficiente para cobrir as manchas de sangue seco e pedaços orgânicos grudados em sua pele suja.

Suas memórias estavam bagunçadas, a cabeça latejava de maneira lancinante. Seu estômago embrulhava e revirava violentamente, mas a jovem inocente sequer se lembrava de ter comido alguma coisa antes da festa para tal enjoo.

Seus questionamentos e desespero foram interrompidos pelo ranger de uma porta abrindo, associado a uma claridade que banhou o local. Lauren semicerrou os olhos, por causa da sensibilidade na retina, e escutou os passos de aproximação da silhueta que descia os degraus da escada. Aos poucos a forma que lhe era conhecida foi ganhando expressões e um suspiro de alívio saiu por seus lábios ao ver quem era.

Porém, sua alegria morreu no instante em que avistou o semblante choroso e triste de sua ex-namorada: as olheiras estavam profundas, os ombros caídos e os braços envolvendo o corpo em um sinal claro de autoproteção.

Camila, se encontrava enrolada em uma manta branca e com as mãos trêmulas, engoliu seco.

Nós precisamos conversar, Lauren.

############

[Wolf] Precisamos admitir que poucas pessoas adivinharam o que a Veronica era! Estão chocades?! O que acharam? O que esperam agora para o futuro da fanfic?!

Deixem seus comentários, ideias e teorias! Além de claro, uns mimos para as autoras famintas.

Até a próxima atualização, Duskers.

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