Ter aceitado aquele pedido ainda parecia loucura na cabeça da mulher.
Encarou de soslaio o local onde Lucius estivera deitado até pouco tempo e suspirou lembrando de como a lembrança dele dormindo, lhe parecia excessivamente tranquilizadora. Parou a mão no mesmo momento.
O que pensa que está fazendo? — Grunhiu para si mesmo.
Jokaste ergueu-se da cama e tomando em suas mãos a flor que Lucius trouxera como confissão de seu afeto, selou os dedos.
Esmagando aquelas pétalas, destruindo a flor. Na mesma medida em que sentia seu peito refletir tal gesto.
Ainda havia algo de humano naquele coração e era ele quem estava chorando. Mas ela determinou-se a enxugar aquelas malditas lágrimas.
Seus olhos azuis brilharam em intensidade e poder, tornando-se tão claros que até mesmo refletiam arroxeados e num microssegundo depois, seu corpo sumiu da diminuta casa na encosta da montanha, materializando-se no porto da cidade de Patmos. Aquele navio zarparia sem um passageiro.
***
Lucius sorria, sentindo-se aquecido pelo sol como nunca sentira. Aquela felicidade, da qual nunca havia provado antes, parecia deixar o mundo levemente mais colorido.
Avistou o avô a caminho de casa e gritou sem medidas: "Ajude-me a construir uma casa, no meio da floresta, para que ela tenha todo um jardim a sua volta!".
Quando o avô pareceu confuso, ele confessou:
— A filhote de Afrodite existe! Eu a encontrei e vou me casar com ela!
Mais do que depressa, ele correu para sua casa e encontrou sua mãe. Lídia que a muitos dias não via o filho, de imediato o prendeu-o num abraço. A baixa estatura dela, fazia com que tivesse que erguer-se nas pontas dos pés e ainda assim, custava a abraçar Lucius por inteiro.
— Onde você estava? — Questionou ela, puxando-o para sentar-se com ela num banco posicionado na cozinha. — O esperei durante todo um dia e toda uma noite, ninguém sabia onde estavas. Temi que nos faltasse tempo.
A última frase havia deixado Lucius confuso.
— Faltasse tempo para que?
— Aleksander partiu numa viagem até Mikonos, ele não voltará por muitas luas... — O filho ainda se mantinha confuso. — E existe alguém que gostaria de vir até aqui, mas isso só poderia acontecer distante de Aleksander... O que quero dizer é que você conhecerá alguém esta noite.
— Também tenho alguém para que você conheça! — Acrescentou animado.
Lídia meneou com a cabeça, torcendo o vestido de seu vestido entre os dedos.
— Querido, este deve ser um encontro familiar.
— Se é por esta razão, ela deveria vir mais do que nunca, já que ela será a minha família. — Afirmou com uma convicção que perturbara Lídia. — Ei de me casar, mãe.
Lídia ergueu-se abruptamente, levando a mão ao peito, numa tentativa de respirar com calma novamente.
— O que? Casar-se? Com quem? Pelos deuses, estais louco Lucius?
— Não. — Respondeu com calma. — O nome dela é Jokaste, você a conhecerá ao entardecer. — Lídia abriu a boca prestes a protestar, mas Lucius não permitiu. — Nós já consumamos, mãe. Já somos um do outro. Não há como reverter isto.
— Lucius Kokinos! — Lídia gritou em protesto! — Como pôde?! E se a família dela não nos aceitar? E se os deuses não aprovarem?!
— Da parte dela não há ninguém para nos desaprovar.
Ele ainda se mantinha seguro, não vacilou o olhar dos olhos da mãe por nenhum segundo.
— Não me importo com as bençãos dos deuses se tiver ao menos a sua.
— Lucius... — Lídia suspirou profundamente, olhando nos olhos do filho, via uma irredutível certeza. — Estais realmente certo desta escolha? — Ele fez que sim com a cabeça. — E ela é uma boa moça?
— A mulher mais gentil e terna que já caminhou sob a terra. — Respondeu sorridente. — Ah mãe... E tão, tão linda!
Ela nunca tivera visto o filho tão feliz. O sorriso que Lucius quase sempre forçava para agradar a mãe frente ao padrasto, agora surgia naturalmente e com sinceridade. Relutante, ela fez que sim com a cabeça.
— Então vá ao seu avô e pegue outro peixe. — Ordenou ela. — Precisamos fazer um bom jantar para sua noiva.
— Sim senhora! — Respondeu e mais do que depressa zarpou até Naxo.
Lídia, assim que se viu sozinha, sentiu-se novamente nervosa.
Lucian chegaria, assim como Jokaste.
E talvez, pensou ela isso facilitasse a verdade que viria ao anoitecer.
Quando o sol abaixou-se no céu, Lucius caminhou trajando sua melhor peça de roupa, com os cabelos se perdendo entre diminutas tranças e seu cachos soltos de maneira selvagem – tal como Jokaste tinha declarado gostar.
— Está nervosa? — Lucius perguntou.
Caminhavam lado a lado, Lucius teria ido busca-la e agora iam juntos até a casa de Lídia.
— E não deveria? — Rebateu Jokaste. Com sua mão, Lucius deslizou até a dela e entrelaçou os dedos.
— Não deveria. — Afirmou ele. — Você é a mulher mais fascinante que já caminhou por estas terras. Qualquer insegurança não faz feitio a isto.
Ela parou abruptamente e puxando os ombros dele, fez com que se encarassem.
— Como consegue ser tão doce? — Questionou ela. — Tão puro e indulgente!
Ele sorriu com sinceridade e impetuosamente, puxou a cintura dela e a beijou – um beijo apressado e até mesmo fofo, desfazendo a pose séria que Jokaste tinha feito.
— Somente para você, minha bela noiva, serei o melhor dos homens sempre que possível!
Ela quis sorrir com aquela promessa, mas na verdade, somente a entristeceu ainda mais. Frustrando a culpa que lhe subia a garganta e que sairia como choro ou como confissão dos seus crimes, Jokaste beijou Lucius novamente. Aprofundando-se mais e mais, até que sentisse que não havia espaço entre os dois. E que pelo menos durante aqueles beijos, eles poderiam ser apenas um do outro.
Mas se ela tivesse notado a presença daquele homem, observando-os de longe, não teria feito mensura alguma.
Porque embora Lucius, naquela situação estivesse totalmente ignorante, ela sabia muitíssimo das consequências de seus atos. Afinal, o rei, era tão vingativo quanto a rainha.
***
Lídia havia acabado de sair afim de solucionar os últimos preparativos, quando Lucius e Jokaste adentraram a sala de estar da casa. Parecia até mesmo ridículo, mas lá estava ela, nervosa. Não tendo notado a figura que se espreitava escondida na casa, Lucius orientou Jokaste a se acomodar e saiu pela porta em busca de mais lenha.
Foi quando a atmosfera dentro da casa, aqueceu-se sozinha. Jokaste não precisou vasculhar a vista, o cheiro daquele homem era mais do que familiar. Sentiu um calafrio subir por sua espinha, o ódio dele era quase palpável.
— Olá, esposo. — Proferiu ela numa voz desdenhosa. — Surpreso?
Lúcifer materializou-se a menos de meio metro de distância em estado quase colérico. Extremamente distante do Lucian que Lídia conhecia, mas já familiar para aquela mulher sentada elegantemente a frente dele. Os milênios que aquele relacionamento já acumulava eram o suficiente para que ambos reconhecessem até mesmo a respiração um do outro.
Com rudeza, agarrou o pulso da mulher, forçando a erguesse.
— Brincar com mortais nunca fez seu feitio. — Proclamou Lúcifer, rosnando entre os dentes. — O que faz aqui?
A bruxa sorriu com desdém, ela tinha se esforçado para desvencilhar-se de suas mãos, mas ele apenas desferiu mais força, torcendo seu pulso.
— Achou que eu não o farejaria? Mesmo quando nem mesmo se esforçastes para esconder teu rastro? — A esta altura, era o rosto dela quem se tornava vermelho em um misto de tristeza e fúria. — Eu disse a você, que a mãe de Azazel seria a última mulher com quem você me trairia!
Gritou ela odiosamente.
Um grito que seria repetido anos seguintes já que o Azazel que ainda engatinhava nos círculos infernais era o número 4, dos 6 filhos de Lúcifer que viriam a ocupar o principado. Mas disto, ela ainda não sabia e somente conseguia lidar com o ressentimento mais recente.
— Não achou que me devia o mínimo de respeito? — Questionou ela com lágrimas brotando no canto dos olhos. — Ou consideração? Depois de tantos anos, depois de tudo o que fiz! Acha que pode me tratar como uma das cadelas de seu reino? Eu sou a rainha!
— E eu preciso de herdeiros! — Vociferou ele de volta.
E talvez, se ele lhe tivesse desferido um tapa no rosto dela, teria sido menos doloroso do que aquele conjunto de palavras.
— Coisa essa que não podes me dar! — Continuou ele, torcendo-a ainda mais forte, arrancando-lhe um grunhido. — Se teu ventre não fosse seco, você bastaria. Mas não é este o caso. Te falta gerar minha cria e para isso, as mortais bastam. As que mais padecem de carinho são perfeitos ninhos. — Numa estranheza de gestos, ele a aproximou de seu corpo e lhe acariciou a bochecha. — O que a de mau, depois de tantos milênios, buscar satisfação fora de casa? Eu ainda volto para você e lhe possuo todas as vezes, isso não basta?
A mulher que antes chorava, tornou-se séria.
— Tens razão. — Lúcifer suspirou em surpresa, mas prendeu a respiração quando a risada sacana saiu pelos olhos da mulher ruiva com olhar malicioso. — Descobri tal fato aqui mesmo em Patmos. — Dizia ela, que se aproveitando da proximidade que ele mesmo provocara, sussurrou ao ouvido. — É verdade, que vim a esta terra por você, mas fiquei porque percebi que depois de tantos milênios, teu vigor não é o mesmo de outrora. E tuas crias são que nem ti, mas está em particular, é mais bonita e vigorosa.
O pulso dela acelerou quando observou a figura vindo, ainda um tanto distante.
"Não há como voltar agora." — Lembrou sua voz mental. E ela afirmou consigo mesma.
— E melhor que ti, ele é fiel. Leal, como um pequeno cãozinho que se apaixonara pela dona. Percebo agora o meu apreço por cães. — Continuou a provocar. — Ah, e o melhor! Sem ver-me como mãe e eu sem vê-lo como cria, ele se torna a epítome de minha euforia.
Fora nesse momento em que a fúria de Lúcifer excedeu seus limites e sua mão foi erguida, pronto para deferir o tapa naquela que era sua esposa.
A mão se ergueu, mas não desceu.
Agora uma outra mão que parecia imitar a sua, prendia seu pulso com certa monstruosidade.
— O que pensa que está fazendo com minha noiva? — Bravejou Lucius, quase rosnando, ao se deparar com a cena do homem desconhecido, torcendo o pulso de sua mulher.
Lúcifer olhou da mão para o homem, do homem para mão e reconheceu. Era ele sua cria, sua melhor cria e também, seu traidor.
— Noiva? — Lúcifer questionara risonhamente.
Aquele som, por sua vez, somente parecia um catalisador para a fúria do garoto, que parecia tornar-se tão vermelho quanto o reflexo de seus olhos.
— Ele queria me machucar! — Gritou ela, ainda falhando em tentar se desvencilhar de Lúcifer.
Com aquela força sobre-humana, Lucius, puxou a noiva para o local que lhe parecia seguro e socou, socou, socou até que o grito de Lídia rompesse o local.
— Pare com isto! — Ordenou ela se pondo entre os dois. — Ares te comeu o juízo?
O jovem ergueu-se de pronto e numa posição de defesa, trouxe a noiva para seus braços, lembrando-se de tomar cuidado com o pulso dela.
— Quem é este homem? — Questionou Lucius ainda fulo. — E como ele se atreve a encostar seus dedos em Jokaste?
— Jokaste? — Lúcifer riu novamente, cuspiu o sangue que se acumulara na boca e falou direcionada somente a mulher. — Sempre soube que gostava de trocadilhos, mas não acho que esta criatura saiba a que este nome se refere. Ainda assim, é uma piada muito inteligente! E sórdida, até mesmo para seus padrões Lily.
— Este é meu convidado! — Interpelou Lídia, ignorando a intimidade como o homem tratara a mulher. — Este é Lucian, Lucius!
— O que? — Esganou-se a mulher outrora mofina nos braços do noivo. — Apresentou-se a ela com o nome que eu lhe dei?
— Ai está ela! — Comemorou Lucian. — Aí está a Lilith que eu conheço!
— Vá para o inferno! — Respondeu ela.
— Logo depois de você, querida!
— Querida?
Lucius e Lídia questionaram uníssonos e houve naquele momento uma confusão, já que não era possível dizer em qual das vozes havia mais mágoa.
— Droga! — Praguejou Lúcifer para Lilith. — Você estragou um encontro familiar.
— Me explique agora o que está acontecendo! — Pediu Lucius com uma voz desesperada. — Você o conhece?
— A pelo menos doze mil anos. — zombou o diabo.
— Que brincadeira é esta, Lucian? — Questionou Lídia irada. Voltando-se para Lily logo em seguida.— E você? Disse que era sozinha! Disse que se casaria! Estava mentindo para meu filho?
Lilith teatralmente levou a mão ao peito.
— Eu? Não seria você quem cometera tal pecado? — Provocou ela. — Mentiu para ele, para seus pais, para o tolo de seu marido... Durante toda uma vida.
— O que quer dizer? — Retrucou Lídia fazendo-se de tola.
— Ora, ora Lidiazinha. Basta olhar para os dois. Eles possuem os mesmos olhos, não? Garanto que são igualmente viris também, você os alimentou bem.
— O que está tentando dizer?! — Questionou Lucius com um grito. Quem era aquela mulher ruiva a sua frente que parecia fazer piada com seu destino?
Ela não ousou encara-lo. Ao invés disso, o pai presente naquele lugar o fez.
— O que ela está dizendo, é que você estragou tudo rapaz. — Lúcifer aproximou-se de Lucius deferindo-lhe levemente 3 tapas em uma das faces do rosto. — Você teria uma coroa em sua cabeça, teria um prospero futuro assumindo o seu lugar como meu filho, mas preferiu dormir com minha esposa.
— Sua esposa?
— Eu tinha planejado tanto, mas agora, — Lúcifer voltou seus olhos para a esposa. A ideia estalou em sua cabeça. Puniria os dois de uma só vez. — Não há maneira para que faça parte de nossa família. — Ele balançou negativamente com a cabeça, levando os olhos para Lídia. — Deixei-o por tempo demais com você, acabou estragando um ótimo espécime.
Lúcifer num movimento rápido, tomou o pulso de Lucius a força, surpreendendo o garoto que tão facilmente teria o espancado a pouco tempo e disse novamente voltando-se para Lilith:
— Espero que ainda goste de cães.
E num gesto que poderia ter sido paternal, Lúcifer beijou a parte interna do pulso do garoto, mordendo com rudeza logo em seguida.
A bruxa ruiva soube no exato momento o que aquilo significava.
— Lucian! Não! Pare agora! — Lilith gritou pondo-se na frente de Lucius que grunhia ajoelhado, encarando o pulso em carne viva e sentindo o queimar em suas veias. — Fui eu quem o trai, ele é somente uma criança. Sua criança!
— Não. — Respondeu ele sacudindo a cabeça. — Aprendi com o meu pai a não perdoar traidores. Por menores que sejam seus crimes...
Lídia que ainda parecia estar atônita, se juntou a Lilith naquela ínfima tentativa de proteção. Desesperada, ela gritou em plenos pulmões.
— Mas ele é seu filho!
— O que?
A voz rouca que invadiu a sala, calou a voz de todos e apavorou Lídia. Aleksander, estava ali a porta, com suas melhores roupas, cabelo penteado e um buquê de lírios. Lídia imediatamente correu até o homem, assustada pela cena que acabara de ver e pelo o que havia confessado.
Entretanto, Lilith não saiu do lugar, apenas atentou-se aos próximos passos de Lucian.
— Não precisa fazer isto. Já trouxe dor o suficiente a ela. — Exclamou Lilith.
Ele novamente negou com a cabeça.
— Sabes bem que não gosto de pontas soltas.
— Nuti adcuvajecie nija vini? — Perguntou ela num morfeniano arcaico o que poderia ser traduzido como "Não sentes culpa alguma?"
— Eles são mortais. — Disse ele de maneira frigida. — Não deixarei que humano algum nos atrapalhe.
Voltando-se para ela com os olhos brilhando de maneira indecifrável, ele respondeu naquela mesma língua confusa para os outros presentes na sala.
— Eímaste metaky uni pe alți în ultimi deka chiliádes de aki. Si vom praciahvać să fim în toate chilietíes care vor veni. — Ele cantalorou com convicção.
Ela repetiu mentalmente: Fomos um do outro pelos últimos dez mil anos e continuaremos sendo por todos os milênios que estão por vir.
Lilith engoliu em seco e forçou um sorriso, porque no fundo, sentia aquilo mais como uma sentença do que como uma declaração de amor.
— Sim. — Confirmou ela. E vendo-se incapaz de chama-lo por marido, ela exaltou seu título. — Diavol mare.
Afinal, aquele não era a face Lucian. Aquele era Lúcifer, o Grandioso Demônio. Foi quando tudo se tornou lúgubre.
Lídia ainda chamou por aquele Lucian que conhecia, mas gritou, apavorada quando os chifres brotaram de sua fronte.
O demônio por sua vez, ignorou-a e voltando-se para Aleksander, sentiu todos os pecados do homem tamborilando em seu corpo, misturados com a dor da traição. E Lúcifer, como se regozijasse daquilo, sorriu antes de proferir a ordem no ouvido do homem e entregar a sua adaga.
Lídia, como se pressentisse o que viria, correu. Chorou. Implorou.
Mas não havia recusa para uma criatura enfeitiçada, que embora nutrisse tal fúria, nunca a consumaria de maneira tão brutal. E para aquela mulher, duplamente traída, quando percebeu a irredutibilidade das circunstâncias, apenas aceitou seu fim.
Ela apenas deixou que o marido se aproximasse o máximo possível e erguendo-se nas pontas dos pés, beijou-lhe a boca como nunca tivera feito durante a vida juntos, sussurrando logo em seguida:
"Perdoe-me por não o amar, assim como eu o perdoarei pelo que fará".
A adaga de cabo de caprino, atravessou o abdômen de Lídia.
Alavancada para cima, pela fúria de Aleksander, o sangue que jorrou do corpo da diminuta mulher rapidamente inundou o chão enquanto o grito de Lucius rompia o local.
De mãos tremulas Aleksander retomou sua consciência e grunhiu em desespero e pavor ao ver o rosto da esposa – que um dia tinha sido sim, sua amada –, enquanto Lúcifer e Lilith observavam como se aquele fosse só mais um inconveniente de sua longa trajetória conjugal. Embora desta vez, houvesse temor nos olhos da esposa.
Lucius, pelo que foi a última vez naquela era, gritou. Fosse pela dor da transformação, fosse pela dor de ver a mãe sendo morta.
Seu corpo gradativamente perdia as características humanas, retorcendo-se em cão, enquanto aqueles dois pares de olhos observavam atentamente as unhas se curvarem em garras, a pele se tornar pelo e o belo rosto retesando-se num focinho.
Os olhos de íris vermelhas, tomadas por fúria e desprezo e o par de olhos azuis, pelo que devia estar sendo sentido pela primeira vez, tomado por arrependimento.
***
Antes que aquela manhã enlutada surgisse, as memórias dos demônios foram tomadas de Aleksander, deixando-o apenas com a certeza de que num rompante de loucura, tinha lançado o filho ao mar, logo depois de esfaquear a própria esposa. Definhou sozinho, rejeitado por toda a família de Lídia, plantando lírios brancos que um dia o fizera lembrar-se da esposa e que mesmo milênios depois ainda florescem por toda Patmos.
E para aquele que ainda era uma criança...
Naquele reino sombrio, que inundava as narinas com enxofre, quando despertou novamente tinha perdido tudo o que reconhecera um dia como Lucius.
Agora era somente uma nova cabeça no tronco do Cerberus.