Over The Dusk

By control5h

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Décadas. Maldições. Linhagens. Amores proibidos. Luxúria. O ano inicial para elas foi 1986. Camila Cabello e... More

Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22

Capítulo 13

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By control5h


Olá, pessoal! Hoje não é domingo, mas tem atualização para comemorar a Lua Cheia desse final de semana!

[Vamps]: Bom, meus amados, só pra avisar mesmo, esse capítulo está no mínimo tenso... e carregado de explicações. Então aconselho que leiam com calma e se preparem, porque a partir daqui só vamos ladeira abaixo... Como se fosse novidade kkkkkkkk Não se esqueçam de dizer o que estão achando e fazer suas críticas, comentários e favoritos, que sempre são bem vindos :)

[Wolf] Um dos capítulos mais esperados finalmente chegou! Para ajudar alguns na visualização da cena da transformação, aconselho que vejam o vídeo no Youtube intitulado "The Wolfman Music Video: The Night by Disturbed", ele dá uma ótima ideia do caos que está por vir, por mais que a fisionomia animal seja a da capa! Também gostaria de alertar GATILHOS pesadíssimos de cenas perigosas, drogas, sexismo, muita mutilação e violência explícitas. Ah, e nossas personagens ficam com outras pessoas, tá?! Espero que isso já tenha ficado claro.

Músicas do capítulo se encontrarão futuramente na playlist "Over The Dusk Oficial" no Spotify, mas hoje não foi possível as adicionar antes da postagem, então elas são: "Another Brick In The Wall, Pt. 2" de Pink Floyd; "Girls, Girls, Girls" de Mötley Crüe e "The Night" de Disturbed. Adicione na lista de reprodução para não precisar pesquisar na hora!

Peguem um bom fone, apaguem as luzes do quarto, liguem a máquina de gelo seco para aquele climão da hora e boa leitura!

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Três dias antes - Noite

Domingo, 14 de Setembro - Gus' Games and Grub

* Music On * – (Another Brick In The Wall, Pt. 2 – Pink Floyd)

Um Ford Maverick motor V8 vermelho e preto vinha pela estrada em alta velocidade, onde, ao volante, Noah Hargensen tragava seu cigarro e soltava a fumaça pela janela, com o braço esquerdo apoiado no batente enquanto dirigia só com a mão direita. Ao seu lado se encontrava Kristina de Lioncourt, distraída enquanto enrolava um baseado, balançando os pés ao som das fitas de AC/DC.

– Ei, cuidado com isso! Se a polícia me pegar com bagulho dentro do carro eu vou preso de novo! – o loiro repreendeu com grosseria quando viu um pouco do baseado da mulher cair no carpete.

– Deixa de ser chato, Noah! Mal caiu um milímetro... nem mesmo os cães vão saber! – a francesa falou emburrada, antes de passar a língua na seda.

– Aham, vai sonhando, gatinha. – o homem mais velho deu outro trago em seu cigarro, soltando a fumaça desta vez pelo nariz. – Suas amiguinhas disseram que estarão lá?

– Só a Jennifer... a Rebecca morreu pisoteada. – Kristina respondeu com pouco caso, buscando no bolso da jaqueta jeans clara o isqueiro que havia roubado de uma lojinha de conveniência.

Quando encontrou, acendeu o baseado logo em seguida, com um pouco de dificuldade por causa da tipóia no ombro que ainda se recuperava do tiro levado.

– Quem mais?!

– Minha prima Keana também vai estar lá.

– O Chris vai? – Noah perguntou enquanto retirava a fita de música e mudava para o rádio.

"Fiquem ligados para ouvir mais do show de um dos maiores sucessos: Another Brick In The Wall do Pink Floyd!" disse a voz risonha e gritada do radialista acima do toque da música. "Não toquem nesse dial, mantenham a estação sintonizada no rock para os próximos sucessos!"

– Óbvio, onde ele vai ela também vai. – a francesa respondeu, com o papel do baseado preso nos lábios, atrapalhando sua fala. – O grupo inteiro vai estar lá basicamente, precisamos que todo mundo esteja presente para que o plano dê certo. Não estou a fim de ser expulsa e escutar sermão do meu pai.

Kristina deu uma longa tragada em seu baseado, se encostando de forma mais confortável no banco do carro. Uma fumaça branca densa escapava entre seus lábios, relaxando quase que instantemente com o THC da erva entrando em seu sistema. Ela sorriu e assentiu para qualquer pensamento aleatório que lhe veio à mente. De todas as drogas ilícitas que já havia experimentado, o beck, com toda certeza, era o seu favorito.

Isso é o paraíso, pensou com a fumaça presa em seu pulmão antes de soltá-la.

"All in all you're just another brick in the wall" – murmurou junto ao refrão, soltando a fumaça enquanto cantava.

Em resumo, você é apenas mais um tijolo na parede

O motorista loiro ladeou a cabeça no banco, apreciando o quão sexy sua noiva conseguia ser fumando. Noah detestava que ela consumisse drogas, e já tentou diversas vezes — à força inclusive — fazer com que Kris largasse o beck, mas nunca obteve sucesso.

A francesa fumava e olhava para o céu, apenas desviando a atenção quando viu um caminhão ao fundo da estrada se aproximar na via de fluxo de sentido oposto.

Uma ideia ousada surgiu em sua mente entorpecida e um sorriso malicioso nasceu em seu rosto.

– Vá para a esquerda e acelere, Noah. – ela instruiu e o loiro abriu um sorriso delinquente.

Ao virar o volante para a esquerda, o homem acelerou ainda mais o carro. Kristina se levantou e colocou metade de seu corpo para fora da janela; o vento balançando loucamente seus cabelos e jaqueta na medida em que soltava vários gritos divertidos. Quando já estavam na metade da estrada, o caminhão logo deu início a uma série de buzinas altas e desesperadas. Kris, ao ouvi-las, começou a gargalhar e gritar a plenos pulmões... sentindo com prazer toda a adrenalina que o perigo lhe proporcionava, ao som de "Another Brick In The Wall" na rádio como trilha sonora de fundo.

Ao se encontrarem a quase 2 metros do veículo oposto, as pupilas da loira se dilataram ao presenciar o caminhão tão próximo de si e, imediatamente, voltou para o interior do carro alguns segundos antes de Noah virá-lo bruscamente para a direita, retomando ao outro lado da faixa em que estavam anteriormente. O motorista do caminhão buzinou novamente, soltando vários xingos pelo caminho, e causando várias gargalhadas ao casal. Kristina, que estava tendo crise de risos, pegou o beck caído no carpete e voltou a fumar antes de puxar uma garrafa jogada no banco de trás. Abriu a cerveja e tirou o baseado da boca por um momento para beber, levando uma gargalhada aos lábios do noivo que balançava a cabeça sem acreditar no quanto a francesa era maluca.

Qualquer um que visse aquilo ficaria perplexo com a atitude irresponsável, mas não Noah, depois de tantos anos juntos, o homem de 28 anos já estava mais do que acostumado com as loucuras de sua noiva. Sem contar que eram problemáticos igualmente. Satisfeito, acelerou ainda mais o veículo quando avistou, ao longe, a grande placa do Gus' Games and Grub piscando em LED.

O lugar estava repleto de jovens e adolescentes sentados ou em pé nos bancos de seus carros; rindo, conversando, namorando, fumando ou bebendo. A música alta The Final Countdown da banda Europe enchia o lugar.

Ao parar de qualquer jeito perto de uma das vagas no estacionamento, dando um susto no jovem que estava encostado em uma placa que indicava vaga preferencial, os dois saíram do Ford Maverick e entraram juntos no estabelecimento. O loiro mais velho se livrou do filtro do cigarro, jogando-o em um canto qualquer do chão, antes de dirigir-se até uma mesa nos fundos do fliperama onde estavam sentados: Christopher Jauregui, Keana Issartel, Ansel Elgort e Jennifer Ward. Sobre a madeira oval, copos com milkshakes e embalagens plásticas denunciavam que os jovens vestindo jeans, roupas coloridas e sprays de cabelo já haviam devorado diversos itens do gorduroso menu da lanchonete.

Noah e Kristina se sentaram em dois lugares vagos ao lado de Jennifer e não perderam tempo em se inteirar do assunto que conversavam em alto e bom tom, propositalmente sendo inconvenientes e perturbadores aos demais clientes no interior do estabelecimento. Os seis sempre faziam tais babaquices e sequer paravam, mesmo com pedidos gentis dos funcionários. Às vezes ouviam comentários aqui e ali sobre o fato de serem extremamente insensíveis com os colegas que faleceram no atentado, há duas semanas. Mas, eles não se importavam nem com os vivos... imagina com os mortos.

O tom de vozes, no entanto, se tornou mais baixo ao tocarem em um assunto sério.

– Isso não é ilegal?! – Keana perguntou preocupada, encarando todos na mesa como se fossem loucos.

– Quem se importa se é ilegal ou não? – Kristina revirou os olhos.

– Aprenda uma coisa, Issartel: Quando não tem polícia por perto, nada é ilegal. – Noah falou com um sorriso cínico, passando os braços pelos ombros da noiva.

Keana bufou, acenando com a cabeça, sentindo uma aversão subindo dentro dela. Olhar para Noah era o mesmo que avistar por uma porta entreaberta e ver a própria Carrie White encolhida, com as mãos cobrindo a cabeça. A francesa realmente não entendia o que uma garota rica, popular, e linda como Kristina, via em Noah Hargensen, que não passava de um Branco Lixo de beleza mediana que usava sempre as mesmas roupas velhas de segunda mão e ainda por cima não tomava banho.

Só pode ser fogo no rabo, ela pensou, vendo a prima entrelaçando seus dedos com os do loiro.

Sua tia Louise a este instante deveria estar arrancando os cabelos de tão nervosa. Assim que Kris recebeu alta do hospital, Keana foi visitá-la na mansão dos de Lioncourt e encontrou os pais de sua prima soltando os cachorros dentro da enorme residência. Raul, parecendo que a qualquer momento iria explodir de tão vermelho que estava, até mesmo ameaçou mandar a filha para um internato na Alemanha caso não desmanchasse aquele noivado desastroso, ao que a estudante de Arquitetura bateu o pé negando e chantageando o pai com a promessa de fugir de casa caso não fosse apoiada.

– Foda-se, eu só não quero ser preso. – Christopher falou, esticando os braços por cima da mesa repleta de vidros de milkshake e papéis de sanduíche e batata-frita.

– Se todos vocês fizerem exatamente o que combinamos, ninguém aqui vai ser preso ou expulso. – Kristina falou sem paciência. – Não há espaço para erros aqui.

– Parece tudo muito bem planejado pra mim... – Ansel utilizava palito de dentes para retirar um resquício de bacon dos molares. – Cada um tem sua parte: pegar as chaves do Tatcher, puxar os fios das câmeras antes da Universidade fechar, comprar as bebidas, arrumar o toca discos...

– E convidar apenas pessoas confiáveis, não se esqueçam... – Jennifer acrescentou enquanto mantinha a atenção nas unhas feitas mais cedo naquele dia. – Não quero nerds, barangas ou perdedores infiltrados na nossa festa.

– Ainda acho que podíamos fazer essa festa em outro lugar. – Christopher coçou o alto da cabeça, preocupado. – Sei que o objetivo é zombar da cara do mariquinha do Dylan que não conseguiu matar a gente... mas usar o espaço do campus pode dar muita merda. Merda grande!

– Você vai em cana. – cantarolou Noah, soltando a mão de Kristina e inclinando-se sobre a mesa, encarando o Jauregui nos olhos com um sorrisinho debochado. – Você não passa de um fedelho nanico mijão. Está fazendo esta festa justamente pra pagar de gostosão, coisa que você não é, e agora está se cagando nas calcinhas da Keana! – o loiro mais velho falou com escárnio. – Um verdadeiro filhinho de papai... Até a sapatão da sua irmã tem mais colhões que você!

– Cala a boca, seu marginalzinho de merda! – Christopher disse entredentes e ameaçou se levantar do estofado do assento, mas Jennifer foi mais rápida e o empurrou de volta.

Noah, encrenqueiro, apenas deu uma risadinha com os dentes levemente amarelados pelo cigarro e colocou mais uma batata na boca.

– Ai, meninos, parem. – Jennifer pediu com tom fino e meloso. – Vai dar tudo certo! Vamos encher bastante a cara e ficar chapados! Qualquer coisa depois a gente diz que estávamos ainda afetados pelo trauma do atentado e eles vão relevar nossa barra. Nunca ficam em nossos pés quando vêem nossos sobrenomes e contas bancárias, ainda mais agora que somos vítimas!

– Isso aí! – Keana bateu as mãos na mesa como o anunciar de tambores.

– Vou ver se levo um pouco de coca. – Noah sussurrou, antes de retirar do bolso um pacote de plástico que cabia na palma da mão; completamente recheado de pó branco.

– Puta que pariu, Noah! – Ansel exclamou, largando o milk-shake para analisar melhor o pacote. – Onde você conseguiu isso? É pura?!

– Claro que é pura! Só teremos coisas boas na festa de quinta-feira à noite!

***

Noite da Quarta-feira, 17 de Setembro

Casa dos Hansen's

Camila se encontrava com a cabeça deitada no colo de Dinah, chorando. Na cama, diversas embalagens de doces e salgadinhos estavam espalhadas e o filme Em Algum Lugar do Passado era reprisado na pequena TV Sharp C-1490a que ficava em cima de uma mesa de cabeceira.

– Será que eu fiz a coisa certa, Cheechee? Será que nós fomos muito duras com ela? – Camila se pronunciou fungando, quando a música melancólica dos créditos finais deram início. – Ela passou por muita coisa. Foi precipitado abandoná-la em um momento tão difícil.

Dinah suspirou, devidamente incomodada. Já era madrugada e todos os demais integrantes da sua família dormiam, o que deixava a grande residência de dois andares e padronizada em um silêncio reconfortante. Seu quarto era proporcional a sua personalidade: cheio de discos pendurados nas paredes, pôsteres, prêmios, medalhas e fotos de locais que um dia desejava conhecer quando fosse viajar. Em cima de uma cômoda estava o seu Ukulele favorito, presente de Kauvaka, seu irmão mais velho que atualmente estudava Turismo na Itália graças a uma bolsa.

– Terminar com alguém que agarrou você à força e agrediu suas amigas é uma decisão errada?! Ou quer dizer que fazer o que ela fez é uma justificativa para os traumas que passou nesses dias?! – a loira argumentou com explícito ódio na voz e a latina de óculos apenas desviou o olhar, envergonhada. – Olha... eu não vou deixar você passar por tudo isso novamente!

Deitada e mal se alimentando desde que chegara aos prantos da Universidade, Camila agora encarava o teto do quarto da melhor amiga com uma angústia enorme em seu peito. Não conseguia tirar aquele pressentimento de que algo terrível estava prestes a ocorrer. Ela sabia que estava sendo estúpida, submissa e até hipócrita perante as causas morais e sociais que defendia, mas, sua dependência emocional era grande demais para fingir que aquilo não estava acontecendo.

– Lauren sempre lutou pelo nosso relacionamento... Sempre esteve ao meu lado! Mas fui quem a afastei! Ela sempre correu atrás de mim, se eu quisesse ela atravessaria um país inteiro apenas para me fazer companhia! Eu quem a afastei e agora estou a abandonando quando ela mais precisa de mim! E vocês estão fazendo isso também! Algo está errado com ela e todas nós sabemos disso! Precisamos ajudá-la!

Dinah suspirou outra vez, tentando manter a paciência. Ela, por si só, já se encontrava decepcionada demais com as atitudes de Lauren como sua amiga... e ainda ter que lidar com as atitudes da mesma como namorada da sua melhor amiga era mais trabalhoso. Não havia sido fácil conversar com Normani e acalmá-la também, uma vez que a negra estava visivelmente e extrapoladamente irritada com Lauren. Foram necessários longos minutos de um extenso discurso de "paz e amor" de Allyson enquanto a loirinha tentava ligar para uma Veronica mais uma vez desaparecida desde o momento em que saira da enfermaria com um nariz inchado.

– Camila, não!

– DJ! Precisamos ajudá-la! – a latina insistiu, agoniada.

– Como?! – Dinah então grunhiu, perdendo a tranquilidade. – Você viu! Ela conseguiu me prensar contra um armário! Quebrou o nariz da Vero! Você viu a agressividade!

– Eu não sei! Eu só sei que precisamos ajudá-la! Vamos chamar as meninas amanhã e pensar em algo!

***

Tarde de Quinta-feira, 18 de Setembro

Noite de Lua Cheia

Uma Lua Cheia ocorre quando o Sol e a Lua estão em lados opostos da Terra. Momento de reconhecer os frutos de todo o trabalho desenvolvido, observar com clareza os resultados de seu planejamento. Hora de oportunidades. Tudo o que é emoção também fica ainda mais à flor da pele, transbordando. A sua imaginação e sensibilidade são amplificadas.

Casa dos Jauregui's

DESGRAÇA! PORRA!

Lauren berrava com as mãos na cabeça, puxando os fios escuros enquanto andava de um lado para outro em seu quarto, completamente enraivecida e suando muito. Um dia sendo totalmente evitada por Camila era demais para ela. Seu humor estava pior, sua raiva incontrolável. Boa parte dos objetos em seu quarto estavam esmagados, rasgados ou quebrados por causa de seu ataque de fúria ao chegar em casa na noite passada.

Parecia não ter controle sobre seu corpo naquela quinta-feira.

Algo queimava suas entranhas tão fortemente que a fazia ficar ofegante. Sentia-se mal, não queria falar com ninguém porque temia socar a pessoa até deixá-la inconsciente.

Aargh! – rosnou, dando um chute na cabeceira da cama, antes de se sentar no colchão macio.

Em consequência da força aplicada, as três fotos que estavam presas sob a cabeceira caíram em seu colchão. Com o rosto afundado nas mãos e os fios de cabelo passando por entre seus dedos pálidos, Lauren acabou avistando pelo canto dos olhos algumas das fotografias: uma sua e de Camila com 13 anos abraçadas com seus pais e Christopher no lado de fora do Gus' Games and Grub, a outra com as duas em um fliperama com sorrisos gigantes estampados em seus rostos, e a terceira, uma das que mais gostava, estava virada para baixo, impedindo a visualização da imagem.

A jovem de íris verde-lima pegou a fotografia e a virou: uma recente tirada por Troy das seis amigas juntas, com sorrisos de rasgar o rosto. Dinah estava abraçando Normani por trás; Veronica sentada no chão na frente de todas com os polegares para cima, mostrando os dentes bem brancos, com Allyson agachada ao lado. Camila estava com o rosto encostado em seu pescoço, com a língua presa entre os dentes e os braços firmes em volta de sua cintura.

Ao se relembrar da tarde específica, em que os sete amigos haviam decidido sair para lanchar juntos, as lágrimas vieram descontroladas aos olhos de Lauren. O choro rasgou sua garganta, suas emoções estavam à flor da pele, tudo envolvido e apertado em uma bola de neve inexplicável. Ela queria ajuda, ela queria alguém para socorrê-la. Mas não sabia a quem, nem o que pedir. Suas amigas haviam sumido, Christopher estava na Universidade, Patricia fora de casa e seu pai trabalhando. Sentia-se sozinha, abandonada, deixada como um pedaço de lixo. E isso, ao mesmo tempo que a magoava, a deixava cada vez mais enraivecida.

***

No meio da tarde seu pai chegou inesperadamente na casa silenciosa. Michael, alegando que tiraria o resto do dia de folga, bateu à porta do quarto da filha enquanto desapertava o nó de sua gravata azul. Lauren, ouvindo o falatório, decidiu que mesmo assim não iria abrir — porque não queria justificar os vários objetos quebrados — e apenas pediu por espaço e respeito. O Jauregui estranhou a atitude de ela não estar na Universidade, mas preferiu não questionar.

Melhor mantê-la ali, segura, só por precaução.

Sabendo que Patricia estava fora propositalmente, e sequer podendo julgá-la, um Michael exausto se dirigiu até o seu escritório para finalizar seu trabalho e ligações por lá. Ficaria em casa durante todo o dia, dando uma de babá se fosse o necessário para se certificar da segurança da filha.

Quase uma hora depois, o homem foi retirado de seus pensamentos burocráticos e papeladas sobre a mesa quando pôde escutar barulhos vindos da cozinha. Sabia que Lauren estava com um apetite anormal e torcia para que sua intuição estivesse errada, e que fosse apenas uma consequência da hospitalização. Levantou-se, saiu de seu escritório e desceu os degraus da escada até o primeiro andar da casa, ao virar a interseção deparou-se com a figura da filha praticamente debruçada sobre o balcão enquanto preparava um sanduíche com peru, frango desfiado, bacon e presunto.

Os dois Jaureguis pararam e se entreolharam por alguns segundos, em uma conversa silenciosa.

No entanto, o homem sequer teve tempo de questionar as olheiras e expressão chorosa porque o som estridente da campainha sendo tocada revigorou pela casa. Lauren deu um pulo de susto e fez uma careta de dor explícita pelos tímpanos sensíveis, escondendo o semblante do pai que calmamente agora caminhava em direção à porta principal.

E o seu semblante apenas piorou, em acréscimo a um revirar de olhos de tédio, ao ver o pai cumprimentando e sendo hospitaleiro às visitas que adentravam curiosamente pela sala de estar: Keana Issartel e seus pais Ester e Paul Issartel.

A mãe da francesa era uma brasileira, de cabelos castanhos de tamanho médio, usando um chapéu Floppy e vestido simples, porém fino. Uma real perua, como Lauren gostava de pensar. Já o pai era um francês de altura mediana e franzino, de aparência séria, o cabelo castanho claro era bem cortado e penteado, usava uma camisa social cinza por dentro de uma calça preta e os sapatos pretos lustrados.

– Lauren, querida! – Ester abriu os braços na direção da jovem. Com desgosto, Lauren a abraçou, fazendo uma careta e torcendo o nariz pelo cheiro forte do perfume importado da mulher. – Você está ainda mais linda!

– Realmente, concordo com você, querida. – Paul falou, se colocando atrás da esposa quando a mesma se separou do abraço. Seus lábios se ergueram num sorriso reservado e ele deu um aceno educado com a cabeça para a jovem.

– A que devo a visita? – Michael questionou, fechando a porta atrás de si.

– Há muito tempo não conversávamos. – o francês falou da forma mais cortês possível. – Achei que poderíamos tomar um café antes de introduzirmos qualquer assunto.

– É claro. – o homem gordinho enunciou, caminhando até estar próximo do outro. – Vamos conversar na cozinha. Como sabem... minha governanta faz uma ótima refeição. Me acompanhem.

Keana, até aquele instante, havia permanecido em silêncio e sorridente atrás dos pais. Seus olhos espertos, no entanto, seguiam quaisquer movimentos que Lauren fazia durante seu lanche vespertino na medida em que adentrava na cozinha junto aos mais velhos.

Após alguns minutos dos dois visitantes jogando conversa fora e todos os cinco adultos terminarem de consumir os alimentos postos anteriormente à mesa, Michael, limpando a boca com o guardanapo e depositando a xícara suja de café no pires, decidiu acabar logo com aquele suspense e descobrir o motivo pelo qual Ester e Paul apareceram em sua casa... embora uma parte de si já imaginasse o porquê.

– Então... – ele começou, apoiando os cotovelos na mesa e cruzando os dedos, seus olhos castanhos encarando o casal com uma postura atenta. – Sobre o que realmente se trata?

Os dois se entreolharam por um instante antes do homem limpar a garganta e puxar a cadeira um pouco para frente, em um visível sinal de nervosismo.

– Bem, como já deve saber... nossos filhos terminaram. – Paul falou devagar, levantando os olhos claros e insondáveis para o Jauregui mais velho.

– Sim, o Christopher me contou hoje cedo. – Michael arqueou uma sobrancelha enquanto ajeitava as costas no encosto da cadeira, não tão surpreso pela intenções explícitas. – Fiquei triste, eram um belo casal. – ele tentou amenizar sorrindo fracamente para a jovem ex-nora, mas logo voltou a encarar o outro homem. – Mas não entendi exatamente onde quer chegar, meu caro amigo.

– Então, nós somos quase família, sabe?! – Ester se pronunciou, incisiva. – Passamos alguns feriados juntos, nossas filhas são amigas acima de tudo...

– Gostaríamos de pedir um estágio para Keana na sua empresa. – Paul terminou o rodeio, um lado de sua boca se ergueu em um meio sorriso. – Ficamos sabendo que a Betty, ex-estagiária do setor do RH, acabou falecendo no tiroteio e essa vaga obviamente se tornou livre. E como conhece e sabe o quão prestativa nossa filha é, gostaríamos de fazer esse pedido.

Lauren olhou para o francês e crispou os lábios em desgosto, levantando-se da banqueta alta perto do balcão e andando em direção à sala sem nenhuma cordialidade, deixando o seu segundo sanduíche para trás. Não tinha o mínimo interesse em ouvir sobre como os Issartel estavam prestes a implorar por migalhas e atenção dos investimentos da sua família ou como vendiam a filha como se fosse uma mercadoria.

Keana não hesitou em segui-la. Na verdade, sequer realmente ligava para a vergonha que os pais estavam passando diante de Michael... porque ela apenas queria agarrar aquela imperdível oportunidade de ver Lauren e conversar pessoalmente a fim de cheirá-la e senti-la.

A Jauregui de íris verde-lima estava parada na sala de estar da própria casa, de braços cruzados e com o olhar perdido na janela que proporcionava uma vista do horizonte quente e cinza de Miami. Sabia que estava sendo seguida e seu Alter Ego arranhava seu interior para que continuasse ali e esperasse a investida.

Eu soube do seu término com a Camila na enfermaria. – Keana comentou, caminhando pela sala de estar e observando os porta-retratos e enfeites que ali estavam.

– Fofoca alheia? Que feio! – Lauren resmungou com um sorriso cínico na medida em que girava o corpo.

– O que vocês queriam? Deram um showzinho para quem quisesse ver. Agora só se fala disso. – a francesa deu de ombros. – Eu sempre soube que você era areia demais para o caminhãozinho de Camila.

– Se você veio aqui para falar dela... É melhor você ir embora. – Lauren disse entredentes.

Seu interior parecia uma bola de magna revirando, queimando e gerando um brilho mínimo na testa que indicava o suor do incômodo.

– Acalme-se, está tão agressiva esses dias... – Keana ergueu uma sobrancelha ao incitar. – Quase não te perdoei pelo o que me chamou na segunda-feira.

Lauren revirou os olhos, entediada. Ela ficava entediada com uma frequência absurda e isso, por sua vez, multiplicava seu estado catatônico de fúria e impaciência.

– O que você quer, Issartel? – falou, já impaciente. – Veio esfregar que terminou com meu irmão?! Aliás, qual foi o motivo dessa vez? Ele te chifrou também?

– Provavelmente sim, sabe como ele é. – Keana torceu os lábios em desgosto e arrependimento. – Mas a decisão veio por parte dele. Ele disse que quer aproveitar a vida agora que praticamente nasceu de novo e que namorar só vai atrapalhar isso.

– Então basicamente ele te descartou como um nada?! – Lauren ergueu uma sobrancelha e deu uma risadinha extremamente irônica. – Sei bem como é o sentimento, acredite.

– Eu sei, estamos passando pela mesma situação, meu bem. Então por isso vim para convidá-la para uma festa que farei hoje. – Keana, mordendo o lábio inferior, deu passos lentos em sua direção. Olhou-a dos pés a cabeça e praguejou a beleza daquele ser. – Soube que você precisa relaxar. E nada melhor que álcool para isso.

– Não estou a fim de festas.

Lauren falou e seu hálito quente bateu diretamente contra o rosto da francesa, agora parada diante de si por poucos centímetros. As duas se encararam por breves segundos, absorvendo a energia da aproximação perigosa que nenhuma se arriscava a interromper.

– Nem se eu disser que lhe farei companhia? – Keana então sussurrou e, ousadamente, levou uma mão até a cintura de Lauren.

Em um ato de coragem, a francesa diminuiu ainda mais o espaço entre elas e inspirou de perto o cheiro amadeirado do pescoço de Lauren, a qual fechou os olhos em luta ao sentir a libido explodir mediante a presença feminina à sua frente. Ela estava tão excitada...

Nem se eu disser que lhe farei companhia durante a noite toda?! – a voz voltou a entrar por seus ouvidos.

Lauren internamente gritava para que seu corpo se distanciasse, mas seus impulsos se encontravam mais fortes naquele dia. Seu Alter Ego dava gargalhadas dentro de si, mais poderoso, mais violento. Cedendo ao mesmo, ela então segurou, em um movimento rápido, Keana pela cintura e a empurrou até a parede mais próxima, prensando-a contra seu corpo em chamas e os tijolos frios.

– Wow... Essa é a nova Lauren? – a sua ex-cunhada deu uma gargalhada rouca. – Gosto muito mais dessa do que a antiga sem sal...

A mulher de íris verde-lima cintilante sentiu seu ego ser massageado, mais uma vez. Mas, não apenas ele, como também sua gengiva. Seus dentes vibravam, a carne ao redor ardia em um tom cada vez mais vermelho pela irritação. Lauren, sentindo uma vontade absurda de morder, aproximou o rosto do pescoço de Keana e inspirou seu cheiro.

Porém, em vez de sentir prazer, seu corpo tencionou, como se aquilo fosse errado e aquele não fosse o perfume que ela esperava.

A latina em especial cruzou sua mente e como um interruptor, cada vez mais frequente, Lauren balançou a cabeça freneticamente e deu um passo para trás, recobrando a consciência por breves segundos. Sua mente estava nublada por uma névoa densa, tóxica e grudenta ao ponto de lhe aplicar peças ao mesclar cenas imaginárias.

Engoliu seco, encarando a estudante de Direito mordendo o lábio inferior em explícito desejo. Ela estava sendo devorada pelos olhares da mulher encostada na parede, ofegante e à espera.

– Onde será a festa? – Lauren perguntou em um vacilo, fazendo o sorriso de Keana aumentar ainda mais.

– Na UM. – ela respondeu. – Convidei apenas alguns. É proibido, portanto, quanto menos saberem, mais divertida será.

O que Keana queria dizer era que ela havia convidado apenas aqueles que eram considerados populares, ou melhor, aqueles que tinham alguma ligação com os cursos mais valorizados, como Medicina, Direito, Engenharia, Arquitetura. Lauren suspirou em desgosto, sabendo que provavelmente seu irmão estava a ajudando a fazer a festa, mesmo que houvessem terminado. Não queria se envolver em mais confusão, porém, também não suportava a claustrofobia de permanecer trancada em seu quarto sufocante.

Não tinha mais energia e forças para lutar contra a montanha-russa de emoções.

E, ao ouvirem barulhos de conversas vindas do corredor que ligava a cozinha, ambas cessaram a breve comunicação silenciosa que faziam.

– Te vejo lá? – Keana perguntou, mordendo o lábio inferior novamente.

– Quer saber?! – Lauren sorriu de lado, deixando que seu monstrinho interno se divertisse por alguns momentos. – Sim, eu vou!

Se Camila não iria perdoá-la... Ela iria esquecê-la. Pelo menos por uma noite.

***

Tarde de Quinta-feira

Casa dos Hernandez's

As aulas de Allyson nas tardes de quinta-feira sempre acabavam mais cedo e a loirinha havia criado um bucólico costume de sempre utilizar aquele dia para ajudar sua mãe no pequeno e muito bem protegido jardim que cultivavam nos fundos da casa. Era também um dos momentos que recebia conhecimentos envolvendo sua linhagem, seus poderes e pequenos feitiços novos. O choque de descobrir não ser puramente humana foi grande no início, mas a atitude de destilar o conhecimento e ir o entregando aos poucos havia sido fundamental para que não se afundasse no mar de informações do Mundo Sobrenatural.

Carregando um pote de barro em mãos, a loira se dirigia até a cozinha, onde estava Patricia amassando ervas naturais em cima da mesa. Nela havia um imenso e antigo livro aberto; sálvias, pilão, almofariz, cristais e uma coleção de vidros contendo grãos e plantas secas. Um deles estava cheio de pedras aquáticas estranhas.

– Mãe, que flores são essas? – Ally perguntou analisando as pétalas azuis e um pouco roxas na forma de um elmo que estavam sobre a mesa.

Ao colocar o pote de barro em um canto, se aproximou da mulher mais velha.

– São acônitos, querida. – Patricia respondeu, moendo a planta em um almofariz de pedra até transformá-la em uma pasta homogênea. – Só tenha cuidado ao tocá-los. São venenosos. Pegue um pouco para mim, por favor.

Com cautela, a jovem pegou alguns acônitos por meio dos galhos e os colocou dentro do almofariz.

– Por que vamos mexer com flores venenosas?

– Porque vamos fazer uma mistura e usar para proteger a casa contra coisas ruins. Hoje é noite de Lua Cheia, o satélite estará com brilho e força total sob a Terra. Muitas crenças, algumas verdadeiras e outras não, afirmam que essa lua pode despertar diversos seres. Sinto que algo maligno está por vir.

– E você acredita nisso? – Allyson ergueu uma sobrancelha, curiosa. – Você nunca mencionou outros seres antes. Apenas me disse que somos sensitivas... mas não ao que ou a quem, exatamente.

Patricia, mesmo preocupada e ainda fazendo seu trabalho manual, sorriu de lado pela esperteza da filha.

– Não andou sentindo que de uns tempos para cá as coisas andam meio estranhas? Como uma energia pesada no ar?

A jovem loira ficou pensativa por um momento antes de afirmar com a cabeça.

– Instintos são tudo. Ignorá-los é perigoso. – Patricia advertiu, deliberadamente assumindo um tom de ameaça, parando de moer as plantas. – Me ajude aqui, querida, preciso que faça um feitiço para que a mistura funcione com mais precisão.

A mulher mais velha fez um movimento de ascensão com a mão e, por meio da energia emitida por seus dedos, magicamente chamas amarelas nasceram no pavio de duas velas perto do almofariz. Se afastou um pouco para o lado, dando espaço para que a filha se aproximasse.

Allyson engoliu em seco, sentindo-se ansiosa. Fechou então os olhos, ergueu as mãos e tentou se concentrar a fim de captar alguma energia vibrando nas pontas de seus dedos. Seus lábios se abriram e, mantendo uma distância segura do almofariz, começou a repetir uma série de palavras em uma língua considerada morta, mas derivada do latim, que sua mãe a ensinara.

Ambas as mulheres esperaram, mas nada acontecia.

– Não consigo, minha magia é muito leve. – lamentou, agora com as mãos abaixadas ao lado do corpo.

A filha se esforçava, Patricia podia ver e sentir isso. A magia dela estava bloqueada pelo próprio nervosismo e enquanto não relaxasse não teria progresso, pois a magia de uma bruxa estava ligada aos seus sentimentos.

– Minha avó tinha um truque para isso. – ela falou, se colocando atrás da filha. – Respire fundo... Sinta a energia fluir em você. A magia está em suas veias, querida, você só precisa encontrá-la. Vê-la! – instruiu, colocando delicadamente as mãos sobre seus ombros.

Allyson fechou os olhos outra vez e respirou fundo, acalmando seu corpo tenso ao mesmo tempo em que a voz de sua mãe soava como um sussurro longínquo por seus ouvidos.

Toda energia precisa ser canalizada em algum lugar. Ache a fonte e transfira para o acônito.

Franzindo o cenho e se concentrando, ela então finalmente enxergou sua magia como se fosse uma espécie de linha invisível, levemente opaca. Não sabia explicar a origem das vibrações, mas elas vinham do seu interior. Tentou projetá-las e externá-las, assim como tinha feito antes no Texas. Mas era simplesmente difícil, não havia nada para segurar, nada sólido para trabalhar. Buscou forçar a nuvem nebulosa para fora de si, mas parecia lutar para esticar uma espécie de elástico invisível e grudento.

Tentava o máximo expelir magia de si e transferi-la para mistura de acônito; às vezes conseguia, mas, em seguida, as vibrações fugiam de novo.

Pare de pensar tanto! – Patricia sugeriu em tom sério, ladeando a cabeça. – Apenas siga seus instintos! É como nadar... se você pensar demais no processo irá se afogar!

Allyson respirou fundo para engolir a frustração, empenhando-se a reproduzir o que havia feito. Com um aceno positivo, mostrando que tentaria novamente, Patricia se afastou um passo para trás.

Novamente a mais nova fechou os olhos e ergueu as mãos, sentindo a nuvem energética semelhante a um elástico vibrando dentro de si, lutando para mantê-la sólida mesmo na instabilidade. Respirando fundo, relaxou mais o corpo absorvendo melhor a tranquilidade. A calmaria então trouxe todos os aspectos do seu ser a um foco agudo e, repentinamente, pôde sentir a elasticidade da nuvem se dissolver e dar origem a uma camada... um fino véu invisível que a cobria dos pés à cabeça.

Com a paz se espalhando pelo seu corpo, Allyson conseguiu conectar-se à nuvem energética e então ergueu ainda mais suas mãos, agora formigando e vibrando, enquanto murmurava com mais potência o cântico do feitiço.

E então, ela a externalizou.

Com um sorriso orgulhoso no rosto, Patricia depositou um beijo no topo da cabeça da filha ao avistar a mistura brilhar no interior do almofariz segundos antes de ficar normal outra vez.

– Sabia que conseguiria. Você é mais poderosa do que imagina, querida. – falou antes de retirar o almofariz da mesa. – A mente pode ser uma aliada poderosa, ou a sua maior inimiga. Pense menos, e saiba mais. Um feitiço é mais que uma sequência de palavras arcanas. É o poder que você dá a essas palavras que faz a magia.

A matriarca apanhou o livro aberto na mesa e folheou algumas páginas gastas que continham vários idiomas e símbolos Druidas.

– Raiz de alcaçuz, alho, calêndula, líquen, milefólio, e, por fim, astrágalo. – Patricia leu os ingredientes na folha meio amarelada. – É uma poção simples, porém, muito eficaz.

– Para que serve?

– Febres ou anemias. Você acorda outra pessoa quando toma. – explicou na medida que separava os ingredientes. – Mas de qualquer forma, faz bem tomar, mesmo não estando doente.

Conforme Allyson preparava a poção dentro de um potinho, com Patricia a auxiliando, o líquido transparente começou a incomodar seu nariz. Assim que o mesmo ficou pronto, a mais velha colocou a poção dentro de um copo e ofereceu para a filha, que hesitou antes de tomar um pouco.

Não sentiu gosto algum apesar do cheiro desagradável.

– Então... você ainda tem aqueles pesadelos?

– Em algumas noites. Em outras, eu não durmo nada. – a estudante de Biblioteconomia falou, desviando o olhar. – Às vezes fico na janela, até pegar no sono. Eu fiz isso no rancho.

– Fica acordada, escutando a floresta? Ótimo. O ar está exalando abundância, basta esticar o braço e pegar. Este é seu poder, ver o que está escondido e pegar para si. Uma mente pequena acredita somente no que pode ver... vive a vida acomodada, espera ser levada, sem se perguntar o que governa o seu desfecho. Mas nós sabemos que somos as donas do nosso próprio destino, não é mesmo? As pessoas como eu e você, bruxas... elas comungam com a Grande Força. Ela nos dá as sementes da abundância e nós as cultivamos em nosso jardim. Nós as colhemos, e, com elas, fazemos justiça.

– Você diz "nós", mas não concordei com nada. – Allyson mordeu o interior da bochecha, levemente incomodada.

Sei lá... às vezes parecia que sua mãe estava a recrutando para algo que nem sabia do que se tratava.

– Não cabe a mim ou a você concordar ou discordar, querida. Já está dentro de você. Você pode ignorar sua habilidade... ou deixar que ela aflore. Agora... o bálsamo. – Patricia pediu de forma enigmática, apontando para um dos potes na mesa. – Cuidado com a poção para dormir. Ao menor errinho cometido no seu preparo, terá uma mistura bem diferente. Uma sopa de pesadelos do qual é difícil sair!

A jovem fez o que lhe foi pedido e entregou um pouco da substância oleosa.

– O que é isso?! – perguntou, apontando para um pote cheio de pequenos "ossos brancos"com uma flor semelhante a uma rosa no haste.

Monotropa uniflora, ou... "Cachimbo-da-índia." – Patricia respondeu. – Também é chamada de planta-cadáver porque vive dos restos de plantas mortas.

– Eca!

Allyson fez cara de nojo e sua mãe apenas riu.

– São um quebra-cabeças científico. Elas são brancas porque não tem nenhuma clorofila, o que faz com que também sejam conhecidas como plantas fantasma.

– Não sabia que existia isso em Miami.

– Não são naturais daqui. Elas são nativas da América do Norte, Himalaia, Japão e partes da Europa temperada.

– Então... como a senhora as conseguiu?

– Foi uma amiga quem me deu. Ela possui muitos estoques de ervas, plantas, chás, flores silvestres... O que você precisar, ela tem. Apenas uma profissional como ela saberia cultivá-las, pois nascem em lugares muito escuros, parece mais um fungo do que uma planta.

– Entendi. Como eu encontro essa sua amiga?

– Ela tem uma lojinha perto do centro, para os humanos, é uma simples floricultura, mas, para nós, é uma fonte enorme de magia. – Patricia deu uma risadinha enquanto fazia seu trabalho manual. – Cachimbos-da-índia são considerados um bom remédio para espasmos, desmaios e várias condições nervosas. Já foi ministrado em crianças que sofriam de ataques de epilepsia e convulsões. Algumas tribos indígenas da América do Norte já utilizaram até para tratar problemas oculares... E algumas Druidas os usavam até mesmo para hipnoses.

– Hipnose?! Nós podemos fazer isso?! – Ally arregalou os olhos e o assunto ficou subitamente mais interessante. – Como seria isso?!

Ao notar o tom de interesse da filha, Patricia obscureceu a expressão, parando imediatamente o preparo que realizava e girando o corpo totalmente para a mais nova... contendo um semblante fechado e sério.

– É Magia Impura, Allyson! Já conversamos sobre! Este é um poder maléfico... Chamamos isso de Feitiço do Ventríloquo, se for feito de forma errada, pode corroer o cérebro do portador. – ela advertiu, encarando bem fundo nos olhos da filha agora surpresa. – Nunca mexa com esse tipo de magia, ouviu bem?! Mesmo após a morte, a alma da bruxa jamais encontra paz. O espírito vaga eternamente em um limbo de sofrimento.

Allyson arfou pelo sermão recebido e balançou a cabeça positivamente, quase frenética. Nunca mais ousaria desobedecer sua mãe em assuntos relacionados à magia, pelo menos não depois do ocorrido no Texas que ainda a amaldiçoava com pesadelos e arrepios na nuca.

Ela era uma Druida e... com isso... vinham responsabilidades e consequências.

***

Casa dos Hernandez's

Noite de Lua Cheia, Quinta-feira, 18 de Setembro

21 horas e 52 minutos

Allyson, no entanto, mal sabia que ignoraria horas depois o seu pensamento vespertino. Sim, ela era uma Druida portadora de responsabilidades... mas ela também era amiga e namorada de pessoas mundanas.

E elas precisavam dela.

A estudante de Biblioteconomia teve plena certeza de tal constatação no momento em que uma Camila desesperada chegou em sua casa, acompanhada de uma Dinah sem paciência e uma Normani contrariada. O que deveria ser uma noite do pijama regada de fofocas, risadas, filmes de romance ruins e sorvete para afogar as mágoas, se tornou, subitamente, em uma discussão em baixo tom para não acordar sua mãe dormindo.

Havia até prometido ligar para Troy através do telefone de disco antes de dormir, mas decidira fazer isso na manhã seguinte porque temia que Normani desse um chacoalhão nos ombros de Camila para fazê-la parar de tagarelar razões pelas quais todas deviam intervir e ajudar na situação preocupante de Lauren. Dinah resmungava que não aguentava mais ouvir aquilo e sua namorada concordava, com um explícito asco.

Agora em seu quarto rosa e acolhedor, a mais baixa ali tentava apaziguar colocando panos quentes em todos os inícios de discussões, mas nada estava sendo o suficiente. E isso perdurou até que Camila incrivelmente venceu todas as três pelo cansaço.

Dinah, Normani e Ally se assentaram na cama da loira e, mesmo contrariadas, ouviram atentamente tudo que a latina de óculos de grau havia descoberto na antiga livraria que visitara no dia anterior, mais especificamente sobre os trechos que havia lido em um livro-diário de um autor romeno.

– Espera... espera... espera... – uma Dinah confusa fez um sinal de "Pare" com a mão direita e se acomodou melhor no colchão macio. – Você está tentando nos dizer que a sua hipótese do motivo da Lauren estar sendo uma babaca envolve coisas sobrenaturais?!

– E porquê não envolveria?! – Camila, até ofegante pelo falatório, abriu os braços em desespero. – Esqueceu de que a Allyson aqui é uma bruxa?! Estamos na casa de uma Bruxa!

Ei! Cuidado com o tom! – a loira franziu o cenho, ofendida.

– E daí?! – Normani deu de ombros, também sem entender. – Não é como ela tivesse jogado um feitiço na Lauren e a ter feito se tornar uma escrota!

As três, porém, lentamente hesitaram e então pensaram por alguns segundos, girando os rostos desconfiados para a pequena Allyson que estava sentada no meio do casal.

– Epa, epa, eu não fiz nada! – ela se defendeu, erguendo as mãos em rendição. – Não me olhem assim! Eu e minha mãe só mexemos com nossas plantinhas, pedras e feitiços permitidos! Não interferimos em nada além do natural!

– Não estou falando que você fez algo com a Lauren diretamente! – Camila, ainda de pé, colocou as mãos ansiosas na cintura. – Mas algo aconteceu no Texas, quando jogamos aquele maldito jogo de tabuleiro e vocês sabem disso! – disse entredentes pelo nervosismo e então apontou o indicador direito para as três amigas pensativas. – Fizemos alguma merda naquela noite! E você, Allyson, sabe muito bem disso! – ela se direcionou à loira agora cabisbaixa que evitava contato visual pela culpa evidente. – Algo aconteceu naquele banheiro e você tentou esconder da gente! Eu particularmente não quis te pressionar a dizer, mas agora estamos em uma situação de quase literal vida ou morte!

Dinah e Normani franziram os cenhos pela acusação e giraram os rostos para a loira baixinha, questionando-a e esperando-a em silêncio. Allyson fechou os olhos por breves segundos enquanto expirava uma lufada de ar quente e cansado dos pulmões. Arrependia-se perdidamente por ter revelado o assunto e de ter até feito aquela viagem. Talvez nada daquilo houvesse acontecido.

Ally...

O tom choroso e agoniado de Camila a fez erguer o rosto e avistá-la em visível desespero e medo. Sua adorável amiga, a latina de óculos de graus fofos e ótimo coração estava a implorando.

– Eu li sobre e sei que vocês Druidas tem suas próprias leis e que não podem revelar muita coisa, mas, por favor... se você sabe de alguma coisa... – Camila arfou quase em prantos. – Se você acha que sabe qualquer coisa, me ajude! Me indique um livro, uma história... sei lá!

Cobrindo o rosto com as mãos, a estudante de Biblioteconomia choramingava enquanto ponderava os lados existentes na briga que ocorria dentro de si: de um lado, deveria obedecer sua mãe; de outro, ela precisava ajudar suas melhores amigas.

Expirou novamente o ar exausto pelos lábios e tomou uma decisão. Se continha poderes, ela precisava usá-los para corrigir a merda que iniciara.

– Okay... – Allyson retirou as mãos do rosto e tentou melhorar o semblante no rosto. – Há coisas que não posso contar aos mundanos, e eu também não sei muito, mas... acho que tenho algo que talvez possa nos ajudar a descobrir mais sobre esses filhos sobrenaturais dos Druidas.

***

Universidade de Miami

22 horas e 38 minutos

Após passar por um idiota na portaria encarregado de deixar apenas os convidados entrarem — e avisar caso a polícia aparecesse —, Lauren estacionou sua Harley-Davidson em uma das inúmeras vagas livres do estacionamento da escola. O prédio com vidros espelhados à noite davam um ar misterioso e assustador; as árvores nos jardins impediam que as luzes da rua chegassem aos blocos, gerando uma penumbra por entre os caminhos; e os barulho dos insetos traziam um certo agouro.

A mulher saíra escondida de casa enquanto seu pai ainda estava enfurnado no escritório. Precisava daquilo para se sentir melhor, precisava controlar todos aqueles sentimentos confusos que borbulhavam dentro de si desde que acordara do coma.

Lauren desligou o motor, prendeu o capacete no guidom e saiu da moto. O brilho do suor na sua testa era notável, a camada de transpiração estava excessiva; bem como seu coração disparado e as pernas que chegavam até a tremer de tamanha ansiedade. Não estava se sentindo muito bem desde o início da noite: o estômago embrulhava, a cabeça latejava, as gengivas vibravam. Cogitou a ideia de ficar em casa, mas... precisava pensar em algo que não fosse Camila.

Automaticamente uma energia no céu chamou sua atenção: nuvens densas bailavam cobrindo por completo a lua. A jovem tentou lembrar em qual fase o satélite estava, mas seu corpo enérgico mal a deixava pensar.

Algo estava extremamente errado com ela.

*Music On * (Girls, Girls, Girls - Mötley Crüe)

Inspirando profundamente, começou a andar pela calçada penumbrosa entre os blocos dos cursos. Seu Alter Ego havia sugado toda sua energia naquele dia e ela já não suportava mais lutar contra. Então, enquanto sentia a brisa fria chocando em sua pele em combustão, Lauren fechou os olhos e entregou-se por completo. Ao erguer as pálpebras, suas íris verde-lima cada vez mais cintilantes ficaram expostas e ela sorriu de lado, jogando para dentro de uma gaveta qualquer resquício de culpa. Sentia-se bem melhor sem ela.

Não demorou muito para achar o caminho da quadra da atlética por entre as penumbras. O rock já ecoava e seus sentidos apurados captavam os gritos e odores de drogas no ar.

Keana, que estava ao lado de Jennifer e Kristina, ambas mulheres fumando maconha, sorriu quando avistou Lauren adentrar na quadra movimentada e iluminada por pisca-piscas e globo de luz. As vestimentas dos jovens alternavam entre jaquetas de couro, jeans, blusas coloridas, calças apertadas, e os inseparáveis sprays de cabelo, chicletes neon e maquiagens pesadas.

A estudante de Medicina não perdeu tempo e, trombando em alguns idiotas já bêbados, andou em direção à mesa principal onde havia garrafas de cerveja mergulhadas dentro de gelos em baldes. O jogo de luzes obviamente havia sido roubado do auditório e as chaves da quadra do bolso do treinador Tatcher. Um gemido de satisfação vibrou na garganta de Lauren ao sentir o líquido gelado da cerveja descendo por sua boca, visto que desde que chegara do Texas não bebera.

Precisava daquilo por uma noite, e quanto mais... melhor.

Olhe, só... Você realmente veio. – a voz de Keana se fez presente às suas costas.

Lauren girou o corpo, ainda virando na boca sua cerveja até o fim. A francesa arregalou os olhos ao ver a jovem bebê-la em um só gole.

– Wow... Isso era falta de farra?

– Provavelmente... – Lauren caçoou, enxugando o excesso de cerveja no canto dos lábios.

Ela olhou para a garrafa agora vazia na sua mão e franziu o cenho confusa, saboreando o gosto ainda amargo na língua. Era como se o líquido alcoólico não causasse exatamente nada nela.

– Então por que parar?! – Keana abriu um sorriso malicioso e a entregou sua garrafa pela metade.

Sem esperar por um questionamento, a francesa entrelaçou seu braço direito com o de Lauren e praticamente a arrastou até a área mais afastada da quadra da atlética.

Um pouco de droga apenas para animá-la, pensou enquanto via Noah na outra parte extrema da quadra, um pouco escondido pela penumbra, encostado perto da barra de ferro da cesta de basquete enquanto conversava com um grupo de rapazes que acendiam seus isqueiros simultaneamente. Os homens estavam logo na frente da parede com um buraco coberto superficialmente por cimento onde Lauren acertou a bola de vôlei na terça-feira.

Ao avistar as duas mulheres se aproximando, Noah sorriu gentil; o mesmo sorriso que se podia imaginá-lo dando antes de quebrar um taco de bilhar em algum punk mal-educado que tivesse cometido o terrível erro de esbarrar na mesa enquanto preparava uma tacada.

– Quer um pouco de coca, Jauregui? – ele perguntou, erguendo o pacote de cocaína e balançando nos dedos. – O seu irmão já cheirou. Não achei que aquele mijão fosse do tipo que curtisse esses baratos... Você deve ter, pelo menos, um pouco do bom senso que ele não tem.

– Eu não uso drogas. Obrigada. – Lauren negou com a cabeça e lançou um olhar de repreensão à francesa ao seu lado.

– Ah, qual é! É só um tapa! Nem vai te afetar tanto, muito menos viciar! – Keana revirou os olhos e a ofereceu um sorriso galanteador.

– É, Jauregui. Ou peita a festa, ou vaza. Não queremos filhinha de papai ditando regras de boa convivência aqui, não. – Noah ladeou a cabeça, com a bochecha assumindo a forma da língua que pressionava no interior da mesma. – Se der uma cheirada, por conta da casa, eu largo do seu pé. O que acha?! Meu presente de boas-vindas por finalmente entrar para o grupo certo de amigos! E por comer a ex do irmão... o que é badass, admito! – o loiro deu uma risadinha, apontando para as duas de braços dados. – Quero só ver a cara daquele bundão do Christopher quando ele vier do banheiro.

– A gente não está tr...

– Ela vai provar sim. Hey, você tem alguma coisa plana? – Keana imediatamente interrompeu Lauren, gostando do fato de o homem ter assumido que elas estavam juntas. Ela mordeu o lábio inferior em ansiedade enquanto Noah abria o pacote da droga. – Deixei meu cartão de crédito e meus documentos em casa.

– Vou colocar na sua mão e você faz o serviço. – o loiro mais velho falou.

Noah se aproximou e fez três linhas perfeitas com pó nas costas da mão esquerda da francesa, que equilibrou e a estendeu para a de olhos verdes. Lauren hesitou por alguns segundos, sentindo um grande incômodo por fazer aquilo... por estar ali com aquelas pessoas que não era seu grupo de amizades. Mas, imediatamente lembrou-se de que agora estava sozinha e que, talvez, isso significava parar de ser a trouxa certinha de antes.

Deixando que seu Alter Ego curioso aceitasse, Lauren retirou uma nota de 20 dólares do bolso e enrolou, formando um canudo. Ela se inclinou sobre as linhas e aspirou perfeitamente duas delas de uma vez só, deixando a última para Keana. Fungou algumas vezes pela queimação forte nas vias aéreas, o polegar forçando contra a narina vermelha para que o pó fosse corretamente ingerido.

Keana e Noah se assustaram, sorridentes: seriam uma carreira para cada um deles. Era mais do que o suficiente para ter o efeito esperado.

Dando de ombros, a estudante de Direito tapou um lado do nariz e rapidamente também aspirou o pó fino, já acostumada com a ardência. Passou o dedo sobre a palma para tentar capturar toda a substância ali antes de passar na gengiva.

Noah se serviu também da droga e os três permaneceram naquela parte da quadra, esperando que a euforia descontrolada tivesse início com o passar dos minutos e músicas. Keana e o loiro mais velho, aos poucos, desenvolviam o dilatamento das pupilas; a taquicardia; a exaltação de energia e aumento da autoconfiança.

– Não teve efeito em você?! – Noah questionou com espanto. Aquilo era cocaína pura, qualquer pessoa já estaria muito alterada com apenas uma linha.

– Não muito... – Lauren admitiu, sentindo apenas um leve formigamento nas mãos e rosto. – Você ainda tem mais?! Eu fiz algo errado?

– Caralho! – Noah xingou, passando a mão no bolso de trás, retirando outro pacote cheio. – Me dá sua mão aqui, porra. Me recuso sair com fama de produto ruim!

A de íris verdes cintilantes fez o que foi instruído, observando o homem loiro alinhar mais três linhas de pó na sua mão. Quando ele se afastou, Lauren se inclinou e aspirou por completo e lentamente toda a cocaína. Fungou e então finalmente sentiu a ardência ainda mais forte acompanhada de um sabor amargo em sua boca, indicando agora que a quantidade excessiva da droga chegava perigosamente ao seu sistema nervoso central. A substância misturada com o álcool em sua corrente sanguínea conseguiu confundir seus sentidos, gerando um efeito de dormência e zonzeira.

– Agora bateu, Jauregui? – Noah perguntou irônico, dando um sorrisinho.

– Porra! – ela exclamou, as pupilas dilatadas demonstrando toda sua euforia.

As íris estavam mais verdes; o corpo mais quente; os músculos carregados de uma energia suficiente para correr Miami inteira de ponta a ponta; o coração batendo rápido e descompassado.

– Eu com certeza poderia entrar em uma briga agora! – Lauren gargalhou eletricamente, flexionando os dedos, sentindo toda aquela adrenalina correr pelo seu corpo.

– É mesmo?! – o loiro perguntou em tom de desafio, rindo maleficamente.

– Não! – Keana, tão drogada quanto, ralhou e puxou a Jauregui para longe do fornecedor de substâncias ilícitas. – Temos coisas mais importantes para fazer do que brigar à toa.

***

Casa dos Hernandez's

23 horas e 15 minutos

Sentadas em círculo no quarto rosa e aconchegante de Allyson, as quatro amigas alternavam entre morder os pedaços da pizza de pepperoni comprada por Normani e folhear livros velhos e surrados lotados por símbolos estranhos, pertencentes à família de Patricia.

Escondidas, elas estavam decididas a encontrar qualquer pista ou informação nos manuscritos velhos.

– Que monte de esquisitices são essas, Ally?! – Dinah questionou com uma careta. – Nem sabia que esses idiomas existiam!

– Não teria como você saber... São línguas mortas que foram esquecidas com o passar dos séculos. – a mais baixa explicou, agora de pé, procurando no quarto o maldito item que desejava e que mantinha bem escondido desde que o encontrara. – Agora elas são conhecidas e faladas apenas pelas Druidas. Como nômades que peregrinavam por diversos continentes, várias dessas línguas mortas foram mantidas por essas tribos. Acabou se tornando parte da nossa cultura e, consequentemente, acesso único e exclusivo que somente seus descendentes teriam... Por que acha que minha mãe amou tanto quando decidi cursar Biblioteconomia?! Eu mesma possuo um livro que é unicamente da minha família. Foi escrito pela minha tataravó, aquela que serviu a Rainha.

– Que Rainha, meu Deus?! – Normani, de cenho franzido, já estava completamente perdida com tanta informação.

– Depois eu explico com calma! Eu nem devia estar falando essas coisas, porra! – Allyson xingou, erguendo as mãos em irritabilidade por não saber localizar o que procurava.

Ao ficar de joelhos no chão frio, ela se inclinou e começou a remexer em um amontoado de livros debaixo de sua cama. De lá, finalmente, retirou uma caixa de sapatos.

– Para uma cultura verbal baseada na reminiscência, os Druidas são muito bons com livros. – Camila comentou enquanto analisava o tanto de manuscritos que a amiga possuía.

– A educação teria sido ruim se não tivessem aprendido a ler e escrever para ampliarem a memória. Cada feitiço de uma Druida é único por si só... Houve um tempo em que nem mesmo um milhão de Oradores estavam conseguindo carregar tantas informações e conhecimentos. Então tiveram que criar seus próprios registros. Todos esses livros são obras de gerações, arquivos de tudo que aprendemos e descobrimos desde os dias de Renah.

Allyson puxou a tampa da caixa de sapatos e suspirou ao encontrar o livro antigo de capa de couro escura. Ela o abriu e começou a folheá-lo, ação esta que chamou a atenção de Dinah, Normani e Camila que praticamente se debruçaram sobre seus ombros para conseguir também visualizar os conteúdos estranhos nas páginas amarelas. As três arregalaram os olhos ao ver os desenhos em tinta preta de imagens grotescas de demônios assustadores; escritas que pareciam descrever seres mal desenhados duelando entre si; estruturas de armas complexas e objetos que sequer sabiam identificar.

– Quem é Gouvêa? – Camila ladeou a cabeça, lendo a palavra na capa.

– Não faço ideia, mas... – Allyson hesitou alguns segundos, segurando o livro nas mãos ansiosas. – Eu achei isso nas coisas da Lauren, quando fui buscar roupas pra ela no hospital.

– Você a roubou?! – Normani arfou, surpresa.

– Não... Sim, mas... – ela suspirou. – Trata-se de um livro de bruxaria, meninas!

– Epa, epa, que porra a Lauren tava fazendo com livro de bruxaria?! – Dinah arqueou as sobrancelhas, assustada.

– Acho que nem ela sabe! Por isso eu decidi pegar e descobrir sozinha, sem colocar mais ninguém em risco. Então, por favor, vocês precisam me prometer não contar a ela que eu tenho esse livro, okay?! – Allyson implorou com a voz chorosa. – Pelo menos até eu descobrir do que se trata e, assim, conseguir manter todo mundo a salvo!

– Acho que não tem como esses dias se tornarem mais estranhos, puta que pariu... – Dinah coçou o alto da cabeça, com um suspiro cansado.

– Por favor! Prometam!

Prometemos! – Camila, Dinah e Normani então disseram em um monossílabo.

Levemente mais segura, Allyson expirou o ar dos pulmões e colocou-se a continuar a pesquisa difícil... porque não sabia exatamente o que procurava. Nas páginas seguintes, haviam vários desenhos: um rascunho de um grupo de mulheres formando um círculo em volta de quatro figuras estranhas presas a troncos; brasões desconhecidos; e, a terceira imagem, a qual mais às chamou a atenção.

A figura de um lobo sobre duas patas sobreposta à ilustração de um Homem Vitruviano de Da Vinci.

E, logo abaixo, a escrita:

𐡎𐡕 𐡅𐡅𐡀𐡌 𐡌𐡅𐡒𐡒𐡀𐡒 𐡁 𐡅 𐡋 𐡀 𐡒 𐡀 𐡒 𐡈 𐡅 𐡌 𐡅 𐡅 𐡌 𐡌 𐡅 𐡍 𐡕 𐡒 𐡅

– O que diabos isso significa?! – Normani questionou.

– É uma frase. – Allyson falou baixinho.

– Não parece inglês. – Camila murmurou.

– Não é... É Aramaico antigo. – a loira menor falou de forma surpresa. – Ancestral do alfabeto árabe e do hebraico moderno. Os povos da época de Jesus, inclusive ele próprio, falavam essa língua.

– Tá de sacanagem! – Dinah exclamou, arregalando os olhos. – Cacete, por que tem a porra de um idioma da época de Jesus nesse livro?!

– Não é muito comum e chegam a ser quase raras, mas algumas bruxas falam essa língua, especialmente as do Oriente Médio. Esse livro está lotado de escritas em linguagem enoquiana com alguns traços de caldaico. Enoquiano é uma língua oculta muito usada em Magia Impura. Por exemplo, essa palavra aqui... – Allyson apontou para um termo abaixo da frase desconhecida. – É Teloch... significa morte.

Um arrepio percorreu pela espinha de Camila, o medo começava a tomar de si mais do que a curiosidade e desejo de ajudar sua amada.

Passando o dedo pela imagem do lobo sobre o Homem Vitruviano, e a frase, Allyson parou por alguns segundos ao começar a relembrar alguns termos semelhantes. Sua mãe, desde que a introduzira àquele mundo, a ensinava muito sobre línguas mortas para conseguir pesquisar pequenos feitiços em livros velhos. Nunca tocavam no tópico de Magia Impura... mas a loira fazia suas próprias pesquisas escondidas em outros dicionários também.

"Quem morrer..." – ela traduzia devagar, buscando associar cada um dos símbolos. – "Quem morrer, voltará como um..."

– O quê?! – Normani arfou ao ver a amiga loira perder a fala, encarando a página amarela e manchada.

– Ally?! – Dinah, receosa, a chamou.

"Quem morrer, voltará como um monstro". – ela finalmente conseguiu traduzir o último termo.

Enquanto as três iniciaram uma breve discussão para tentar interpretar o sentido daquela frase e a ilustração assustadora, Camila permaneceu petrificada ao lado delas. Sua garganta fechou pelo medo e o estômago revirou quando sua mente inteligente rapidamente juntou todas as informações que vinha repassando nas últimas 24 horas. Seu coração chacoalhou quando decidiu abrir a boca trêmula, assombrada pela percepção que teve.

A Lauren morreu.

Quase que instantaneamente, Dinah, Normani e Allyson calaram as bocas e giraram os rostos para o semblante pálido da latina de óculos de grau.

– O quê?! – disseram ao mesmo tempo.

– Lauren morreu nos meus braços quando recebeu o tiro nas costas. Eu procurei por batimentos cardíacos e não achei. – a voz de Camila saía de forma mecânica, aterrorizada. – E se... e se isso aí aconteceu com ela?! E se ela morreu e... e...

– E virou um monstro?! – Dinah deu uma risadinha super sem graça e entrecortada pelo medo. – Isso não faz sentido! É uma loucura!

As quatro amigas receosas então adentraram em um silêncio agourento, onde se encaravam sem a coragem necessária para argumentar naquela terrível constatação. Um frio cortou suas medulas ao cogitarem verdadeira aquela possibilidade. Tudo poderia mudar naquele instante... e para pior. Não era mais uma brincadeira como no Texas, era bruxaria, demônios, maldições e... monstros.

– Precisamos achar a Lauren. Agora! – Camila se pronunciou subitamente.

A latina se colocou inteiramente de pé e caminhou até o telefone de disco em cima de uma escrivaninha de Allyson.

– Você está louca?! – Dinah chiou, também se endireitando ao lado das outras duas mulheres. – E se for verdade?!

– Mais uma razão para a ajudarmos! – Camila retrucou com um tom de repreensão, decepcionada por aquilo estar sendo cogitado. – Vou ligar para a casa dela!

– Eu não acho que ela esteja lá! – Normani anunciou, atraindo a atenção para si. – Quando fui buscar a pizza no Gus, eu trombei com Christopher e sua trupe. Pude ouvir que eles estavam planejando uma festa na UM e que ele estava torcendo para que sua irmã não aparecesse para estragar tudo, visto que Keana estava na casa dos Jauregui hoje.

– Espera... como ouviu isso tudo?! – Allyson franziu o cenho para a negra estudante de Jornalismo.

– Não sei... eu só prestei atenção e ouvi. – Normani deu de ombros, em descaso.

Estava com uma audição boa por aqueles dias, só isso.

– Uma festa?! – Dinah ponderou alarmada, ladeando a cabeça. – Em uma instituição privada?! Eles estão loucos, podem ser presos!

– Deve ser apenas para os populares. – Normani revirou os olhos em aversão.

Sua família possuía dinheiro, um bom status e ótima estabilidade, mas... isso nunca a fez se sentir superior a ninguém. Não entendia o porquê destes babacas se acharem detentores do mundo.

– Provavelmente Lauren foi. Ela tem esse terrível defeito de tentar evitar problemas com distrações! – Camila balançou a cabeça negativamente ao mesmo tempo em que tocava a teste úmida pelo suor do nervosismo. – Ela deve estar se sentindo uma merda! O maior receio dela é ser abandonada e fizemos exatamente isso!

Dinah, Normani e Allyson se entreolharam brevemente, sentindo a culpa pesando nos ombros porque sabiam dos problemas psicológicos que Lauren trazia consigo pelo fato de ter perdido a mãe em seu nascimento. De ter crescido em um lar não muito ideal.

Camila, decidida a fazer algo, então agarrou o telefone de disco e girou os números, discando os algoritmos da Universidade.

***

Universidade de Miami - Bloco Improvisado da Secretaria

23 horas e 21 minutos

No instante em que os primeiros toques do telefone de disco soaram, Lauren distribuía beijos molhados pelo pescoço de Keana, que estava prensada contra a parede de uma das salas no bloco de Jornalismo. Após o atentado, a secretaria havia sido improvisada ali até que o bloco de Direito fosse totalmente reformado. Gemidos roucos saíam dos lábios da francesa, que se encontrava apenas de sutiã rosa na medida que tinha seus seios apertados pelas mãos ágeis da Jauregui mais velha. Ver a Issartel se movendo, roçando e dançando contra o seu corpo foi o estopim para Lauren. Seu Alter Ego, cada vez mais forte, havia recebido permissão e estava à superfície, saboreando, se presenteando da oportunidade de fazer o que bem entender e de se entregar aos seus instintos mais primitivos: a luxúria e a fome. As duas mulheres, minutos atrás, ainda dançavam na quadra, mas, a hipnose e a libido falaram mais alto e elas acabaram fugindo para um lugar mais discreto.

Com a audição extremamente mais sensível, Lauren rosnou em incômodo com o tocar incessante do telefone ao fundo. Ela não tinha controle de seus pensamentos acelerados, tentava driblar a intensa nuvem anestésica da cocaína e do álcool, mas era em vão. Todo o apetite e tesão suprimidos ao longo daqueles dias, agora, continham passagem livre para vir ao exterior.

E nada melhor que a mulher gemendo à sua frente, certo? Curvas, gosto e textura fenomenais.

Assistindo Keana suspirando prazerosamente de olhos fechados, Lauren inspirava fundo o perfume e isso tinha reflexo em suas entranhas. Ela encarava a pele macia do pescoço da francesa e sentia uma fome intensa, cada vez mais agoniante dentro de si. O rock ecoava pelos corredores vazios da Universidade, em um volume devidamente alto na sala, já que a mesma era próxima da quadra.

Keana terminava de desafivelar a calça de Lauren e estava prestes a desabotoá-la quando, novamente, o telefone de disco tocou estrondosamente pela segunda vez. A jovem estudante de Medicina, já sem paciência, deu um passo para trás cambaleando por causa da embriaguez e lutando para recobrar a consciência, mas a quantidade de droga ainda não havia sido dissolvida por seu alto metabolismo.

Ela caminhou com certa dificuldade até a sala da secretaria, ao lado, e colocou o telefone de disco na orelha.

Do outro lado da linha, Camila rapidamente captou o som de rock alto ao fundo e um arrepio de antecipação a rasgou de dentro para fora.

– Alô?! – a voz rude soou ao fundo musical.

Lauren?! Sou eu, Camila! – a latina de óculos de grau, que estava sendo encarada por Dinah, Normani e Allyson, praticamente gritou para o aparelho.

– Camz?! – Lauren arregalou os olhos em exasperação, sem acreditar que ouvira a voz de sua amada na outra linha. – Camziiii... – ela soluçou, tentando disfarçar que não estava bêbada e novamente cambaleou para trás.

Keana, ainda na sala ao lado, conseguiu identificar com quem a Jauregui conversava. A francesa revirou os olhos e pegou sua blusa no chão, caminhando em direção à secretaria.

Lauren, você está bêbada?! – Camila praticamente berrou e isso fez Dinah, Normani e Allyson se entreolharem meio preocupadas.

– Talvez um pouco alterada... – Lauren mal era capaz de pronunciar aquelas palavras. – Oh, Camziii... eu senti tanto a sua falta! Me perdoa, ok? Eu prometo mudar... Que droga eu estou fazendo?! Eu sou uma pessoa terrível! Por favor, volta pra mim! Eu amo você!

Keana, que adentrava no cômodo, bufou audivelmente ao ouvir aquele pedido de desculpas constrangedor e, com um simples movimento, agarrou e puxou o telefone das mãos da outra mulher.

Ela está comigo, sua vadia! – a francesa disse entre dentes para o aparelho fixo.

O sangue de Camila esquentou no momento em que ouviu a voz de Issartel e sua mente já imaginou os piores cenários que faziam a raiva começar a fervilhar dentro de si.

O que você está fazendo junto com ela?! – retrucou com ódio.

– O que você acha?! – uma gargalhada ecoou.

Está aproveitando do fato que ela está bêbada, não é, sua cretina?! – Camila bradou, e isso fez a estudante de Direito bufar.

– Ela ficou bêbada porque quis, usou droga porque quis e veio à festa porque quis. Ela está comigo porque... quer! – Keana retrucou com veneno nas palavras e desligou o telefone em seguida, batendo-o com força na caixa.

***

Casa dos Hernandez's

23 horas e 25 minutos

Camila bufou irada ao ouvir a linha muda e chocou o telefone com a mesma força na caixa, sequer ligando que ele pertencia à sua amiga. No instante seguinte, a latina já dava passos pesados e se agachava o suficiente para conseguir calçar seu par de All Stars. Agarrou sua blusa de frio rosa e direcionou o olhar irritado para uma Dinah, Allyson e Normani que continuavam paradas e atônitas, se entreolhando confusas.

– O que você está fazendo?! – a loira alta a questionou.

– Onde está indo?! – a loira menor também perguntou.

– Eu vou atrás dela! – a latina rosnou, terminando de dar um nó em seu cadarço.

– Sério, Camila?! – a negra bufou. – Ela está lá porque quer! Pelo visto estávamos enganadas e ela só está aproveitando a vida pós-namoro agora!

– Olha, eu passei muito tempo escondendo o que sentia por tamanho medo que, com o passar do tempo, acreditei que não merecia algo maior. Então, melhor que ninguém eu sei como é ser submissa aos demônios internos e às inseguranças que provavelmente vão nos perseguir pelo resto da vida e nos fazer errar ainda muitas vezes. Não vou deixá-la sozinha, nunca mais! Mesmo que ela esteja fazendo isso por livre e espontânea vontade, eu vou lá para que ela possa dizer isso na minha cara! – Camila falou, ríspida. – Não preciso que concordem ou aceitem. Eu vou com ou sem vocês!

As três amigas se entreolharam novamente e suspiraram em derrota, colocando-se de pé e calçando seus próprios sapatos. A latina assentiu com a cabeça, agradecendo em silêncio pela parceria, e Normani pegou as chaves de seu carro.

Descendo as escadas o mais rápido possível, as quatro saíram da casa em silêncio para não acordar Patricia. E, inocentemente pensando que estava a caminho de salvar sua amada, antes de se sentar no banco de trás do conversível, Camila sorrateiramente olhou para o céu e foi presenteada pela Lua Cheia... que chegaria a seu ápice em poucos minutos.

***

Universidade de Miami

23 horas e 27 minutos

Lauren não estava se sentindo bem. Nada bem.

Seu grau de entorpecência era tamanho que sequer conseguiu associar o que Keana havia feito e falado para Camila; seu estômago queimava; suas articulações e suas vísceras pulsavam; o suor do desconforto brotava e escorria pelas laterais de seu rosto. Se encontrava tão fora de si que não se contrapôs quando Keana, subitamente, a pegou pela mão e saiu a puxando até a quadra movimentada pela festa outra vez. Os brilhos dos holofotes rapidamente queimaram a retina sensível de Lauren, que colocou as mãos na frente das íris verdes cada vez mais cintilantes buscando se proteger da alta luminosidade. As vibrações da música alta em seu tímpano a agoniavam.

Isso estava a irritando, profundamente.

De repente, no meio dos outros jovens que dançavam e que ainda se embebedavam e se drogavam, Lauren sentiu uma intensa falta de ar. Seus pulmões doíam, hiperventilavam devido ao metabolismo cada vez mais alto, melhorando sua visão embaçada e zonzeira, oferecendo-lhe pensamentos claros e conscientes. Ela piscou depressa e então constatou que o álcool e a cocaína haviam, magicamente, se extinguido de sua corrente sanguínea.

E, agora, por breves segundos, podia se questionar: o que diabos ela estava fazendo ali?!

Keana, alheia a tudo que acontecia e ainda entorpecida, chocou sua bunda contra a pélvis de Lauren e começou a rebolar ao som do rock que tocava.

Entretanto, a mulher atrás de si não conseguia sequer dar-lhe atenção, pois algo estava extremamente errado com ela.

*Music On * (The Night - Disturbed)

Algo queimava em suas entranhas; suas artérias e veias mudavam de cor e se destacavam em um azul-escuro medonho na pele pálida; uma combustão tão intensa a consumia em que cada órgão parecia estar sendo arrancado e triturado dentro de si.

Seu corpo tremia; suava excessivamente. Tonta pela dor crescente, uma Lauren ofegante cambaleou para trás e se distanciou da movimentação de pessoas, fugindo em direção à saída da quadra. Abriu as portas de metal bruscamente, tropeçando e começando a vagar pelos corredores do bloco de Jornalismo na medida em que se escorava nas paredes que pareciam todas girar.

Buscava por ar, mas não o encontrava. Tentava enxugar o suor em sua testa, mas era em vão. Poderia pedir por ajuda, mas ninguém a escutaria.

E então tudo teve início, abruptamente, quando a Lua Cheia atingiu seu ápice.

Um grito desesperado de dor saiu de seus lábios ao sentir o trincar do seu osso úmero em seu braço esquerdo, fazendo um movimento de 90 graus para trás com o barulho aquoso de suas articulações sendo rompidas. Arfou em agonia ao sentir, literalmente, os tecidos cartilaginosos ganharem vida e almejarem romper sua pele febril.

Sua caixa torácica dilatava, crescia e rasgava a carne ao redor; todas as suas vértebras, tanto as cervicais, torácicas e lombares se deslocavam em direções diferentes, dilacerando e reorganizando-se em um novo formato adequado para a morfologia quadrúpede.

Lauren se jogou no chão, sem forças, tremendo, de olhos arregalados e boca escancarada na medida em que gritava e chorava para tentar suportar. Podiam ver o tecido muscular esquelético tracionando contra a pele branca os seus ossos em transição, os quais vibravam e estalavam enquanto se remodelavam de forma excruciante.

Era a pior dor de sua vida.

Tão profunda e cortante que seus olhos reviravam em busca de não desmaiar... e mesmo se ela quisesse, não conseguiria, pois a adrenalina em sua corrente sanguínea iria mantê-la acordada por muito tempo.

Os músculos lisos de seus órgãos contraíam; as células se multiplicavam em uma tentativa de mudarem de conformação e se adaptarem à nova morfologia que lutava arduamente para vir à superfície.

Uma fera desgovernada a destruía de dentro para fora.

As gengivas de Lauren com uma coloração vermelho vivo, por causa do sangue, começavam a se abrir pungentemente a fim de permitir a descida de dentes pontiagudos: quatro pré-molares superiores e os primeiros molares inferiores afiados como lâminas carnassiais, finas e cortáveis.

Com os olhos arregalados, Lauren grunhiu em desespero ao erguer as mãos e assistir o tecido epitelial das cutículas da ponta de seus dedos se rasgarem dolorosamente e suas unhas crescerem e se desenvolverem em garras longas, ásperas e afiadas.

Seus carpos e metacarpos se alongavam em estruturas de patas e seus dedos eram deslocados para o lado com movimentos não-naturais e torturantes.

Seus órgãos internos sofriam metamorfose e a impedia de respirar, deixando os gritos mudos em sua garganta e abafados pelo som alto da música.

Suas articulações inchavam e desinchavam sem parar, formando bolhas de edema que inflamavam seus músculos tensionados.

Seu corpo, agora completamente torto e retorcido pela quebra dos ossos, pulsava em espasmos elétricos e lancinantes.

Sem pensar duas vezes, Lauren iniciou uma automutilação ao passo que utilizava as garras afiadas para arrancar a própria pele insuportável, em uma tentativa desesperada de diminuir a dor da combustão. Ela berrava em sofrimento ao experienciar seus tendões, fibras, nervos e próprio tecido epitelial serem rasgados e arrancados em pedaços grotescos que, assustadoramente, davam passagem para que uma pelugem negra viesse à superfície.

O sangue era espirrado nos armários. Os fragmentos de carne jogados em todas as direções e se amontoando na gosma deixada para trás.

Lauren chorando alto, em seus últimos segundos ainda meio-humana, rastejava banhada no próprio sangue disperso pelo chão do corredor universitário. Sua consciência ainda lutava para continuar presente e isso, torturantemente, apenas a afundava mais na cortante dor excruciante em que se afogava.

A única luz ali era proveniente de uma grande janela de vidro, na qual ela espalmou as sobressalentes patas dianteiras no parapeito e tentou erguer seu corpo parcialmente coberto pela pelugem negra, mas logo caiu no chão novamente sem forças.

E então, findando o processo, Lauren levantou o rosto e olhou para cima, avistando o astro majestoso:

A Lua Cheia, em seu ápice, iluminava seu corpo quase completamente transfigurado.

E, como um gatilho puxado, toda a sua consciência e dor sumiram.

Sua pupila dilatou e sua íris se tornou um verde neon, cintilante, profundo. Seu pescoço fez um movimento não-natural para a esquerda e virou 90 graus. Seu maxilar quebrou violentamente pela pressão em suas articulações e, em seguida, começou a se moldar de acordo com o desenvolvimento de seu focinho, fazendo os sons dos seus ossos faciais se remodelando ecoarem pelo corredor.

As roupas humanas que ainda usava se abriram nas laterais à medida que seu porte animal crescia; suas omoplatas ficaram mais elevadas na pelagem negra, as costelas marcadas, o peitoral resistente e mais robusto. Os coturnos se despedaçaram na medida em que seus tornozelos se alargaram dando origem às patas traseiras.

E então, finalmente, a lobisomem se ergueu e caiu com as quatro patas no chão, completamente transformada. Lufadas de ar quente saíam por sua boca e focinho durante sua respiração grave e ofegante. As orelhas longas e triangulares se acostumavam com o novo e inexplorado ambiente.

Preparada, o animal feroz elevou a cabeça, inspirou fundo e soltou um uivo alto, longo e penetrante que fez as janelas vibrarem com a potência.

A fêmea estava faminta... e era hora de caçar.

***

Há poucos corredores dali, ainda no interior da quadra brilhante e com jovens entorpecidos, Keana se assustou com o som gutural e estridente que sobressaiu à música de rock. Ela olhou para a porta de metal, de onde estava perto, mas não se alarmou porque ao seu redor todos continuavam dançando. Tudo estava normal: muita bebida, drogas, pessoas rindo, se beijando, e até brigando... como Christopher e Noah, que discutiam ao fundo após o Jauregui descobrir que sua irmã estava ali em algum lugar.

A francesa suspirou e decidiu ir atrás de Lauren, que havia sumido minutos atrás. O objetivo da noite eram uns amassos e experimentar o sexo lésbico, mas agora tinha que lidar com a mulher chorona, bêbada e drogada. Keana, despreocupada, pegou mais uma cerveja e deixou a quadra da atlética ao sair diretamente no corredor secundário do prédio principal do bloco de Jornalismo.

Precisava admitir que a cocaína e o álcool haviam batido, pois seus movimentos já eram atrapalhados e sentia aquela maravilhosa sensação de tudo estar mais lento.

Lauren?! – deixou que sua voz ecoasse pelos corredores penumbrosos e vazios.

Silêncio.

Lauren, saia de onde estiver! – chamou outra vez, tomando um gole da cerveja gelada. – Podemos fazer o que quiser! Conversar, beber, transar... – ela deu uma risadinha embriagada.

Porém, na medida em que andava, apenas o silêncio agourento a acompanhava.

Abraçada pelas sombras dos corredores parcialmente iluminados pela luz da Lua Cheia vista das janelas, um arrepio repentino cruzou o corpo frágil de Keana. Seu coração sambou no peito e os braços arrepiaram, em uma sensação sinistra de estar sendo observada de longe. Ela engoliu o bolo de choro formado na garganta e apertou ainda mais a garrafa de vidro na mão esquerda, tentando aumentar sua coragem na medida que continuava a perambular sozinha.

Continuou a andar perto da linha das paredes, no entanto, diminuiu a velocidade dos passos ao virar em mais uma interseção de corredores e avistar alguns trapos no chão. Mais a frente, como uma cena de massacre de um filme, respingos de sangue estavam em todos os lados.

O coração da francesa batia tão forte e tão alto que podia escutá-lo; sua respiração estava descompassada; e ela apenas implorava que Lauren aparecesse e lhe fizesse companhia.

Como ela deveria não ter desejado isso...

Quase como resposta, Keana logo escutou um rosnado gutural ao fundo, mais precisamente às suas costas. Paralisada, a primeira coisa que questionou foi se algum animal havia conseguido entrar na escola e a segunda foi como havia o feito.

Lentamente, suspirando de medo, a francesa virou seu corpo trêmulo e seus olhos quase saltaram das órbitas acompanhado por seu coração na garganta, que parou de bater por alguns segundos.

Uma figura animalesca, sobre as duas patas traseiras, se encontrava na penumbra no fim do corredor e a encarava, fixamente, com suas duas íris verdes cintilantes.

Os segundos passaram e o ser sobrenatural se entediou, caindo sobre as quatro patas, e se preparando para o ataque.

Keana hiperventilava mediante ao medo que paralisava seus membros.

Um rosnado mais feroz saiu entre os dentes afiados da fêmea que começou a se movimentar rapidamente sobre as quatro patas, em direção da jovem que berrava com todos os seus pulmões.

Instintivamente Keana se colocou a correr exasperada pelo corredor, olhando para trás e avistando a lobisomem com as unhas fincadas nas paredes e correndo nas paredes em um ângulo oblíquo.

Apavorada, a imagem assustadora a fez tropeçar nos próprios pés e cair ao chão.

Por favor, não! – implorou ao ver o animal se aproximar com rapidez.

Em um ato desesperado, Keana jogou a garrafa de cerveja no alvo, porém, o vidro se estraçalhou no peitoral da lobisomem que grunhiu mais irritada. A fêmea, sobre duas pernas, passou a pata dianteira esquerda na pelagem e retirou os excessos de cacos que ali estavam enquanto bufava em ódio.

Ainda caída, a estudante de Direito olhou nas íris verdes cintilantes e sua boca abriu espantada.

La-Lauren?! – gaguejou, ao reconhecer aquelas órbitas. – Lauren, não! Por favor! NÃO!

A lobisomem a ignorou totalmente e, com um simples e certeiro movimento de sua pata direita, suas garras foram em direção ao abdômen da francesa e o dilacerou, fazendo as entranhas e sangue serem jorrados nas paredes. Keana berrou pela dor excruciante e insuportável que apoderou de seu sistema em pane; ela implorou por ajuda, por misericórdia, por piedade, enquanto o líquido vermelho quente subia por sua garganta e vazava em fluxo intenso por sua boca.

A sensação ácida era inexplicável. Cortante. Áspera.

Rosnando entre os caninos, a lobisomem rugiu alto e mostrou suas presas e molares afiados e Keana pôde, ainda por um fio de consciência, sentir a respiração quente contra seu rosto. E a última coisa que ela viu foram as íris verdes-lima cintilantes vindo em sua direção e abocanhando uma porção de seu pescoço, rasgando suas cordas vocais e as puxando para si em meio aos jorros de sangue.

A noite de Lua Cheia estava apenas começando.

############

[Wolf] MEU DEUS DO CÉU, o que foi isso?! O que acharam da transformação?! O que acharam do capítulo?! Estão preparados para o que vem aí????? Eu acho que não!

Deixem seus comentários, ideias e teorias! Além de claro, uns mimos para as autoras famintas.

Até a próxima atualização, Duskers.

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