Spring Day // Butterfly: segu...

By jacexwife

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[EM ANDAMENTO] Depois de uma noite de ano novo que mudou tudo que Minah achava ser sólido em sua vida, ela pr... More

Prólogo
1. Mikrokosmos
2. Crystal Snow
3. Pied Piper
4. Anpanman
5. Let Go
6. Breathe (parte 1)
7. Breathe (parte 2)
8. Only Then
9. Dimple
10. Not Today
11. Am I Wrong
12. Reflection
13. Good Day
14. Two!Three!
15. Boom Boom
16. Home
17. Save Me (parte 1)
18. Save Me (parte 2)
19. Change
20. Stigma (parte 1)
21. Stigma (parte 2)
22. Cypher Pt.3: Killer
23. First Love
24. Begin
25. 4 O'Clock
26. Whalien 52 (parte 1)
🌸Carta da autora🌸
28. Jamais Vu
29.1. Tomorrow
29.2. Tomorrow
30.1. Hold Me Tight
30.2. Hold Me Tight

27. Whalien 52 (parte 2)

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By jacexwife

#EfeitoJagi

Minah

O som musical e simpático da voz robótica nos alto falantes do elevador anunciando a chegada no décimo terceiro andar parecia estar vindo de outra dimensão, me sobressaltando quando finalmente o ouvi muito próximo aos meus ouvidos ao erguer os olhos do padrão do piso da caixa de ferro enorme para ver as portas se abrindo à minha frente, sem a visão costumeira de nenhum dos meus colegas visitantes se atropelando pela saída daquela vez. Era muito estranho estar ali sozinha depois de tantos dias acompanhada pelas companhias silenciosas dos outros visitantes.

Me empurrei para a frente com as mãos que estavam apoiadas nas barras frias de metal atrás de mim para seguir adiante, sentindo minhas pernas se moverem de forma meio automática e descuidada, não registrando muito bem a sensação dos meus pés tocando o chão abaixo de mim enquanto piscava repetidamente contra as luzes fluorescentes que me aguardavam no andar, tentando afastar um pouco do ardor que causavam em meus olhos muito arregalados e perturbados. Eu não os pregava há muito mais horas do que um dia inteiro possuía, mas não sentia que conseguiriam descansar tão cedo, já que toda vez em que piscava, tudo que eu podia enxergar como plano de fundo dançante da minha mente eram os contornos do hangul bem desenhado de Chung-hee.

Annyeong, Nabi-ah. Como vai você?

Balancei a cabeça, tentando me livrar daquela visão pelo menos por alguns instantes, para que pudesse raciocinar o suficiente para seguir meu caminho, tentando me lembrar do caminho que deveria seguir, mas as luzes brilhantes pareciam queimar a visão no fundos dos meus olhos, deixando as palavras de Chung-hee ainda mais iluminadas e desconcertantes, me tirando dos eixos completamente.

Já faz algum tempo desde que te escrevi.

— Moon Minah. — Uma voz simpática e jovial preencheu o zumbido em meus ouvidos e o espaço ao meu redor, me fazendo piscar outra vez ao seguir na direção do som, encontrando o doutor Seo caminhando a passos largos vindo da direção dos últimos corredores da ala da UTI, repousando seu estetoscópio ao redor do pescoço enquanto me cumprimentava com um de seus olhares educados, acompanhado por alguns dos fiéis enfermeiros de sua equipe, que sorriram amigavelmente com os olhos em minha direção, com metade do rosto coberto por máscaras higiênicas.

Mesmo enquanto os via dobrarem na esquina do balcão central mais a frente, foi impossível não notar como seus sorrisos pareciam diferentes naquele dia. Eles não apertavam tanto os cantos dos olhos educados nem os deixavam miúdos, o que significava que eram sorrisos muito pequenos, e se desviaram rapidamente do meu olhar como se estivessem fugindo, me deixando ainda mais confusa, e de repente, muito perturbada por aqueles pequenos relances.

— Bom dia. — O doutor Seo me cumprimentou ao se aproximar, enfiando as mãos nos bolsos de seu jaleco branco e sorrindo educadamente em minha direção.

Tentei fazer com que os cantos dos meus lábios se erguessem o suficiente para cumprimentá-lo de volta, mas era quase como se aquela parte do meu rosto não estivesse obedecendo aos meus comandos, e minha garganta de repente pareceu seca demais para emitir qualquer tipo de som. Ao que parecia, quase nada estava sob meu controle desde a noite anterior.

— Se importa em me acompanhar até a minha sala por um instante? — O doutor perguntou ao me alcançar, não parecendo incomodado com a minha falta de resposta ao seu cumprimento, notando a forma como meus ombros se ergueram por baixo do moletom, se tensionando de repente ao ouvir de verdade sua pergunta. Ele não havia me chamado para mais nada desde o primeiro dia em que fui ao hospital, e as notícias que recebi em sua sala não eram exatamente boas, o que imediatamente me fez entrar em alerta, e aquilo também não passou despercebido por ele. — Não quero tomar muito do seu tempo com Chung-hee hyung, mas acho que precisamos conversar um pouco.

Os olhos do doutor cintilaram em minha direção, e foi então que notei o brilho sutil de preocupação neles, iluminados pelas luzes fluorescentes, e a forma como os cantos pareciam tensos e injetados, ainda que estivesse tentando esconder tudo com educação. Eu desconfiava que ele entendia pelo menos um pouco do quanto os horários de visita com Chung-hee eram importantes para mim, e mesmo em meio à sensação estranha arraigada em meu estômago e ao calafrio que percorreu meu corpo ao encarar as emoções em seus olhos, assenti rapidamente, apreciando o gesto e o respeito do doutor Seo antes de segui-lo.

Foi quase impossível impedir meu corpo de se encolher enquanto seguíamos pelos caminhos até a sala ao passarmos pelo balcão central dos enfermeiros, que olharam em minha direção para me cumprimentar com seus sorrisos mínimos nos olhos outra vez. Estando mais perto, pude encontrar até mesmo olhares pesarosos em minha direção, como se estivessem com verdadeira pena de alguma coisa.

Senti mais uma onda de calafrio arrepiante me estremecer dos pés à cabeça ao passar por eles, o suficiente para me deixar tonta por alguns segundos com toda aquela sensibilidade que com certeza não estava ali antes, me sentindo muito exposta, de repente. Minha visão só voltou a se ajustar à minha frente quando quase esbarrei com as costas do jaleco do doutor Seo muito próximo ao meu rosto enquanto ele abria a porta de sua sala e dava um passo para o lado, indicando que eu poderia entrar primeiro.

Apesar do ambiente particular do doutor Seo Eojin ser muito mais aconchegante e receptivo com seus tons de laranja e marrom que todo o resto do décimo terceiro andar, parecia estranhamente errado avançar pelo tapete para além do sofá em direção às cadeiras em frente à sua mesa muito bagunçada e de aparência muito formal que não combinava nem um pouco com a energia gentil que ele emanava, o que fez minhas pernas rígidas ficarem imóveis pouco depois de passar pela porta, ainda de pé, enquanto esperava que o doutor se virasse na minha direção outra vez, assistindo em um silêncio ansioso e quase ensurdecedor enquanto ele revirava alguns dos muitos papéis sobre sua escrivaninha, os ombros largos parecendo muito mais tensos do que a postura da costura de seu jaleco deveria salientar.

Quando finalmente se voltou para mim — depois de longos segundos que eu podia sentir que serviram para que ele se preparasse e se compusesse o suficiente para o que quer que estivesse prestes a fazer —, o brilho súbito das muitas emoções em seus olhos e em todo seu semblante, que ele civilizadamente escondia por trás de máscaras higiênicas, cintilou tremulamente em minha direção, fazendo mais um calafrio percorrer minha espinha em direção às pernas, e meus joelhos bambearem, abalando todo o meu corpo ao não encontrar a simpatia e a polidez costumeiras em seu rosto.

Foi preciso um esforço quase inumano para lutar contra todas aquelas sensações inconstantes para reunir força o suficiente para fazer as palavras rolarem pela minha língua com um mísero fiapo de voz:

— O que aconteceu?

Os ombros tensos do doutor Seo murcharam debaixo do jaleco quando seu olhar se tornou muito pesaroso, quase como se ele já não aguentasse mais suportar o esforço para tentar esconder aquilo.

— Chung-hee hyung teve uma parada cardíaca durante a madrugada — disse, e a fraqueza de suas palavras e de sua voz fizeram meu peito apertar ao redor dos pulmões no mesmo instante, roubando todo o ar com um arquejo dolorido. Meus joelhos bambos perderam as forças e vacilaram totalmente, me fazendo cair sentada sobre o sofá. Os olhos do doutor se arregalaram e ele pegou alguma coisa em sua mesa, tateando cegamente antes de se apressar em minha direção. — Eu e a equipe conseguimos estabilizá-lo a tempo. Ele continua estável desde então, e nós ajustamos um pouco a dose dos sedativos, e estamos monitorado-o o tempo todo para que possamos cuidar dele o mais rápido possível se isso voltar a acontecer.

E lá estava o calafrio me chacoalhando inteira outra vez, fazendo eu me inclinar e apoiar os cotovelos nos joelhos, sentindo que meu corpo não aguentaria mais um daqueles.

— Então isso pode acontecer de novo — murmurei, não mais alto que um sussurro quando senti que podia falar de novo, erguendo o olhar para o doutor Seo, que estava sentado ao meu lado, apertando o que aparentava ser um aparelho de pressão nas mãos, assentindo e me observando com muita atenção com seus olhos educados cheios de emoções angustiantes e pesarosas que ele parecia estar demonstrando pela primeira vez à minha frente.

— Prometi à Chung-hee hyung que não faria ou diria nada que pudesse apavorar você — ele tornou a falar depois de alguns instantes, me fazendo piscar para enxergá-lo com clareza outra vez, vendo-o franzir as sobrancelhas e me lançar um de seus olhares diretos, que eu já sabia que faziam parte da sua forma de dar notícias nada boas para que fossem compreendidas com poucas palavras. — Mas não posso mentir para você. O corpo dele está lutando tanto quanto pode para se manter funcionando, mas é tudo muito delicado, e ele não sabe bem como operar nas novas condições em que se encontra. — O doutor fez uma pausa, desviando o olhar do meu por alguns instantes, enquanto eu sentia meu peito expulsar todo o ar com seu aperto lacerante, até que ele se voltou para mim outra vez, falando suavemente: — Ele está cada vez mais dependendo de forças além dele para estar aqui, Minah.

Todos os dias me sento nessa mesma cadeira molenga e respiro tão fundo quanto posso para tentar me encher de novos ares e novas energias para escrever para você, mas nem todo o ar do mundo poderia mais fazer eu me sentir inteiro.

A pressão em meu peito se tornou demais para meu coração quando a voz de Chung-hee dançou em minha cabeça, e eu finalmente pude sentir cada uma de suas palavras ao meu redor e o que elas queriam me dizer, me encolhendo com os braços ao meu próprio redor. O toque da realidade sob a minha pele de repente era esmagador, e eu o sentia em todas as direções, por todo lado, me sentindo diminuir a cada instante ao me dar conta do quanto tudo aquilo era tão mais forte do que eu.

— Venha cá. — A voz educada e mansa de Seo Eojin me fez piscar quando senti suas mãos em meu braço, me puxando com firmeza e gentileza para as almofadas do encosto de seu sofá surrado, arregaçando a manga enorme do meu moletom até o cotovelo e colocando um aparelho de pressão digital em meu pulso, enquanto eu simplesmente não consegui reunir forças para resistir à nenhum toque. — Lembre-se de respirar. Para dentro e para fora. Você pode fazer isso.

Sob seu olhar atento, que se dividia entre me encarar com preocupação e monitorar o visor do aparelho em meu pulso, tentei obrigar meu corpo a cooperar comigo naquela tarefa mínima, sentindo o aperto em meu coração tentar me impedir de respirar, fazendo o ar entrar pelo nariz de forma trêmula e errante. Aquilo não passou despercebido pelos olhos atentos do doutor Seo, que cintilaram com ainda mais preocupação e tristeza, como se revelassem mais das emoções que escondia com sua educação durante toda aquela semana, emoções que só haviam transparecido em pequenos relances até então.

Desde o primeiro momento em que nos encontramos, ele não se parecia nem um pouco com os médicos que eu havia conhecido até então, com toda a polidez ao se expressar e a graciosidade e receptividade ao lidar comigo, e ali ao meu lado, com o cabelo geralmente perfeitamente penteado para trás caindo sobre a testa, ele definitivamente não se parecia apenas com um médico.

Naquela sala aconchegante e bem decorada no décimo terceiro andar do hospital, com os olhos piedosos e muito humanos do doutor Seo Eojin sobre mim...

— Por que? — murmurei, depois que o aparelho em meu pulso apitou, chamando a atenção do doutor, que pareceu aliviado com o que quer que tivesse visto no pequeno visor antes de erguer o olhar confuso para mim.

Engoli em seco o ínfimo constrangimento que senti ao pensar no quanto a pergunta era estranha, mas toda aquela nova sensibilidade estranha, que eu sentia fazendo meu coração bater apertado e acelarado no peito, queria saber exatamente quais eram as emoções do doutor Seo naquele momento para entendê-lo melhor, o que fez minha curiosidade falar mais alto que meu embaraço ao perguntar: — Por que se importa tanto? Como você se sente com isso?

O doutor se sobressaltou, franzindo o cenho e arregalando um pouco os olhos ao mesmo tempo, parecendo muito confuso com algo enquanto tirava o aparelho do meu pulso e rolava a manga do meu moletom até os punhos com movimentos automáticos e muito lentos, mas algo em meu olhar fez a carranca se desmanchar de seu rosto em poucos segundos, e seus olhos brilharam com algum tipo de reconhecimento antes de se desviarem dos meus por um instante, encarando os papéis desordenados sob sua mesa.

— Nunca foi tão difícil ter um paciente que me tratou como um amigo de verdade — murmurou baixinho, a voz ficando rouca e sendo tomada pela emoção a cada palavra, fazendo meu peito apertar ainda mais, entendendo o que ele queria dizer sem precisar fazê-lo com todas as letras, até que um pequeno sorriso tristonho se repuxou em seus lábios. — Ao mesmo tempo, nunca fui tão grato por conhecer uma vida como a de Lee-Moon Chung-hee tão de perto. — Hesitou por alguns segundos, baixando o olhar para o aparelho em suas mãos, apertando-o com força e pressionando os lábios juntos, gestos que eu sabia que tinham como objetivo tentar reunir algum resquício de coragem pelo corpo, para então erguer o olhar até o meu, que o encarava diretamente, tentando encorajá-lo mesmo em meio à minha fraqueza, assentindo para si mesmo antes de continuar:

"Chung-hee hyung salvou a vida da minha filha há alguns anos. Minha Jang-mi estava passando por coisas muito difíceis na escola nova quando estava no começo do ensino médio. Coisas que prejudicaram sua saúde mental. Eu... nunca saberei com certeza o que houve exatamente, porque ela nunca quis contar nada nem a mim nem à minha esposa, mas desconfio que tenha sido por causa da aparência dela. Ela tinha os cabelos muito curtos na época, e sempre preferiu usar roupas mais confortáveis, que dizem por aí que não eram roupas de menina. Não sei ao certo. Sempre a deixamos vestir o que quisesse, e ela sempre foi perfeita para nós exatamente como era.

Ela é uma menina muito inteligente, sempre tirou notas boas e gostou muito de futebol, e tinha uma personalidade muito tagarela e vibrante antes de tudo acontecer, sempre contava cada mínimo detalhe do que acontecia nas escola para minha esposa e eu a caminho de casa. De repente, foi como se a voz dela... Estivesse sumindo aos poucos a cada dia que se passava. Eu e minha esposa entramos em contato com a escola para que algo fosse feito a respeito, e aparentemente, o problema com os colegas de turma foi resolvido, mas as marcas na mente de Jang-mi já haviam se tornado muito profundas e a machucado demais.

Buscamos todos os tipos de especialistas que eu conhecia, tentamos todos os tipos de terapia e até medicações durante todo o primeiro ano do ensino médio dela, mas tudo só parecia deixá-la ainda pior, afastando-a de quem ela era mais e mais, e nos deixando cada vez mais desesperados. Um dia, ela teve uma reação ruim à um dos remédios que estávamos testando para ajudá-la a dormir, e precisamos trazê-la para a emergência do hospital. Eu corri para chamar alguns enfermeiros de confiança da ala de pediatria, enquanto minha esposa deixou Jang-mi em uma das cadeiras logo atrás da recepção para preencher alguns documentos.

Nessa hora, Chung-hee hyung estava lá. Acredito que foi pouco antes da sua chegada e da senhora Moon Hwasa na vida dele. Ele era mais jovem, ainda não tinha cabelos brancos. Jang-mi disse que ele estava com um buquê de flores muito coloridas no colo, desenhando em um caderno de couro enquanto esperava por alguma coisa. Quando notou que ela estava observando o que ele estava desenhando, ele a cumprimentou com um monte de satoori na voz e sorriu na direção dela, perguntando se ela gostava de desenhar.

Ela me contou que estava se sentindo mal por causa do remédio, que a deixou muito estranha, mas que se lembrava bem do sorriso dele, porque era muito amigável, especialmente para um estranho em uma emergência de hospital. O hyung... Foi a primeira pessoa que conseguiu fazer com que a minha Jang-mi falasse depois que tudo começou. A primeira pessoa que conseguiu ter uma conversa de verdade com ela, e que a interessou o suficiente para usar sua voz outra vez.

Minha esposa voltou para ela depois de preencher a ficha no mesmo momento em que eu consegui encaminhar tudo com os enfermeiros, e admito, foi um pouco assustador encontrar nossa menina falando com um homem tão mais velho, que parecia muito contente por estar conversando com ela. Os dois estavam falando alguma coisa sobre como desenhar olhos de personagens de desenhos japoneses, e nem pareceram perceber que havia mais gente ao redor. O hyung estava explicando como era possível demonstrar muitas emoções através dos olhos, como um simples traço podia mudar tudo e o quanto era interessante trabalhar com aquilo, enquanto desenhava em seu caderninho, e Jang-mi parecia realmente fascinada. Nós não tivemos coragem de interromper a conversa, porque era tão bom ouvir a voz dela outra vez. Tão bom.

Os dois só pararam quando o nome dela foi chamado por uma enfermeira para ser atendida pela pediatra do plantão, quase como se só então se lembrassem que havia um mundo real ao redor deles. O hyung cumprimentou a mim e à minha esposa, bagunçou os cabelos de Jang-mi, estimando melhoras para ela, tirou um cartão do bolso e nos entregou com um sorriso. Ele disse que ia ser um prazer nos rever na loja dele mais tarde naquela semana, e foi embora só com o caderno, deixando as flores nas mãos da Jang-mi. Simples assim. Demorei algum tempo para entender que ele estava naquela recepção de emergência com aquele buquê apenas para passar o tempo, esperando pela oportunidade de poder entregá-las a alguém que precisasse especialmente daquele tipo de agrado.

Assim que ele saiu, Jang-mi não parou de falar sobre ele nem um instante, nem mesmo enquanto estava sendo examinada, e roubou o cartão do meu bolso quando tentei desviá-la do assunto para saber se estava se sentindo melhor. Ela implorou durante dias para irmos até a loja do "ajusshi do satoori". Nós não fazíamos ideia do que ela podia querer em uma loja de materiais artísticos, porque nunca percebemos que ela se interessava por arte nem nada do tipo, mas ela parecia tão empolgada e esperançosa com alguma coisa pela primeira vez em tanto tempo que foi impossível negar. E... foi a melhor decisão que já tomamos na vida.

Não faço a menor ideia de como ele fez isso, mas Chung-hee hyung salvou a minha Jang-mi naquela loja, de verdade. Mais do que terapias, remédios ou qualquer outra coisa que a medicina já inventou. Ele conseguiu trazer a voz dela de volta à vida. Ele a fez vibrar novamente, e isso mudou a vida dela para sempre. Ela nunca mais foi a mesma, mas foi a mudança mais incrível que já vi em toda a minha vida.

O hyung... Ele... Salvou a minha vida. Salvou a minha Jang-mi. Devo a minha vida à ele, e por isso é tão difícil ter um amigo que se tornou um paciente. Ver a força dele se esvair desse jeito e não haver nenhuma maneira ao meu alcance que possa dar pelo menos uma boa parte das minhas forças para ele como ele fez com a minha Jang-mi no passado."

Quando a voz do doutor Seo falhou e ele apertou o aparelho de pressão com força entre os dedos ao olhar para o chão, pressionando os lábios com força, meus olhos se inundaram com as lágrimas que vinham entalando minha garganta desde as primeiras palavras dele.

Fechei-os, não querendo que elas caíssem, sentindo mais um daqueles calafrios absurdos me percorrerem, me encolhendo e tentando lutar contra aquela estranha sensação de certeza que tomou conta de mim quando aquela onda de desconforto acabou, quase como se tentasse me tranquilizar e me preparar aquele tempo todo. Eu sabia o que tudo aquilo significava, e todos os meus sentidos também sabiam, mas não fazia tudo ser mais fácil de maneira alguma.

— O que eu posso fazer? — perguntei com um murmúrio quase incompreensível e desolado abafado pelo entalo em minha garganta e pelas lágrimas que não queria derramar, tentando reunir qualquer mísera quantidade de força.

O suspiro do doutor Seo preencheu o silêncio entre nós, enquanto eu ouvia o som do meu coração batendo forte e comprimido contra a dor em meu peito, agarrando-o e ouvindo a voz grave de Chung-hee recitando tudo que o desenho de seu hangul me dizia nas folhas cor de creme.

— Há algum tempo, prometi ao hyung e a mim mesmo que nunca mentiria para você, porque sei que você é tão importante para ele quanto a minha Jang-mi é para mim — o doutor murmurou, sua voz soando finalmente tão derrotada por toda aquela batalha de emoções quanto eu sentia que ele sentia em seu coração, mas ainda assim, com a mesma gentileza que sempre carregava. — Tudo que você pode fazer agora é estar com ele. Deixar que ele sinta a sua companhia. E continuar lhe dando todo o amor que puder em todo segundo que tiverem juntos.

----x----

"Naquela sala aconchegante e bem decorada no décimo terceiro andar do hospital, com os olhos piedosos e muito humanos do doutor Seo Eojin sobre mim, enquanto eu encarava muitos resultados de exames à minha frente, pude sentir o calor da luz cintilante do universo sobre mim outra vez, depois do que pareceram ser meses infinitos de inverno rigoroso. Cada centelha daquela luz dançou sobre meu corpo, iluminando minha mente congelada e meu coração fraco, se estendendo até o nó vermelho atado em meu dedo mindinho esquerdo, se acomodando especialmente ali, e foi então que eu compreendi totalmente e senti a certeza do que aquela luz queria me dizer em cada partícula dos meus grandes ossos e da minha alma."

----x----

Jimin

Me remexi contra a porta de vidro às minhas costas mais uma vez, tentando encontrar uma posição melhor para meu corpo inquieto e desconfortável sem fazer nenhum estardalhaço que chamasse a atenção dos hyungs e de Jungkook, espalhados pelas cadeiras e bancos da mesa de piquenique à minha esquerda, e de Taehyung, sentado no chão com as pernas cruzadas bem à minha frente.

Estavam todos tão imersos na camada grossa de silêncio que nos envolvia, alguns meio cabisbaixos, outros parecendo ter acabado descobrir o quanto o reflexo das luzes da piscina podia ser interessante, que parecia quase agressivo quebrar aquela atmosfera com a minha inquietação, especialmente porque imaginava o quanto as cabecinhas de todos deveriam estar rodopiando com todas as emoções e sentimentos que colocamos para fora mais cedo naquele dia quando lemos as cartas que escrevemos uns para os outros ao final das gravações do Bon Voyage.

Enquanto passava os olhos pela figura de cada um, precisei reprimir um sorrisinho ameaçando se formar em meus lábios. Os hyungs, talvez com exceção de Namjoon hyung, pareciam ter sido atingidos por um caminhão, encarando seus diferentes pontos cegos na área externa da nossa última acomodação como se ainda estivessem totalmente desconcertados. Era quase como se não tivessem imaginado, até então, que nós pudéssemos ter todas as emoções que descrevemos nas cartas guardadas dentro de nós, e eles claramente ainda estavam meio zonzos com tudo aquilo, como se fossem vítimas da mesma maresia que havia atacado Hobi hyung no dia anterior. Jungkookie e Taehyungie também pareciam muito reflexivos, com certeza mais silenciosos e introspectivos que o comum, mas eu não podia enxergar o mesmo choque em seus olhos e nos rostos bronzeados como podia fazer com os hyungs.

Apertei mais os lábios um contra o outro e prendi mais um sorriso sorrateiro em meu rosto. Era meio divertido vê-los tão impactados por tudo que havia sido dito no barco, porque eu tinha adorado ver todos tão emocionados tão abertamente pela primeira vez em algum tempo sem que estivéssemos discutindo. Com certeza, a leitura das cartas havia sido muito especial e um momento planejado para ser mais emocionante, mas em todos aqueles dias tivemos incontáveis pequenas e grandes oportunidades de nos abrirmos uns aos outros um pouco mais só por estarmos juntos, e a viagem inteira foi incrível como foi porque todos percebemos isso já nos primeiros instantes e não desperdiçamos nem um segundo daquela experiência.

A cada segundo, era como se nos livrássemos um pouco mais das pequenas barreiras que haviam entre nós, nos unindo de novas formas. A sombra e o peso do Bangtan Sonyeondan saíram um pouco de nossos ombros e cabeças, e voltamos a ser apenas Jeon Jungkook, Kim Taehyung, Park Jimin, Jung Hoseok, Kim Namjoon, Min Yoongi e Kim Seokjin. Apenas os sete melhores amigos do mundo, que aproveitaram a companhia uns dos outros mais do que tudo — e que estavam sentindo muita falta da nossa adorável jagi e mal podiam esperar para estar com ela de novo.

Um suspiro alto atravessou o silêncio que nos envolvia como uma flecha, e todos lançaram olhares surpresos na direção de Hobi hyung, que ainda olhava na direção da piscina como se estivesse um pouco hipnotizado, mas parecia mais desperto e menos atropelado por um caminhão, como se tivesse finalmente organizado todos os pensamentos e sentimentos dentro de si e estivesse pronto para começar a sair daquela bolha reflexiva.

— Acho que finalmente entendi o que as pessoas querem dizer quando falam que o Havaí é inesquecível — ele murmurou, com um pequeno sorriso repuxando o canto dos lábios finos. — Para sempre.

Jungkook e Jin hyung lançaram olhares engraçados para Hobi hyung pelo canto dos olhos, e nosso maknae sorriu minimamente de um jeito meio espertinho e não muito impressionado, como se soubesse que o hyung não estava falando apenas das paisagens lindas que haviam encantado as lentes de sua câmera ou de todas as experiências de turistas. Nosso Jungkookie parecia ter aprendido alguma coisinha ou outra com Moon Minah sobre parecer um sabichão e ler as entrelinhas de coisas que não eram ditas em voz alta.

— Os ares do Havaí são mesmo especiais — Namjoon hyung resmungou com um suspiro, de repente, cruzando os braços sobre o peito e chamando a atenção de todos para si com o tom sugestivo de sua voz.

Ele me lançou um olhar rápido e intenso pelo canto do olho ao perceber que eu o observava, para então seguir na direção de Taehyung, à minha frente, encarando-o com muito mais intensidade e ternura no brilho dos olhos, cheios de significados velados e secretos que fizeram meu corpo inteiro entrar em alerta ao arregalar os olhos na direção dos dois, como se esperasse que de repente tudo viesse à tona e quebrasse o silêncio ao nosso redor. Taehyung pareceu sentir o calor dos olhares sobre si e ergueu a vista da pulseira da amizade que ele Suga hyung haviam comprado no dia anterior para os olhos Namjoon hyung: — Não é mesmo, Taehyung-ah?

Senti meu estômago se torcer em mil nós quando vi a postura de Taehyung enrijecer em poucos segundos enquanto ele engolia em seco e empalidecia contra as luzes azuis ao redor da piscina, ficando completamente tenso e nervoso como não ficava há muitos dias ao entender o que o tom de voz de Namjoon hyung estava encorajando. Perceber aquilo fez meu peito apertar instantaneamente, porque meu corpo inteiro se lembrou do quanto era doloroso ver todas aqueles trejeitos ruins aparecendo nele outra vez, ainda mais diante dos olhares dos outros hyungs e de Jungkook, que haviam pousado sobre ele graças à Namjoon. Eu sabia o quanto ele odiava que o vissem daquele jeito.

Taehyung balançou a cabeça fervorosamente para Namjoon hyung, arregalando os olhos apavorados em súplica, quase como se pedisse silenciosamente para o hyung parar com aquilo, o que fez meus olhos arderem com a ameaça de lágrimas emocionadas que o aperto em meu peito causou. Meu melhor amigo não se parecia com nada além de um menininho inocente muito assustado e desprotegido naquele momento, totalmente perdido por ter sua máscara arrancada do rosto subitamente, incapaz de se esconder atrás da postura imbatível, fria e distante completamente falsa que vinha tentando lutar tanto para manter erguida nos últimos tempos.

Eu sabia que as intenções de Namjoon hyung eram boas e que ele não queria maltratar Taehyung com aquele assunto porque sabia tão bem quanto eu o quanto era sofrido, mas quase implorei que ele parasse apenas para livrá-lo de todo aquele nervosismo.

— Acho que hoje mais do que nunca, estamos todos finalmente prontos para te ouvir, Taehyung — o hyung murmurou suavemente, ainda olhando na direção de Taehyung com um brilho terno e encorajador nos olhos, franzindo levemente as sobrancelhas como se também doesse nele ver seu dongsaeng tão perturbado. — Está na hora.

Taehyung engoliu em seco mais uma vez, seu olhar apavorado brilhando com uma minúscula centelha de esperança antes que ele o baixasse para as mãos trêmulas sobre o colo, apertando-as em punhos e inspirando muito fundo, de repente. Eu não aguentaria ficar sentado vendo-o sofrer de longe daquele jeito mais um segundo sequer, então me arrastei pelo chão em sua direção, me aproximando tão de mansinho quanto pude para não assustá-lo ou pressioná-lo, apenas para que soubesse que não estava sozinho.

Ele não parecia estar à beira de um ataque de pânico como os que eu havia presenciado antes, e perceber aquilo de perto fez com que a esperança que flutuou em meu peito várias vezes naquela semana crescesse um pouco mais, porque era quase como se Taehyung estivesse reunindo coragem para si próprio pela primeira vez, e não mais tentando se esconder.

Aquele broto otimista e auspicioso em meu peito ficou ainda maior quando ergui os olhos das mãos trêmulas do meu amigo sobre o colo para os hyungs e Jungkook, espalhados à nossa frente, encarando-o com os olhos tomados pela curiosidade e pela preocupação, mas ao mesmo tempo cautelosos e pacientes, aguardando o tempo dele, e eu senti meu coração bater um pouco menos apertado no peito.

— Muita coisa aconteceu esse ano. — A voz de Taehyung preencheu o espaço depois de alguns muitos segundos, muito mais rouca que o normal, enquanto ele se mantinha com o olhos baixos, provavelmente porque ainda não tinha coragem o suficiente para erguê-los. — E-eu tentei encontrar uma maneira de lidar com tudo sozinho e dar conta de tudo. Para não prejudicar ninguém. E-eu realmente tentei. — Ele fez uma pausa e engoliu em seco mais uma vez, como se tentasse conter o tremor e a angústia que tomavam conta de suas palavras. — S-só que toda vez, t-tudo parecia estar totalmente fora do meu controle.

Taehyung inspirou fundo e fechou os olhos bem apertados por um instante, cerrando os punhos trêmulos com ainda mais força antes de continuar:

— Os olhos de muitas pessoas caíram sobre Minah e eu... Depois do Ano Novo. — Ele finalmente ergueu o olhar, seguindo rapidamente na direção de Jungkook, engolindo em seco mais uma vez, o que resultou em um olhar triste e constrangido de nosso dongsaeng, o que achei totalmente compreensível, visto que aquela era a primeira vez em muito tempo que alguém tocava naquele assunto tão diretamente, desde a manhã seguinte àquela noite que partiu o coração de Minah e Taehyung no telhado do nosso dormitório. Porém, acima de todo o constrangimento, os olhos de Jungkookie brilhavam com muita preocupação na direção de Taehyung, e ele pareceu perceber, pelo modo como seus olhos aturdidos tremeluziram com emoção, ajudando-o a prosseguir: — Nem todos os olhares entendiam o que estava acontecendo. Eu sabia disso. Eles não conseguiam... enxergar a verdade entre nós dois. O que tudo realmente significava. E-e isso causou muitos problemas, com muito mais pessoas do que deveriam haver entre nós. M-muito mais.

Estiquei uma das mãos e afaguei as costas tensas de Taehyung, sentindo que ele precisava daquela ajuda enquanto inspirava muito fundo pelo nariz mais uma vez, desviando os olhos de todos e encarando suas mãos trêmulas para então soltar a respiração vacilante pela boca repetidas vezes. Eu não podia sequer imaginar o quanto dizer tudo aquilo estava desgovernando suas emoções e o entrave interno constante que tinha consigo mesmo, mas a fé que eu tinha nele só aumentava cada vez que o via tentando colocar em prática uma das muitas técnicas de respiração que encontrei na internet para ajudar em momentos muito nervosos como aquele.

— E-eu fiquei apavorado — sussurrou, a voz ficando mais embargada a cada palavra — q-quando pensei em Minah sendo ameaçada d-daquele jeito... D-Depois de tudo que passou no ano p-passado, t-tudo que ela p-perdeu e o que q-quase p-perdeu... Toda a f-felicidade dela... — Taehyung tombou a cabeça para trás quando sua voz falhou, só então erguendo os olhos devastados e nublados brilhando com lágrimas contidas para os hyungs e Jungkook, finalmente mostrando tudo que mais repudiava e escondia dentro de si há tanto tempo. — E-eu busquei t-tanto p-por outra altern-nativa, por uma l-luz, q-qualquer luz... Tanto. E odiei c-cada segundo de t-tudo. C-cada s-segundo em que tive que m-mentir para todo m-mundo, para m-mim m-mesmo, para me c-convencer, c-cada v-vez que m-machuquei as p-pessoas que eu m-mais am-mo, t-todas as v-vezes em que machuquei a M-Minah... — Ele cerrou os olhos apertados, fazendo as lágrimas escorrerem por suas bochechas pálidas, como se não aguentasse mais enxergar a realidade do que havia feito e sentir tudo que estava sentindo. — Mas foi o ú-unico jeito que enc-contrei de garantir que ficassem t-todos j-juntos...

Taehyung se engasgou nas próprias palavras uma última vez, e o choro que vinha tentando conter finalmente sacudiu seus ombros, fazendo todo o corpo frágil e exposto estremecer, deixando lágrimas e arquejos desoladores escaparem por seus olhos e seus lábios quando deixou a cabeça tombar para frente. Eu rapidamente me ergui sobre os joelhos para abraçá-lo, não me importando com a dor de arranhá-los no chão, sentindo minhas próprias lágrimas silenciosas e quentes escorrerem por minhas bochechas enquanto o envolvia apertado nos braços junto a meu peito, tentando manter todos os seus pedacinhos partidos unidos em meio à dor que eu ouvia pelo choro que escapava por sua garganta.

Quando ergui os olhos para os hyungs, fungando e piscando contra a minha visão nublada e a sensação de Taehyung estremecendo em meus braços, todos, com exceção de Namjoon hyung, tinham os olhos arregalados e cheios de lágrimas que ameaçavam escapar pelas bochechas, chocados e desconcertados diante de tudo que haviam acabado de ouvir.

— Você... — Suga hyung foi o primeiro a erguer a voz rouca totalmente falha e afetada depois de alguns segundos, com os olhos presos em Taehyung, que havia erguido o rosto no espaço entre meus braços, chorando baixinho e encarando os hyungs com seus olhos devastados, suplicantes e pesarosos, mostrando o quanto queria ser compreendido e precisava ser perdoado em meio à toda a dor. Yoongi hyung precisou fazer uma pausa, franzindo o cenho e engolindo em seco, como se tentasse enxergar melhor em meio às lágrimas que brilhavam em seus olhos. — Você fez tudo isso... Para não tirarem a Minah de nós?

Os lábios de Taehyung tremeram quando seu corpo estremeceu com mais uma nova onda de emoção e ele assentiu, fungando e soluçando baixinho antes de deixar a cabeça tombar contra mim outra vez, chorando ainda mais.

Eu o apertei com mais força em meus braços, sentindo meu coração batendo rápido ao ponto de fazer minha garganta apertar com todo o agito quando as lágrimas começaram a escorrer silenciosamente pelas bochechas dos hyungs e de Jungkook ao finalmente serem atingidos em cheio pela verdade, derrubando todas as crenças equivocadas e enganosas que tinham a respeito do que Taehyung havia feito até então, deixando-os completamente desconcertados. Pelo jeito, nem toda a convivência com Moon Minah e a intensidade e sensibilidade que ela colocava em tudo que fazia pôde prepará-los para o tamanho do impacto daquele golpe de emoções.

Senti meus olhos se arregalarem quando vi Suga hyung se levantar de onde estava, sendo acompanhado pelos olhos chocados de todos os outros, especialmente os de Hobi hyung, que pareceram muito preocupados em meio às lágrimas, de repente, enquanto ele avançava com determinação a passos vacilantes e desajeitados na minha direção e na de Taehyung, encarando-o com os olhos miúdos muito vidrados. Ele se deixou cair de joelhos a poucos centímetros de seus pés, e meu melhor amigo, que havia notado a movimentação súbita e erguido os olhos chorosos na direção do hyung, ficou confuso ao vê-lo ali tão perto e descomposto, como não víamos há um bom tempo.

Meu fôlego se perdeu no meio de uma respiração trêmula quando Yoongi hyung passou os braços ao redor de Taehyung com força, roubando-o do meu abraço para apertá-lo junto a si, fazendo suas lágrimas contidas finalmente escorrerem pelas bochechas. Taehyung levou alguns segundos para enfiar o rosto no ombro do hyung enquanto ele o aninhava de um jeito muito estranho nos braços, com muito cuidado e carinho, acariciando seus cabelos enquanto murmurava baixinho:

— Se tem alguém que tem que pedir perdão aqui somos nós. Por não termos enxergado seu sofrimento por tanto tempo. — Ele parou, engolindo em seco, e prendendo os cabelos loiros de Taehyung entre os dedos ao fechar os olhos, a voz sendo tomada pelo pesar que marcava seu rosto inteiro: — Sinto muito, Taehyung.

E lá estava. A maior transformação e a melhor experiência de toda a viagem.

O perdão.

De alguma forma, aquilo conseguiu fazer Taehyung chorar ainda mais, se é que era possível, e eu senti meu peito apertar com a preocupação ao ver seus ombros estremecendo debaixo da camisa. Não sabia que alguém poderia chorar com tanta intensidade em tão pouco tempo, mas meu amigo tinha mesmo muitos motivos para chorar. Ele estava finalmente libertando a si mesmo da prisão de sua máscara, de toda a dor e de tudo que vinha carregando sozinho até então, coisas que nem mesmo eu ou Namjoon huyng podíamos compreender totalmente, mesmo sabendo da maior parte da história há mais tempo. Só o coração partido e bondoso de Taehyung sabia de tudo que sentiu aquele tempo todo. Só ele.

Senti uma nova onda de lágrimas escapar pelos meus olhos quando vi as figuras dos outros hyungs começarem a cambalear, tropeçar e se arrastar em nossa direção para envolver Taehyung e Suga hyung nos braços com tanta força quanto era possível, murmurando muitos pedidos de desculpas embargados e emocionados o tempo todo. Jungkookie parecia estar sofrendo tanto quanto o próprio Taehyung quando caiu de joelhos atrás dele, agarrando sua camisa entre os dedos e repousando a cabeça contra a dele enquanto suas lágrimas silenciosas escorriam pelo rosto bronzeado e escureciam os cabelos de seu hyung.

Uma das mãos de Namjoon hyung afagou meus ombros quando ele se juntou ao enorme abraço coletivo à nossa frente, sorrindo pequeno em minha direção antes de repousar a outra no ombro de Yoongi hyung, me puxando para o abraço também. Ele parecia muito emocionado ao passar os olhos por todos nós, quase como se estivesse aliviado por tudo que estava acontecendo e por estar certo em relação a todos estarem realmente prontos para finalmente ouvir o que Taehyung tinha a dizer. Eu só podia imaginar o quanto seu coração de líder deveria estar se sentindo cheio por saber que podia confiar tanto em seus membros.

Hajima, Taehyung-ah. — Foi Hobi hyung que conseguiu se pronunciar primeiro, fungando e afagando com uma das mãos os cabelos de Taehyung, que continuava chorando baixinho, enquanto a outra apertava um dos ombros de Yoongi hyung. — Hajima. Seus dias de sofrimento acabaram.

Meus lábios tremeram com mais uma onda de lágrimas emocionadas ao ouvir o hyung, e Suga hyung assentiu, repousando a bochecha contra a cabeça de Taehyung e apertando-o mais entre os braços.

Hajima.

----x----

Já chega, já chega, baby

Já chega, já chega

Até as baleias cegas poderão me ver

Hoje, novamente, eu canto

----x----

Taehyung

Inspirei fundo e estiquei as pontas dos dedos dos pés em direção à água à minha frente, mais uma das incontáveis vezes em que eu repetia os gestos na última meia hora, sentindo como se fosse soluçar a qualquer instante pela forma como meus pulmões pareciam esquisitos ao se encherem de oxigênio. Era muito estranho sentir toda aquela leveza flutuante no peito e na forma como meu coração não batia mais tão acelerado e nervoso, ainda que eu pudesse sentir algumas pequenas partes mais doloridas e afetadas que as outras.

Me abrir daquele jeito para qualquer pessoa além de Jimin e Namjoon hyung com certeza havia me abalado muito mais do que eu havia me preparado. Apesar de não sentir mais que estava me afogando no meu familiar medo gélido de dizer a verdade ou prestes a me desfazer em milhões de pequenos pedaços, coisas que eu não queria que fossem vistas por mais ninguém, eu estava agradecendo baixinho mentalmente pelos membros aparentarem estarem me entendendo um pouco melhor e deixando que eu tomasse algum tempo em silêncio para me recuperar, enchendo meus pulmões leves e doloridos com o ar noturno especial do Havaí uma última vez, admirando a conversa distinta e cintilante das estrelas no céu escuro acima de mim. Não que eu não quisesse estar junto de todos eles, porque era uma das coisas que eu mais queria, mas precisava de algum tempo para entender totalmente todas as emoções instáveis que haviam abalado meu coração partido na última hora.

Quase pude sentir de novo o medo apavorante que congelou minhas entranhas quando notei de repente os olhos e as indiretas encorajadoras de Namjoon hyung, seguido pela sensação do golpe de esperança em meu peito que a surpresa ao encontrar tantos olhares preocupados e emocionados voltados em minha direção me causou, a sensação da força do calor das mãos pequenas de Jimin em minhas costas, me sustentando e acalentando a cada mísera palavra que precisei arrancar com toda a força possível dentro de mim.

Com um pequeno suspiro trêmulo, me lembrei do quanto precisei lutar contra toda a força gélida da máscara partida que eu mesmo havia criado para me esconder durante todo aquele tempo, para finalmente soar como eu mesmo outra vez, ainda sentindo-a acanhada e se espreitando entre o abalo que as batidas mais fortes e firmes do meu coração partido causavam nos rachões em meu interior, e do quanto a sensação de finalmente escolher minhas próprias palavras de acordo com o que pediam meus próprios sentimentos havia sido desconcertante e libertadora como eu nem imaginava que pudesse ser.

O som do fantasma das batidas agitadas e apavoradas em meu peito ainda ecoava em meus ouvidos quando fechei os olhos por um instante, sentindo meu peito cheio e leve se apertar dolorosamente da melhor forma possível quando recordei a sensação dos braços de Yoongi hyung me apertando contra ele com tanta força que, por um segundo antes de me perder naquele abraço, pensei que não fosse suportar sentir toda aquela avalanche de emoções boas e calorosas, das quais eu vinha me escondendo há tanto tempo.

Abri os olhos, piscando repetidamente e enxugando os cantos quando senti-os ardendo — o que vinha acontecendo com uma frequência meio vergonhosa nas últimas horas —, ouvindo no mesmo instante o som do guincho dos trilhos da porta de vidro que levava à cozinha preencher o ambiente além da conversa indistinta das estrelas acima de mim.

Jungkook fechou cuidadosamente a porta atrás de si depois de colocar os pés descalços no piso do resto da área externa, para então se virar e caminhar de mansinho em minha direção, carregando com muito cuidado um enorme copo d'água cheio em uma das mãos, seu rosto redondo sendo iluminado e pintado pelo brilho das luzes azuis da piscina, que o deixavam com um aspecto sereno e cintilante até parar ao meu lado.

— Posso ficar um pouco aqui? — perguntou baixinho, me lançando um olhar tímido e contido parcialmente encoberto pela franja, como se não quisesse me incomodar com sua presença.

Assenti minimamente, observando seu semblante inseguro e encabulado se desmanchar em alívio enquanto ele colocava o copo no chão com cuidado antes de se sentar apoiando as costas na parede e esticando as pernas à sua frente como eu. Não me incomodei nem um pouco com a forma como sua sombra se uniu à minha nas pedras do deck abaixo de nós, muito menos com a sensação de ter uma companhia no ambiente. Já estava me sentindo um pouco cansado de pensar tanto sozinho.

— Aqui. — Jungkook estendeu o copo gigante em minha direção depois de se ajeitar para ficar confortável. — Você precisa se hidratar. Para repor o nível de água no corpo.

Foi bom sorrir e achar graça de alguma coisa quando peguei com cuidado o copo das mãos de Jungkook, porque era realmente muito a cara dele se preocupar com algo como aquele tipo de coisa com um de seus hyungs. E também agradeci-o mentalmente por não ter usado as palavras "chorar" ou "lágrimas", apenas "água", mesmo que nós dois soubéssemos que o que havia sido posto para fora foi muito mais do que apenas água.

Gomawo — agradeci, e ele assentiu, sorrindo pequeno antes de se virar para a água à nossa frente.

Ficamos em silêncio por algum tempo, além do som alto dos meus goles afoitos e de cigarras, gafanhotos e grilos ao nosso redor, e só então percebi o quanto minha garganta estava seca, porque só coloquei o copo de lado quando o esvaziei completamente sem nem perceber. Meu olhar seguiu na direção da porta de vidro quando o ergui, e pude ver Jimin e os hyungs sentados à mesa que havíamos arrastado da sala até a cozinha, parecendo muito imersos no que quer que estivessem dizendo uns aos outros, ainda muito comovidos. Namjoon hyung e Jiminie provavelmente estavam esclarecendo maiores detalhes sobre tudo, já que alguns deles ainda eram muito difíceis para mim de serem ditos em voz alta, com todas as letras.

— Não se preocupe. — Jungkook murmurou, e foi então que notei que ele estava me observando e sabia qual era a direção que meu olhar havia seguido. — Não estão dizendo nada de mal de você.

Assenti em silêncio, sem desviar os olhos do rosto redondo de Jungkook me encarando de muito perto, coberto por um semblante muito emotivo que fazia seus olhos escuros brilharem com o que me parecia uma pequena centelha de tristeza, e ver aquilo tão de perto me fez franzir o cenho em confusão por vê-lo tão transtornado, ao mesmo tempo em que o pensamento de que aquela era a primeira vez em algum tempo que nos encarávamos tão diretamente chegava à minha mente.

Mianhe — ele murmurou depois de alguns segundos, seus olhos ficando ainda mais tristes, me fazendo engolir em seco quando entendi o que queria fazer.

— Pare com isso — retruquei, franzindo ainda mais o cenho, rejeitando a tentativa, porque não queria que ninguém me pedisse desculpas e estava sentindo meus olhos começarem a arder outra vez, o que pareceu deixá-lo ainda mais perturbado.

— Eu preciso pedir desculpas — Jungkook insistiu, engolindo em seco antes de continuar, sua voz suave ficando levemente abalada: — Porque meu coração se sente culpado por não ter percebido seu sofrimento antes, hyung. — Os olhos dele ficaram nublados com lágrimas de repente e ele piscou, balançando a cabeça e desviando-os para qualquer outra direção que não fosse a minha. — E por ter sido idiota o suficiente para achar que era certo ficar contra você em alguns momentos.

Foram os meus olhos que se encheram de lágrimas outra vez ao ouvi-lo, me fazendo franzir ainda mais as sobrancelhas, se é que era possível, e torcer o resto do rosto em uma careta, sentindo meu peito bater com a mesma firmeza e leveza com que havia feito quando senti os abraços de todos os membros ao meu redor. Era impossível não me comover. Ainda era muito estranho ter alguém além de Namjoon hyung e Jimin ao meu lado daquela forma, e eu precisaria de algum tempo e de muitas tentativas constrangidas para aprender a lidar com tanto carinho de novo.

— Não culpo você. — Consegui falar depois de engolir em seco algumas vezes, temendo que se minha voz soasse tão emocionada quanto meu corpo se sentia, Jungkook poderia se sentir ainda pior. — Nunca quis fazer nada que te colocasse contra mim.

Ele ergueu os olhos do próprio colo, me encarando com mais suavidade no brilho do olhar quando apoiou a cabeça contra a parede atrás de nós.

— Também nunca quis estar contra o meu hyung — murmurou, sorrindo pequeno, e pude sentir cada parte de sua honestidade em suas palavras quando a sensação boa de parceria que sempre tivemos tomou conta da leveza em meu peito. Eu havia sentido muita falta de ser o parceiro de Jungkook.

Aquilo me fez sorrir minimamente por um longo instante, gostando de sentir todas aquelas sensações boas e calorosas em meu peito, até me lembrar que ainda havia muito a ser resolvido entre nós.

— Eu, hm... — Precisei pigarrear para continuar com o que deveria ser dito diante dos olhos curiosos de Jungkook. — Sinto muito por falar sobre Minah e eu. — Engoli em seco. — Sei que deve ter sido, hm... desconfortável... ouvir sobre o passado... considerando, hm, que você e ela... Bom... Você sabe...

— Isso não faz parte do passado, hyung — Jungkook murmurou suavemente, entrelaçando os dedos sobre o colo e voltando o olhar suave para a piscina e suas luzes azuis que iluminaram seu rosto. — Você faz parte do presente de Minah tanto quanto eu e os hyungs. Nós fazemos. E tudo que nos contou hoje vai fazer parte do presente que existe entre você e ela quando contar a verdade, e vocês dois se resolverem para melhor.

Foi impossível impedir meus olhos de se arregalarem ao ponto de quase pularem para fora do meu rosto ao ouvir toda a tranquilidade e a certeza na voz de Jungkook enquanto considerava que pudesse haver alguma coisa entre Minah e eu.

Y-yah, t-talvez isso não seja mais necessá- — Tentei argumentar, porque meu medo de magoar Minah ainda mais com a verdade, e de com isso, magoar Jungkook, era sempre muito maior que a minha esperança, mas meu dongsaeng me interrompeu antes que eu sequer pudesse concluir a frase:

— Você tem que contar para ela — retrucou, me lançando um olhar firme e determinado, franzindo um pouco o cenho antes de continuar, como se não quisesse ter soado tão brusco. — Minah merece e precisa saber a verdade, hyung. Você sabe disso tão bem quanto eu. Ela jamais gostaria de estar alheia aos seus sentimentos e ao que se passa com nenhum de nós. — Ele fez uma pausa, engolindo em seco e desviando os olhos para a água outra vez, soando como eu nunca havia ouvido-o soar ao dizer qualquer coisa quando continuou: — O amor pode te levar a fazer coisas que você nunca imaginou que pudesse fazer. E aumenta nosso entendimento sobre muitas coisas que podem não fazer sentido para mais ninguém, mas que são muito certas para você. — Ergueu os olhos escuros brilhantes para mim outra vez. — Essa é uma delas.

Desviei meus olhos para a água e as luzes da piscina quando Jungkook desviou os dele, repassando suas palavras em minha mente repetidas vezes, e a cada uma delas, não ficava menos surpreso com o quão sábio e tranquilo Jungkook aparentava estar com aquilo. Como não parecia nem um pouco receoso ou amedrontado do possível resultado de uma confissão minha para Minah, e eu temi que ele estivesse mantendo uma postura tão determinada por medo de me magoar se deixasse transparecer algum tipo de ciúmes.

— Você não tem medo de que isso interfira entre você e ela? — Não pude impedir a pergunta de escapar pela minha língua, voltando a observar o rosto redondo e muito bronzeado de Jungkook pintado de azul pelas luzes, assistindo quando ele sorriu minimamente, como se estivesse se divertindo, antes de erguer o olhar para as estrelas sob nossas cabeças e ficar totalmente sereno, segurando o dedo mindinho da mão esquerda, exatamente como da vez em que eu o vi mandando mensagens de áudio para Minah alguns dias antes.

— O que eu e Minah temos é muito diferente de tudo que eu já conheci na vida, hyung — murmurou, quase como um sussurro, os olhos brilhando mais do que nunca. — Não é só sobre romance, apesar dessa parte também ser muito boa.

Ele sorriu um pouco mais, como se tivesse algo muito bom e particular em mente, em seguida desmanchando a expressão do rosto quando notou que eu o observava com atenção, ficando muito constrangido, e até corado eu diria, se apenas eu pudesse enxergar além das luzes azuis que o iluminavam.

Não pude refrear minha curiosidade diante do tom tranquilo e muito tomado de emoções boas e felizes que transpareciam na voz de Jungkook, não só por saber que se tratava de algo em relação à Minah, mas pela forma como ele estava falando a respeito, e isso deve ter se mostrado em algo em meu rosto, porque ele suspirou, como se estivesse se preparando para contar uma longa história.

— Hyung... Você já ouviu falar sobre o fio vermelho do destino?

----x----

Mas, eu sempre penso, agora

Mesmo que eu durma querendo o sono de um camarão

Meus sonhos são como os de uma baleia

O próximo grande elogio me fará dançar todos os dias

Como eu, ye, vou nadar

Eu vou para o meu futuro

Essa praia azul e

Acredite em meu hertz

Ei, oh, oh, ei, oh sim

----x----

Minah

Pressionei as palmas das mãos contra a madeira fria até ouvir o clique alto da fechadura atrás de mim ecoar por todo o leito da UTI, cortando o som de bipe constante do monitor cardíaco ao lado da cama e o ruído do ar condicionado que preenchiam o resto do silêncio quase palpável do ambiente espalhado pelo ar. Meus olhos passaram pelos objetos e móveis ao meu redor, assimilando cada pequena parte do cômodo cuidadosamente enquanto me situava naquele espaço que havia ganhado uma nova espécie de atmosfera, até pousarem sobre Chung-hee, apoiando todo o meu peso sobre a porta às minhas costas, de repente sentindo minhas pernas muito pesadas, como se não soubessem como se mover adiante com o novo peso das palavras do doutor Seo sobre elas. Tudo que eu podia sentir era o toque suave e esmagador da realidade em cada centímetro do meu corpo e da minha mente.

Precisei respirar muito fundo quando meus olhos encontraram o rosto adormecido de Chung-hee, sentindo mais um dos calafrios desnorteadores me percorrerem da cabeça aos pés. De alguma forma, em algum lugar perdido entre o caminho que o ar fez até meus pulmões, havia uma ínfima e minúscula reserva de força extraordinária escondida em meu interior, que foi suficiente para que eu conseguisse finalmente me afastar da porta, um passo muito lento e vacilante atrás do outro na direção da cama hospitalar, inspirando fundo muitas vezes, cada nova onda de oxigênio abrindo um pouco mais de espaço em minha mente para que pensamentos mais firmes e encorajadores se instalassem lá, me ajudando a caminhar.

Não é hora de se deixar cair, Minah. Não aqui, não agora. Tudo que você precisa é estar com Chung-hee. Nada mais.

Me sentei devagar na cadeira reclinável ao lado da cama, apertando os apoios para os braços entre as mãos, enquanto observava novamente cada um dos detalhes do corpo de Chung-hee que haviam me chocado tanto da primeira vez em que coloquei os pés ali.

Deixei que meus olhos seguissem lentamente por seus cabelos grisalhos espalhados nlo travesseiro, pelos olhos fundos e miúdos cerrados serenamente, os cílios escuros e retos repousando sobre as olheiras cinzentas, emoldurados pelas pequenas rugas e linhas de expressão nos cantos da pele manchada pelo sol, até as maçãs do rosto muito pronunciadas sob a pele, enfeitadas com os elásticos da nova máscara de oxigênio que cobria seu nariz, as bochechas delgadas e a boca. O peito largo continuava subindo e descendo ao ritmo dos bipes da máquina ao lado, e os braços finos e compridos levavam às mãos grandes e calejadas que estavam ainda mais cheias de acessos, fios e tubos do que no dia anterior, todos enchendo o corpo de Chung-hee de fluídos que agora eu sabia que estavam fazendo-o continuar funcionando.

Meus olhos arregalados finalmente cederam à ardência que ameaçava tomar conta deles quando senti mais um arrepio me estremecer com a nova sensibilidade em meu corpo, me desconcertando inteira, quase como se eu pudesse sentir reverberar em cada centímetro da minha pele e por baixo dela o quanto o corpo de Chung-hee estava lutando para se manter funcionando com aquela avalanche de substâncias em suas veias, e o quanto todo aquele esforço estava exigindo dele.

Hoje, sentado nessa cadeira molenga, sentindo meu corpo se rebelar e se partir com sintomas que eu sequer podia imaginar serem possíveis, eu entendo o que Hwasa escondia por trás do sorriso enquanto tentava nos tranquilizar. Entendo o quanto era difícil para ela simplesmente existir, e infelizmente, não sou tão forte quanto ela. Nunca fui.

Soltei o fôlego trêmulo que vinha prendendo até então quando tirei o envelope de cor creme amassado do bolso canguru do meu moletom, tentando endireitar as pontas que se dobraram pelo tempo que passou escondido dentro da minha roupa, inspirando muito fundo várias vezes para tentar encontrar a mesma pequena fonte de força que havia me ajudado a caminhar até ali. A verdade, era que eu sentia que estava me preparando para reunir mais coragem em mim do que precisei a vida inteira.

— O doutor Seo disse que não tem certeza se você pode me ouvir porque tiveram que aumentar um pouco a dose de sedativos hoje mais cedo — murmurei, soando muito mais firme e como eu mesma do que esperava antes de erguer os olhos do envelope para o rosto de Chung-hee, sentindo um pequeno sorriso carinhoso se formar em meus lábios sem que eu tivesse controle, como se aquela fosse apenas mais uma das milhares de nossas conversas. — Mas eu sei que você ainda está aqui em algum lugar. Sinto isso. Sei que pode me ouvir, mesmo que não possa me responder, e não tem problema. — Meu sorriso vacilou um pouco quando percebi o que estava dizendo e não vi nenhuma reação em lugar algum no corpo de Chung-hee, mas engoli em seco e me agarrei à pequena força em meu peito para continuar: — Acho que você já me disse tudo que precisava dizer, não é?

Cutuquei os fiapos de papel que haviam se rasgado quando abri o selo de cera do envelope por um instante, tentando escolher minhas próximas palavras.

— Eu já imaginava... Desde o início... Que toda essa situação estivesse sendo extremamente difícil para você, Chung-Chung — murmurei, finalmente soando tão trêmula quanto meu coração apertado no peito se sentia. — Você não gosta nem de tomar remédio para enxaqueca, e nunca nem pegou um resfriado no inverno. — Soltei um risinho baixo e nervoso, torcendo as mãos juntas ao me encher de lembranças antigas que não visitavam minha mente há algum tempo. — Sei que você nunca quis estar aqui, nem que nada disso tivesse acontecido, e que não quis dar trabalho à ninguém, e eu entendo isso. — Funguei e engoli em seco mais uma vez, sentindo meus olhos ficarem nublados com as lágrimas que fizeram meus lábios tremerem quando encontrei o rosto de Chung-hee de novo. — Mas eu não fazia ideia do tamanho do sofrimento do seu coração e da sua alma sem a senhora Moon esse tempo todo.

— E-eu também sinto muito a falta dela — sussurrei, franzindo o cenho contra a sensação de abrir uma grande ferida que estava se curando lentamente há algum tempo. — Todos os dias. Mas sinto que a cada dia, eu aprendo uma nova maneira de me manter seguindo sem ela, mesmo com toda a saudade, porque sei que ela não gostaria que minha vida simplesmente parasse de acontecer sem ela. E-Eu... Eu sou muito sortuda e iluminada pelo universo por ter encontado sete motivos para fazerem meu coração bater mais forte todos os dias, e que me fazem ter vontade de estar neste mundo, mesmo sem a senhora Moon. E-E eu sinto muito... Que você não tenha encontrado mais nada que te fizesse ter vontade de viver mais aqui, Chung-Chung. — Franzi mais o cenho, tentando conter minhas emoções e me manter firme em meio à todas elas, para que não abalassem minha voz, porque eu não queria que Chung-hee me ouvisse daquele jeito. — Agora entendo o tamanho do seu sofrimento... Agora que sei de tudo, têm tantas coisas se passando pela minha cabeça agora, Chung-Chung... Tantas. E acho que você sabe de muitas delas, porque me conhece muito bem, não é? — Eu sorri minimamente, mesmo sentindo as lágrimas pinicarem meus olhos e nublarem minha visão. — M-Mas agora... Só vou dizer o que meu coração está me pedindo para dizer. O que acho que deve ser dito. — Pressionei os lábios trêmulos, sentindo as primeiras lágrimas pingarem sobre o envelope quando baixei o olhar para meu colo por um instante. — E-E não posso jamais mentir para você. Acho que é a coisa mais difícil que vou precisar fazer em toda a minha vida.

Engoli em seco, soltando minhas mãos trêmulas uma da outra para segurar a de Chung-hee que estava à minha frente, tentando ser tão cuidadosa quanto os tremores me permitiam ao aninhar a palma e os dedos frios cheios de cicatrizes entre as minhas, esperando que pudesse esquentá-los com meu calor, e que pudesse fazer Chung-hee sentir cada tudo que eu não era capaz de pôr em palavras e como meu coração batia apertado e dolorido no peito junto à ele naquele momento.

— T-tenho que dizer — comecei, afagando a pele de Chung-hee com meus polegares, sentindo lágrimas quentes escorrerem por minhas bochechas — que sinto muito por ter mantido você aqui por tanto tempo, sofrendo tanto. — Funguei. — M-Mas muito obrigada, Chung-Chung, por cuidar tão bem de mim desde o primeiro instante em que nos vimos, quando você vomitou nos pés da senhora Moon. — Funguei mais uma vez, sentindo meu lábios inferior tremer quando pensei que aquela seria mais uma lembrança que eu guardaria para sempre e que não poderia mais revivê-la com mais ninguém. — Muito obrigada por me amar tanto assim, o suficiente para ficar aqui comigo até agora. — Ergui os olhos para seu rosto adormecido, segurando as mãos entre as minhas com mais cuidado e calor, piscando para afastar as lágrimas, porque eu precisava vê-lo . — E-E muito obrigada por me dar tanto amor e por ser o meu Chung-Chung por todo esse tempo, mas p-por favor, não sofra mais assim por mim.

"Eu odiaria manter você aqui sofrendo tanto dentro do seu corpo desse jeito. — Meu olhar passou por todos os fios ligados à seus braços, e mais lágrimas escorreram por minhas bochechas. — A-Ainda mais sabendo que você pode estar mais vivo em outro lugar, mais feliz, como realmente deve estar e com quem precisa realmente estar para ser feliz. E-Eu jamais quero tirar essa oportunidade de você. Por isso... Se você... Se o seu corpo... Não aguentar mais... Quando estiver pronto... Você pode ir, Chung-Chung. No seu tempo. Pode ir encontrar a nossa Nabi. N-Não se preocupe. E-Eu vou ficar bem, huh? Você e a omma me ensinaram tudo muito bem, e eu vou ficar bem. Você pode ir. Estou te deixando livre para voar para onde sua alma precisa voar. Para a outra metade do seu fio vermelho."

De alguma forma, consegui segurar a mão grande de Chung-hee apenas com uma das minhas, enquanto a outra puxava o celular do bolso, tremendo tanto que pensei que fosse derrubá-lo, com coordenação motora suficiente apenas para desbloqueá-lo e apertar o play no aplicativo que já estava aberto, preenchendo baixinho o ambiente ao nosso redor com os primeiros sons de Whalien 52.

Deixei o celular sobre a cama, ao lado dos pés de Chung-hee, e quando ergui os olhos molhados na direção de seu rosto assim que a voz de Suga nos envolveu, pude enxegar o brilho de duas lágrimas solitárias escapando pelos cantos de seus olhos fundos de alguma forma, enquanto suas sobrancelhas se franziam levemente. Todas as emoções em meu peito dolorido formaram um golpe ainda maior em meu coração despedaçado, fazendo mais lágrimas e soluços escaparem e sacudirem meu corpo inteiro, mas de alguma maneira, minhas pernas bambas encontraram forças suficientes para me erguerem, para que eu beijasse o pequeno vinco entre as sobrancelhas de Chung-hee, molhando sua testa e seus cabelos com minhas lágrimas tristes enquanto afagava suas têmporas com cuidado, tentando aliviar todas as dores que eu podia sentir rastejando por seu corpo cerrando os olhos com força porque sabia que não seria o suficiente.

Senti os últimos pedaços de força que uniam meu coração se desfazerem em meu peito quando senti o polegar de Chung-hee roçando entre minhas mãos quando as segurei outra vez, finalmente libertando o soluço que eu vinha prendendo na garganta há tanto tempo e fazendo mais lágrimas caírem sem parar. Deitei a cabeça ao lado das pernas de Chung-hee, e trouxe sua mão grande e morna para o meu rosto, enquanto as lágrimas continuavam a cair, para que ele pudesse sentir que eu ainda estava ali, e que não saíria do lado dele em momento algum.

— T-tud-do b-bem, C-Chung-Chung. — Consegui murmurar entre um arquejo e outro, sentindo o som da música se infiltrar por meus ouvidos até o último dos meus ossos como um arrepio, enquanto sentia o polegar de Chung-hee se movendo lentamente sobre minha bochecha. — N-não mais, C-Chung-Chung. Não p-precisa sofrer m-mais. — Engoli em seco, apertando meus olhos com força, tentando sentir apenas o toque suave de Chung-hee em meu rosto para gravar a sensação em minha mente para sempre. — Não mais.

----x----

Minha mãe disse que o mar é azul

Ela disse para deixar a sua voz ir o mais longe que puder

Mas o que fazer? É tudo tão escuridão e há apenas baleias diferentes

Falando palavras inteiramente diferentes

Eu não posso aguentar isso

Eu quero dizer que te amo

Eu quero voltar de volta para essa música que é como uma canção que eu canto para mim mesmo

Este mar é muito profundo

Ainda sim, tenho sorte

(Porque mesmo se eu chorar, ninguém saberia)

Eu sou uma baleia

----x----

Pisquei os olhos muitas vezes quando finalmente os abri, sentindo-os muito pesados e meio grudentos, e precisando de algum tempo para me situar nos sons familiares que encontrei na escuridão. Foram precisos muitos segundos até que eu tentasse mover minha cabeça, sentindo o peso da mão enorme e fria de Chung-hee em meu rosto, para me lembrar que eu havia adormecido ao seu lado sem querer.

Segurei a mão fria com cuidado quando finalmente tentei me levantar, sentindo cada ossinho e músculo em minhas costas reclamarem pela péssima posição em que havia dormido quando tentei endireitar minha péssima postura, notando com uma careta as manchas escuras de lágrimas na manta que cobria Chung-hee e ao redor de seu travesseiro. Engoli em seco ao tocar meu rosto grudento e me lembrar de toda a emoção que explodiu em meu peito e fez aquelas lágrimas todas caírem.

Tateei aos pés da cama em busca do meu celular, apertando o botão lateral para iluminar a tela cheia de notificações e ligações perdidasde Joshua, Wonwoo, Do-yoon, senhora Kang, Sejin e Jeongdae, erguendo as sobrancelhas quando notei que já passava e muito do final do horário de visitas da tarde, e qua talvez fosse por isso que meu estômago estava se retorcendo tanto ao ponto de causar um ronco alto que se sobressaiu até mesmo ao ruído constante do ar condicionado e o bipe do monitor cardíaco. Meus ombros se ergueram em choque, e eu rapidamente olhei na direção do rosto de Chung-hee, quase esperando que tivesse perturbado-o de alguma forma com o barulho, mas tudo que senti foi meu corpo inteiro congelar no lugar quando notei que as feições de seu rosto adormecido não estavam mais como eu me lembrava de ter visto algumas horas antes.

Em um milésimo de segundo, meu coração começou a bater rápido e apertado demais contra o peito, e eu senti minha própria respiração se tornar cada vez mais superficial e apavorada quando ouvi o som constante do monitor cardíaco começar a mudar, ficando mais lento, de repente, marcando as batidas mais espaçadas umas entre as outras do coração de Chung-hee, arregalando meus olhos quando notei que seu peito já não subia e descia de forma tão ritmada quanto antes.

No mesmo instante, a porta do leito irrompeu aberta, e a figura alta e ágil do doutor Seo atravessou por ela, seguida por boa parte de sua equipe de enfermeiros vestidos de azul, parando por um mísero instante para olhar em minha direção com seus olhos alertas, até que todos se apressassem na direção da cama rápido demais para que eu pudesse distinguí-los. Os míseros segundos em que o olhar do doutor Seo encontrou o meu, mesmo em meio ao caos das batidas descompassadas do meu coração em pânico, foram suficientes para que eu percebesse o significado do brilho transtornado neles e entendesse que ele sabia. O tempo todo, ele sabia que o tempo estava acabando. E o tempo todo, esteve me ajudando a me preparar, e havia me dado até o último segundo possível para estar com Chung-hee.

— Precisamos que você nos dê licença, Moon Minah. — O doutor falou civilizadamente em alto e bom som para que eu entendesse o tom de alerta em sua voz, mas tudo que eu podia enxergar ao meu redor era um enorme borrão que ficava cada vez mais nublado toda vez que sentia meu coração dar mais um de seus saltos apavorados enquanto eu tentava olhar apenas para o rosto imóvel de Chung-hee uma última vez.

Senti pares de mãos e braços fortes muito ágeis em meus braços e ao meu redor, que achei serem de alguns dos enfermeiros da equipe fiel do doutor Seo, me erguendo da cadeira e me arrastando através do borrão em que o leito havia se transformado, e então em direção ao corredor do lado de fora. Senti quando me apoiaram com cuidado e firmeza contra as paredes em frente ao leito antes de voltarem pelo mesmo caminho para ajudarem o doutor Seo com o que quer que estivesse fazendo lá dentro, mas não senti meu cérebro registrar exatamente tudo que estava à minha frente quando parei de sentir minhas pernas e meus pés abaixo de mim, meus joelhos indo de encontro ao chão sem que eu sentisse dor alguma. Não podia sentir minhas pontas dos dedos nem nenhuma outra extremidade do meu corpo, apenas lágrimas e mais lágrimas frias correndo por minhas bochechas e nublando minha visão borrada a cada batida perdida do meu coração.

Não pude registrar quanto tempo se passou até que a nuvem de enfermeiros vestidos de azul começou a passar pela porta outra vez, todos seguindo na direção oposta à minha e evitando o meu olhar. Não sei quanto tempo se passou até que a figura vestida de branco do doutor Seo estivesse caminhando para fora do leito, em minha direção, a passos meio cambaleantes que só deixavam sua imagem menos nítida ao se aproximarem, como se tivesse sido nocauteado. Só o que pude registrar foi o olhar transtornado e arrasado que lançou em minha direção, sem que ele precisasse dizer mais nada que explicasse o porquê meu coração despedaçado afundou completamente no peito naquele exato instante. Seu olhar me dizia tudo.

Lee-Moon Chung-hee já não fazia mais parte do nosso mundo.

----x----

Já chega, já chega, baby

Já chega, já chega

Um sinal infinito chegará um dia

Em todo o lugar, até mesmo para o outro lado da terra

----x----

"Annyeong, Nabi-ah. Como vai você?

Já faz algum tempo desde que te escrevi. Todos os dias me sento nessa mesma cadeira molenga e respiro tão fundo quanto posso para tentar me encher de novos ares e novas energias para escrever para você, mas nem todo o ar do mundo poderia mais fazer eu me sentir inteiro. Essa é a primeira e a última vez que vou lhe dizer o quanto está sendo difícil tentar reunir forças ultimamente, porque não quero ficar martelando nada disso na sua cabecinha linda. Você é muito inteligente e esperta, e não vai precisar de muitas palavras para entender o que quero dizer, apesar de eu saber que você merece muito mais e algo muito melhor do que o que estou escrevendo agora, e sinto muito por não poder lhe dar isso como vinha fazendo até então, do fundo do meu pobre e grande coração velho. Mas não sinto que vou conseguir continuar com isso por muito mais tempo.

Se você encontrou essas palavras, isso significa que eu não pude dizê-las pessoalmente, e que você agora sabe muito mais sobre minha doença do que todas as pérolas que já lhe contei. Me perdoe por isso. O tempo sempre funcionou de um modo muito traiçoeiro para nós três, apesar de sempre tentarmos aproveitar tudo que podíamos a cada segundo que nos era dado. Hwasa, eu e você. Não posso dizer que parte de mim não sentia que nossos preciosos segundos se esvaíriam quando menos esperássemos, especialmente para nós dois, que estamos dividindo nosso precioso tempo juntos já há algum tempo. Hoje em especial, nosso querido amigo inconveniente, o tempo, parece estar me perseguindo nessas palavras, você não acha? Ele tem estado muito ao meu redor nos últimos tempos, pegando de volta cada milésimo de segundo que me cedeu desde o ano passado e me alertando que eu tenho cada vez menos deles.

Você deve estar cheia de perguntas se atropelando dentro da sua linda cabecinha cheia de galáxias e borboletas brilhantes enquanto tenta entender do que estou falando. Acho melhor fazer bom uso do pouco que me resta para responder a tudo que puder com a melhor caligrafia que eu puder desenhar, para que seus olhos espertos não sofram tanto ao tentarem fazer sentido do que está diante deles.

A primeira coisa que você precisa fazer é parar de se culpar e pensar que as coisas seriam diferentes se soubesse de tudo antes. Conheço você e sua cabecinha bondosa, Nabi-ah, e nesse momento, você precisa que eu lhe diga que tudo faz parte dos resultados das minhas escolhas, e eu estou contente com todas elas. Você precisa entender isso.

Ao contrário do que possa imaginar, nunca vi os males que atingiram meu corpo como ruins. Células cancerígenas causam estragos, mas só estão fazendo o que foram programadas para fazer. Novamente, o tempo foi traiçoeiro ao escolher o momento exato de me mostrar o que estava acontecendo comigo, mas o universo usou dele para me conceder uma espécie de confirmação que eu não imaginava que pudesse encontrar outra vez depois da maior bênção que iluminou a minha existência desde a sua chegada e a de Hwasa nela. Mesmo com todos os tropeços e os entraves da vida humana que surgiram em meus caminhos, hoje consigo me ver como uma pessoa muito sortuda, Nabi. O universo nem sempre pôde estar a meu favor, já que também tinha que fazer o resto do mundo acontecer e não podia se preocupar apenas comigo, mas ele sempre usou de seus poderes para me iluminar nos momentos em que eu menos esperava e mais precisava, exatamente como está fazendo agora, e exatamente como fez há um ano, quando descobri que o tempo do meu corpo estava começando a se esvair.

Naquela sala aconchegante e bem decorada no décimo terceiro andar do hospital, com os olhos piedosos e muito humanos do doutor Seo Eojin sobre mim, enquanto eu encarava muitos resultados de exames à minha frente, pude sentir o calor da luz cintilante do universo sobre mim outra vez, depois do que pareceram ser meses infinitos de inverno rigoroso. Cada centelha daquela luz dançou sobre meu corpo, iluminando minha mente congelada e meu coração fraco, se estendendo até o nó vermelho atado em meu dedo mindinho esquerdo, se acomodando especialmente ali, e foi então que eu compreendi totalmente e senti a certeza do que aquela luz queria me dizer em cada partícula dos meus grandes ossos e da minha alma.

Eu assisti dia após dia, me sentindo completamente impotente, o corpo de Hwasa nos dizer adeus aos poucos, ficando cada vez mais miúdo e frágil, comprimindo seu lindo espírito luminoso dentro de seu templo em ruínas, e eu podia ver o quanto aquilo a machucava. Sua alma sempre esteve mais viva do que nunca, a cada segundo de sua existência única e contagiante, mas sua matéria já não era capaz de suportá-la, e testemunhar aquilo doeu muito mais do que qualquer coisa que meu corpo sinta agora, Nabi. Muito mais.

Você conhece sua mãe tão bem quanto eu, e sabe que nem mesmo as dores de sua estrutura física podiam apagar a luz em seu olhar e em seu sorriso lindo. Nada jamais poderia fazer a essência de Moon Hwasa parar de brilhar, nem mesmo a morte, e ela sempre soube disso. Ela sabia que continuaria viva, em algum outro lugar, bem longe daqui, porque amava estar viva e brilhar. O universo deu a ela essa sabedoria e esse poder, e permitiu que a luz desse fato fosse compartilhada comigo na sala do doutor Seo Eojin, aquecendo meu corpo e enchendo-o de uma nova onda de força. Está vendo como sou sortudo? O universo e seus corpos celestes quiseram que eu soubesse que havia outro lugar onde eu poderia estar inteiro, o lugar na direção do qual o nó do fio vermelho em meu dedo mindinho estava sempre me puxando. Onde quer que a minha Nabi estivesse.

Ah, Pequena Nabi, você não imagina o quanto meu coração e minha alma ficaram aquecidos em saber disso. Não era o mesmo que ter os braços da sua mãe ao meu redor ou ser agraciado por seu lindo sorriso, mas era o suficiente para me ajudar a caminhar com leveza por cada dia desde então. Foi a luz do universo que aliviou a dor em meu coração e em minha alma nos últimos momentos do corpo da sua mãe nesta terra, e foi ele que iluminou o sorriso que mais amo pela última vez em que ele se abriu nos lábios dela, enquanto ela acariciava meu rosto e dizia: "Vou estar esperando por você em um lugar lindo, meu Yeonghon, mas não tenha pressa em me encontrar. Leve o tempo que seu corpo precisar. Vou estar sempre com você e com a nossa Nabi enquanto espero por vocês." Como você pode ver, sua mãe é mais sábia e poderosa que todo o universo.

A grande coisa, é que quando o enorme coração amoroso de Moon Hwasa se silenciou neste mundo, o meu próprio coração fraco assumiu um pedaço da missão dela aqui, Nabi. Uma missão que eu já sentia fazendo-o bater há alguns anos, desde a primeira vez que meus olhos encontraram a sua linda figura e seu enorme olhar brilhante retribuiu o meu. Desse dia em diante, eu soube que jamais poderia deixar de cuidar de você, e pelo menos tentar ser uma mínima fração do que sua mãe foi em sua vida. E essa, Nabi, foi mais uma luz que o universo me enviou para cuidar do meu coração partido. Você.

Eu jamais poderia deixá-la despreparada e sozinha. Sabia que sua mãe odiaria isso, e meu próprio coração não poderia fazer isso, porque você já estava dentro dele há muito tempo, e hoje eu sou mais do que feliz em concluir que você me surpreendeu a cada dia com sua força e determinação, Nabi. Sei que você acha que muito do que é hoje vem de sua criação com Hwasa, mas ela mesma sabia o quanto você tinha um espírito vivo e poderoso mais forte do que qualquer coisa que já tivéssemos visto. Você nunca precisou de mim para cuidar de você, mas sou muito grato por ter tido a oportunidade de fazer tal coisa porque você me permitiu, e acho que no fundo, sabia que nós dois precisávamos cuidar um do outro para estarmos em paz. Tenho certeza que foi isso que Hwasa sempre quis. Que nós dois tivéssemos um ao outro.

Há algum tempo, venho ouvindo mais músicas dos seus meninos artistas (mais uma luz do universo, que dessa vez, foi colocada para iluminar os seus caminhos). Posso ouvi-los em todas as rádios que os ajusshis carimbeiros colocam quando estão na loja, e gosto da forma como preenchem o ambiente com suas lindas vozes e mensagens em forma de música. Tem uma em específico que tenho ouvido muitas vezes no aplicativo que você me mostrou. Se chama Whalien 52. Acho que você conhece essa. Faz parte do mesmo disco de uma música chamada Butterfly, e, se minhas aulas de inglês nos tempos da faculdade surtiram algum efeito, quer dizer borboleta. Sempre me lembro de você quando a ouço, e imagino que você deva gostar muito dela. Você sempre amou tudo que envolvesse borboletas, e foi com você que aprendi tudo sobre elas.

A canção Whalien 52 tem sido mais um acalento no meu coração nesses últimos dias. É uma música muito bonita, e fui atrás de pesquisar mais a respeito, porque tenho a impressão que seus meninos não fazem nada sem sentido, e me encantei com as metáforas por trás dela. Agora posso entender melhor porque seu coração se identificou tanto com eles.

A baleia de 52 Hertz aprendeu a sofrer sozinha porque é a única de sua espécie, mas é aquela que tem o canto mais alto de todos, e o sofrimento dela também é único e extraordinário. Ouço a música o tempo todo, porque acho que eu e essa baleia solitária temos muito em comum.

Durante muitos anos, pedi aos céus e ao universo que me ajudassem a encontrar meu Grande Talvez, algo que trouxesse mais sentido para a minha existência e pelo qual eu vinha buscando durante toda a vida, tão alto quanto minhas preces podiam alcançar. E então, quando meu Grande Talvez chegou como na forma de uma linda borboleta amarela que carregava meu fio vermelho junto à sua adorável pequena borboleta, tudo aconteceu rápido demais. O tempo foi muito mais traiçoeiro e ligeiro do que jamais pensei que pudesse ser, e lá estava a solidão outra vez, Nabi, um tipo de solidão que desejo que você não sinta em dia algum da sua vida. É o tipo de solidão que sei que só irá passar quando eu e Hwasa estivermos juntos outra vez.

Hoje, sentado nessa cadeira molenga, sentindo meu corpo se rebelar e se partir com sintomas que eu sequer podia imaginar serem possíveis, eu entendo o que Hwasa escondia por trás do sorriso enquanto tentava nos tranquilizar. Entendo o quanto era difícil para ela simplesmente existir, e infelizmente, não sou tão forte quanto ela. Nunca fui. Não sei mais como esconder toda a dor por trás de um sorriso, e eu odiaria mentir para você, Nabi, mas sinto que meu corpo não está aguentando mais. E não importa o quanto minha alma tente dar força a ele, ela simplesmente está muito presa aqui dentro, e já não pode mais fazer tanto assim.

A única coisa que quase foi capaz de me curar foi você, Moon Minah. Minha Pequena Nabi. E é o que mais me dói ao pensar no que estou deixando, não importa quanto eu tenha feito para preparar nós dois. Quando suas mãos tocarem as marcas de lágrimas que estou deixando cair neste pedaço de papel, sei que vai sentir em seu coração gigante e sofrido tudo que estou lhe dizendo, e eu sinto muito por magoá-la dessa forma.

Você e seus enormes olhos brilhantes com sua visão única e especial, seu lindo sorriso de covinhas amorosas, seu enorme coração de colcha de retalhos e seu dom de espalhar borboletas contagiantes nos estômagos alheios por onde passa, enchendo o mundo de luz. Você fez muitas risadas e sorrisos borbulherem para fora de mim a cada dia, e encheu meu coração de um novo tipo de amor e luz que nunca soube que existia, e eu sei que vou ser grato para sempre por ter me concebido a honra de ser algo como um pai para você, Nabi. Obrigado por me amar tanto assim e por me ensinar a amá-la como uma verdadeira borboleta.

Você é tão cheia de vida e força que foi capaz até mesmo de roubar um pedacinho da minha alma das mãos de Hwasa na primeira vez em que nossos olhos se encontraram, e o iluminou com suas borboletas, nos ligando para toda a eternidade. Você fez meu pobre coração fraco muito feliz por ter um pedacinho de alma gêmea da sua, e eu espero muito poder vê-la continuar brilhando de onde quer que esteja.

Lee-Moon Chung-hee.

Seu Chung-Chung."

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