Over The Dusk

By control5h

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Décadas. Maldições. Linhagens. Amores proibidos. Luxúria. O ano inicial para elas foi 1986. Camila Cabello e... More

Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22

Capítulo 12

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By control5h


Olá, pessoal! Hoje não é domingo, mas tem atualização! Sim, por um tempinho elas vão vir nas sextas-feiras ou nos sábados, então se atentem!

[Vamps]: MUITO OBRIGADA pelo incrível feedback que vocês deram no capítulo passado! Sério, nós ficamos muito felizes! Cada interação nos dá mais três anos de vida e nos inspira a trazer conteúdo de ótima qualidade! Aproveito também para pedir encarecidamente que tomem muito cuidado com os spoilers! Novos leitores estão chegando e isso também pode prejudicar a experiência até de quem já acompanha a fic desde do início e só pode ler algum tempo depois da atualização.

[Wolf] Gostaria de avisar que nenhuma cena ou atitude dos personagens é ao acaso, tudo será muito bem justificado e... digo isso porque sentirão vontade de matar determinada pessoa até o final desse capítulo. Então peço respeito nos comentários e leiam as notas finais, porque daqui pra frente as cenas vão ficar cada vez mais pesadas.

Músicas do capítulo se encontram já na playlist "Over The Dusk Oficial" no Spotify ("2x" significa repete!)

Peguem um bom fone, uma fita adesiva para o queixo caído, lencinhos e boa leitura! Feliz Sexta-feira 13!

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Instinto [s.f]: Reação espontânea manifestada dentro dos padrões de comportamento animal, ações que se configuram em um mecanismo genuíno da espécie e podem ser incontroláveis e reflexivas.

Dois dias para a Lua Cheia

Miami (1986) – Terça-feira, 16 de Setembro

Durante sua vida, Lauren sempre tivera diversas virtudes e a paciência era uma que periodicamente surgia e desaparecia. Porém, desde que acordara daquele hospital desagradável, o atributo de autocontrole emocional aparentava ter se extinguido. Enquanto caminhava para a entrada da Universidade, a Jauregui de olhos verdes-lima recordava-se do pequeno conflito que tivera com seu irmão mais cedo quando acordou, ao acusá-lo de ter invadido seu quarto e mexido em suas coisas sem permissão, roubando seu livro. Ao que Christopher prontamente negou, se sentindo irritado e extremamente ofendido com todas aquelas acusações, justificando que nunca perderia tempo roubando um livro idiota.

O manuscrito misterioso e completamente desconhecido que havia encontrado no mês passado, escondido em seu sótão.

Ainda não sabia a quem ele pertencia, o porquê de estar lá e sobre o quê se tratava. Durante o período que o deteve, sempre que possuía tempo, tentava decifrar aquele dialeto desconhecido e os símbolos estranhos, mas quase nada na biblioteca ajudava: era como se fosse algo nunca antes catalogado. Tinha compreendido pouco daquele conteúdo, e o que descobriu, a deixou assustada. Sentiu medo, pavor, e ela nem sabia explicar bem o porquê. Era uma coisa que nunca tinha sentido antes. Mas não podia contar nada disso a ninguém. Era muito estranho, louco demais. E foi pensando nisso, juntamente à crescente ansiedade de praticar qualquer atividade física, que Lauren assistia às aulas sem realmente prestar muito atenção nelas.

Havia chegado o horário do intervalo para o almoço naquela terça-feira tediosa e, acompanhada de sua namorada e Dinah, as três estudantes de Medicina se juntaram à Normani e Allyson no lado leste do campus, onde existia a estratégica área de árvores grandes, sombra fresca e grama aparada, em que se alimentavam todos os dias. Após uma generosa reforma para retorno das aulas, o restaurante estava relativamente cheio. Todas as mesas com guarda-sóis novos haviam sido ocupadas por pessoas lanchando ou submersas em pilhas de livros. Em comparação a segunda-feira, mais alunos foram às aulas naquele dia.

A esta altura do campeonato, Lauren deveria estar acostumada aos comentários e olhares irritantes que a acompanhavam desde a volta ao campus. Sentada sobre uma toalha de piquenique, que sempre colocavam para almoçar em grupo, a mulher, já levemente irritada, conseguia ouvir os cochichos e murmúrios dos outros alunos na área de alimentação à frente.

O Dylan atirou nas costas dela. – uma voz masculina falou.

Eu fiquei sabendo que ela teve um AVC cerebral. – outra voz comentou.

Lauren foi dada como morta por vários dias! Eles disseram que foi um erro médico. – uma voz feminina disse.

De cenho franzido, Lauren ainda mantinha-se sem entender como estava conseguindo ouvir aquilo. Era no mínimo estranho o fato de que, sempre que olhava para os lados, não via ninguém. A pessoa mais próxima dela estava sentada há seis metros e deveria estar pelo menos gritando para que ela escutasse àquela distância. Como estava escutando-as?

Ei, meu amor, está tudo bem? – a doce voz de Camila entrou por seus ouvidos e Lauren saiu do transe daqueles inúmeros sussurros. – Laur?!

– Sim... – mentiu, ainda atordoada.

Abriu um leve sorrisinho sem mostrar os dentes, com a intenção de tranquilizar a namorada. O semblante de preocupação de Camila, no entanto, não se desfizera. Tentava ao máximo não pressionar e nem invadir seu espaço. Seja lá o que estivesse acontecendo, Lauren contaria a ela em seu devido tempo.

– HUMMMM! Hummmmm! Hummmmm! – Ally lutava para chamar a atenção das outras quatro mulheres.

Normani parou de morder a maçã em sua mão e Dinah largou o livro que estava lendo para ver qual era o problema. Em vez do rosto bonito da amiga mais baixa, elas avistaram uma bola redonda e cor-de-rosa de chiclete quase do tamanho da cabeça de Allyson.

– Que bola legal. – Dinah elogiou com um sorriso maldoso.

E então, em um movimento repentino, ela cutucou a bola e a estourou.

– Ei! – Ally gritou quando a bola de chiclete rosa explodiu e grudou em suas bochechas e queixo. – Olha o que você fez!

– Dinah, pare com essa implicância! – Normani advertiu de cara feia.

– Essa foi a maior bola que eu já fiz. – Allyson disse zangada, sem conseguir se livrar do chiclete grudado no rosto.

– Já fiz bolas maiores que essa. – Dinah provocou com ar superior. Ela jogou o rabo-de-cavalo para trás e recomeçou a ler o livro de Biologia Celular.

– Você é realmente competitiva. – Camila deu uma risadinha da melhor amiga.

– Consegui tirar tudo? – Ally perguntou, esfregando o queixo vermelho e grudento.

– Ainda não. – Dinah avisou, olhando para cima do livro. – Tem chiclete no seu cabelo.

– Ah, que legal. – a mulher resmungou. Ela procurou nos cabelos, mas não achou nenhum pedaço do chiclete.

– Te peguei! – a estudante de Medicina disse rindo. – É fácil demais enganar você!

– Por que você é tão má? – Allyson questionou, franzindo a testa.

– Eu?! Má?! – a loira alta olhou para cima com um jeito inocente. – Eu sou um anjo. Pode perguntar pra todo mundo.

– Sei... – a mais baixa resmungou na medida em que continuava a caçada pelos fragmentos da goma pegajosa, tirando-os com cuidado quando achava.

– Eu só espero que aquele ridículo do Somerhalder, não arranje mais uma tarefa pra gente fazer hoje. – Lauren disse, brincando com algumas folhas de grama. – Essa manhã já chegamos na terceira desde ontem! Uma das atividades envolvia o histórico de um cara que tinha o estômago cheio de cabelo, a quantidade era o equivalente ao tamanho de uma bola de futebol americano.

– Como esse cabelo foi parar lá? – Ally perguntou com cara de nojo ao imaginar a situação.

– Duhh, com certeza ele saiu com uma mulher que não se depilava. – Lauren falou dando uma risadinha irônica.

Quase imediatamente o silêncio se apoderou do grupo agora extremamente constrangido. Obviamente, nenhuma das outras mulheres havia gostado da piada de muito mau gosto. Mas, era notável o semblante de raiva, repulsa e nojo no rosto de Normani, a qual abruptamente parou de comer. A negra já estava perfeitamente bem depois da "possível intoxicação alimentar leve" que teve no dia anterior — prognóstico da não formada Dinah —, mas, na verdade, não sabia explicar o porquê de não querer permanecer no mesmo espaço com Lauren. Não via graça em suas brincadeirinhas escrotas, as quais, cada vez mais, pioravam.

– Mulheres não são obrigadas a se depilar por causa de uma pressão da sociedade, Lauren! – a estudante de Jornalismo proferiu, visivelmente zangada.

Lauren revirou os olhos, não entendendo o porquê da falta de humor das amigas.

– Eu sei, caralho, foi só uma piada! – retrucou como se este fato fosse óbvio até para uma criança. – Eu sempre defendi essa causa! Somos livres e donas de nossos próprios corpos! Eu só fiz uma piada!

– Melhore seu repertório então, porque essa porra não teve graça. Se outra pessoa te escutar falando isso... ela terá abertura para reproduzir também. – Normani fechou ainda mais a expressão e voltou a morder a maçã vermelha, encarando uma paisagem aleatória do outro lado do campus. – Ficar calada às vezes é poético, sabe.

Dinah, Allyson e Camila se entreolharam rapidamente, um tanto surpresas. Lauren abaixou os ombros e a cabeça, ressentida pela falta de filtro em sua fala.

– O Sr. Garner sofria de uma condição chamada Tricofagia. Isso vem do grego. Trichia significa "cabelo" e phagein significa "comer". É um transtorno psicológico que faz as pessoas puxarem e comerem o próprio cabelo. – Camila explicou, tentando quebrar o clima de desconforto que a namorada causou.

– Chancho, como você nunca teve isso? – Dinah perguntou, olhando-a de relance por trás do livro. – Sério, isso parece coisa sua.

– Aí ela não seria mais Camila Cabello... – Lauren viu a oportunidade de brincar e aliviar a situação, colocando o braço por cima dos ombros da latina e trazendo-a para mais perto de si, encostando as bochechas de ambas. – Seria Camila Careca!

– Ha ha ha... Hoje vocês duas estão cheias de piadinhas, não é? – a latina revirou os olhos.

– Consegui tirar tudo? – Ally perguntou, ainda raspando pedaços de chiclete cor-de-rosa do queixo.

– Deixe assim, vai melhorar a sua pele. – Dinah provocou, dando uma risadinha antes de um sorriso travesso surgir em seu rosto. – Aliás, aproveitando para fofocar... ficaram sabendo que a irmã da Sarah Coleman pediu transferência para o campus? Eu soube que ela faz Biblioteconomia também.

– Sarah? A de cabelo cacheado e cadeirante?! – Allyson perguntou curiosa, ao ouvir seu curso ser citado. – Eu nem sabia que ela tinha irmã.

– Na verdade, ela tem mais duas irmãs e dois irmãos, mas todos estavam fazendo faculdade em universidades espalhadas pelo país. Porém, a mais velha decidiu voltar depois do... – Dinah hesitou por alguns segundos, ao sentir um aperto nos órgãos. – Da merda toda que aconteceu aqui.

– Ela estava dentro do auditório comigo. – Lauren comentou baixinho na medida em que pegava seu almoço embalado em um papel plástico no interior de sua mochila.

– A irmã dela deve ter voltado por causa do trauma... – Camila comentou antes de jogar um biscoito, de um pacote que segurava, dentro da boca. – Todos os alunos vão ser obrigados a passar pela psicóloga do campus, ao longo dos próximos meses. Estão preocupados com o Estresse Pós-Traumático.

– Sim, pelo visto ela não quer deixar a Sarah sozinha, mesmo que more com os pais. – Dinah completou. – Vi o nome dela super rápido em um fichário na secretaria, mas é Zendaya alguma coisa Coleman.

– Espero que ela seja legal, meu curso está necessitando de pessoas legais. – Allyson murmurou com um biquinho.

– Aliás, falando em pessoas legais... – Normani disse sorridente, por ter conteúdo para alimentar a sessão de fofoca. – Ficaram sabendo que a Kristina e o Noah Hargensen estão prestes a noivar?! A mulher ficou meio doida da cabeça depois do tiro no ombro, porque ela mesmo propôs pra ele.

– Você tá zoando! – Camila arfou, quase engasgando com o biscoito.

Ainda sentadas na toalha de piquenique à sombra levemente gelada, as outras três também arregalaram os olhos em surpresa. Noah Hargensen era um dos caras mais problemáticos e invocados da região. Desde muito jovem sempre se metia em confusões e brigas; juntava-se com outros garotos encrenqueiros para roubar bicicletas e patins, e aterrorizar crianças pequenas, fazendo com que fosse expulso várias vezes das escolas que frequentava. Ele e Kristina namoravam escondidos desde que a francesa entrou no Ensino Médio; entre indas e vindas e diversas traições de ambas as partes ao longo desses anos.

– Te juro! – a negra balançou a cabeça positivamente. – A mãe e a família inteira dela estão transtornados, totalmente contra. O pai agora deve estar tendo um colapso nervoso. De longe, ele é o que mais odeia o Noah.

– Uma vez ela pagou uma disciplina na minha turma. – Allyson revelou, terminando de tirar o restinho do chiclete. – Não acredito que ela vai casar com aquele trombadinha. Ele é bem mais velho e tem um histórico longo com a polícia, além de usar droga pesada e beber muito. Aposto que ela subornou o porteiro do campus para deixar que ele entre aqui sem gastar todos os cards de visita.

– Cruzes, o que será que ele viu nela? – Normani perguntou. – Ela é muito má com as pessoas e super sem educação.

Viu os peitos, amor. Ele é homem. – Dinah resmungou com o nariz enfiado no livro.

– Convenhamos que bonito ele não é. – Camila falou.

– Concordo, amiga. Aposto que esse jeito rebelde inconsequente dele é o que fez a filhinha de papai se apaixonar. Isso importa mais do que qualquer beleza... ou falta dela, nesse caso. – a loira alta incitou. – Além do mais, o cara ganhou na loteria! Os "de Lioncourt" são podres de rico.

– Sexo por grana? É bom ver que o casamento tradicional tá vivo e passa bem. – Lauren comentou irônica, prestes começar seu almoço.

– Esperem... Como vocês sabem dessas fofocas todas, em primeira mão? – Allyson questionou, alternando o olhar entre a estudante de Medicina e a estudante de Jornalismo.

– Foi a maricona fofoqueira da Veronica que me contou.

– Rádio Iglesias.

Dinah e Normani falaram respectivamente e exatamente ao mesmo tempo, dando de ombros de forma simultânea. Elas se entreolharam e então deram uma risadinha, antes de um rápido selinho.

– Aliás, onde será que ela está? – Camila perguntou, dirigindo seu olhar para Lauren. – Ela não é de faltar.

– Sinceramente, não faço ideia. – a de olhos verdes revelou, dando de ombros e se preparando para dar a primeira mordida em seu sanduíche. – Ela anda meio esquisita ultimamente. E muito grudenta! Sempre fica por perto e me encarando mais do que o normal... Se eu não a conhecesse bem, diria até que está a fim de mim.

No entanto, ao invés de elas retrucarem a piadinha da mulher, todas ali fizeram leves caretas ao sentirem o cheiro forte da comida de Lauren, e estranharem, totalmente, o acompanhamento.

– Que droga fedorenta é essa que você está comendo?! – Dinah fechou o nariz com dois dedos.

– É carne de bode. – respondeu tranquilamente, mordendo o sanduíche e quase deixando a maionese acebolada escapar. – Tava em oferta em uma lanchonete aqui perto do campus, peguei na vinda.

Mastigando o pão, com as fibras da carne selvagem, alface e tomate, Lauren ergueu o olhar e avistou Normani, Camila e Allyson também a encarando com um pouquinho de nojo.

– Carne de bode?! Você sabia que tem que pingar bastante limão em cima e deixar marinar por cerca de 15 minutos para diminuir esse cheiro?! – Normani argumentou, segurando a respiração para não dar uma ânsia de vômito. – Fora que, quanto mais velho for o bicho, mais a carne fede... O que, com certeza, é o caso desse, que devia ser até idoso.

– Desde quando você ficou tão fissurada em carne assim?! – Camila perguntou, analisando bem a namorada. – Esse ano mesmo você disse que tava pensando em virar vegetariana.

– A pergunta é... desde quando se mistura sanduíche de carne de bode com leite?! – Ally apontou para o acompanhamento.

Lauren, despreocupada, direcionou o olhar para a caixinha de 300ml branca e com o desenho de uma vaquinha, que estava disposta ao seu lado em cima da toalha de piquenique.

– Ué, gente, só me deu vontade de comer isso hoje. Caralho, vocês são umas chatas, não posso mais comer em paz?! – ela resmungou, fechando totalmente o semblante pelos questionamentos já insistentes e sacais.

– Fique à vontade... só boa sorte para a Camila quando for te beijar. – Dinah outra vez fez uma careta e finalmente soltou as narinas, ainda resmungando pelo cheiro que ressentia enquanto a amiga mastigava o lanche incomum.

Camila deu de ombros, fingindo descaso, mas completou com uma risadinha meio preocupada. Teria que obrigá-la a escovar os dentes sim.

– Por falar nisso... Allyson, por que sua mãe anda tão estranha ultimamente?! Hoje de novo eu saí pra faculdade e ela não estava em casa. Eu fiz algo que a incomodou?! – Lauren questionou meio desconfiada, enquanto tomava um gole de seu leite.

A mulher de íris verdes estava sondando as coisas aos poucos, buscando por explicações dos acontecimentos passados. Obviamente, porém, a tentativa de extrair informações não passou despercebida pela loira mais baixa. Ally ergueu uma sobrancelha, astuta ao assunto, mas logo tratou de omitir e mentir. Não podia citar a breve discussão que tivera com Patricia no dia anterior: onde a mãe praticamente ordenara que a mesma ficasse o mais longe possível de Lauren e de seu "Estresse Pós-Traumático", mas que, sem um motivo plausível, fez com que fosse facilmente desobedecida.

– Duvido muito. – respondeu prontamente, fingindo não saber. – Provavelmente ela deve estar só neurada com tudo que aconteceu. Às vezes, quando fica com muito medo de sufocar alguém pela preocupação excessiva, ela se afasta. É normal, não se preocupe.

Lauren franziu o cenho, esperando. Queria sentir alguma coisa... ou melhor, qualquer sensação estranha que indicasse mentira. Havia captado tais vibrações com Patricia e com Keana, mas, com o passar dos segundos, nada viera de Allyson. Julgou então que a loirinha falasse a verdade.

Vejam só quem chegou. – Dinah então anunciou, apontando discretamente para a calçada oposta, do lado do restaurante.

Todas pararam seus lanches e olharam na direção indicada, onde uma Kristina de tipóia rosa e um homem se aproximavam, caminhando de mãos dadas. O loiro com a barba por fazer usava uma camisa preta por dentro da calça jeans justa, também preta, e um cinto de fivela. O palito de dente na boca, os cabelos curtos espetados pelo gel e o cigarro preso na orelha esquerda indicavam claramente um rapaz com pose de bad boy; como uma cópia barata de Danny Zuko de Grease. Já a francesa usava uma blusinha xadrez azul com um nó; deixando a barriga de fora, uma saia branca que ia até o meio das coxas, saltos altos, cabelos revoltos em cachos e um delicado pingente de crucifixo no pescoço.

– Eu mereço! Só porque estávamos falando deles agora há pouco. – Normani revirou os olhos.

– Ela com o nariz em pé, como sempre. – Camila falou baixinho, sentindo um frio na barriga e um repentino mal-estar ao encarar a estudante de Arquitetura.

– Ai, odeio esses dois. – Ally acrescentou, ouvindo concordância das outras quatro.

O casal de loiros caminhava pelo jardim dando risadas e conversando animadamente entre si, mas ambos pararam ao encarar as cinco mulheres sentadas numa pequena sombra debaixo de uma árvore inclinada. Trocaram olhares entre si e se colocaram a andar na direção da grama verde.

Ora, ora, se não são as raspas do tacho. – a francesa falou ao se aproximar. – Vieram ver a homenagem da Atlética também?

– Talvez... se os professores liberarem. – Camila educadamente respondeu enquanto Dinah, Normani, Lauren e Ally nem se deram o trabalho.

Noah, por outro lado, apenas lançava olhares cheios de segundas intenções e testosterona tóxica ao grupo de amigas.

– Bem provável que irão, fotógrafos vão estar por todos os lugares. – Kristina visivelmente apenas queria se gabar pelo acesso à informação. – Querem que todos os alunos participem, nem que seja só um pouquinho. Eu, por outro lado, não vou arriscar meu ombro e nem minhas unhas. Por isso trouxe companhia para mim na arquibancada... – acrescentou, passando rapidamente a mão pelos cabelos arrepiados do homem. – E vamos ser sinceras, não é, meninas? Tudo bem a Medicina e a Arquitetura não liberarem, mas certamente que o Jornalismo e a Biblioteconomia vão.

O elitismo explícito fez com que Lauren, a mais impaciente ali, bufasse audivelmente.

– Por que não cala a boca e senta nisso aqui, queridinha?! – Lauren disse entredentes e mostrou o dedo do meio para ela.

Kristina afastou o olhar, repugnada, como se não conseguisse acreditar que uma pessoa pudesse ser tão grosseira. Noah passou o braço envolta da francesa — indicando para saírem dali porque não podia arrumar confusão em espaço privado — e falou por cima do ombro para as cinco:

– Quem sabe a gente se encontra mais tarde, bando de sapatonas.

Lauren e Dinah tentaram, abruptamente, ficar de pé para avançar em cima do homem, mas Normani, Camila e Ally conseguiram ser mais rápidas e as firmar novamente sentadas na toalha de piquenique enquanto o casal se distanciava com risadinhas.

– Mas que ódio desses cretinos! – Dinah arfou, fechando os punhos.

– Nem parece que a porra de uma atentado aconteceu por causa de atitudes assim. – Camila balançou a cabeça em visível decepção.

– Que dupla de babacas. – disse Allyson, vendo os dois irem até o refeitório.

– São realmente perfeitos um para o outro. – Normani resmungou.

– É, acho que a Kristina mija perfume Chanel N°5 enquanto o Noah caga cigarro e cerveja. – Lauren disse enquanto amassava com força o plástico onde estava seu sanduíche agora devorado.

No entanto, a piada agora de fato engraçada, e a indicação da jovem, fizeram com que as outras quatro tivessem uma crise de riso verdadeira. Lauren deu um sorrisinho, orgulhosa de si. Talvez sua cabeça ainda estivesse bagunçada do incidente, talvez essas coisas estranhas parassem de acontecer dentro de alguns dias... assim como uma virose.

Talvez tudo fosse voltar ao normal.

***

Tarde

Uma hora depois - Ginásio do campus da Universidade de Miami

A paisagem da Universidade estava extravagantemente colorida: faixas e cartazes imensos homenageavam as vítimas do atentado por toda a UM, a qual foi infestada com flores, velas e demais outros acessórios que os colegas deixavam. Os membros da atlética e clubes interrompiam o fluxo de fotógrafos curiosos em registrar o ato de resiliência e soerguimento da instituição, e liberavam acesso total aos estudantes, deixando que aqueles não desejosos de participar ficassem na arquibancada e os interessados nas cabines de jogadores de banco.

Lauren, Camila, Dinah, Normani, Ally e Veronica se encontravam sentadas na parte esquerda da segunda arquibancada do ginásio que era grande, basicamente feito de cimento para acomodar o público. A mulher de sidecut havia chegado a poucos minutos, alegando ter se atrasado porque seu carro decidiu dar defeito no meio do seu trajeto ao campus mais cedo.

Lauren, porém, não quis averiguar a veracidade daquela informação. Ver as pessoas animadas com o jogo de vôlei que iria começar — seria uma homenagem, sem prêmios, apenas um ato solidário por parte dos sobreviventes que usavam uniformes com sobrenome das vítimas —, mesmo que com incentivos controlados por respeito ao luto, fazia a corrente sanguínea da jovem vibrar por antecipação. Queria estar ali, no meio daquela quadra, também jogando... se exercitando... colocando aquela energia enorme para fora.

Vocês não querem participar? Vamos! Vai ser divertido. Ou vai ser terrível, o que também é divertido. – ela tentou, pela bilionésima vez, argumentar.

– Não sei porque você está perdendo seu tempo convidando a Iglesias também. – Dinah enunciou, revirando os olhos. – Essa viada é tão fraquinha que nem consegue abrir um pote de picles sem ajuda! Ela sempre pede pra gente abrir.

– Não sou boa em abrir potes de vidro, mas sou muito boa em abrir outras coisas. – Veronica balançou a cabeça sugestivamente.

– Garotas! – Allyson se abaixou entre as mulheres, sussurrando para que apenas as outras cinco ouvissem. – Nós estamos em público, acalmem esse fogo!

– Não vai escapar para sempre da gente, sabia disso?! – Lauren ralhou, cruzando os braços sobre o peito e semicerrando os olhos para a de sidecut. – Você sempre arruma desculpa para não praticar esportes conosco!

– Ora, é porque esse corpinho aqui não precisa disso! Sou gostosa naturalmente! – a outra argumentou, encostando-se no degrau de cimento atrás de si. – Anda! Dá um jeito de cair e errar as jogadas para que eu possa rir um pouco!

Lauren revirou os olhos, bufando e impaciente com as desculpas esfarrapadas da amiga idiota.

– Larga de ser preguiçosa, mulher! Eu preciso que todas vocês joguem para formarmos um time!

As outras quatro que observavam as duas já estavam prestes a ceder para ter, por misericórdia, um pouquinho de paz. Não queriam fazer aquilo, mas, além da incessante falação de Lauren, Tatcher Powell, um homem barrigudo, calvo, de fiapos loiros, com barba pra refazer e o responsável pela Atlética, também gritava usando um interfone para lembrar de que a participação de todos os alunos seria uma forma bondosa e especial de condecorar aqueles que não mais se encontravam entre eles.

Para os conhecedores da biologia e psicologia humana, na verdade, aquilo era apenas uma tentativa de aumentar os hormônios da felicidade e dar uma melhorada nas relações sociais para evitar ainda mais problemas psicotraumáticos.

Após muito implorar, Veronica, Dinah, Normani, Camila e Ally aceitaram jogar por apenas um set e nada mais que isso. Não eram tão fãs assim do esporte e ter Camila e Allyson no time tratava-se um perigo à humanidade e uma chamativa irrecusável de derrota. Elas saíram das arquibancadas, desceram os degraus em meio aos telespectadores sentados e se aproximaram do banco. Tatcher, que instruía alguns monitores dos clubes, as olhou de cima para baixo e levemente julgou a decisão solidária — visto que nenhuma ali, senão a Jauregui, tinha histórico de atleta. O barrigudo calvo, no entanto, foi obrigado a dar de ombros e as ofereceu algumas blusas da atlética, que continham cores azul e preto.

Por terem se apresentado juntas, as seis felizmente constituíram um time completo. Arrumando-se nas posições devidas, e ouvindo as regras sendo gritadas por Tatcher, elas ganharam o início de posse de bola no cara ou coroa.

* Music On * (Miserlou - Dick Dale)

Normani caminhou até o fim da quadra e esperou até que o técnico apitasse antes de jogar a bola para cima e, com um salto e força certeira, a sacou para o lado adversário. As outras mulheres eram um mix de atletas raízes e alunas aleatórias, o que as dava uma certa vantagem. Logo elas deram os três toques disponíveis e, com um corte extremamente forte, passaram a bola pela rede em alta velocidade.

Ally estava com líbero e foi a primeira a receber, dando uma manchete. Veronica, na posição de meio de rede, auxiliou e deu um toque com as duas mãos acima da cabeça, posicionando a bola no ar para quem estava na rede do lado esquerdo, na entrada da rede.

Dinah, que ali estava, imediatamente saltou com graciosidade e deu um corte na bola, espalmando-a para o outro lado novamente. E mediante a força e precisão, a líbero do time adversário não conseguiu alcançar e a bola bateu no interior da demarcação.

Tatcher apitou o primeiro ponto, na medida que esticava o braço em direção do time das seis amigas que comemoravam. Normani, Ally e Camila retornaram às posições na linha de trás e Lauren, Verônica e Dinah à rede. Sem rodízio de posições, devido a posse de bola continuarem com elas, a negra logo sacou mais uma vez.

A defesa esquerda conseguiu interceptar e segundos depois a bola retornava por meio de um saque forte. Normani, na posição de defesa direita, deu uma manchete e a direcionou outra vez para Veronica, que deu um toque de duas mãos e, agora, posicionou a bola para quem se encontrava na saída de rede.

Lauren, ali ao lado direito, estava elétrica, animada e dava pulinhos para liberar um pouco da tensão.

Porém, mais um acontecimento estranho a entrar na lista se deu.

A bola estava se movendo mais devagar, na medida em que vinha em sua direção.

Lauren franziu o cenho, confusa com tudo ao redor de si, parecendo estar em câmera lenta. Pausadamente ocorrendo de forma que tivesse todo o tempo do mundo para notar, por exemplo, como as jogadoras estavam de joelhos flexionados e prontas para contra atacar; como Tatcher estava atento ao lance; como a torcida vibrava morosamente. Era como se o conjunto estivesse mais nítido, visível ao ponto de enxergar os toques com mais precisão por meio de suas pupilas dilatadas. O coração liberava sangue para o seu corpo e sua pele tornava-se mais aquecida.

Claros sinais de adrenalina na corrente sanguínea.

Logo, quando o levantamento de Veronica se realizou e a bola se posicionou perfeitamente à altura, Lauren inspirou fundo e flexionou os joelhos com a agilidade para pular de encontro ao objeto branco no ar, já com a palma da mão aberta. Sem mensurar sua força, ela espalmou a bola com toda a energia que tinha no braço direito e, então, um barulho estrondoso revigorou por todo o ginásio.

*BOOM*

Pela gravidade, Lauren caiu graciosamente de olhos fechados e com a mão apoiada no chão para se equilibrar. Sorriu brevemente, pois ter liberado um pouco da energia a havia feito muito bem, podia sentir a sensação gostosa a consumindo. Mas, ao abrir os olhos à espera do apito de Tatcher às concedendo um ponto, ela percebeu que não só suas companheiras de times e adversárias a olhavam assustadas, mas também as arquibancadas.

Boquiabertos, ninguém obviamente conseguiu enxergar direito o lance ou, sequer ainda, bloquear aquele ataque, pois a bola agora se encontrava estourada no chão.

E Lauren olhava para os trampos brancos dela.

– Você estourou a bola com um corte? – Tatcher perguntou com o apito escorregando de seus lábios, boquiaberto.

Lauren gaguejou algo inaudível, colocando-se de pé e batendo as mãos sujas de pó da câmara de ar arrebentada. Ela engoliu seco, desconcertada com tantos olhares julgadores sobre si.

– Você viu a altura que você pulou?! – Vero questionou, com os olhos arregalados. – Eu já estava prestes a pedir desculpas por ter errado a força, mas... Você... Nossa! – ela balbuciou, gesticulando e apontando para cima.

– Por sorte esse corte não pegou em ninguém! – o responsável pela Atlética comentou, posicionando seu apito novamente na boca. – Mais leve da próxima vez, Jauregui!

– Me desculpe... – Lauren estava desconfortável. Ela olhava para a própria mão, questionando-se de onde saíra tamanha força.

Tatcher Powell pegou uma bola reserva e o jogo recomeçou após um pedido de desculpas ao time adversário. Lauren também se desculpou com as amigas e namorada, as quais decidiram não a rodear com perguntas. Mas a jovem estava receosa em cortar novamente e permaneceu acanhada, auxiliando apenas nas defesas até que chegou sua vez de sacar.

Lauren quicou a bola algumas vezes esperando o apito. Ao ouvi-lo, ela deu alguns passos, jogou a bola para cima, saltou e rebateu.

Mas então o óbvio aconteceu.

Novamente, sem ter a mínima noção da força aplicada, a bola branca atravessou a quadra inteira e se chocou com extrema violência na parede do outro extremo, há metros de distância.

As arquibancadas, bem como os times, arfaram em susto com o outro barulho estrondoso. Lauren fechou os olhos, grunhindo em arrependimento e decepção por ter feito aquilo de novo... sem saber exatamente como o fizera.

JAUREGUI?! – o Tatcher berrou. – Pare de fazer gracinhas e diminua essa maldita força! Acha que a quadra existe até onde? Até o estacionamento do campus?!

A tristeza consigo mesmo, em conjunto com os milhares de pensamentos e emoções descontroladas que passavam pela mente da mulher de íris verde-lima, a fizera ser consumida por seu Alter Ego em um descuido.

Aé?! – Lauren praticamente rosnou, irritada por ter sido chamada a atenção. – Por que você não move essa barriga gorda enorme e vem aqui sacar no meu lugar, hein?!

Sem acreditar no que gritara, ela então se calou no mesmo instante ao colocar uma mão sobre a boca.

Os lábios de Camila se abriram em um "O" de descrença, assim como os de todas as pessoas ali presentes. A latina não tinha a mínima noção do que estava acontecendo com a sua namorada e já não conseguia seguir suas mudanças de humor repentinas. Dinah, Ally e Veronica se entreolharam e Normani apenas balançou a cabeça negativamente, em reprovação.

A maxilar de Tatcher travou de raiva e, respirando profundamente, tentou engolir quaisquer respostas não profissionais e apenas apontou com o dedo a porta dupla do local agora em um silêncio sepulcral.

Saia desse ginásio, agora! – ele ordenou, visivelmente dando o melhor de si para se controlar. – Saia ou, caso contrário, a farei ser expulsa!

Lauren abaixou a cabeça, envergonhada por ouvir um amontado de sussurros e comentários simultâneos que serviam apenas para deixá-la ainda mais desorientada. Não sabia que merda estava acontecendo consigo. Nunca fora aquele tipo de mulher, na verdade, nunca quis ser porque sempre teve aversão a pessoas assim. Aceitando sua penalidade, ela apenas fez um afirmativo e, sem mais olhar para ninguém, se direcionou à saída.

***

Duas horas depois

Ao fim das homenagens por parte da Atlética, todos os alunos foram liberados para as restantes de suas aulas vespertinas. Obviamente o assunto mais discutido por entre os homens e mulheres que caminhavam para seus respectivos blocos foi a pequena discussão que ocorrera no evento.

Em um banco de concreto que ficava em um ponto de distância comum entre os blocos de Medicina, Jornalismo e Biblioteconomia, Lauren se encontrava sentada e ainda cabisbaixa para não deixar o seu semblante decepcionado visível a quem passava ao seu lado. O tempo sozinha havia sido bom para acalmar seu coração disparado, sua respiração errada e o turbilhão de emoções que ardiam suas entranhas.

Hey...

Assim que o tom amoroso de Camila se fez presente, Lauren imediatamente ergueu o rosto e avistou as cinco mulheres vindo em sua direção. Sua expressão suavizou e ela expirou totalmente o ar pesado do pulmão no momento em que sua namorada se sentou ao seu lado direito e a abraçou de lado, dando-lhe um beijinho na bochecha e descansando a cabeça em seu ombro.

– Está melhor? – Veronica perguntou, sentando-se à esquerda. – Conseguiu se acalmar?

– Sim... – Lauren fez um afirmativo com a cabeça.

Um silêncio constrangedor reinou entre as amigas, as quais não sabiam ao certo o que fazer ou falar para ajudar naquela situação estranha. Não reconheciam mais a Jauregui, porém, não queriam se mostrar julgadoras e repreensivas semelhantemente às outras pessoas maldosas.

– Eu... – Lauren já estava prestes a começar, mas Camila balançou a cabeça negativamente.

– Está tudo bem... – Camila suspirou. – Só não faça mais isso, ok? Essas brincadeiras não tem graça!

– Okay... mas... me desculpe, garotas. – a mulher implorou com as íris verdes-lima marejadas. – Não sei o que está acontecendo comigo!

– Não é a nós que você precisa pedir desculpas, Lauren. – Allyson murmurou, precisando ser repreensiva.

– É ao Tatcher. – Dinah ergueu uma sobrancelha.

– E também achamos que você precisa ir a uma psicóloga. Urgentemente. – Normani, que estava atrás da namorada e o mais distante possível para tentar não ser tão rude, falou enquanto chutava uma pedrinha no chão. – Esse possível TEPT só vai fazer as pessoas se afastarem.

– Eu sei. Eu sei! Irei pedir perdão a ele! Eu realmente sei que preciso buscar algum profissional. – Lauren choramingou, passando as mãos pela cabeça sensível. – Até semana que vem vou encontrar algum.

Era totalmente estranho como ela às vezes não tinha controle sobre suas ações. Era como se outra coisa ficasse no controle por míseros segundos.

– Está tudo bem... – Camila, com o coração apertado repetiu sua fala agora frequente, e colocou um beijinho rápido na testa da namorada. – O que acha de faltarmos às aulas e sairmos um pouco?! Talvez respirar um ar fresco seja bom para você.

– Concordo... – Veronica proferiu, analisando a melhor amiga dos pés à cabeça. – Talvez um lugar longe do campus melhore sua mente.

Lauren ergueu o rosto, buscando pela aprovação das demais, e, ao ver os pequenos sorrisos de Ally e Dinah e o afirmativo de Normani, ela apenas balançou a cabeça positivamente para a ideia da namorada.

***

Três horas depois

O sol do fim da tarde de terça-feira estava descendo atrás dos prédios, indicando o início do crepúsculo. Em sua pequena bolha, Lauren e Camila se balançavam com facilidade, inclinando-se e levantando os pés para o ar. As correntes do balanço antigo guinchavam a cada movimento, mas elas não se importavam com o perigo porque necessitavam daqueles minutos de felicidade genuína. Ali, naquele parque de uma pequena praça florida por árvores medianas e outras pessoas sentadas na grama aparada, ambas as mulheres conseguiam sentir o cheiro do forno a lenha das pizzarias; do óleo que fritava frango; o rock começando a ficar mais alto nas máquinas de jukebox e nos fliperamas — os estabelecimentos noturnos locais começavam a ganhar vida.

Já ofegantes e cansadas, ao descerem do balanço, o casal comprou um sorvete para cada uma em um quiosque pertencente a uma senhora simpática, antes de saírem em uma caminhada pelas ruas de Miami, desfrutando dos momentos juntas.

Entre risadinhas, beijinhos rápidos e alguns empurrões leves e provocativos com os ombros, assim que chegaram diante da Otto's Store, um atrapalhado e carinhoso cachorro caramelo saltou na frente de ambas, advindo de um beco à esquerda do estabelecimento.

Luke! – as duas mulheres exclamaram ao mesmo tempo.

Com sua cauda abanando furiosamente e a língua de fora, o cachorro feliz correu até a latina, quase tropeçando na estudante de Medicina. Luke ganiu extremamente animado, pulando nas pernas de Camila e tentando chamar sua atenção para receber algum carinho.

No entanto, ele instantaneamente parou quando seu olfato aguçado capturou o cheiro estranho que vinha de Lauren. Mediante ao instinto animal, o semblante de Luke mudou por completo: a cauda parou de mexer, se colocou em posição de ataque recolhendo a língua e erguendo as orelhas em atenção.

– Hey, menino! Eu senti sua falta. – a jovem de íris verde-lima disse, inocentemente chegando perto do cãozinho para acariciá-lo.

Em vez de uma reação alegre, Luke logo começou a mostrar os dentes afiados para Lauren, rosnando e latindo violentamente. O vira-lata caramelo se afastou um pouco da latina e se pôs em sua frente, a protegendo da outra mulher. Com medo do cachorro tentar mordê-la, Camila se afastou e voltou a ficar ao lado de uma Lauren confusa com o cão que estava na defensiva, dando pulos, se afastando e uivando sem parar.

– Luke? Sou eu... Lauren. Não está me reconhecendo? – perguntou, segundos antes de tentar dar um passo adiante.

Porém, assim que fez tal movimento de aproximação, Luke começou a choramingar e correu com o rabo entre as pernas para o interior do beco à esquerda da Otto's Store.

– O que será que deu nele?! – Camila arfou, assustada.

– Eu não sei... – Lauren respondeu lentamente, engolindo seco em apreensão.

Se sentia magoada com a recepção do cachorrinho que tanto amava e não concluía outra explicação para esse estranho fenômeno.

Mas, impedindo que as duas namoradas continuassem a se questionar, um rapaz forte, alto e negro vinha em alta velocidade pela calçada, contendo um par de patins Chicago de 4 rodas nos pés e um capacete maior que sua cabeça, que o impedia de enxergar com clareza os obstáculos à frente. Os instintos aflorados de Lauren apitaram pelo perigo se aproximando, mas a sua ainda inexperiência não permitiu que tivesse uma resposta rápida o suficiente. Um xingamento pela dor do choque de ombros, ao se virar, saiu pelos lábios da mulher quando o idiota a esbarrou sem querer, fazendo com que a casquinha de sorvete em sua mão oscilasse e caísse em sua blusa, manchando-a.

– Mas que porra! – ela resmungou, abrindo os braços e analisando o estrago em sua roupa.

– Oh, Lauren! Desculpe. – ele falou sem graça.

O indivíduo energúmeno era Diego Valdés, aluno de Direito, que era um dos colegas de Chris. Sempre fora indiferente para Lauren... mas, naquele momento, era algo tão natural o desafeto que sentia que sua origem se tornara desconhecida. A mulher, extremamente enraivecida, não precisava de um motivo para detestá-lo, o desprezo que sentia quando o encarava já era razão o suficiente.

– Porra, olha por onde anda! Você é cego ou retardado, cabrón?! – Lauren falou entredentes, irritada. – Pendejo como você é, deve ser as duas coisas.

De certo sua voz se alterou de tal forma que, quando percebeu, parte dos pedestres ali presentes estavam os encarando, curiosos. Até mesmo o próprio Otto e seus clientes saíram da loja para ver o que estava acontecendo. Tanto Camila quanto Diego ficaram sem reação, desconcertados com a explosão súbita da mulher. Aparentemente constrangido, o rapaz murmurou outro pedido de desculpas, alegando que fora um acidente, mas Lauren se poupou de ouvir o discurso até o final e uma coloração avermelhada começou a se espalhar pelo seu pescoço e bochechas, uma veia latejava em sua testa. Sentindo a visão sair um pouco de foco e os sons tornarem-se mais distantes, a estudante de Medicina engoliu de forma ruidosa. Aquele ocorrido bobo fizera um sentimento ácido e descontrolado se expandir e inflar dentro de si, fornecendo arrepios que partiram de sua nuca e desceram por sua coluna numa sensação jamais experimentada. Logo sua mente se apagou e seu Alter Ego voltou a lutar para vir à tona, acendendo-se num cenário onde ela apenas sentia raiva. Não uma comum. Era mais forte, mais vermelha e intensa. Era ódio. Lauren via vermelho e arfava.

Amor... – as órbitas de Camila se arregalaram ainda mais por detrás dos óculos de grau, apavorada. – Hey! Respira! Tá tudo bem! Amor?!

Após processar as frases e tom de carinho, a mulher irritada começou a inspirar fundo e expirar com força em meio aos rosnados ruidosos que emitia. Buscava controle do mar violento dentro do seu peito, buscava afastar de forma lenta e gradual o cenário caótico à sua volta.

A atmosfera estava realmente sufocante ali. Lauren, com toda a sua cota de paciência já ultrapassada devido a advertência do Tatcher e agora o esbarrão de Diego, apenas conseguia sentir a raiva a corroendo, oscilando sua visão e controle mental e físico.

Lauren?! – a voz de Camila foi lentamente trazendo-a de volta à realidade, como se a puxasse para a superfície depois de um mergulho assombrosamente longo. – Lauren!

A jovem de óculos arfou ao tentar agarrar o pulso cerrado da namorada e sentir a pele e o corpo extremamente quentes.

Irritada, Lauren colocou a mão na testa ao perceber vertigens queimando sua mente por conta do assomo intenso de raiva. Amaldiçoando-se mentalmente, a de íris verdes cintilantes fechou os olhos com força e suspirou para se controlar. Suas pernas tremiam, a respiração estava acelerada e ela sentia que precisava abraçar Camila para manter-se firme, pois, do contrário, acabaria desabando ali mesmo, no meio da rua.

Diego Valdés, por outro lado, já havia fugido dali em seus patins no instante em que percebera que acabaria sem os dentes a qualquer momento.

– Você está muito quente! Parece estar com febre! Você está bem?! – a latina levou a mão macia até a testa da namorada e depois ao seu pescoço, checando sua temperatura. – Caramba, Lauren... Você está pegando fogo!

– Eu estou bem, não se preocupe! – a mais alta resmungou arfando, depois de sair do transe, começando a tremer e suar.

Sua cabeça girava; seu estômago revirava violentamente.

Camila franziu o cenho e tocou a pele da amada outra vez... e a mesma ardeu sob seus dedos.

– Não sei o que está acontecendo. Eu... eu preciso ir. – Lauren balançou a cabeça rapidamente, a fim de focar, e se distanciou do embraço da latina extremamente preocupada. – Preciso ir pra casa!

– Não! Você precisa ir para o hospital!

– Preciso tomar um banho e me deitar, juro que estou bem! – a outra continuou a grunhir em meio a respiração ofegante. – Poderia ligar para a Normani ou a Veronica virem te buscar?! Eu... eu realmente tenho que ir!

Temendo não ter controle sobre suas ações, Lauren então sequer esperou pelos argumentos contrários de uma Camila totalmente estática e colocou-se a dar passos rápidos e longos pela calçada, se distanciando com velocidade e esbarrando em alguns pedestres enquanto lutava para ir até sua motocicleta estacionada no parque próximo.

Precisava de ajuda e, infelizmente, não sabia a quem recorrer.

***

Uma intuição, no interior de seus órgãos, gritava à Camila que algo estava extremamente errado com Lauren e que seus novos comportamentos não eram naturais. Sentada em um banco, do pequeno parque que estavam minutos atrás, com as mãos cobrindo o rosto preocupado, a latina ansiosa ainda não havia criado coragem de pedir carona a ninguém porque sua mente se encontrava nublada e caótica pelos vários pensamentos. Não era estudante de psicologia, mas ao longo do seu curso tivera contato com alguns conceitos que envolvessem tais processos psíquicos e nada parecia ser o suficiente para explicar o porquê de sua namorada estar diferente de tal maneira.

Camila ergueu o rosto cansado e começou a analisar o movimento das pessoas nas calçadas. Tão ocupadas com seus próprios problemas, vestidas em ternos e roupas sociais, sapatos fechados, gel e spray nos cabelos arrepiados; os mais despreocupados em seus patins, chicletes estourando, camisetas combinando com as cores brilhantes dos outdoors e propagandas de marketing das boates e casas de rock. Os anos 80 eram cheios de vida, mas ao mesmo tempo, cheios de lacunas inexplicadas.

Mordendo a unha do dedo polegar, ela tentava pensar em um plano. O que fazer?! Não tinha pais ou adultos mais velhos — com um mínimo de intimidade, pelo menos — para buscar conselhos. Lauren estava distante, fria, estranha e sem filtros. Veronica aparecia e sumia do nada. Dinah passava muito tempo preocupada com Normani e seu mal estar que ia e voltava periodicamente. Allyson sorria demais, porém, também se encontrava evasiva, sinalizando que potencialmente escondia alguma coisa. Poderia pedir ajuda para Patricia, mas a governanta aparentemente estava tão misteriosa quanto a filha, de acordo com a indireta que Lauren lançara mais cedo durante o almoço.

Olhou em direção à loja de Otto: o homem simpático era vivido, sábio e poderia auxiliá-la. Mas... como explicar algo que nem fazia sentido em sua própria cabeça?! Mal havia conseguido encará-lo após a saída de Lauren, quando ele perguntou à latina o que ocorrera ali.

Camila balançou a cabeça negativamente e seguiu a encarar as propagandas grudadas nas paredes de tijolos dos estabelecimentos até que um cartaz em especial, preso no lado de fora de um teatro comunitário, chamou-lhe a atenção. Um grupo de atores pobretões cuidavam daquele lugar e basicamente dependiam de doações e sessões de cinema baratos e de longas-metragens antigos para sobreviver. Três filmes de terror sci-fi estariam disponíveis naquela semana de Lua Cheia: "O Enigma de Outro Mundo" de 1982; "Poltergeist – O Fenômeno" também de 1982; e, por fim, "Um Lobisomem Americano em Londres" de 1981.

* Music On * (Lanius [Battle] - Ben Prunty) (2x)

Já havia assistido a todos e, ao ler o segundo título, um arrepio gelado cruzou a espinha de Camila. Rapidamente as lembranças do jogo do Ouija, feito no Texas, e dos eventos estranhos que aconteceram a partir daquela noite começaram a incomodá-la como beliscões de uma pessoa inoportuna, como avisos que não deveriam passar despercebidos. Não poderia ser? Poderia?! Tudo bem, Ally poderia ter poderes especiais! Todas as cinco amigas pareciam estar bem com aquilo e prometeram guardar segredo. Mas... e o restante das coisas?! Recordava-se muito bem da amiga loira anunciando que existiam mistérios piores... informações que mundanos nunca compreenderiam.

Camila soltou uma lufada cansada pelos lábios e uma risadinha de descrença. Ela estava mesmo cogitando que alguma força sobrenatural estava envolvida naquilo tudo?!

Provavelmente, no fim, era ela quem estava enlouquecendo. Pensou.

Porém, como poderia se julgar por ter aquela ideia louca se uma de suas amigas era uma... bruxa?! Uma bruxa de verdade! Se Patricia, a bondosa que cuidava de todas, também era uma?! Se dias após uma brincadeira envolvendo espíritos um atentado acontecera?! Se Lauren morrera nos seus braços, mas magicamente estava viva com morte cerebral... e, como se não bastasse, acordara como se nada houvesse acontecido e ainda mais forte?! Se Normani também sobrevivera milagrosamente a uma hemorragia interna?! Se Veronica subitamente não dava mais explicações sobre seu comportamento, muito menos Michael?!

Havia algo errado! E ela precisava começar a descobrir por si própria, a única aparentemente sã ali.

– Definitivamente eu estou enlouquecendo. – Camila sussurrou baixinho na medida em que se colocava de pé e protegia as mãos no interior do jeans, a fim de evitar a brisa fria durante sua caminhada pela calçada.

Com sua mochila da UM nas costas, a latina desviava dos outros pedestres e se mantinha em um ritmo de passos rápidos por entre os blocos dos bairros de Miami repletos de tráfego do final do dia. Provavelmente aquela ideia seria perca de tempo e, à noite, quando colocasse a cabeça no travesseiro, se julgaria estúpida após receber uma ligação de Lauren afirmando que estava tudo bem.

Os minutos se passaram e a distância entre ela e o estabelecimento diminuiram até que, finalmente, cessou seus movimentos ao estagnar diante da porta fechada de uma livraria antiga. As vitrines estavam levemente empoeiradas, cheias de bijuterias, filtros de sonho, incensos, estátuas de Buda e elefante, e clientes idosos de cabelos grisalhos que provavelmente ansiavam por cura espiritual. Não sabia porque seus pés a levaram ali, mas imaginava que fosse pela razão de Rosa ter lhe contado histórias do folclore brasileiro quando criança. A empregada sempre alegava que livros antigos ajudavam aqueles que mais precisavam.

Mas, agora, aquele era o único plano que continha.

Decidida a acabar com aquilo logo, Camila empurrou a porta da livraria e um pequeno sino anunciou sua chegada, fazendo o cheiro de incenso imediatamente vir às suas narinas enquanto a fechava atrás de si. A latina desengonçada espirrou um pouco, implorando meio sem graça que isso não diminuísse o sorriso caloroso de boas-vindas de uma velhinha simpática atrás do balcão. Não sabia ao certo o que pedir e como pedir, então, por entre gaguejos, simplesmente alegou que precisava fazer um trabalho sobre contos antigos e uma bobagem de "seres sobrenaturais" para um projeto folclórico. A dona do estabelecimento a olhou dos pés à cabeça, questionando a visível mentira em silêncio, mas deu de ombros e a indicou a área da loja que focava em narrativas e anedotas com a temática desejada.

Sua mente ainda se negava, desacreditada. Deveria estar na casa de Dinah, devorando livros de Medicina e Biologia, e não tamborilando os dedos por estantes repletas de livros com capas amareladas e manchadas pelo desuso. Mas sua intuição não sumia, o gelado na coluna permanecia ali e indicava que aparentava estar fazendo a escolha certa. Camila, então determinada, depositou sua mochila ao lado de uma mesa distante e levantou as mangas da blusa fina que vestia para dar a atenção devida aos resumos nas contracapas dos manuscritos.

Os minutos se passavam. O cheiro fazia suas narinas coçarem. A inquietação aumentava e a paciência diminuía. Nada lhe chamava a atenção, nem sequer quando folheava os objetos encardidos. Quando completou uma hora de procura e nenhuma resposta lógica, Camila colocou o enésimo livro por entre os demais guardados na estante e passou as mãos pelo rosto cansado. Nada, exatamente nada, relacionava Druidas, com espíritos e outros tipos de "animais" ou seres sobrenaturais.

Estúpida, pensou.

Desistente, a latina caminhou até sua mochila já pensando em pedir o telefone fixo emprestado para ligar para alguém, quando, assim que se inclinou o suficiente para agarrar a alça, suas íris castanhas pararam no título de um livro escondido no último nível de uma prateleira atrás da cadeira da mesa. Seu cenho franziu ao ler "Você acredita em Necromancia? Eu sim!" em caixa alta, quase invisível devido a tonalidade azul escura da capa. Lera, em algum dos outros que havia folheado, que Necromancia tratava-se "uma prática de magia envolvendo a suposta arte de comunicação com o morto — quer por evocação de seus espíritos como aparições, visões ou erguendo-os corporeamente — com a finalidade de adivinhação, transmitir os meios para prever eventos futuros, descobrir conhecimento oculto, trazer alguém de volta à vida."

Parecia muito com o que as Bruxas faziam, não?!

Ela esticou o braço e agarrou o livro velho, passando a mão sobre a capa para retirar as partículas de poeira. Puxou a cadeira e se assentou, depositando o mesmo sobre a mesa. Assim que o abriu em uma página aleatória e avistou o termo "Druída", Camila soube que finalmente achara algo por mais que se tratasse de uma espécie de livro-diário de um escritor romeno fracassado.

"Independente da religião, todas as pessoas na Terra reconhecem que existe alguma espécie de batalha ocorrendo no mundo entre as forças do bem e do mal. Uma luta colossal entre a luz e as trevas, a verdade e o erro, a opressão e a liberdade e, finalmente, a vida e a morte. Muitas religiões, assim como a Bíblia, ensinam que além deste véu tridimensional do mundo físico que vemos existe outro mundo espiritual que não podemos ver. Os Druidas acreditavam que existia um lugar invisível para as almas quando elas saíam do corpo após a morte. O paraíso seria para aqueles que achassem a salvação. Aquelas que não a achavam continuavam vagando pela Terra procurando um corpo que acabara de morrer para se reencarnar em uma forma... Sobrenatural. Eram demônios e seu dever era voltar à vida e disseminar o pecado. Eles não mudariam a essência do seu habitante, mas o amaldiçoaria e sugaria toda a felicidade que um dia existiu em sua alma."

Camila engoliu seco devido ao incômodo que se formou em sua garganta, mas continuou a folhear o manuscrito lotado de figuras e desenhos à mão, com comentários feitos exclusivamente pelo autor que, aparentemente, havia sido bastante criticado e taxado de louco por afirmar aquilo que só era lucrativo em filmes de TV.

"Bruxas, Druidas, Feiticeiros, Nigromantes... não importa como os chame... são seres não-humanos que vagam entre nós desde o princípio dos tempos. São indivíduos extremamente pujantes, com poderes místicos capazes de mudar a ordem das coisas... capazes de criar outros seres sobrenaturais, como seus filhos: os Vampiros e Lobisomens."

"Existem vários contos sobre Vampiros e Lobisomens, mas nenhum deles é a verdade absoluta já que eles não existem na visão de muitos. Mas aqueles que acreditam, como eu, fielmente dizem que há vários indícios espalhados pelo mundo."

Camila continuou a folhear o livro que trazia várias alusões a outros autores, como o inglês Montague Summers e o suíço Rousseau: "Em todo o vasto mundo das sombras de fantasmas e demônios, não há figura tão terrível, nenhum personagem tão medonho e abominado, e no entanto transvertido de tal fascínio temeroso, como o Vampiro, que não é nem fantasma nem demônio, mas participa da natureza das sombras e possui as qualidades misteriosas e terríveis de ambos. Se há neste mundo um relato bem documentado é o dos vampiros. Nada falta ali: relatórios oficiais, atestados de pessoas reputadas, de médicos, de padres, de magistrados; a prova judicial é a mais completa. E com tudo isso, quem há de acreditar em vampiros?"

"Existem algumas características comuns em vários contos, podendo assim ser ditas como oficiais. Vampiros são seres inescrupulosos que não saem ao Sol. Não se importam nenhum um pouco com a humanidade, pois vêem nela apenas uma fonte de alimento e prazer. As características de um vampiro são a força e a velocidade. Suas íris contém tons de vermelho sangue, refletindo seu humor e fome. Beleza inumana, pele gélida. E, sem poder esquecer, o grande poder de persuasão. São criaturas sedutoras. Para se tornar um vampiro, de acordo com um conto antigo, é necessário morrer com o sangue do mesmo no sistema e completar a transição."

Camila suspirou, pois aquilo tudo a estava deixando com uma sensação terrível no peito. Ela continuou pesquisando por entre as quase 300 páginas e mais contos relatavam figuras lindas e atraentes, mas que eram extremamente más por não conseguirem controlar suas emoções.

"Lobisomens são seres amaldiçoados e miseráveis. Vivem sozinhos por trazerem sofrimento a todos que tem por perto, portanto, a humanidade é o ponto fraco deles enquanto ainda na forma humana. São escravos da Lua Cheia, mas podem ter uma semitransformação em dias normais."

Camila olhou no calendário pregado na parede da livraria e viu que a Lua Cheia seria em menos de 48 horas.

"Para se tornar um, de acordo com um mesmo conto antigo, existem duas formas. Pela Lua de Sangue ou sendo da linhagem de uma família de Lobisomens. Durante uma lua normal, a mordida de um Lobisomem lhe mata, mas durante a Lua de Sangue a mordida lhe transforma em um. E, existem aqueles que de fato são os amaldiçoados: os descendentes de Lobisomens. Pessoas que fazem parte dessa linhagem de sangue geralmente são muito pálidas e pele quente por causa do alto metabolismo, força e velocidade excessiva, contêm orelhas um pouco compridas e temperamento explosivo, bipolar e sem filtros até que aprenda a controlá-lo".

Camila fechou os olhos para respirar fundo e acalmar seu coração. Após alguns minutos tomando coragem, ela continuou.

"Entretanto, não são todos aqueles que pertencem à linhagem de sangue que se tornarão um monstro. É necessário ativar a maldição de alguma forma."

Ao lado da afirmação existia o desenho de uma espécie de lobo com características humanas: o andar sobre duas patas e rosto mesclado com feições do habitante. Os quatro caninos, assim como as garras, eram pontiagudos e o olhar era focado, néon, brilhante. Uma mistura de cores que por fim resultava em um: cinza.

O olhar arregalado de Camila caiu para o chão enquanto sua mente se perdia em memórias. Sua namorada estava mais elétrica do que nunca, até quando parada. Sua pele quente excessivamente sem motivo algum. Seu humor era louco e sua fome tanto por carne quanto por prazer era insaciável. Poderia ser o seu alto metabolismo, pensou a jovem. Ela fechou os olhos com força, tentando disseminar aquelas loucuras, mas sua consciência não deixava. Camila bufou e abriu os olhos novamente, poderia ser uma brincadeira de sua mente, mas lembrava-se agora perfeitamente do momento mais cedo em que Lauren colocou os cabelos atrás da orelha e a mesma estava levemente mais pontiaguda... ou sobre as quatro presas e molares mais desenvolvidas que os de uma pessoa, dita como normal, enquanto mordia seu almoço.

Ou pior... as íris mais verdes, mais cintilantes com um tom cinza.

*TRIIINNN*

O toque estrondoso do telefone de disco da livraria silenciosa fez Camila praticamente saltar de susto na cadeira. Ofegante, colocou a mão sobre o peito e sentiu o coração tão disparado que doía a cada batida. Ela riu, totalmente sem graça, da bobagem que estava fazendo. Lobisomens e Vampiros?! Talvez fosse ela que estivesse ficando louca e criando imagens distorcidas na cabeça e não Lauren. Ally havia afirmado que as Bruxas eram legais. Viviam ajudando a natureza e nada mais que isso.

Era tolice chegar a cogitar a ideia de um daqueles pontos. Aquilo era fictício. Loucuras de um autor beberrum.

Vampiros e Lobisomens não existiam. Pessoas e suas maldades existiam.

***

Noite de Terça-feira

Casa dos Hamilton's

Já era madrugada quando elas se cansaram. Ou melhor... quando Normani se cansou, já que ultimamente a jovem estava insaciável e Dinah tentava dar o seu melhor para ela. Deitada, nua, com seu rosto pressionado sobre o seio macio, também nu, da mulher negra, a loira alta encarava o nada. Sua namorada finalmente havia caído no sono, pois sua respiração estava branda.

Dinah escutava as batidas aceleradas do coração de Normani martelarem dentro do peito, mesmo com ela dormindo. O humor da negra andava relativamente estranho; estava mais impaciente, agitada e elétrica, e com um grande apetite sexual que quase beirava ao sádico.

Talvez fosse seu metabolismo alto?! Sintomas divergentes relacionados ao TEPT?! pensou a jovem estudante de Medicina debatendo consigo mesmo.

O estado de sua namorada ainda era uma incógnita. Tentara incansavelmente achar uma resposta em inúmeros livros de Medicina e Biologia, a procura de alguma mínima explicação concreta para aquele estranho fenômeno. Mas não achou nada. Chegou até mesmo a questionar os professores, inclusive o próprio Dr. Ian Somerhalder, sobre esses sintomas estranhos, mas eles tão pouco sabiam a respeito.

Nem mesmo a velha explicação da virose era o suficiente para justificar tal mistério.

Amor... – a voz da mulher negra saiu em um sussurro quase inaudível.

– O que foi, meu bombonzinho? – perguntou, saindo de seus devaneios, erguendo o rosto para encarar o olhar sonolento da outra.

– Eu acabei de ter um sonho estranho... com a minha avó. – Normani respondeu em voz baixa, enquanto encarava o nada em seu quarto e acariciava distraidamente os cabelos louros.

A estudante de Jornalismo sentiu o corpo de sua namorada ficar tenso abaixo de si. Dinah sempre soube da forte ligação que as duas tinham desde que a negra nasceu, e sempre admirou a cumplicidade entre elas. Barbara, inclusive, fora a primeira a aceitar a sexualidade da neta e incentivar o seu relacionamento com a loira, até mesmo tratava a jovem Hansen como se fosse uma filha.

A perda da senhora idosa fora devastadora para todos da família, incluindo Dinah e seus parentes, mas foi ainda pior principalmente para Normani.

– E como foi? – a mais alta perguntou com cautela.

– Bem, foram dois. Bem peculiares. Era estranho e reconfortante ao mesmo tempo... Diferente dos antigos sonhos que eu já tive com ela. Ela tinha uns vinte anos, ou seja, bem mais jovem do que eu... Talvez até tivesse menos que isso. Não lembro muito do primeiro, mas ela me encontrou na cidade e me deu algo... que eu não sei ao certo o que era exatamente. Acho até que eu o perdi. No segundo, era como se ambas tivéssemos voltado ao passado. Eu estava a cavalo, andando pelas montanhas no meio da noite no Texas. Passando por esse caminho nas montanhas, estava frio e havia neve no chão. Ela me ultrapassou e continuou andando, sem dizer nada, enrolada num cobertor e de cabeça baixa. E quando ela passou, vi que carregava uma tocha, como as pessoas costumavam fazer na época. Eu podia ver a luz dentro daquela tocha. Tinha a cor da lua! E, no sonho, eu sabia que ela iria continuar adiante, e que queria fazer uma fogueira no meio daquela escuridão e daquele frio, e eu sabia que, a qualquer momento que eu fosse lá, ela estaria lá. E então eu acordei.

– Uau... – Dinah arfou, admirada.

– É... – Normani concordou com um ar aéreo, os olhos ainda distantes. – Parecia muito real, eu quase podia... senti-la.

***

Um dia antes da Lua Cheia

Quarta-feira – Universidade de Miami – Bloco de Medicina

Batendo a mão com força contra o cadeado de seu armário em um corredor secundário do bloco, Camila se praguejava por sempre esquecer a maldita combinação para abri-lo. As aulas práticas no hospital da Universidade começaram naquele dia e seu jaleco e estetoscópio se encontravam agora presos dentro daquela lataria azul-marinho destinada aos discentes de Medicina. A menor olhou em seu relógio de pulso e viu que tinha menos de cinco minutos para encontrar suas amigas, dizê-las bom dia e correr para praticamente o extremo do campus. As olheiras abaixo de seus olhos e o cansaço em meio aos suspiros denunciavam sua noite mal dormida no quarto de uma Dinah não presente, noite esta que havia sido regada com pesadelos gerados pela leitura estúpida do livro do autor romeno fracassado. Lauren, de fato, ligou para ela antes de que adormecesse e tentou justificar suas atitudes estranhas do dia anterior, alegando que provavelmente estava com alguma virose associada ao evidente TEPT que carregava consigo. Prometera, também, procurar ajuda profissional.

– Que droga! – Camila resmungou, batendo novamente no cadeado ainda fechado.

A combinação é 0727. – uma voz que ela reconhecia em qualquer lugar surgiu atrás de si.

Não que Camila houvesse se acostumado, mas os sustos com as chegadas silenciosas de Lauren diminuíram. Ela virou-se e viu a namorada com um sorriso largo no rosto.

– Como você sabe disso? – a latina ergueu uma sobrancelha e deu um beijo na bochecha da mulher sorridente e com um ar galanteador.

Lauren franziu o cenho e seu sorriso foi diminuindo, pois, parando para realmente ponderar, ela não fazia ideia de como sabia daquilo. Forçou sua mente e uma memória de mais de cinco meses voltou, onde a namorada comentava com Dinah em uma aula de Práticas Aplicadas sobre a nova combinação.

– Ah... – balbuciou. – Acho que ouvi você comentar com a DJ.

– Mas... eu sussurrei no ouvido dela. E nós estávamos atrás de você. – Camila falou, boquiaberta.

Lauren sorriu sem graça, pois não sabia como argumentar. Na verdade, não sabia explicar nada do que estava acontecendo com ela. Tivera mais uma noite agitada com pesadelos, inquietudes por estar morrendo de calor e uma fome inacreditável pela manhã ao ponto de comer três tigelas de cereal e 1 litro de leite.

E ao invés de responder, a mulher de íris verde-lima apenas se aproximou e colocou um beijo terno nos lábios de Camila, que hesitou, mas logo respondeu ao afeto. A menor ainda segurava em seus braços os livros que deixaria no armário e isso estava dificultando a aproximação de seus bustos e quadris.

Para Lauren, no entanto, tratava-se de um gatilho sempre que possuía os lábios daquela latina, algo dentro de si entrava em combustão. Como se seu Alter Ego precisasse sair e devorá-la.

Havia se aliviado no banho daquela manhã, mas a libido continua lhe incomodando, a perseguindo, a deixando praticamente louca. Um dia sem sexo fora uma completa tortura, principalmente após o ataque de raiva que tivera no dia anterior.

Deixando a própria mochila de lado e mesmo com falta de espaço, Lauren pressionou o seu corpo contra o de Camila, forçando-a contra o metal frio do armário. A latina gemeu em desgosto pelos aros dos livros incomodando, mas a boca da maior bloqueou os sons ao mordê-la no lábio inferior, soltando-o com um "pop" audível e logo seguindo caminho até o pescoço, lambendo-o.

Lauren... – o pedido de Camila saiu como um gemido.

O aroma parecia embriagá-la, sufocando-a na medida em que tentava fugir, mas, contraditoriamente, o calor, o toque e a presença da outra a atraiam como uma pobre presa.

Sentindo uma explosão de libido e desejo dentro de si, o Alter Ego de Lauren soltou um rosnado quase gutural e, com um tapa forte, derrubou os livros das mãos da latina com o intuito de ter passe-livre para prensar ainda mais o seu corpo contra o dela, roçando os seios cobertos pelas blusas do curso.

Arregalando os olhos pela violência desnecessária, Camila franziu o cenho e girou o rosto para os lados ao ver que se encontravam vulgarmente no meio do bloco do campus, passíveis de serem vistas por qualquer pessoa também atrasada para as aulas. Em um movimento brusco, Lauren passou as mãos por debaixo de suas coxas e a ergueu no ar, fazendo as costas da jovem se chocarem novamente no metal.

Ouch! – Camila engoliu o choramingo de dor nas omoplatas. – Amor... hey...

Lauren rosnava entredentes e tudo o que passava em sua mente era fodê-la e aliviar sua libido torturante.

Hey... – Camila tentou novamente, em suspiros de desgosto. – Já nos aventuramos muito no vestiário...

Mas o Alter Ego não a escutava. Na verdade, os ouvidos apenas captavam o som disparado dos corações; os dedos sentiam a textura da pele da cintura que apertava; de sua pélvis fazendo pressão contra a boceta.

É sério! – Camila então tentou empurrá-la, mas independente da força que colocava, ela não conseguia sequer mover nenhuma das duas. – Lo! Hey!

Shhhh... – Lauren, de olhos fechados, ordenou com uma risadinha safada em seu pescoço, pensando que aquilo se tratava de uma brincadeira semelhante a de segunda-feira.

Camila, porém, já entrava em tamanho desespero que a libido havia sido substituída pelo medo, pelos gatilhos passados e pela agonia da ausência de oxigênio vital. Ela começou a se debater para tentar escapar da posição horrenda de submissão negativa, assustando a namorada agora confusa, que se distanciou alguns centímetros ao parar tudo que fazia.

Lauren! – Camila implorou com os olhos marejados pelo desagrado. – Eu não quero, para! Por favor, não! Para! Já chega! Você está me machucando!

– Me desculp...

Mas que merda está acontecendo aqui?! – a voz de Dinah então se fez presente.

A loira alta que caminhava à frente da mulher de sidecut distraída, ao ver aquela cena, ficou completamente pasma. Ela estagnou imediatamente, levando consigo também Veronica que soltara a mochila e agora cobria a boca com uma mão.

Saia daqui, Dinah! – Lauren arfou quase animalesca, soltando uma Camila agoniada tão repentinamente que a mesma precisou se equilibrar para não cair diretamente no chão, se distanciando da menor. – Não é o que você está pensando!

– Não vou sair e trate de sair de perto dela! – Dinah ordenou ao finalmente entender o porquê da melhor amiga estar tremendo debaixo da namorada. – AGORA!

O Alter Ego de Lauren veio à tona com força total e rosnou, ainda mais irado, por ter sido mal-interpretado. Camila, choramingando, sabia que nada iria se finalizar, que aquela brincadeira da namorada estava parando e ia parar após o "Não", mas as lágrimas não conseguiam ser evitadas por causa dos gatilhos.

– Eu te avisei, Dinah! – Lauren ameaçou, caminhando na direção da loira. – Larga do meu pé!

A outra estudante de Medicina se assustou, dando passos rápidos para trás ao ver o semblante feroz da amiga. A íris da jovem estava em um verde tão cintilante que a tonalidade apenas seria explicada se usasse lentes de contato.

Com um simples movimento, Lauren empurrou a maior com força contra os armários, gerando a repercussão de uma lamúria de dor e o som alto dos metais devido ao choque do corpo.

– Que porra é essa, Jauregui?! – rapidamente Veronica se pôs entre as duas, colocando a mão no peito da amiga, afastando-a da outra mulher com muita dificuldade. – Para com isso!

Cara, qual é o seu problema?! – Dinah protestou zangada com uma voz ríspida, devolvendo o empurrão. – Não acredito que você esteja sendo tão idiota!

Veronica, com uma agilidade surpreendente, passou os braços pelos ombros da Lauren cambaleante, tentando imobilizá-la por trás na medida em que pedia calma contra seu ouvido. Se a de íris verdes ouvia? Obviamente não. Uma raiva que não media consequências se apoderava, uma combustão em seus órgãos que pulsava ao ponto de enlouquecê-la.

Laur, por favor, vamos manter a calma e...

Mas, o que quer que Veronica estivesse dizendo, foi brutalmente interrompido pelo angustiante barulho do cotovelo de Lauren se chocando contra o seu plexo solar. A de sidecut sem ar pela pancada no diafragma se contraiu, abraçando a própria barriga, e dando espaço suficiente para que em seguida um punho fechado viesse diretamente contra seu nariz exposto.

Devido ao impacto, Veronica caiu no chão com uma mão no rosto e outra no abdômen.

Aargh, porra! – ela grunhiu, tentando estancar o fluxo de sangue vermelho que jorrava por suas narinas. – Caralho...

– Merda! – Lauren sacudia o punho com respingos de sangue e gemia de dor pela força aplicada.

Camila estava paralisada no local, perplexa demais para fazer qualquer coisa. As poucas pessoas que se aproximaram assistiam a tudo, surpresas e amedrontadas. Duas garotas saíram apressadas de uma das salas de estudo, carregando os livros de forma atrapalhada, e um pequeno grupo de rapazes levantou-se do gramado ao longe, avistando a confusão pela abertura da porta do bloco.

– Mas que porra, Lauren! – Dinah exclamou assustada, dando um passo para trás. – Se acalme, sua louca! Para com essa merda! Tá todo mundo olhando!

Veronica, perdendo a paciência, passou as costas da mão pelo nariz que rapidamente parava de sangrar, e se colocou de pé outra vez, dando um leve cambaleado para o lado e contendo agora um semblante irritado.

– Eu vou socar você de novo! Não se aproxime! – Lauren, com uma voz sombria, apontou o indicador à melhor amiga que vinha em sua direção.

PARE! – Camila gritou, colocando as mãos à cabeça ao ver outros alunos correrem para chamar por monitores ou professores responsáveis por aquela área do campus. – Você quebrou o nariz dela! Vai ser expulsa se te pegarem no flagra!

Lauren prontamente ignorou os avisos, deixando-se levar pelo ódio e sede por violência que a consumia como gasolina. Só queria extravasar, só queria mostrar-se mais forte, mais digna, mais... alfa.

Distendendo a força no braço direito, a jovem descontrolada outra vez lançou o punho fechado à frente com o intuito de acertá-lo em cheio no queixo da outra mulher. Mas, surpreendentemente, Veronica foi muito mais rápida e agarrou sua mão no ar, interrompendo o golpe e fechando a própria palma ao redor dos dedos com tamanho força que fez Lauren grunhir de dor e começar a se contrair com uma careta conforme suas articulações ameaçavam ser praticamente esmagadas.

Ah! Ai, ai!

Pare com isso! Acorde, porra!

Sem perder tempo, Vero abriu a outra mão e desferiu um tapa estrondoso contra o rosto de Lauren ao ponto de literalmente trazê-la de volta a si. Libertada e cambaleando para o lado tocando a bochecha agora extremamente sensível, ela arregalou as íris verde-lima ao começar a raciocinar o que acabara de acontecer.

Se encontrava zonza por uma horrorosa dor de cabeça, tão forte que podia sentir seu cérebro quase sendo partido ao meio. A luz do dia parecia queimar sua retina, contribuindo para a tontura que a dominava.

Tudo parecia muito nublado enquanto sua parte racional vinha à tona.

A raiva deu lugar à mágoa, e a mágoa tentou retirar-se para ceder ao arrependimento. Não acreditava que tinha feito o que achava que tinha feito. O pânico e o asco de si mesmo, mesclado com a confusão e nojo que revirava suas entranhas fez com que as pernas de Lauren não se mexessem, bem menos o seu corpo, na medida em que uma Dinah vermelha de raiva abraçava os ombros de uma Camila em prantos e praticamente a arrastava para longe daquele ponto do bloco de Medicina.

O olhar de assombro de Lauren caiu para Veronica, que já não mais sangrava, e avistou nada mais que decepção no semblante da melhor amiga. "Vai para casa, não converse com mais ninguém e não saia de lá! Espere por mim!" foi a única sentença que ouviu da mulher de sidecut antes da mesma se inclinar para pegar as mochilas de Dinah, Camila e a própria, e sair também do local da briga, que cada vez mais ganhava mais testemunhas sussurrando ao fundo.

Lauren havia se tornado, para si mesma, um monstro.

***

Enfermaria – Uma hora depois

Ao lado da sala de enfermaria, Lauren se encontrava sentada em uma das cadeiras de plástico que ficavam no canto adjacente à porta e encarava o punho direito agora avermelhado e com pequenas manchas de sangue seco. Estava agitada e visivelmente abalada, passando as mãos pelas madeixas escuras em sinal de remorso. Sua consciência, seu "eu racional" havia desaparecido por aqueles longos minutos, dando espaço para uma versão de si que não conhecia e nem compreendia as capacidades terríveis. Praticamente faltava rezar a qualquer Ser lá em cima para que ninguém a denunciasse à reitoria, porque brigas no interior do campus eram definitivamente motivo de expulsão imediata. Sabia que suas amigas provavelmente não contariam a verdade e desenvolveriam qualquer desculpa meramente racional... mas... mesmo assim ela poderia perder tudo.

Suas lamentações foram interrompidas quando a porta da enfermaria foi aberta, e, sentindo o estômago afundar e as mãos começarem a suar, Lauren olhou pelo canto dos olhos para o lado, desejando no mesmo instante não ter o feito. As quatro mulheres saíram da sala, com uma Veronica de camisa respingada de sangue, segurando uma compressa fria no nariz levemente inchado, e examinaram a jovem de íris verde-lima com diferentes expressões, mas todas contendo um sentimento em comum: a decepção.

Um silêncio constrangedor e tenso se apossou do ambiente e as seis mantiveram-se quietas por um momento, se encarando. Camila olhava a namorada, oscilando. As íris castanhas estavam marejadas, mas era nítido o modo como ela lutava para conter as lágrimas, e mesmo que se esforçasse para demonstrar uma postura firme, a latina encontrava-se num estado de pânico tão intenso que suas entranhas pareciam se liquefazer a cada passo incerto que Lauren, agora de pé, dava no corredor em direção ao grupo.

Porra, eu disse pra você ir pra casa! – Veronica grunhiu, em meio ao gaze contra a boca. – Você só vai piorar tudo!

– Não se aproxime! – Normani imediatamente tomou a frente, criando um escudo entre ela e as outras quatro atrás de si. – Eu te meto um soco se encostar mais um dedo em alguém! Você deixou a Camila e a Dinah tão assustadas que elas foram tirar eu e a Ally das nossas aulas! Que merda você tem na cabeça, sua estúpida?! Não é porque somos suas amigas que vamos suportar qualquer merda violenta ou sem noção que esteja acostumada a fazer e se safar!

A negra não se encontrava tão diferente em quesitos de sensações estranhas à consumindo. Uma alternância inexplicável de energia e esgotamento a estava deixando preocupada: às vezes acordava com força para segurar um touro, mas, em outrora, parecia que poderia desmaiar de mal-estar a qualquer momento. Porém, uma coisa era inevitável e imutável: ela não suportava mais olhar para a cara da Jauregui e cada vez menos suportá-la por perto.

– Meninas, eu sinto muito! Meu Deus, eu não sei o que aconteceu! – Lauren tentou se justificar, gemendo em frustração. – Eu não sei o que está acontecendo, eu... – apoiou-se na parede, tapando o rosto, tentando fazer seu cérebro parar de trabalhar tão rápido. – Todos esses dias, tudo o que aconteceu... Eu já não sei mais quem eu sou... É tudo tão confuso... Eu sinto muito!

– Aposto que sente mesmo! – Normani se permitiu um riso amargo e desprovido de humor, rolando os olhos com os braços cruzados sob os seios. – Qual é a porra do seu problema?!

* Music On * (The Drugs Don't Work - The Verve)

– Eu estou pedindo desculpas! – Lauren retrucou, com os olhos arregalados. – Eu tinha parado no momento em que vi o desespero dela!

– Sua desgraçada, você ia agarrá-la à força sim! – Dinah arfou e tentou partir para cima da mulher de íris verdes, mas Ally e Veronica, ainda com a gaze no nariz, entraram na frente.

– Para! – a loira mais baixa ordenou, na medida que olhava para os lados a fim de verificar que ninguém assistia à terceira briga em dois dias. – Ninguém vai machucar mais ninguém! Somos amigas, caralho! Querem ser expulsas?! Já estamos dando sorte demais!

– Você vai defendê-la? – Dinah questionou entredentes, com as mãos na cabeça. – Eu não acredito!

– Eu realmente espero que não tenha acontecido isso... – Ally respondeu e se virou para a Jauregui, lançando-a um olhar feroz. – Certo, Lauren?! Me diga que você realmente não fez isso!

– Eu achei que estávamos brincando como na segunda-feira no vestiário... eu achei... eu realmente achei... não consegui perceber que ela não estava gostando... eu... – Lauren tentava falar, mas os gaguejos e o desespero na fala a atrapalhavam ao mesmo tempo em que tentava buscar pelos olhos marejados de Camila, mas Normani a mantinha atrás de si com eficácia. – Por favor, me escutem! Por favor! Eu tinha parado, eu juro! Eu nunca faria isso com uma mulher, eu nunca faria isso com a Camila! Eu nunca jamais faria isso com ninguém! O que vocês pensam que eu sou?! Não sou esse tipo de pessoa! Vocês me conhecem, porra!

– Eu não tenho medo de você! – Normani então sussurrou com raiva, franzindo o cenho em um semblante de ódio. – Me ouviu?! Eu não tenho um pingo de medo! Mas uma coisa é certa: você não vai se aproximar da gente enquanto não resolver essas suas merdas!

– O que?! – Lauren franziu o cenho, em choque. – Vocês vão me afastar?! Vão me afastar quando eu mais preciso de ajuda?!

Dinah e Ally mantinham-se mais atrás, em posições defensivas e em silêncio. Não havia o que dizer após Normani argumentar os mesmos pontos no interior da enfermaria. Camila pareceu hesitar, inspirando profundamente, e, embora sua mandíbula estivesse trincada, ela não se pronunciou. Agora via-se impossibilitada de formular uma única frase coerente sequer.

– Não vamos nos afastar, vamos entrar em contato com seu pai assim que possível e pedir que ele te leve à algum médico. Mas definitivamente você precisa ir embora e não voltar para a Universidade até estar apta a conviver com mais pessoas! Não podemos arriscar a nossa integridade, muito menos a sua. – Allyson então se pronunciou, com uma voz firme e consciente. – O que você fez ou quase fez foi imperdoável, independentemente de qual for a desculpa. Então, ao invés de apenas piorar as coisas, se faça um favor de tratar seja lá qual for esta merda errada que há com você! E nos dê notícias! Porque uma coisa é uma pessoa doente que precisa de cuidados, agora outra completamente diferente é uma pessoa que tem consciência de atos, mesmo que momentaneamente!

– Como quer que fiquemos perto de você se, a qualquer momento, pode nos machucar?! – Dinah arfou com um semblante magoado. – Não me sinto nem mais segura para brincar com você! Muito menos abaixar a guarda de novo!

Lauren suspirou em tristeza, sentindo uma espécie de rolo compressor dissolvendo seus órgãos. Tinha noção, mais do que ninguém, do quanto amava suas amigas e como a presença delas era uma das poucas coisas que lhe dava motivo para acordar todas as manhãs e suportar mais um dia. Vê-las daquela forma estava acabando consigo, a culpa impregnada nos próprios ossos. Porém, não mais que o sofrimento nos olhos de Camila... a mulher que jurou nunca maltratar ou ferir. E, percebendo que seu silêncio não seria suspenso, Lauren retomou o diálogo embaraçador em busca de perdão.

– Camz, eu... – tentou, mas tropeçou novamente nas palavras, aproximando-se alguns metros.

– Lauren... nós precisamos terminar. – Camila proferiu abruptamente.

A pronúncia daquelas palavras saíram de maneira ofegante, entorpecida junto ao seu corpo. Pensou que talvez desmaiaria porque o coração, que já vinha batendo de forma errática, pareceu inflar em seu peito pressionando as costelas. Sua garganta, que já estava seca, comprimia e impedia até mesmo o ar de fazer seu caminho para os pulmões. As palmas de suas mãos suavam, os dedos estavam morbidamente gelados.

Fora uma das piores dores que já experimentara, quase comparava-se a agonia que sentira quando descobriu que o coma de sua amada era irreversível, ou ao vê-la tão indefesa naquela cama de hospital.

– O quê?! – Lauren estava petrificada, sem reação iminente. – Camz... sou eu.

A jovem letárgica não acreditava no que estava ouvindo porque, nunca em sua vida, pensou que aquilo poderia sair dos lábios de sua namorada.

– Não... Não é você. – Camila respondeu e precisou ser rápida para enxugar uma lágrima que escapou.

O ódio excessivo, a arrogância e a violência faziam a menor lembrar-se do primeiro namorado. O ato de Lauren de tentar agarrá-la a fazia lembrar da pior noite de sua vida, como se ela tivesse rasgado a pior ferida que já estava cicatrizada.

– Me desculpe, por favor! Eu não sei o que deu em...

– Eu estou cansada, Lauren! Estou cansada das mesmas desculpas! Eu sei o que aconteceu com você, okay?! Eu também estava lá! – Camila se martirizou, tentando evitar a ânsia de vômito que a fazia estremecer. – Mas... você não é a mesma! Você prometeu estar de mãos dadas comigo a qualquer momento e... você... você quase...

– Eu não iria! – Lauren choramingou em completa agonia. – Eu pararia e eu parei! Eu achei que você queria e... Mas eu não sei o que aconteceu! Olha... Minha mente está fodida! Não consigo entender o que está acontecendo comigo! Eu estou vendo, cheirando, escutando coisas que...

– Não dá pra mim mais! – Camila a interrompeu, não querendo mais ouvir o que dizia. – Eu estou mentalmente fodida também! Todas as malditas noites eu tenho pesadelos com aquele atentado! Eu sonho com você ensanguentada nos meus braços! Eu sonho em implorar a Deus para te deixar viva! Eu sonho com o Dylan voltando para matar nós duas! Não é só você que passou por muita coisa!

– Camz... – a maior choramingou, engolindo o bolo em sua garganta. O medo e o remorso já a corroíam por dentro. – Eu te amo... Por favor...

– Eu também amo você e é por isso que não posso permitir que continue fazendo essas coisas consigo mesma! Não! – Camila sussurrou, fechando os olhos para não perder a coragem que começava a dissipar. – Eu... eu... eu preciso me recuperar primeiro! Eu não sei mais quem você é! E não importa o que fale... a última pessoa que você é agora é a minha namorada! Você precisa se recuperar também, você precisa focar em sua saúde agora! Por enquanto... não dá mais! Acabou!

As mãos de Lauren tremiam e estava prestes a ter um ataque cardíaco, imaginando as piores cenas seguintes enquanto sussurrava "Não... não... não" baixinhos em meio aos soluços amargurados e os embrulhos no estômago. Ela não podia perder a mulher que amava.

Camila, cravando as unhas com força nos braços, controlou-se antes que pudesse esticar as mãos para tocar aquele rosto pálido. Também foi impedida por Normani, que deu um passo à frente para protegê-la e impedir que a latina pudesse voltar atrás na decisão difícil.

– Não vai chegar perto dela enquanto não estiver bem outra vez, ouviu?! E nem tente passar por cima da gente! Vai ter que dar o melhor de si para compensar o fato de que quase a agarrou à força... sendo brincadeira ou não entre vocês, sua idiota!

Os olhos verde-lima de Lauren começaram a lacrimejar visivelmente, porém, ela era forte demais para se permitir chorar. Paralisada pela ausência de coragem de se mover um centímetro sequer, ela apenas seguiu o movimento das outras cinco mulheres na medida em que elas lhe deram as costas e caminharam pelo corredor branco da enfermaria. A jovem olhou para os lados e se viu sozinha.

Sem namorada e sem amigas.

Sair dali, para as seis, tratava-se basicamente de uma tortura. Eram uma família no final das contas.

Mas nem tudo é perdoável.

Nem tudo é reparável instantaneamente.

Ou até, em algum dia.

############

[Wolf] Eu sei que querem matar a Lauren, mas gostaria de alertar que ela possui instintos animais, okay? Ela não sabe controlar nada AINDA, nem sabe o que está acontecendo com o próprio corpo! Na verdade... nem vocês sabem (risos).

[Vamps] Apesar de não respondermos com tanta frequência diretamente nos comentários, nós lemos tudo! E eu gostaria de chamar a atenção e já prepará-los para o que vem futuramente a fim de evitarmos transtornos. Lembrem-se de que estamos falando de CRIATURAS SOBRENATURAIS que não possuem as mesmas virtudes, éticas e morais que nós seres humanos. São pouquíssimos e raros os que têm um mínimo de escrúpulo. No final das contas eles são animais/demônios no corpo de seres humanos! Vou ressaltar o que a própria Ally disse no capítulo 7: "Não existe o preto e o branco quando se trata do sobrenatural". E vou ressaltar também o que, eu mesma, venho dizendo desde que comecei a escrever a fic: "Esperem muitas hipocrisias, contradições e bipolaridades dos personagens". Não é um conto de fadas! Não pensem que queremos de forma alguma normalizar comportamentos tóxicos e muito menos tirar a razão de vocês de questionarem certas atitudes, ações e falas, vocês estão mais do que certos de verem e ressaltarem as problemáticas. No entanto, tenham sempre em mente de que, acima de tudo, os personagens não são e nem serão totalmente humanos, e que é algo esperado dessas criaturas. Certos conteúdos abordados irão além da ciência, biologia e qualquer norma cultural idealizada.

Deixem seus comentários, ideias e teorias! Além de claro, uns mimos para as autoras famintas.

Até a próxima atualização, Duskers.

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