O Conto de Lucien e Jesminda

By feyrhysie

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Como pode ter acontecido. (Personagens pertencem a Sarah J. Maas) More

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By feyrhysie

  A cela do calabouço rangeu ao abrir.

  - Já fazem duas semanas - disse Eris. Quando Lucien não respondeu, ele se aproximou de onde o irmão mais novo estava deitado, virado para a parede, sonhando acordado com ela, vidrado. - Não posso deixar você morrer aqui.

  O som da voz de Eris, a proximidade, a mão em seu ombro, fez Lucien começar a tremer.

  - Sai daqui.

  - Foi mais do que você me disse nas últimas vezes. Deve ser um progresso. - Uma pausa. - Eu trouxe comida.

  - Foda-se.

  - Se não for comer por livre e espontânea vontade, posso obrigá-lo a fazer isso.

  - Foda-se.

  - Você vai precisar de comida no estômago se quiser fugir daqui. 

  - Por que se importa? Você me odeia. Quer me ver morto. Me mata. Por favor, Eris, finalize isso logo.

  Algo carregado passou pelos olhos âmbar de Eris, algo como dor. 

  - O pai quer te ver.

  Lucien não respondeu.

  - Agora - reforçou Eris. - Ele me mandou buscá-lo.

  Talvez o Beron fosse matá-lo e acabar com a sua miséria de uma vez. 

  Foi isso que compeliu seu corpo magro a sair pisando descalço pelo chão frio da cela.

  Cada passo era uma dor grande, mas não grande o suficiente, percorrendo-o por inteiro. Ele merecia isso. Merecia ser espancado, torturado, ou o que quer que Beron tivesse preparado para ele. 

  Ansiava por isso.

  Eris soltou um xingamento e correu atrás dele.

  Sibilou no seu ouvido enquanto seguiam para cima:

  - Quando eu disser para correr, você corre. Para o sul. Tamlin estará te esperando no limite da Corte Primaveril. Corra o mais rápido que puder e não olhe para trás. Haverá muito tempo para se lamentar depois.

  Lucien não tinha energia para se perguntar por quê seu irmão tinha decidido ajudá-lo. Fugir da Corte Outonal. Que piada.

  Para quê ele fugiria?

  Para quê faria tanto esforço para se esconder... Para sobreviver?

  Jesminda estava morta.

  Ele ouvia o coração dela parar de bater a cada respiração. Via o quanto tinha falhado com ela cada vez que vomitava no catre. Quando dormia, e agora passava a maior parte do tempo dormindo, só sonhava com aquilo.

  Com a morte dela.

  Chorava todo dia, toda noite, até não ter mais lágrimas. Elas não a trariam de volta, de qualquer maneira.

  Os piores sonhos eram os felizes. Aqueles em que ela estava viva e sorrindo e beijando-o e tendo bebês com ele, morando naquela casa de pedra com o jardim de cravos. Quando acordava, sentia-se mais morto do que antes.

  Existir era desesperador.

  E ele era horrível.

  Lucien Vanserra, o príncipe, o jovem doce e sorridente, morrera junto com ela.

  Sobrara uma casca grotesca e feia e nojenta no lugar.

  O medo o atingiu primeiro ao entrar na sala do trono. As lembranças terrivelmente claras do pior dia da sua vida vieram com tudo... Como se ele pudesse esquecer de algo.

  Mas era um pavor tão profundo que ele não conseguiu se mexer, apenas ficou parado imóvel, encarando o piso.

  Eris o empurrou para frente.

  Os dois passaram por entre cortezãos chocados que franziam o nariz para ele.

  Lucien queria matar todos. A começar por Beron, Areas, Tohrn, Clay, Jace e Denn. Esfolaria todos eles vagarosamente e com prazer.

  Se um dia fosse capaz de ficar na frente deles sem tremer.

  Beron estava mastigando uma coxa de frango quando ambos se avistaram.

  Lucien o odiava tanto que não sabia que era possível. Tanto, que mal conseguia ficar parado agora.

  Mas também o temia. E isso o fazia odiar a si mesmo quase mais.

  - Meu filho mais novo - sorriu o Grão-Senhor. - Que surpresa agradável.

  Eris reforçou o aperto no braço de Lucien.

  Lucien encarou Beron com olhos sem vida.

  - Espero que esteja pronto para retomar seus deveres agora - prosseguiu Beron. - Fui muito paciente nos últimos dias, mas tudo tem limite.

  Vai se foder, Lucien quase disse, mas essas palavras eram toscas considerando o que ele sentia. Não existia um termo que compreendesse o oceano de raiva, tristeza, desespero e culpa em que ele afundara até o fundo. Do qual nunca iria sair.
 
  Tudo o que ele disse com sua nova voz rouca e morta foi:

  - Eu não sou seu filho.

  Houve um momento de silêncio na corte, até Beron mandar que eles voltassem a fazer o que estavam fazendo antes.

  - Pode até ser, mas é um Vanserra - retrucou ele. - Você vai se recompor e esquecer aquela criatura, vai me obedecer, e vai ajudar esta corte. Posso entender que esteja com raiva. Fui misericordioso e te dei duas semanas. Tempo suficiente para...

  - Entende porcaria nenhuma - rosnou Lucien, se desvencilhando de Eris e mancando na direção do homem que um dia chamara de pai, que se esforçara para impressionar; este se levantou, e ambos ficaram a centímetros de distância. Os punhos de Lucien se acenderam com fogo, mas o pai botou um escudo invisível em volta de si. - E eu não uso mais esse nome. Amaldiçoo ele.

  Os lábios de Beron se curvaram para cima, rindo de uma piada que apenas ele conhecia.

  Mas o que o macho mais velho disse foi:

  - Levem Lucien de volta ao calabouço. Talvez ele aprenda uma ou duas lições sobre gratidão enquanto apodrece no escuro.

  Lucien estava pouco se lixando se morreria no calabouço ou naquele castelo belo e falso. Também não lutou quando o agarraram e o puxaram para trás.

  Mas, antes de sumir da vista de Beron, ele gritava:

  - Vou matar você! Eu vou matar você, porra!

  🍁

  Abrir os olhos.

  Fechar.

  Abrir de novo.

  Vomitar no catre.

  Comeu quando subordinados de Eris invadiram sua cela e o obrigaram.

  Tentou planejar a morte de Beron - a única coisa que o impediria de procurar a própria agora - mas entrava em pânico só de pensar, porque sangue e o rosto dele o lembravam de... De...

  Vomitar outra vez.

  Um dia, ele se recuperaria o suficiente para pôr as mãos em volta do pescoço de Beron e apertar até que o macho estivesse sem ar.

  E então poderia ir para o inferno.

  Porque não havia uma maneira de Lucien ir parar em outro lugar.

  Ele não merecia encontrá-la de novo.

  🍁

  Dias se passaram. Quantos, Lucien não sabia.

  Só sabia que, uma noite, acordou e a porta da cela estava aberta.

  Um dos subordinados de Eris olhou para ele por alguns segundos e disse:

  - Corre.

  Depois sumiu.

  Lucien encarou a escuridão fracamente iluminada por tochas. Ninguém espreitava à vista.

  Sentou.

  Quando eu disser para correr, você corre.

  Eris tinha sussurrado isso quando fora encontrá-lo na última vez, mas não emitira a ordem em nenhum momento. Depois daquele dia, o forçara a ficar mais forte, para aquilo, obviamente.

  Agora, aparentemente, chegara a hora.

  Por um minuto, que pareceu uma eternidade, ele não se moveu.

  Podia ficar ali e sucumbir à culpa, o luto e a tristeza até a morte próxima, ou sair e lutar para viver e vingar Jesminda.

  Não podia imaginar um futuro para si mesmo. Não um em que gostaria de existir. Mas...

  Jesminda.

  Se esforce. Por ela.

  Lucien correu.

  🍁

  Corra

  ... foi o que disse a si mesmo enquanto deixava o castelo silencioso, todos os soldados dormindo pelo sonífero que provavelmente tinham recebido.

  Corra

  ... ordenou para seus pés sangrando, para seu corpo inútil.

  Não olhe para trás

  ... pensou enquanto fugia da casa dos parentes de Jesminda, que haviam concordado em escondê-lo, só para chamar os irmãos dele depois.

  Seus irmãos queriam se assegurar de que ele nunca tomaria o trono, agora que o título não o protegeria da morte. Ele deveria ficar, deveria receber, mas...

  Corra. Não olhe para trás.

  Haverá muito tempo para se lamentar depois.

  Haveria, mesmo.

  🍁

  Lucien continuou correndo, parando apenas quando precisava, por dias.

  Quanto mais corria, menos pensava. Menos se lembrava. Quanto mais doía, mais entorpecido ficava.

  Viu as folhas vermelhas e laranjas e marrons da Corte Outonal se tornarem verdes e frescas. Sentiu cheiro de flores e a brisa no rosto sujo, e percebeu que enfim chegara à fronteira com a Corte Primaveril.

  Se Eris estivesse certo, Tamlin deveria estar esperando-o nas redondezas.

  Foi só quando estava bem a fundo na mata primaveril que ele se atreveu a descansar por um minuto, encostado numa árvore.

  Assim que parou, sua mente voltou .

  Ele fechou os olhos com força.

  O que estava fazendo, afinal?

  - Irmãozinho.

  É claro que eles o seguiriam até ali.

  Lucien se virou e encontrou Tohrn e Areas, sorrindo esbaforidos.

  Parecia justo... Que acabasse assim. Eram os dois que mais o odiaram, e os de quem Lucien menos gostara também.

  Areas deu um passo à frente, tirando a espada da bainha...

  .... só para ser interrompido por uma besta de pelagem dourada e chifres, que pulou em cima dele; ambos rolaram pelo gramado.

  - Saiam das minhas terras - rosnou Tamlin, Grão-Senhor da Primaveril.

  Tohrn, alheio ao que acontecia ao irmão gêmeo, avançou na direção de Lucien, adaga na mão.

  Lucien se preparou. O irmão o atacou, a lâmina roçando perto do seu pescoço, e ele usou todo o treinamento de uma vida inteira para desviar e contra-atacar sem armas.

  Finalmente, ambos caíram no chão molhado pelo orvalho, arranhando e lutando e mordendo.

  - É aqui que você morre - sussurrou Tohrn, pairando em cima dele.

  Lucien se preparou.

  Se fosse morrer agora, partiria feliz.

  Todo o seu ser ansiava pelo alívio.

  Mas ele viu, distante, mas não tanto... Ela... Um vulto, um cabelo escuro e cacheado e, jurou, os pequenos chifres que tanto amava...

  Foi como se o tempo parasse.

  Viva, meu amor, ela parecia cantar, os murmúrios da floresta acompanhando o ritmo.

  Lucien se agarrou a isso.

  Olhou para o lado, e viu a adaga de Tohrn caída ao lado deles. Pegou ela bem quando estava quase sendo esganado e enfiou, com mais agilidade e força do que nunca tivera antes, no peito do irmão.

  O corpo de Tohrn Vanserra caiu, sem vida, ao lado do de Areas.

  Quando se levantou, coberto de sangue, Lucien olhou para eles apenas uma última vez antes de tropeçar para frente. Ele os deixou lá e continuou correndo.
 

 
 
 

  

  

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