Entre Damas e Espadas

By LilyLinx

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Feéricos governam o reino de Awen, mas esse poder vem a custa de muito sangue, tramas e mentiras. Talvez o ma... More

Glossário
Prólogo
Capítulo 1: Lance perigoso
Capítulo 2 Faca cega
Capítulo 3: Corvos das montanhas
Capítulo 4 Limiar da Morte
Capítulo 5 : Urzais (Parte 1)
Capítulo 6: Urzais (Parte 2)
Capítulo 7: Pântano
Capítulo 8 : Correntes e Serpentes
Capítulo 9 - Quase jantar Caterida
Capítulo 10 - Tinto de Sangue
Capítulo 11 - Fora do Baralho
Capítulo 12: Ás de Espadas
Capítulo 13 - Jogos de Azar
Capítulo 14 - Animais feridos
Capítulo 15 - Mortalha Pálida
Capítulo 15 - Mortalha (Parte 2)
Capítulo 16 - A morte inebria seus sentidos
Segunda Rodada: O Carvalho e a Daninha
Capítulo 18: Nas Montanhas
Capítulo 19: Picanço
Capítulo 20: Limiar do Outono
Capítulo 21: Lâmina Sutil

Capítulo 17: Castelos e ruinas

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By LilyLinx

         Um pavão ainda era assim chamado depois de perder suas plumas? Um corcel era sacrificado depois de ter sua pata perdida. Tigres só o eram por suas listras. E agora, quem era ela?

       Sob o véu cinzento, seus olhos estavam inchados, vermelhos. Poderia amaldiçoar Tuama. O que ele viu dançar em seus olhos era a prova do que não reconhecia no espelho, ela própria. O vestido marfim estava esfarrapado onde puxara os fios. Frio. Queria sentir os dedos afundarem no próprio cabelo quente. O peso dele pendia em suas costas, recobrindo seus ombros, mas era uma sensação fantasma. Sorel d'Luryen não estava ali.

       Era um oco que encarava.

         A fita rosada de seus lábios se contorcia, trêmulos. No espelho de prata, era uma criança emburrada e também uma velha arrasada. Os longos dedos correram pelo corpo deixando marcas na pele de alabastro. Não. Não era Sorel d'Luryen. Nunca fora bonita, era bem verdade. Finos olhos castanhos meio separados; a boca, uma rosada fita sem carne. Mesmo sob o tecido, ossos destoavam em sua clavícula. Uma figura desajeitada. Lânguida.

       O espelho rodou quando o chutou com o pé. Havia coisa pior que não reconhecer a si mesma? O pensamento fez seu rosto ficar quente. Os lábios tremeram de raiva.

       Quando Gal'win chegasse, esfolaria a tengu, se pedisse, o faria. Queria que ela também não se reconhecesse. Embora duvidasse que a vira-lata soubesse o que era um espelho. Que Cernudos a foda no outro mundo. A quero morta. Ela, Lidney, Kervan. Mas também Kara e Inari.

         Não podem. Não podem me tirar...  Não podem me tirar... mas nem os cabelos da cabeça lhe haviam sobrado. Não havia nada que não pudesse ser tirado dela? Nem mesmo sua habilidade branah se fazia eficiente nos últimos tempos.

A porta se abriu sem aviso e Marbla se atirou dentro do seu quarto. Sim, aquela casa era sua... mas prédios também ruíam. Coillemori podia provar. A humana estava vermelha, os olhos azuis, uma mina de lágrimas. Trêmula, era incapaz de falar de maneira coerente. Sorel se levantou de sobressalto, com a menção de Lohkar no desespero dela.

Era noite cerrada além da janela. A noite do terceiro dia.

       No quarto que Lohkar ocupava, o macho se debatia em seu sono febril. Marbla chorava copiosamente quando lhe contou o estado em que o encontraram. Após a discussão com Elawan, o capitão havia saído aturdido com sua lança em direção ao bosque das macieiras, ajudar Inari na caça, acreditavam, mas o sol caiu e a amazona alada voltou sem que o feérico ruivo tivesse retornado.

— Afogado, senhora — A moça conseguiu dizer. — Largado no baixio em meio a lama e íris do pântano.

        Ela estava enganada, mas não de tudo. Lohkar foi levado para os aposentos às pressas e com descrição. Embora encharcado, não foi a água que o deixara inconsciente, Sorel descobriu tão logo entrou no quarto. A camisa de linho do capitão fora rasgada para exibir um nada modesto ferimento, circundado por carne enegrecida. No braseiro, ervas calmantes ardiam para aplacar as dores e odores. Não precisava de curandeiros para saber que aquela era a marca de uma flecha de teixo.

        Marbla tinha um choro miado atrás de si e a branah logo percebeu que a criada fora até ela tendo em vista a permissão para ver o capitão. Sorel suspirou antes de mandá-la embora com uma única palavra. Maldito seja, o braço da lança está perdido. Um pouco mais e sua vida também. Apertou os dedos na mão, dessa vez, abrindo meias-luas na palma. A cama cheirava a gangrena e lama onde uma mandíbula havia aberto a carne.

— Lírio — murmurou o feérico febril. — Lírio d'ouro?

       As narinas de Sorel se dilataram, mas não sentiu o ar em seu peito.

       Fora assim que me chamou esta manhã. É por mim que clama? Queria saber.

— A boca é a porta do infortúnio e a curiosidade a chave das armadilhas — declarou a voz de Elawan no canto sombrio espiando as brasas arderem. — Não invada mentes atormentadas. O deixe descansar! Só por essa noite.

O braseiro estalou.

— O que você fez – questionou Sorel entre dentes. Quando não obteve resposta, exigiu, verbal e mentalmente: — Como Lohkar acabou assim? Vocês brigaram, quero saber o porquê!

     Nem mesmo conseguiu arranhar a mente de Elawan, mas ele suspirou antes de responder:

— Se quer culpar alguém, que seja Lidney por ter soltado os cães. Ou Carter por ter acertado uma maldita flecha de teixo nele; ou mesmo você — As sobrancelhas de Sorel se estreitaram quando a face dele completou: Por ter rechaçado com veemência seu afeto.

Sepse, por sinal,  explicou Elawan. 

        Na cama Lohkar balbuciou as mesmas palavras, então um conjunto de outras novas que não pode decifrar. A feérica ralhou com ele, amaldiçoando o macho por ser um tolo. O Senhor de Liffey cruzou o quarto com passos duros para segurar o outro que se debatia. O braço quebrado limitava seus movimentos, e respirar era um palpável desafio, mas, se sentia dor, Elawan escondia muito bem.

– Inari disse que ele foi mordido por um dos cães – murmurou o nobre. – Deviam ter sido mais cautelosos.

        "Sempre infecciona", Sorel lembrou, engolindo seco e amargo. Abriu as persianas em busca de puro, a cabeça latejava pragas e aquele frio quebradiço em seu peito. Nem mesmo você fica por mim, Lohkar? Viu a fumaça bem antes de ver o fogo.

— A Rua do Trasgo — exclamou. O outro veio conferir mais que depressa. Uma lança negra se erguia a oeste, onde as chamas a alimentavam na ilhota ocupada pelos comerciantes ricos da cidade. Soltou um sonoro xingamento.

— Só para deixar claro, não fui eu!

          Sorel encarou o lorde com censura.

— A cidade pegando fogo, você jura? Algum servo idiota deve ter colocado as roupas para secar perto do forno e caiu bêbado — Se fosse um pesadelo a feérica estava pronta para acordar.

         Sentiu o macho trincar os dentes atrás de si. O lorde foi à porta. Uma batida e o guarda entrou incerto.

— Imagino que a guarda da cidade já viu o incêndio, não esperem que chegue aqui para assar batatas. Quero o fogo apagado até o amanhecer. Espere. Convoque a Comandante das tropas-aladas para jantar na sala privada. Peixe e faisão assado com mel, Nove-moedas pode pensar no que acompanhar o prato. Depois peça para preparem a sala e podem se retirar após servir o jantar aos demais nobres. — Justino já saia como um parvo quando o lorde acrescentou. — E vinho. Uma boa safra de Lágrimas do Sol. Se ainda tiver sobrado alguma.

A testa da feérica se franziu.

— O acompanhe e faça sala a Lady Inari até eu chegar, por favor. — A interrogação ainda pairava na face dela. — Temos que supor que Lohkar não foi discreto, ou mesmo Carterida, que sabem do anúncio da banshee. Quero deixar claro que sobrevivi.

      Sorel encarou Lohkar com pesar. Sentiu o olhar de Elawan fazer o mesmo.

— O que tem para barganhar com ela? — questionou a feérica.

— Nada se essa notícia vazar. — Ele se mantinha indecifrável. — Um castelo é tão confiável quanto as muralhas que o defendem. E elas são tão resistentes quanto os homens a guardam. Faça o que pedi.

A feérica suspirou infeliz. Este era mesmo o lorde feérico que havia escolhido, mas sentiu as forças nele faltarem em si. Mentiroso. Apertando a mão do capitão na sua, viu a cautela com que o outro a observava. Disse que não carregaria mais quem pudesse lhe matar. O ruivo tinha o corpo cedido à febre, a mente distante como um fio de neblina.     

        A coisa a matou... Era engraçado pensar que depois de tantos séculos não lembrava de sua aparência, em contrapartida as palavras eram marcações em pedra.

Os dedos se dobraram contra a madeira e a febre voltou a tomá-lo para o mundo dos sonhos enquanto a água o arrastava. Não soube quanto tempo ficou assim. Em sua mente, a névoa o encarava. Maldição, tentou dizer. Nem se conseguia ouvir. Sempre no meu encalço, sempre me atormentando.

— Mãe — ciciou. Se no mundo de cá ou em sonho, não sabia dizer.

         A feérica foi uma cavaleira andante que conheceu um macho do povo silvestre nas densas matas de Nanquim. 

        Mas que surpresa Mabon, você também não sabia seguir em frente. Teve que libertar o macho da servidão a beldan

      Queria que não tivesse tentado, mãe, ou pelo menos, matado a fada desgraçada antes de decapitar seu guardião. "Era o que Sorel teria feito". Matou um rei serpente para libertar o meu pai, e baldan amaldiçoou toda sua prole. Tenho os olhos da criatura, seu segundo filho o veneno que a matou. Eu poderia ter bastado para você, mãe? Mabon, Presas de Cicuta, a lendária cavaleira que enfrentou reis e monstros, morreu no parto de uma criança deformada que logo a seguiu.

— A coisa a matou — disse o pai. Perdido no oco de suas palavras. — Ela é agora a água por entre as pedras, as raízes fundas na terra e o prado que a envolve. Minha Mabon viverá no tronco das árvores e nas criaturas que delas se alimentam... Livre... Não, não deixarei aquela coisa com ela.

          Dizendo isso, se levantou até o quarto e jogou o cadáver meio disforme na lareira. O quarto da mãe cheirava a sangue, suor e lamento, mas logo o odor de carne queimada o preencheu. Foi quando viu as escamas que cobriam a pequena massa, não tinha braços, mas, ossos se projetavam como afiadas garras inflamadas onde a pele as cobria. A coisa amaldiçoada que a matou. Também uma parte de mim.

       Sentia frio mesmo com febre.

       Na última lembrança da mãe, ela jazia numa cama de sangue.

       Mãos verificaram seu corpo, leves como neblina e o arrastaram da água. Fantasmas. Suaves como um dia fora as de Ariah, teria vindo buscá-lo? A Cotovia dizia ser uma banshee, mas a espiã tão mentirosa, foi decapitada meio século atrás.

As brumas se desvaneceram quando abriu os olhos.

Havia alguém ali, esperando. Não fantasmas, oneiros do passado. Uma silhueta o observava na lateral da cama.

— Meu príncipe? — Sua garganta estava tesa como osso.

Não era Cardiff, nada do brilho da pele de ébano, apenas uma figura pálida. Não havia a alegria calorosa no azul dos olhos de Elawan.

— Preciso do comandante da minha guarda. Maldito seja, você devia ser o burro da Ordem. — Já tinha ouvido aquilo, nunca com ele tão irritado.

Era um tolo, mesmo. Mas o Mestre da Guerra ainda estava lá, se recusando a se dar por vencido. Não muito diferente da última conversa que tiveram. Sua mente estava nublada, mas lembrava dela.

— Acha mesmo que ordenei a morte de crianças? Não tenho tanto estômago quanto você — retrucou o lorde quando Lohkar o acusou dos crimes no Manifesto.

Os filhos do moleiro? Ou seria àqueles escudeiros que se referia? Não sabia, estavam de elmo e armadura. Não sabia. Precisava chegar ao rei de Vineheim, Baranthir vestiu crianças como cavaleiros e adicionou volume às suas ameias. A memória de Elawan era boa, todavia, bastante seleto na hora de falar. Por algum motivo o não dito era pior.

— As cartas de Kervan, estavam com meu selo. Meu selo pessoal – falou o lorde com cautela.

— Ele me contou coisas interessantes, como: porque Ariah tentou matar o filho de Baranthir — acusou Lohkar. — Mas não, meu amigo, das muitas coisas que sou, ladrão não está entre elas. Tem Gal'win para esse serviço. 

        Como outrora tivemos Ariah.

        A Cotovia, o mais doce membro da Ordem das Bestas, foi enviada para Vineheim pouco depois de Kara assumir o trono. No ano seguinte, Ariah foi decapitada em Mesa Crepúsculo. Lohkar se sentia um tolo por não ter percebido, mas nunca pensou que Elawan atentaria contra um irmão jurado.

— O corpo na cela — A maioria fecharia os olhos para a diferença. — A quanto tempo Kervan está morto? Tinha dito que ele contaria a verdade sobre a sua inocência.

         O amigo afundara nos travesseiros com desinteresse.

— Pode preferir acreditar no louco que explodiu minha casa — iniciou o lorde, munido de uma raiva jocosa. — Se quiser me matar é uma boa hora, os candidatos estão saltando da mata como lebres após a primavera. Ou ainda pode ir até Kara, contar nossos segredos. — Negou com um maneio. — De todo modo, estarei aqui. Bem como Sorel, e Carter também.

         Havia verdade genuína em sua fala, Lohkar não se deixou convencer, novamente trespassado pelo não dito de sua fala. O lanceiro franziu as sobrancelhas, você não ameaçaria uma criança. O Manifesto de Kervan dizia o contrário.

— E Cardiff? Enquanto ao último príncipe da dinastia Dulac, a porra do seu amigo? O idiota que lhe dava as próprias botas, que lhe defendeu quando o rei pediu sua cabeça – Lohkar se pegou quase gritando, já meio levantado. — Você matou o cretino que jurou que todos seriam iguais no seu governo?

— Claro. — Havia uma certa pitada de deboche, mas suas narinas se dilatavam na respiração pesada. — Como exatamente pretendiam trazer justiça ao mundo se ele não era capaz de escolher nem quem levar para cama? Se Cardiff fosse um pouco mais indeciso ainda estaria na barriga da mãe.

         O lanceiro sentiu bile subindo a garganta, uma ira que o deixava fraco. Elawan se adiantou a segurá-lo enquanto o feérico ruivo vomitava as tripas. O gosto era fracasso, a visão estava por um fio.

— Idiota, seu ferimento! — O macho mordeu o lábio quando uma pitada de dor o abateu. — Vineheim. Lembra das Falésias? Te ameacei quando tentou me impedir. Mas naquela noite, voltou por mim.

       Não mais!

       Elawan tinha afinidade demais pelo exótico. Sempre cercado de criaturas sem par. Não sou mais uma delas, foram as palavras que deixou por dizer quando saiu do quarto do senhor. Agora mais do que nunca, sabia que falava a verdade.

— Suas mentiras são boas — exclamou Lohkar.

— Não são — respondeu ele, limpando o rubro vômito. — Mas você escolheu acreditar.

       Lohkar desejou rir, o seu corpo se mostrou incapaz. O sono cravava suas garras nele. Jogando no fogo o pano sujo, Elawan ficou ao seu lado.

— Cuide dela — clamou o lanceiro ruivo.

         A boca de Elawan se franziu em uma fita. O ímpeto dava lugar à derrota. Lohkar sentia seu corpo afundar, não muito diferente de quando foi levado pela correnteza.

— Farei o que estiver ao meu alcance para proteger sua filha.

— Não — murmurou. Ela está além do seu alcance. Sua mente escorria como água entre as pedras. — Ela não. Carter! Está diferente. C-Carter. Algo aconteceu ... em Colinaspardas.

      Depois disso foi como estar dormindo. Um doloroso sonho febril.


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