Não Muito Princesa

By raquel_costa_

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A vida de Tina (Valentina Cortês) não é como a das jovens da sua idade, porque ela é uma princesa, mais espec... More

Apresentação dos personagens
Copyright
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 4
Capítulo 5
Capitulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10

Capítulo 3

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By raquel_costa_

O carro do tio dele não era nem um pouco parecido com a limusine real, era um Opala marrom. Eu gostei, pois apesar de cheirar a gasolina, era um veículo de pessoas normais.

— Não sei nem o seu nome — falei do banco do passageiro, enquanto o garoto focava seus olhos na rua de pedra-sabão.

— Você nunca me perguntou. — Sorriu. — Eu tenho cara de que nome? — Olhou-me de soslaio e depois voltou a prestar atenção na estrada.

Sir. Metido — devolvi seu desafio.

— Essa foi boa — Deu risada.

Estranho, ninguém em Woodland achava graça das minhas tiradas, porque eram "hostis demais para uma dama proferir".

— Mas que nome eu devo dizer quando a... vovó perguntar? — Era esquisito imaginar Louise como minha avó. Minha avó legítima, Hortênsia, a duquesa de Woodland, era totalmente diferente da minha babá. Enquanto Louise era só sorrisos, vovó Hortênsia era só reclamações. Ok, o meu pai herdou isso dela, e depois, euzinha herdei dele. A minha avó materna eu não conhecia, mamãe disse que ela vivia nas cadeias montanhosas do Chile. Teoricamente, a minha mãe é uma duquesa, não uma rainha (ainda que o povo ambense a considerasse assim), pois, embora pertença a uma rica e respeitada família, não vinha de nenhuma linhagem real. E agora ela fazia questão que eu me casasse com um "puro sangue azul"! Um pouco cômico, não?!

Mas chega de árvores genealógicas, por ora.

— Me chame de Daniel. — Seus olhos brilhavam sob a luz dos postes. A chuva estava muito mais amena. Os cabelos dele escorriam gotículas de quando ele me puxou pela mão de novo até o lado de fora da cabana — em sua lateral —, onde, sem muita areia, mas sim, um passeio de concreto, o veículo estava estacionado.

— Honrada, Daniel... não... quer dizer... honrada nada!Droga de fleuma!

Você. É. Hilária. — Riu balançando a cabeça. Ok, ele tinha certo charme e era um rapaz bonito. Os cabelos escuros, o sorriso genuíno e não por mera educação, o maxilar pronunciado, os ombros largos... mas, nem de longe, um cavalheiro. Era rústico demais em suas maneiras de se portar e muito debochado para o meu gosto.

— Eu também me sinto honrado, Lady... bem... qual o seu nome mesmo? — Tornou a me olhar de soslaio, enquanto seguia as coordenadas que eu tinha lhe dado até o chalezinho do Airbnb.

— É Valentina. Ou só Tina. Mas "lady" não. Nada disso. Só uma garota normal, só isso. — Não vi problema em revelar meu primeiro nome a ele, afinal, quantas Elisabeth's existem por aí e nem por isso são a rainha da Inglaterra. E, além disso, Âmbar não era muito conhecido como no caso do reino britânico. Como eu disse, nem no mapa nós constávamos. Ou seja, as probabilidades de Daniel me reconhecer eram praticamente nulas. Nem devia ao menos ter ouvido falar do Rei Felipe Carlos de Afonso Cortês IV, meu pai.

— Você não é "só uma garota normal". — Riu e eu estremeci na cruel expectativa de que ele fosse relevar a minha identidade, seja lá como tivesse descoberto — É inteligente... engraçada... metida pra caramba, e... linda. — Deu uma olhadinha para o meu lado para verificar se eu havia caído naquela baboseira. Mas eu já havia sacado o jogo dele, e era uma boa jogadora, vice-campeã de xadrez do campeonato da Corte. O meu pai era o campeão. Para variar.

Se eu havia ficado afetada? É óbvio que sim! Para alguém que nunca havia recebido um elogio sequer pelos meus atributos pessoais e não à fortuna no meu inventário, eu estava recebendo até demais daquele garoto. Mas ele não precisava saber disso, então, eu:

— Eu não vou cair nos seus cortejos, já recebi melhores... — falei tentando parecer maquiavélica, mas meu nervosismo me atrapalhou, ao ver que ele tinha parado o carro para me encarar nos olhos.

— Chegamos — sussurrou de um jeito charmoso, de propósito.

— Obri... ga... gada — Voltei meu rosto para a janela, para não ser vencida por aquele olharzinho convencido. — Eu te devo... você... qual o valor do tragé...

No te preocupes por eso. — Veio se aproximando até ficar a milímetros do meu rosto e beijá-lo na maçã esquerda. Foi questão de segundos, mas me desarmou completamente. E eu me odiei por ter apreciado. — Foi uma honra. — Sorriu com maldade, como quem diz: "venci".

— Você não tem permissão de... — Senti meu rosto ferver tanto de raiva quanto de constrangimento, além de alguma coisa parecida com apreço.

Então, você não me quer, não? — Ele ergueu o rosto, só para analisar as expressões do meu.

Se você tentar alguma coisa, eu vou berrar! — Esbravejei.

— Eu não vou tentar nada — levantou as mãos em rendição —, e inclusive você já pode abrir a porta e sair, se quiser... — Apontou para a maçaneta com o queixo. — Mas eu sei que você também está afim de mim, como eu de você.

Daniel ficou sorrindo debochado, desafiando-me com o olhar soberbo.

Todo o meu recate real voou pela janela quando eu o puxei pela gola de sua camisa floral e o beijei. Eu. O. Beijei. Eu!!!

E Daniel retribuiu. Percebi que ele era bem cheiroso, assim, tão de perto e sua boca era macia, e suas mãos no meu rosto também eram aconchegantes.

Ai, não! O meu primeiro... eu nunca tinha... O MEU PRIMEIRO BEIJO TINHA ACABADO DE ACONTECER , E COM UM PLEBEU METIDO!

A fleuma... cadê técnica da expressão inexpressiva e calma quando a gente precisa?!

Eu ganhei. — Forcei um sorriso malvado, como se tivesse feito aquilo de propósito e não por ter sido cruelmente vencida por aquele olharzinho metido.

— Se isso é você vencendo, eu não me importo, nem um pouquinho, em perder pelo resto da minha vida. — Sorriu com contentamento.

Isso queria dizer que eu tinha feito tudo certo, não é?! Ou será que o meu hálito estava ruim? Vai por mim, princesas tem as mesmas mazelas que toda a humanidade, ou até mais... mas eu não ia perguntar esse tipo de coisa. Saí depressa do Opala, sem olhar para trás.

— Te vejo por aí? — ergueu a voz pela janela, depois de abaixar o vidro.

Solo en tus sueños — respondi em tom arrogante. Eu podia estar com a cabeça, o coração e o estômago a mil, mas não podia perder a pose.

Eu não devia ter feito isso!
Eu não devia ter feito isso!
Eu não devia ter feito isso!
Eu não devia ter feito isso!
Eu não devia ter...

Vossa Alteza?! A senhorita está bem? — Louise parecia ter acabado de acordar, e isso por causa dos meus murmúrios de arrependimento .

Para aquele patife, aquele beijo não passou de uma brincadeira, um desafio, um duelo...

Mas... para mim, bom, ele foi... o primeiro. Eu estava fadada a nunca mais me esquecer daquela tragédia, e tudo porque não pude deixar barato uma discursão boba. Concluí que tinha ido longe demais. O meu jeito impulsivo tinha me custado caro.

— Estou, claro... — Dei uma risada nervosa. — E por que eu não estaria, Loulou?

— Mas Vossa Alteza está com os cabelos e roupas ensopados, o que houve? — Foi rapidamente ao banheiro, e, ao voltar, trouxe consigo uma toalha macia.

— Eu... é que... eu estava na varanda... e... começou um temporal, e... eu quis ficar na chuva... — Improvisei minha melhor cara séria. — Louise Nicole de Poulin, a senhora não precisa me reverenciar. Eu quero pelo menos fingir que sou normal. Me trate como "você", está bem?

— Você... — Repetiu me olhando desconfiada, sem saber se comprava a minha história de "eu quis tomar banho de chuva". — Melhorrrr você irrr se banharrr com água quente. Se voltarrrmos parrra Woodland com a senhorrri... você estando enferrrma... nem sei o que serrrá de mim.

Eles precisam saber?! — Pisquei. Esperava que ela mantivesse esse episódio em segredo mesmo, ou eu teria que passar por um interrogatório no estilo da Inquisição.

Fui mesmo tomar um banho quente para ver se lavava todo e qualquer vestígio daquela noite maluca. Ou daquele porto-riquenho totalmente irritante e... Poxa, o meu coração queria saltar pela minha boca quando a minha mente ficava repassando aquela cena! Ser normal parecia ser mais difícil do que ser princesa. Pelo menos as ladies da Corte não precisavam lidar com dilemas tão tensos. No máximo: "Poxa, não estou mais cabendo no vestido que encomendei para o banquete do príncipe Edgar", dentre outras coisas que eu não dava a mínima.

Legal, a minha viagem dos sonhos estava indo ladeira abaixo.

E continuou descendo a ladeira, uma ladeira bem íngreme e esburacada... A semana que se seguiu foi chuvosa, muuito chuvosa, tipo a semana toda, o tempo todo, toda hora, a cada segundo, chuva e mais chuva!

Quem viaja sem antes olhar a previsão do tempo?! Eu!

E o pior era que eu tinha a vaga impressão de que a Louise tentou me lembrar disso, antes de partirmos, mas a princesinha boba estava naquela de "quero resolver tudo sozinha, porque a viagem é o meu presente de aniversário".

Ótimo! Destino: 01 - Valentina: 00.

E Daniel ganhara dois pontos — um por ter me feito de tapada, me enchendo de elogios da boca pra fora, e outro por ter me induzido a beijá-lo. Era o que ele queria, afinal, e eu caí feito uma tola. Mas... por que ele disse que estava afim de mim? Quais foram os atrativos que encontrara em minha pessoa? Ou aquilo podia ser apenas pelo gostinho da vitória... Questões que eu jamais conseguiria desvendar, então, o melhor era esquecer. Aproveitei os dias tempestuosos para mergulhar nos livros de poesia.

"...Amor é fogo que arde sem se ver..."
"[...]
É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que se ganha em se perder.
[...]".

— Mas que coisa brega! — Escarneci. — Luis de Camões não sabe coisa alguma!

"[...]
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.
[...]".

— Que bobagem! Você está me dizendo que amar é gostar de perder?! — Ri com desdém.

— Posso ajudarrr, Voss... minha querida? — Louise apareceu na soleira da porta do meu quarto.

— Está tudo bem... eu só... — Balancei a cabeça. — Louise, alguma vez a senhora amou alguém?

O que?! — Vi o rosto da senhora mudar o tom rosado para branco papel.

— Se você já teve crush por alguém, ou sei lá... amor verdadeiro?! — divaguei olhando para aqueles versos clássicos. — Ou é um mito essa coisa de amor verdadeiro para a vida toda?! Eu não... não entendo dessas coisas...

— Mas... — Eu nunca tinha visto a minha babá tão desconcertada. — Porrr que querrr saberrr disso agorrra, pequena Valentina?

— Justamente porque eu não sou mais "pequena", e... tem esse poema tolo... — Entreguei- lhe o livreto aberto na página do poema do Camões. — Já o tinha lido umas mil vezes na vida, mas nunca tinha parado para reparar as minúcias... amar é perder, Louise?

— Bem... veja... — Parecia tentar encontrar as palavras certas. — Eu não devia rrresponderrr a esse tipo de questão sem antes consultarrr a Vossa Majestade, sua mãe... — Suspirou. — Mas como a senhorrrita disse: "eles prrrecisam saberrr?".

Dei uma longa risada ao ouvi-la reproduzindo a minha frase insolente.

— Pois bem... diante da minha experrriência, que não é lá muito vasta, eu acrrredito que o amorrr é a rrrenúncia mais dolorrrosa e mais bonita que alguém pode fazerrr...

— Quer dizer então que a senhora já teve um crush por alguém?

—  Crrrush?! — Fraziu o cenho.

— Sim. Um interesse romântico por alguém... — Expliquei achando divertida a cara de estranheza que ela tinha feito.

— Eu... eu... — A senhora de rostinho pequeno e enrugado  não sabia onde escondê-lo.

— Tudo bem, Louise... eu sei guardar segredo. — Até porque eu estava nas suas mãos, se ela quisesse dedurar o meu mal comportamento aos meus pais.

— Eu sei, menina Valentina. — Sorriu sem jeito. — A senhorrrita se imporrrta em ouvirrr uma looonga histórrria?

Se eu me importo?! — Ri cética. — Eu amo histórias! Ainda mais longas! — Apontei para o meu lado na cama, para que ela se sentasse, o que ela fez em seguida.

— Bem... — Pigarreou. — Aí vamos nós...

Louise ajeitou a postura antes de prosseguir:

— Em 1961, eu conheci um...

1961?! Louise, quantos anos a senhora tem?

— Não é uma perrrgunta muito educada, mas... — Sorriu. — Tenho 79.

Quê?! — Arregalei os olhos. — Pensei que... que a senhora tinha uns... setenta... no máximo setenta e um.

— Quem me derrra, querrrida... — Balançou a cabeça sorrindo.

Por que raios os meus pais tinham contratado uma senhora tão anciã para ser minha babá?!

— Pois bem... quando eu tinha os meus 19, quase 20 anos... — Olhou para o nada com uma aura nostálgica. — Eu conheci um rrrapaz muito lindo. — Seus olhos brilharam como se ela o estivesse vendo bem na sua frente, o que aguçou mais ainda a minha curiosidade.

Louise voltou a me olhar:

— Ele tinha chegado na cidade à trrrabalho. A prrrimeira vez que eu o vi foi na calçada. Eu estava indo para as minha aulas de Música Clássica.

— A senhora também era obrigada a estudar um monte de coisas que os seus pais mandavam?

— Nem me fale... — Deu uma risadinha. — Mas eu gostava dessa em parrrticularrr. Ainda mais depois que isso me possibilitou vê-lo com frrrequência.

— Humm... um crush... — Pisquei com um sorriso malandro.

— Sim. Algo semelhante. — Assentiu com a cabeça toda tímida. — E ele também gostava de ficarrr me olhando... — baixou o tom de voz com rosto corado.

Droga! Na mesma hora me veio à cabeça aquele olharzinho petulante do porto-riquenho!

— Até que um dia, ele rrresolveu me dirrrigirrr a palavrrra. — O enredo de Louise estava ficando tão envolvente que o sotaque dela já não me irritava, eu até gostava. — "Bonjourrr, senhorrrita!". Acho que a minha rrrresposta foi a mais atrrrapalhada de todas. E foi assim todos os dias. Até que um deles foi diferrrente. — O olhar dela se iluminou mais ainda ao dizer isso. — Eu estava voltando parra casa depois da aula de clássicos, quando o Ar... quando ele... ele... disse assim: "a senhorrrita terrria um tempo parrra tomarrr um pouco de chá?".

Ele chamou a senhora para um encontro?! — Toquei no ombro dela de leve com o meu.

— Não sei se podemos chamarrr de encontrrro, mas... — Deu de ombros.

— E a senhora?!

— Mesmo com todo rrreceio, eu aceitei. Um chá não faz mal a ninguém.

— Qual o motivo do receio, Louise?

— Ah, clarrro. Os meus pais. Eles nunca irrriam me deixarrr irrr a um encontrrro, muito menos com aquele moço. — Os olhos dela ficaram sombrios.

— Ah, é? E por quê?! — Franzi a testa. — Garotas normais também têm essas restrições?!

— Digamos que sim, infelizmente. É mais complicado do que me é possível explicarrr.

— Coisas para não dizer a uma garota curiosa... — Ironizei.

— Quem sabe um dia. Vossa Majestade, sua mãe, não gosta que nós, serrrviçais contamos sobrrre os detalhes sórrrdidos da nossa vida pessoal. — Sua expressão ficou ligeiramente preocupada.

— Não tem problema. Ela não vai ficar sabendo. — Encorajei, pois a curiosidade tinha tomado conta de mim.

— Sei... — Riu. — A sua mãe tem um sensorrr imprrressionante de "estão quebrrrando minhas rrregrrras". Mas o cerrrto foi que eu fui à casa de chá cautelosa. Morrrendo de medo de que alguém da minha família me visse com aquele homem.

— Mas, poxa, o que tinha de tão errado com esse moço?! Ele era tão pobre assim? Era isso?

— Não somente... mas... não vamos nos prrrenderrr nesses detalhes... prossigamos...

"Prosigamos"?! — Desconfiei.

Oui! Com a histórrria! — Meneou a cabeça.

— Eu sei. Eu estou falando do sotaque. A senhora disse "prossigamos" sem ressaltar o "R" — Ponderei.

— Bobagem, querrrida. Deve serrr os anos de convívio com pessoas não frrrancesas. — Sorriu sem jeito.

— Bom, que seja... — Dei de ombros. — Continue!

— O prrroblema foi que, assim como o hábito de darrr "bonjour" todo dia, os chás também se torrrnarrram a nossa rrrotina.

— Vocês começaram a namorar?

— Não exatamente... érrramos amigos. Amigos que sentiam um pouco mais do que amizade. — Suspirou como se revivesse aquele sentimento.

Meu coração chegou a doer por Louise, porque a história que ela estava relatando, obviamente, tinha um final triste.

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