Não Muito Princesa

By raquel_costa_

368 41 23

A vida de Tina (Valentina Cortês) não é como a das jovens da sua idade, porque ela é uma princesa, mais espec... More

Apresentação dos personagens
Copyright
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capitulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10

Capítulo 2

25 3 0
By raquel_costa_

Durante todo o voo, fiquei com os olhos grudados na janela do avião, deslumbrada por finalmente poder ver uma paisagem diferente das monótonas colinas de Âmbar. O mar estava mais azul, o céu mais bonito e o meu coração, muito mais leve.

— Essa jaqueta... não me lembrrro de... a sua mãe não gosta que a senhorr... que você use jeans — Louise falou, olhando por cima de seus óculos a peça amarrada à minha cintura.

— Não é minha mesmo — Fiz uma careta. — Nem em cem mil anos eu teria um gosto tão terrível para roupas. Só estou usando para tentar disfarçar a sujeira que aquele infeliz fez. — Balancei a cabeça em negativa. — Mas... quanto à mamãe... eu pretendo ir ao primeiro brechó e comprar um monte de roupas jeans, se quer saber — provoquei.

Pensando bem, eu deveria ter aceitado que aquele cara me comprasse um "vestido normal", para já começar a experimentar o meu novo estilo de vida,  mas não queria dá-lo o gostinho de pensar que podia consertar um prejuízo caríssimo de um jeito tão fácil. Eu não podia deixá-lo "vencer", porque ele daria um sorrisinho satisfeito e debochado. Mas a verdade era que eu nem gostava tanto daquele vestido. Mamãe é quem o tinha escolhido e comprado para mim. Mas a verdade é que eu me senti uns trinta anos mais velha ao vesti-lo.

O oceano abaixo de mim fazia eu me sentir infinita e pequena ao mesmo tempo. Era a mesma sensação que tive em relação as múltiplas possibilidades de ser simplesmente uma garota normal. Quando pousamos no San Juan Airport, os roncos de Louise já estavam me dando nos nervos e cortaram todo o meu clima onírico. Fiquei encarando a senhora de cabelos curtos e grisalhos, enquanto seus ombros magros subiam e desciam à medida que ela respirava. A francesa acordou assustada quando eu tossi bem alto, de propósito.

Chegamos à liberdade! — anunciei com um sorriso de orelha à orelha.

— Devo dizerrr a vossa... a você... que a rrrainha... a sua mãe... ela me deu orrrdens para que...

— Sim, sim. Eu sei — Revirei os olhos. — Mas eu ordeno que esqueça tudo isso, afinal, a senhora é minha assistente, não?

Eu sabia que a babá iria querer me controlar de toda forma, mas me comprometi a fazer de tudo para tornar sua tarefa o mais difícil possível, e nisso eu era muito boa.

No hall do aeroporto, esperando as nossas bagagens — que nós mesmas iríamos carregar, pois dispensei toda e qualquer regalia de princesa —, havia um mar de pessoas falando em espanhol, castelhano, inglês e um monte de outras línguas estrangeiras. A pior parte de ser obrigada a aprender tantos idiomas, era conseguir entender o que cada pessoa estava dizendo, e aquilo era um tumulto muito grande para a minha mente, acostumada à vida pacata dentro daquele castelo de pedra, onde o meu único entretenimento era passar tardes inteiras na biblioteca do papai.

Não que nós não tivéssemos vários aparelhos de TV, pelo menos uns 15, espalhados pelos aposentos reais e quartos de hóspedes, além dos salões imensos de recreação onde havia outras dúzias delas. Na verdade, eu sempre preferi os livros, pois, não importava onde eu estivesse, era possível ir a qualquer outro mundo, usando simplesmente a minha imaginação. O meu lugar preferido para ler era debaixo daquele carvalho centenário, onde havia um banco de madeira, em um dos imensos jardins do Castelo Woodland, nossa residência oficial.

O sol em Porto Rico era muito mais quente que em Âmbar, então, quando o nosso Uber chegou, eu estava totalmente suada, necessitada de um banho. Era inacreditável como Louise conseguia manter o bom humor sob uma temperatura tão causticante. Na verdade, como ela conseguia manter o bom humor em qualquer situação?! Bem que eu preferia ser assim, mas para me tirar do sério não era preciso muito — mais uma característica herdada do meu pai.

A minha mãe era o extremo oposto: mantinha a sua fleuma e tranquilidade em todas as 24 horas do dia, sete dias por semana. Vivia constantemente me persuadindo a fazer o mesmo: "Minha filha, uma princesa não deve jamais se exaltar desse jeito", "querida, olha os modos à mesa, nada de celular no momento do banquete", "Valentina, eu espero que você se comporte nesse baile, ou vai afastar a atenção do príncipe Edgar".

Notas sobre o príncipe Edgar: era o filho do Rei de Ametista, o reino vizinho. Os nossos pais queriam nos unir em matrimônio em prol dos interesses políticos deles. Ed era o sonho das ladies de Âmbar, os olhinhos delas brilhavam em cada baile ou jantar onde ele estava presente — e vai ver era por isso que eu não tinha nenhuma amiga a não ser a minha prima, Gabrielle. Com certeza, aquelas garotas tinham inveja de mim por eu ter uma promessa de casamento com um cavalheiro que eu mal conhecia.

Ok, eu confesso que tinha uma característica "Princesa Disney" em meu coração: se fosse para eu me casar um dia, queria ao menos que fosse com o meu amor verdadeiro. Não tinha nenhuma experiência com o amor romântico, além do que aprendi com os livros,  mas podia dizer de o Ed não fazia muito o meu tipo.

Edgar Guilherme Wilson era um jovem extremamente educado e refinado em seus modos, "um verdadeiro cavalheiro"— na opinião de minha mãe —, sempre despejando elogios à minha família: "Se vossa realeza me permite dizer, Woodland é o lugar mais agradável em que já estive", "como são espetaculares os vossos jardins", "Que ceia fabulosa, temo não ser merecedor de tantas atenções", dentre outros elogios pomposos. Se essa bajulação toda era porque ele concordava em se casar por interesses, ele devia ao menos direcionar esses elogios à mim e não aos meus pais e suas propriedades. Podia ao menos disfarçar!

Eu não entendia muito de amor, mas sabia que, para eu me apaixonar, o cavalheiro precisava ser, no mínimo, autêntico. Imagina só estar ao lado de alguém sem saber se aquela pessoa te admira ou aos seus bens e títulos!

Mas, em Porto Rico, eu podia ser apenas a Tina, uma garota anônima  tirando umas férias.

Alugamos uma casa muito charmosa pelo Airbnb não quis me hospedar num hotel convencional, porque eu teria regalias: refeições chiques, serviço de quarto, três toalhas limpas por dia... — O lugar não era nem um terço do tamanho dos meus aposentos reais, mas era melhor assim, o espaço menor tirava de mim a sensação de solidão na qual eu estava habituada. Coloquei sobre a mesinha de cabeceira alguns livros que eu havia levado, caso a viagem ficasse entediante. Louise, que ficara no quarto ao lado, caiu no sono assim que terminamos a ceia, ou melhor o pequeno jantar que consistiu, basicamente, em uma Lagosta à Thermidor, um prato francês que eu nem preciso mencionar de quem fora a ideia de preparar.

Devo admitir que Louise cozinhava como uma chefe dos programas de culinária. Pensando bem, se eu tivesse vindo sozinha, teria que comprar as minhas refeições, pois graças a "uma princesa não precisa se preocupar com tarefas domesticas a não ser zelar pela felicidade de seu marido", eu não sabia nem fritar um ovo. A voz de mamãe ecoava na minha mente a cada atitude não convencional que eu tomava. Como, por exemplo, o vestidinho jeans de brechó que eu estava usando. Iria aproveitar o sono da minha babá para dar um passeio na praia. Pelo menos um costume de Âmbar eu iria manter: caminhar descalço na areia, de noite. O barulho das ondas quebrando sempre me fizera bem, acalmava o meu stress diário de ser um robozinho comportado, pois "uma princesa não pode se portar levianamente" . Só que, para os meus pais, qualquer atitude espontânea minha era tida como leviana: "Sem celular na hora da ceia", "cotovelos não ficam sobre a mesa", "ajeita essa postura", "não use gírias tão grosseiras", "não se atrase", "não ande olhando para os pés", não... não, não... não...

Parece que eu não faço nada direito! — falei chutando um castelinho de areia que alguma criança tinha feito.

— Não seja tão dura consigo — Dei um pulo ao ouvir aquela voz.

Mas que destino miserável esse meu! — reclamei me virando para ver aquele sorrisinho metido sob à luz da lua e dos quiosques à beira mar.

— Também achei legal te ver de novo, Mademoiselle Chanel. — Sorriu com o ego inflado, para variar. — Bela jaqueta.

Meu rosto queimou na mesma hora. Eu tinha percebido que aquela jaqueta jeans com alguns rasgadinhos das mangas tinha deixado o meu look mais descolado e menos "princesinha". Tinha ficado um pouco grande, mas a brisa estava fria e eu não queria usar um dos meus casacos, porque eram elegantes demais para acompanhar aquele vestido de brechó.

— Toma, é todo seu — Entreguei-lhe a peça depois de tirá-la rapidamente.

— Esquece, pode ficar. — Fez um gesto de desdém com as mãos.

— Eu faço questão de devolver. Pega. — Joguei a jaqueta em seu peito.

— Você está tremendo, pode ficar. — Quis me devolver, mas eu cruzei meus braços.

— Não estou tremendo.  Não quero. — Mentira, aquela brisa oceânica estava se transformando em um vento forte.

— O que você está fazendo aqui, Lady teimosa? — Cruzou os braços me olhando com ar de análise.

— Você e suas perguntas intrusivas. — Balancei a cabeça. — O que você está fazendo na minha viagem? E pela segunda vez?!

— O que você está fazendo na minha cidade? — Pelo jeito, ele também gostava de um desafio.

— Sua... você... você é de San Juan?! — Isso explicava a semelhança dele com todas aquelas pessoas porto-riquenhas passeando na orla do mar.

Si, señorita — Piscou. — Bienvenida!

— Que ótimo, hein... — usei o famigerado sarcasmo. — Da próxima vez, não vou tirar na sorte para viajar... sou muito azarenta.

Já ia me retirar, dando as costas para o rapaz, quando começou a chover. Assim, do nada! Tudo bem que o céu estava formando umas nuvens, mas a lua estava lá. Como é que chove em um dia enluarado?!?!

— Vem! Por aqui! — Segurou a minha mão e me puxou para Deus sabe onde.

— Ei, eu não... você... é um completo estranho, como eu vou saber que não é um marginal?! — Precisei gritar para ele me ouvir por cima do barulho do temporal que só engrossava.

— Eu não sou um. — Deu risada. — O meu único delito é derramar café na roupa caríssima das pessoas.

— Não sei se confio em você. Para onde está me levando?! — Minha voz saiu esganiçada. Ele corria muito rápido, era difícil acompanhar.

— É uma cabana, do meu tio. — Chegamos a uma pequena, mas muito charmosa, cabana de madeira, onde haviam pranchas e outros equipamentos de surf na varanda.

Chiquito! — Um homem de meia idade musculoso e com um bigodão espesso apareceu. — Quem é vivo sempre aparece, hein!

Hola, tio Jose, eu voltei! — Sorriu e os dois se abraçaram. Lá fora, os trovões eram de dar medo.

— Tienes una novia? — O homem alto falou como se eu nem estivesse presente. Ou vai ver ele pensava que eu não entendia espanhol.

Namorada dele?! — Dei uma risada. — Não mesmo.

— Ela meio que caiu de paraquedas no meu caminho — o rapaz deu de ombros — , aí começou a chover e... cá estamos nós. — Olhou-me como se aquela situação desastrosa fosse engraçada.

Será que era só eu que não conseguia ver a vida em tons de rosa?! Sério, porque todo mundo parecia se divertir a cada nova desventura que acontecia na minha vida, não somente a minha babá, como também aquele porto-riquenho metido.

— Acho que foi você quem caiu de paraquedas nas minhas férias. Inclusive, obrigada — bufei.

—  Ustedes dos pelearon? — O tio perguntou.

— Tio Jose, ela entende o que você está dizendo. E não, não brigamos, eu acho... na verdade, eu mal a conheço.

Hablas español? — Jose me olhou como nativos olham para turistas, com aquela desconfiança e curiosidade. Eu sei, porque é assim que nós ambenses fazemos com os britânicos que chegam todos os anos, na primavera.

Fiquei olhando a chuva cair pela pequena janela daquela cabana, enquanto os dois conversavam, na varanda, amenidades sobre umas viagens que o "chiquito" tinha feito. Foi aí que eu me dei conta de que nem sabia o nome dele. Se papai pudesse me ver agora interagindo com completos desconhecidos, longe da minha babá e no meio de uma tempestade... acho que essa seria a primeira e última viagem da minha vida.

— Não caía uma chuva dessas há um tempão... — Ouvi uma voz atrás de mim. Ele era tipo um fantasma, surgia do nada me assustando.

Parece que tudo está conspirando contra mim! — Escondi meu rosto nas mãos, desiludida.

— Sim, claro... porque o mundo gira em torno de sua existência efêmera. — Deboche era a sua principal característica, constatei.

— Ria o quanto quiser, eu não lig... — Quando me virei para confrontá-lo, o rosto dele ficou a tão poucos centímetros do meu que eu nem pude respirar.

— Está frio. — Pôs sobre os meus ombros aquela jaqueta jeans. Ela estava um pouco respingada de chuva, mas não recusei dessa vez, pois estava frio mesmo.

O jeito como ele ficou me encarando parecia me desafiar a desviar os olhos, de constrangimento, mas eu era uma boa jogadora, então, firmei o meu olhar no dele.

— Você não me intimida. — Sorri confiante.

— Ela fica melhor em você. Está linda. — Ajeitou a gola da jaqueta que acabara de me vestir.

Aquelas palavras deram pane no meu sistema, porque aquele rapaz tinha acabado de realizar o feito mais inédito da minha vida: um elogio sem vínculos ao meu título, ou aos meus pais, ou aos jardins esplêndidos de Woodland, ou às joias da família...

Mas aquilo certamente era parte de seu arsenal de combate, deixar a sua oponente vulnerável.

— Bela tentativa. — Forcei um sorriso despreocupado.

Ãh?! — Franziu o cenho. — Eu só... só disse que você está bonita com a jaqueta. Eu não estou tentando nada. Você que é egocêntrica ao ponto de achar que eu...

— Você disse "linda".

O quê?!

— Você tinha dito que eu estava linda, não bonita. — Ergui uma sobrancelha.

— Pois é. Apesar de muito egocêntrica, extremamente mimada e absurdamente teimosa, eu te acho linda sim, algum problema com isso também, Lady Centro do Universo?!

Eu não tinha uma resposta pronta. Nunca havia testemunhado um elogio acompanhado por uma ofensa. Não sabia se me sentia horrorizada ou lisonjeada.

Não vai rebater?! — Usou um tom de quem estava certo de que havia vencido esse duelo de palavras. Se fosse com o papai, esse jovem não teria vez, porque o rei era muito articulado com as mais variadas ideias e perspectivas, e também porque a voz daquele porto-riquenho não lhe causaria arrepios na espinha, de tão perto que ele estava.

— Quero voltar para casa... quer dizer... para a casa alugada, não para o... a minha... — Minha mente estava confusa. Nenhum cavalheiro já havia chegado tão perto de mim sem os meus pais ou a babá por perto, pelos motivos de: 1) eu não era lá muito simpática e sociável; 2) a maioria dos garotos tremiam de medo do rei; 3) Edgar, o meu prometido, só se interessava pela mobília ou pelos quadros de Da' Vinci em Woodland, meu lar.

— Ainda está chovendo — sussurrou, dando um passo para trás.

Não! Eu não podia deixá-lo vencer!

— A minha... a minha assis... minha... avó... ela está sozinha. — Tive que mentir, pois uma garota de dezoito anos normal não costuma ter assistentes pessoais, muito menos, uma babá.

— Acho que... — Olhou pela janela. — Tio Jose, posso usar o seu carro? — Gritou em direção à pequena varanda.

Tá na mão! — O moço apareceu na soleira da porta e jogou um molho de chaves para o rapaz cujo nome ainda era um mistério.

Assim, tão fácil?! — Olhei do Jose para o seu sobrinho. O meu pai não queria nem que eu tirasse habilitação. Na verdade, os membros da realeza não careciam do documento para poderem dirigir, já que o mesmo era emitido pela própria Coroa. Mas, em resumo da ópera, papai não queria me autorizar, porque "princesas dispõem de motoristas particulares sempre que precisarem, então, para quê dirigir?".

Vamos?! — Balançou as chaves na frente dos meus olhos, me tirando daqueles pensamentos.

— Ainda não sei se confio em você. — Estreitei os olhos.

Quer ir de volta para a sua avó ou não?! — Pôs uma mão na cintura, com o sorrisinho convencido estampado em seu rosto.

Continue Reading

You'll Also Like

101K 12.6K 23
Quando Marina, a cunhada de Nascimento, vem passar um tempo na casa deles para se preparar para um concurso, ele a vê apenas como uma responsabilidad...
654K 31.9K 102
"Todo mundo tem uma pessoa, aquela pessoa Que te faz esquecer todas as outras".
832K 37.7K 88
📍𝐂𝐨𝐦𝐩𝐥𝐞𝐱𝐨 𝐃𝐨 𝐀𝐥𝐞𝐦𝐚̃𝐨 - 𝐑𝐢𝐨 𝐃𝐞 𝐉𝐚𝐧𝐞𝐢𝐫𝐨, 𝐁𝐫𝐚𝐬𝐢𝐥 "dois corações unidos num sentimento, novinha e guerreiro em um só...
34.9K 2.2K 26
𝗢𝗡𝗗𝗘 Arthur Fernandes é quebrado emocionalmente. Isso foi causado pela morte do seu melhor amigo, parte da culpa é dele, mas não se conforma com...